sexta-feira, 2 de setembro de 2016

PAS669. O pistoleiro reencontra a mulher amada

Tinham decorrido três dias desde a sua chegada Vale Perdido. A meio da tarde, Lex decidiu voltar à vila com o fim de averiguar o que lhe fosse possível naquele assunto que o preocupava e constituía para ele numa obsessão.
Talvez alguém na vila soubesse algo sobre a morte de seu pai e das circunstâncias em que esta ocorreu Lex não estava disposto de maneira alguma a deixa por esclarecer aquela situação anómala.
Lex voltou a selar o seu magnífico cavalo. Depois, sem despedir-se de Joan nem da mãe, saltou para a sela com uma agilidade que os seus gestos lentos e cansados desmentiam, apertou levemente as ilhargas do animal e este meteu a galope em direção a Vale Perdido. Pouco depois, «Gavião» atravessava a ponte de Clear River e entrava numa das ruelas da vila.
Era sábado. Alguns trabalhadores e vaqueiros das fazendas próximas deixavam os respetivos trabalhos e vinham à vila divertir-se. A diversão consistia em beber uns quantos copos de «whisky» na taberna do velho Clarence.
Lex meteu o animal a passo e dirigiu-se também para a taberna. Faltavam-lhe uns duzentos metros para ali chegar, quando duma das travessas próximas surgiu a airosa silhueta duma amazona, ao trote de um alazão de boa estampa. O aventureiro estremeceu ao reconhecer quem vinha em sentido contrário. Todavia, foi uma fugaz sensação que prontamente se desvaneceu. Voltou a recuperar o habitual aprumo e sangue-frio. Tratava-se de Myrna Hudson, a mulher a quem tanto amou e cuja recordação imperava ainda no seu coração.
Au chegar junto de Lex, Myrna estacou o cavalo. Olhou para o jovem com uma expressão de felicidade no lindo rosto.
— Lexington!
O interpelado contemplou-a fixamente. Já não era a menina de quinze anos. A sua beleza aumentara consideravelmente com o decurso dos anos. Em lugar da jovenzita bonita e simpática que deixara ao partir, Lex encontrou uma mulher de formas esculturais e beleza serena. Tinha uns lábios vermelhos e sensuais; os olhos e cabelos negros como o azeviche. O jovem conseguiu dominar os desejos que sentia naquele momento de lançar-se nos seus braços e dizer-lhe que ainda a amava, que a sua recordação nunca o abandonou durante os anos de ausência.
— Olá, Myrna...
Eia fitou-o com os olhos muito abertos pela surpresa.
— Não gostaste de ver-me, Lex? Já me esqueceste?
Ele interrompeu-a com expressão grave.
— Não esqueci nada. Amo-te como sempre te amei, Myrna... Mas entre nós, tudo acabou.
— Porquê? — inquiriu a rapariga, ansiosa. — Eu esperei-te sempre.
— Não sei quanto haverá de verdade nisso que dizes. Não obstante, para mim serás sempre a sobrinha do homem que arruinou o lar dos meus. Supões que pode esquecer-se facilmente a magnitude da canalhada que vocês fizeram à minha família?
Myrna contemplou o jovem através das lágrimas que empenavam: as suas lindas pupilas.
— Oh! Lex !... Eu não tenho a culpa de nada. Como podes imaginar que tenha comparticipado na desgraça que os aflige?
— Desejaria acreditar-te, Myrna...
— Podes porventura duvidá-lo?
— Já não sei em quem acreditar ou não... A vida ensinou-me a desconfiar de toda a gente. Imagina que vinha cansado de viver como Deus quis, uma existência cheia de perigos e ciladas. Pensava na ventura que me esperava ao chegar novamente para junto de meus pais... Que encontro no regresso? O pai morto, a mãe cega de tanto sofrer, a irmã a tratar de ovelhas... Achas que é pouco?
— Sou a primeira a lamentar o acontecido. Mas...
As palavras morreram-lhe nos lábios, interrompidas pelo galope de vários cavalos que se aproximavam. Lex Mulford voltou a cabeça e verificou que um grupo de três cavaleiros se dirigia diretamente para eles. No rosto de Myrna refletiu-se uma expressão de terror.
— Vai-te embora, Lex! É o meu tio Michael e dois dos seus homens que se dirigem para aqui!
O «gun-man» não se alterou absolutamente nada com as palavras da jovem, embora pelo tom com que foram pronunciadas compreendesse o medo que lhe inspirava a presença do cacique. Os cavaleiros detiveram-se muito perto dos dois jovens. O que vinha à frente do pequeno grupo encarou furiosamente com Myrna, perguntando com voz rouca:
