sexta-feira, 23 de setembro de 2016

BUF101. Cap V. Um homem amargurado e outro feliz

— Caramba! Caramba! — exclamou Smilin, ao ver aparecer Ronald. — Com que então, é o major, hem?
— Eu próprio. Que quer você? — inquiriu Ronald, sem perder a serenidade.
— Ganhar a recompensa que oferecem por si. A menos que...
— A menos o quê...?
— Que me entregue a importância equivalente...
Chester olhou o major de soslaio e viu-o morder o lábio inferior, pensativo.
— Não faça isso, Watterfield — disse, sem se voltar. — Dentro de dois dias ele estaria aqui outra vez a pedir-lhe mais.
— Tu calas-te! — ordenou Smilin.
— E tu levanta bem os braços ou faço-te voar essa cabeça de furão — advertiu Chester. — Sabe o que eu faria, no seu lugar, Watterfield? Não deixaria que nenhum deles saísse deste vale com vida. Assim, eliminaria todo o perigo.
Nos olhos de Smilin e seus sequazes pintou--se o mais vivo terror ao escutarem a sugestão de Chester ao major, mas, não obstante, Smilin permitiu-se perguntar:
— Que supões possam fazer dois contra oito?
— E que te faz supor que somos dois? — perguntou o major. — Dá graças a Deus por eu não aceitar a sugestão do meu amigo, porque, de contrário, nem um de vós sairia vivo daqui. Estão cercados pelos meus homens.
Os olhos amedrontados dos foragidos perscrutaram em todas as direções, mas não conseguiram ver ninguém.
— Basta de palrar, Smilin — disse Jeff. — Não vês que tudo isso é garganta? Acabemos com isto de uma vez e não façamos caso das suas bravatas.
O revólver de Chester cuspiu fogo sobre Alex, que conseguira empunhar o seu, esfacelando-lhe o ombro direito. O grito de dor que o bandido soltou confundiu-se com o crepitar de várias armas de fogo dentre a espessura, perdendo-se no ar o projétil que ia destinado a Chester. June soltou um grito de horror, que se sobrepôs ao uivo de dor de Smilin ao sentir-se ferido.
— Bem altos esses braços! — gritou o major, em cuja mão direita surgiu um pequeno revólver. — Bem os avisei de que estavam cercados, e portanto, não deitem a ninguém as culpas do que lhes está acontecendo.
Os sobreviventes levantaram os braços, exceto Alex e Smilin, que apenas conseguiram erguer o que não estava ferido.
— Hards! — chamou o major.
«Cara Dura» saiu dentre uns canaviais empunhando decididamente uma espingarda.
— Colbert!
Outro homem desceu de uma árvore e quedou-se a olhar o grupo com um revólver na mão.
— Wilmore!
Um terceiro homem, também armado, surgiu da espessura.
— Patt! — chamou Chester por sua vez.
O gigante apareceu a uma esquina da casa, com um revólver em cada mão. O major voltou-se para o surpreendido Smilin, dizendo:
— Bem, as forças estão equilibradas. Continuam pensando que poderão levar-me à força?
— Agora não, major. Vejo que ainda não esqueceu os seus tempos de estratega no Exército do Sul. Desta vez perco — grunhiu Smilin com voz torva, enquanto o ódio mais feroz se retratava no seu repulsivo semblante.
— Então — acrescentou Ronald — faça-me o obséquio de me livrar da sua ascorosa presença. Colbert... Wilmore — concluiu com ironia. — Os senhores retiram-se. Acompanhem-nos, para que não se percam no caminho...
Os bandidos voltaram garupas e empreenderam a retirada, perdendo-se na espessura com as orelhas murchas, vigiados pelos dois homens do major.
Este voltou-se para Chester.
— Permita-me que lhe expresse o meu reconhecimento por quanto fez por nós — disse. — Agora que o meu segredo está descoberto, quero agradecer-lhe pessoalmente.
— Major, lutei na guerra a seu lado e continuarei consigo enquanto precisar de mim.
— Mais uma vez obrigado, senhor Bruce — respondeu Ronald. — Mas eles já vão bem escarmentados e não creio que levem vontade de voltar.
— Não penso assim, major. Fez mal em deixá-los partir. Devíamos tê-los abatido todos quando se iniciou o tiroteio. «Risonho» Mulder não desmerece a sua fama de perigoso bandoleiro, e a derrota que sofreu agora deixou-o furioso. Por isso ele voltará, pode crer. Dez mil dólares é uma negaça muito tentadora para um homem que, além disso, só pensará em tirar a desforra.
— Talvez tenha razão — concordou o major passando a mão pelo queixo, pensativo. — Mas, seja como for, afeiçoei-me a este lugar e não penso abandoná-lo. Reforçaremos a vigilância e...
— Mas não pode ficar assim toda a vida — protestou Chester. — Escute, major. Estou disposto a ajudá-lo. Conheço todo este Estado palmo a palmo e poderia conduzi-lo até à fronteira mexicana. Uma vez ali, já nada teria a temer.
— E deixaria aqui a minha... June?
— Ela pode ir também. O senhor tem três homens. Com Patt, o senhor e eu, seremos seis decididos a tudo. Não há ninguém que possa impedir-nos de chegar à fronteira.
— Não quero expô-los a tanto perigo. Não tenho direito a fazer isso. Em todo o caso, se não tiver mais remédio, tomarei a sua oferta em consideração. Prometo-lhe. — E, mudando o tom da voz, o major perguntou: — Quer aceitar a nossa hospitalidade por esta noite?
Chester assentiu. O major ofereceu o seu braço a June, que, por sua vez, num gesto espontâneo, se apoiou no braço de Chester, e os três dirigiram-se para casa, enquanto June se interrogava sobre qual a razão por que se sentia tão segura e protegida junto daquele homem que mal conhecia.
Patt e Hards viram o pequeno grupo afastar-se e penetrar em casa.
— Formam um belo par, hem? — comentou Patt, contemplando-os com embevecimento.
— Sim, o meu amo e a menina June formam um belo par — replicou Hards.
— Não me referia ao teu amo, mas sim ao meu amigo.
— Queres dizer que... Bem... não há dúvida de que se portou como um valente e bem a merece.
— Ouve «Cara Dura». A qual deles atiraste tu? — perguntou Patt.
— Ao que empunhava o revólver — respondeu Hards. Apontou com um gesto o corpo sem vida de Jeff estendido no chão a seu lado e prosseguiu: -- Ali está, e bem morto.
— Tu? Não, homem! Eu também lhe apontei e tenho a certeza de não haver errado o tiro.
— Vamos, tu tens visões. Crês que com um revólver lhe podias ter acertado daquela distância? Foi a minha espingarda que o atingiu, tenho a certeza.
— Pois eu digo-te que não. Eu faço alvo a essa distância e a mais ainda. Mas... com todos os diabos! Tu e eu vamos passar a vida a discutir? Digo-te que fui eu quem o matou! Vamos lá ver.
Curvaram-se para o corpo inerte do bandido e examinaram atentamente os ferimentos. Patt soltou um assobio de surpresa.
— Transformámos-lhe a cabeça num ralador, «Cara Dura». O teu projétil atravessou-o de lado a lado, e o meu da frente para trás.
— Ainda bem que ao menos uma vez estamos de acordo — disse Hards, endireitando-se. Patt quedou-se uns instantes pensativo.
De súbito, veio-lhe à mente uma contenda não terminada.
— Ouve lá. Não achas que temos agora ocasião de liquidar aquela continha...
— Como queiras. Já sabes que não tenho medo de ti. Lamento muito, porque principio a simpatizar contigo.
— O mesmo me acontece a mim. Mas não temos mais remédio que lutar, «Cara Dura». Sinto que me caem as lágrimas só de pensar nisso, mas não gosto de deixar as coisas meio feitas.
— Por que esperas então? Aqui tens os meus amorosos braços, ansiosos por te espapaçarem a murros.
Patt lançou-se a ele. Hards esperou-o a pé firme e os dois colossos caíram por terra, confundidos num estreito abraço. Forcejaram durante alguns minutos, e os terríveis socos que se propinavam ressoavam na tranquilidade do entardecer, acompanhados do mais escolhido repertório de insultos que jamais se ouvira no Texas. Por fim, conseguiram pôr-se de pé, e Patt logrou colocar um formidável soco no queixo do seu adversário.