— Que fazes aí, Myrna, falando com esse tipo? Não te disse já muitas vezes que evites falar com gente que não conheces?
— Mas, tio...
— Não há mas, nem meio mas!
Lex observou o homem em silêncio, aquele que causara a ruína e a desgraça do seu lar. Era um homem relativamente jovem — andaria à volta dos quarenta — de maciça estrutura e feições duma dureza pétrea. Sentiu vontade de levar as mãos às armas e crivá-lo de balas. Mas conteve-se. Primeiro precisava de ter a certeza de muitas coisas.
Michel Farmer voltou-se na sela. Rugindo de novo como um leão, dirigiu-se a Lex:
— E tu põe-te a andar! Se te vejo, novamente a falar com minha sobrinha...
— O quê?
— Meto-te uma bala na cabeça. Quem és?
— Isso não deve interessar-lhe muito.
— Sabes com quem estás a falar?
— Também isso não me interessa a mim.
Os dois tipos que acompanhavam Farmer contemplavam a cena calados; mas olhavam para Lex com olhos assassinos. Eram dois sujeitos de mau aspeto, que certamente se teriam oposto várias vezes a uma boa corda de cânhamo.
Lex, embora continuasse aparentemente distraído, nem por isso deixava de observar as três personagens nos mínimos movimentos. Conhecia a espécie de indivíduos que tinha em frente e não estava disposto a que o apanhassem desprevenido.
Um deles olhou para Lex de través. O seu olhar continha uma dose de veneno suficiente para fulminar vários cavalos juntos.
— Parece-me que é precisa dar uma lição a este tipo, não é verdade, «mister» Farmer? Tem demasiadas fumaças.
— Deixe-me matá-lo, patrão! — exclamou o outro.
— Tanta, pressa tens em deixar a mundo? — riu Lex com voz fria como o gelo.
Myrna tinha coração apertado. Sentia uma grande angústia ao ver o perigo que estava a correr o rapaz, pois conhecia de sobra a habilidade dos dois pistoleiros com as armas.
Muitos dos que passavam na rua tinham parado, embora a respeitável distância. Alguns deles estavam na taberna de Clarence na noite em que Lex regressou a Vale Perdido, e reconheceram imediatamente o jovem Mulford. Por isso pressentiam que aquilo não podia acabar bem de maneira alguma. Ninguém ignorava na vila os motivos de ódio que existiam entre o cacique Farmer e os Mulford, motivos de sobra para aquele diálogo acabar a tiro.
Supondo apanhar o jovem desprevenido, Michael fez um sinal impercetível aos dois homens que o acompanhavam, os quais não fizeram repetir a ordem. As suas mãos desceram aos revólveres com extraordinária rapidez.
Lexington Mulford voltou a ser o «Inexorável» uma vez mais. Esperou que as mãos dos pistoleiros se fechassem; sobre ais coronhas das armas. Então aconteceu algo que causou calafrios a quantas pessoas contemplavam a cena. Os seus braços pareceram adquirir vida momentaneamente, e num lapso de tempo que a vista humana mais apurada seria incapaz de notar, nas suas mãos apareceram dois «Colts» que brilharam sinistramente ao sol do fim da tarde. As duas detonações deram a impressão de serem uma só. Os dois adversários, que já quase tinham conseguido tirar as armas, soltaram-nas e escorregaram das selas para o chão, onde ficaram em posição grotesca.
Aquela demonstração de segurança e domínio no manejo do «Colt» deixou mudos de assombro quantos a contemplaram. Enquanto Lex assoprava os canos das suas armas e voltava a metê-las nos coldres, alguns curiosos aproximaram-se do lugar onde jaziam os dois cadáveres. De muitas bocas se ouviram exclamações de assombro. Ambos tinham um orifício na fronte e no mesmo sítio!
O facto a todos pareceu inconcebível. Ninguém da vila, excetuando os irmãos Crawford, se considerava capaz de enfrentar qualquer daqueles homens que jaziam agora sem vida na poeira da rua. Todavia, Lex Mulford fê-lo, dando-lhes ainda a vantagem de deixá-los puxar primeiro pelos revólveres.
Sem pronunciar palavra, Lex fez o cavalo dar meia volta e afastou-se em direção da taberna de Clarence.
Os olhares que lhe dirigiram Farmer e a sobrinha não podiam exprimir sentimentos mais opostos: o dele, ódio, profundo rancor pela humilhação sofrida; o dela, admiração ao verificar a valentia do homem a quem amava.
 

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