— Sinto muito, Hards... — disse Patt — mas escapou-se-me a mão...
Hards cambaleou, os olhos turvaram-se-lhe e caiu para trás junto ao poço onde ficou imóvel. Patt precipitou-se para ele, assustado pela sua imobilidade, e, ajoelhando-se a seu lado, ergueu-o um pouco.
— Querem ver que o matei...? — murmurou. — Sempre sou um selvagem! Hards! Hards! Acorda! Sou o teu velho amigo Patt! Não estejas assim, homem... Desperta, faz-me esse favor... — o tom da sua voz era suplicante.
Hards soltou um suspiro e os seus olhos entreabriram-se.
— Creio que te deixei sem sentidos — desculpou-se Patt.
— Deixa-te de presunções — murmurou Hards com voz rouca. — Tu nunca conseguirias fazer semelhante coisa. É que ao cair fui contra o poço...
Patt olhou-o boquiaberto.
— Sempre és muito casmurro! — grunhiu. — Merecias ser texano. Tens já bastante ou queres mais?
— Por hoje já está bem, não te parece, Patt? Mas prepara-te, porque amanhã... Interrompeu-se, ao perder de novo os sentidos. Patt carregou-o trabalhosamente ao ombro e tomou o caminho da casa.
Chester não se havia enganado ao imaginar o estado de espírito de «Risonho» Mulder. O bandido estava realmente furioso. Nunca, em toda a sua vida de sucessivas façanhas, alguém o havia humilhado daquela maneira perante os seus homens.
Enquanto cavalgava, afastando-se da casa branca, seguido dos seus acólitos, ruminava mil planos de vingança. E como se isto fosse pouco, o sonho dos 10 000 dólares continuava de pé, incitando-o a não pôr de parte os seus propósitos de conseguir a captura do major, vivo ou morto.
Tão absorvido estava nos seus pensamentos, que não sentia a dor produzida pelo ferimento no braço esquerdo, que levava ao peito, suspenso por um lenço. Um sorriso de sinistra satisfação lhe distendeu os lábios.
— Já achei, Alex! — falou para o outro ferido que cavalgava a seu lado. — Já encontrei o meio de nos apoderarmos desse tipo sem o menor risco da nossa parte.
— Como?
— Vou lançar sobre eles os índios. E depois de eles consumarem a proeza, apoderamo-nos da rapariga e do major. Cedo-lhes a recompensa a vocês, mas a rapariga quero-a para mim.
— Por minha parte não há inconveniente, mas terás de contar com os outros.
— Farão o que eu lhes ordenar. Vai com Oxton ao acampamento dos índios e arranja-me uma entrevista com «Nuvem Cinzenta» para daqui a três ou quatro dias. Beery, Benson, Crown e Stid ficarão comigo.
— Que pensas fazer?
-- Vigiar. A rapariga costuma sair a passeio a cavalo pelas imediações do vale, conforme vocês disseram. Talvez tenha ocasião de me apoderar dela o que nos facilitará a tarefa. Mas, quer o consiga quer não, daqui a quatro dias vou ter com vocês ao acampamento. Faz o possível para que «Nuvem Cinzenta» esteja lá nessa altura. Boa jogada vou preparar-lhes. Assim aprenderão que não se pode brincar impunemente com Smilin Mulder.
Não tardaram a chegar ao «Belo Texas» e enquanto Oxton e Alex prosseguiam o seu caminho, depois de este tratar a ferida no ombro, Smilin ocupou-se em comprar no armazém os víveres e utensílios necessários para acampar perto do vale, com o objetivo de não perder de vista os seus habitantes.
*
A luz branca do luar, as árvores do bosque assemelhavam-se a espectros. Em todo o vale, reinava um profundo silêncio.
Sentados junto ao pórtico, June e Chester conversavam em voz baixa, como que receosos de quebrar o majestoso silêncio da noite. Havia já um bom pedaço que o major se tinha retirado para repousar, adivinhando os pensamentos dos dois jovens, que se encontravam sós, sem mais testemunhas que a lua cheia iluminando o cenário com a sua luz pálida, vogando num céu pontilhado de estrelas.
Chester já não podia ocultar a si próprio que amava June com loucura. Daria tudo para poder confessar-lhe o seu amor, mas continha-o o respeito devido ao major. Chegara demasiado tarde, e, assim, teria de se conformar com admirá-la em silêncio e lutar por ambos.
— Crê que aqueles homens voltarão? — perguntou ela a Chester, subitamente.
Ele notou o rubor que invadiu a jovem ao perceber o seu olhar fixo nela e amaldiçoou-se intimamente por se haver deixado surpreender.
— Estou quase seguro disso — murmurou ele, procurando dar firmeza à voz. — Smilin voltará, mas dessa vez virá bem reforçado para não sofrer outro fracasso.
— Meu Deus! Que poderemos fazer?
— Deve persuadir o major para que aceite a minha proposta e daqui a doze ou catorze dias estarão a salvo no México — respondeu Chester.
— Persuadi-lo! Vê-se bem que não conhece Ronald. Ele apenas fará o que quiser, como sempre o fez. No entanto, devo reconhecer que ele é muito sensato e procede sempre em harmonia com o mais conveniente, mas não quererá expô-los a qualquer perigo.
— Mas não há perigo algum! — protestou Chester. — O perigo está em permanecer aqui, sempre com esta ameaça pendente sobre as vossas cabeças. É isto que deve fazer ver a seu marido.
June pousou nele os seus belos olhos azuis com estranheza.
— Meu marido...?
— Sim, o major — respondeu Chester. Aos seus ouvidos soou a gargalhada argentina que a rapariga soltou. — Ronald, meu marido! Essa tem muita graça. Julgou realmente, que ele fosse meu esposo? — perguntou, sem deixar de rir.
— Sim, julguei... — afirmou Chester, entre confundido e mal disposto.
— Mas se Ronald é meu irmão!
O rumor da brisa que agitava a folhagem das árvores transformou-se de repente em harmoniosa sinfonia para Chester.
Contemplou o céu estrelado e pareceu-lhe que a lua lhe sorria. Ronald não era o marido... era irmão... Nunca nenhuma outra palavra havia soado tão maravilhosamente aos seus ouvidos.
— Eu... pensei que... — balbuciou. — Bem... esse facto não muda em nada o aspeto da questão — replicou com voz mais firme. — Insisto em que seu irmão deve partir.
— Comigo? — perguntou ela.
Mas Chester estava tão confuso com a recente revelação, que não percebeu o tom travesso da voz da jovem.
— Não sei... — disse ele, já vacilante. — Primeiro, pensava que o seu dever era segui-lo para onde quer que ele fosse, mas agora...
Interrompeu-se, mas June obrigou-o a prosseguir.
— Agora, o quê? — interrogou, com centelhas gaiatas nos seus brilhantes olhos azuis.
— Agora, depende de si — concluiu Chester.
— Qual é a sua opinião?
Chester apertou as mãos nervosamente. Sentia impulsos de lhe dizer quanto a 'amava, mas considerando que não devia abusar da situação, conteve-se.
— Confesso que não sei — respondeu por fim. — Por Deus, não me martirize mais!
Pelos lábios da jovem vagueou um sorriso, adivinhando a luta que se travava na alma do rapaz, entre os seus desejos e o seu cavalheirismo.
-- Vou eu responder por si, Chester.
— Não, não diga nada! — cortou ele, com voz rouca.
— Sim, vou dizer. Você não quer que eu parta, não é verdade? — mas a frase de June era mais afirmativa que interrogativa.
— Sim, é certo — murmurou ele, olhando-a docemente.
— Não acha que é uma razão poderosa para que eu permaneça aqui? — inquiriu June, baixando os olhos.
Chester quedou-se uns instantes imobilizado pelo que acabava de ouvir, mas logo os seus olhos se iluminaram de alegria. A melodia da brisa por entre o arvoredo pareceu envolvê-lo por completo, e, sem saber como, encontrou-se com os lábios de June unidos aos seus num longo beijo apaixonado.

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