Haviam decorrido já cinco dias e Chester não encontrava um pretexto plausível para fazer uma nova visita à bela June Watterfield.
Apoiado indolentemente a uma coluna do alpendre do «Belo Texas», fitava a distância, pensando incessantemente na jovem, e não lhe causou a menor surpresa o descobrir que a amava. Mas era um belo sonho que teria de ser desfeito. Aquela mulher era casada. O chapéu e a capa que tinha visto em casa dela falavam eloquentemente da presença de um homem que não conseguira ver, mas não duvidava que fosse o marido de June Watterfield.
Watterfield! Aquele apelido era pronunciado com respeito por todos os sulistas de coração.
Que estranha coincidência que a jovem usasse também aquele apelido! Recordou o sobressalto dela quando lhe perguntou se era parente do famoso e venerado caudilho do Sul. E de súbito, chegou-lhe a revelação. Não seria ela sua mulher? Sim, sim, devia ser. Assim se explicava porque se haviam refugiado naquele inexplorado recanto.
Ofereciam uma recompensa de 10 000 dólares a quem o apresentasse às autoridades, pois era um vexame para os vencedores que aquele homem, que fora o último rebelde da guerra, nunca houvesse sido apanhado.
Chester estava seguro de haver acertado nas suas suposições e admirou ainda mais aquela mulher, que, para seguir o marido, arrostava com todos os perigos, renunciando à vida agradável das belas cidades do Sul em troca daquela cheia de privações e sacrifícios nos abruptos e ignorados territórios do Norte do Texas.
Experimentou o desejo de tornar ao vale para lhes dizer que havia descoberto o seu segredo e que o seu braço estava inteiramente ao serviço de ambos. Procurou Patt com o olhar mas não o viu por ali.
Havia uns dias que o seu hercúleo amigo se portava de maneira um tanto estranha. Quase não o via, parecendo que andava a fugir-lhe. Duas ou três vezes o surpreendera a jogar com indivíduos de má catadura, ele, que raramente pegava em cartas.
Mas Patt não perdia o seu tempo. Havia descoberto algo pouco tranquilizador para a gente do vale e seguia determinado rasto com a tenacidade de um buldogue até se inteirar bem do que se estava passando.
Deitado de bruços sobre uma afastada mesa do «Belo Texas», roncava estrepitosamente, com a cabeça entre os braços, mas nem por isso perdia uma única sílaba da conversa que três indivíduos mantinham sentados numa mesa próxima.
— Digo-te, Smilin, que não há a menor dúvida. Estão onde já te disse. Eu próprio vi ontem a casa e os carros. Se não acreditas, pergunta a Alex.
— Ah! Pois, são eles. Não há a menor dúvida — afirmou o chamado Alex. — Vimos a rapariga sair a cavalo.
— Que achas que devemos fazer, Smilin? Temos os dez mil dólares à mão. Só temos de ir buscá-los — continuou o que falara primeiro.
Smilin quedou-se um momento pensativo, enquanto expelia colunas de fumo do seu cachimbo de barro. Era um homem de regular corpulência e rosto taciturno, que não correspondia à alcunha de «Risonho» por que era conhecido. Tinha o nariz pontiagudo e uns olhos brilhantes como brasas, ocultos pela aba do chapéu, o que lhe dava o aspeto de um corvo preparando-se para se lançar sobre a presa.
-- Julgo que devemos fazer-lhes uma visita — disse por fim. — Que te parece, Jeff?
— Que não perderemos o tempo. Estou convencido de que são eles.
— Muito bem — decidiu Smilin — Alex, encarrega-te de reunir os rapazes. Partiremos quando abrandar um pouco o calor.
— Baixa a voz, Smilin — grunhiu Jeff. — Aquele pode ouvir-te — e com a cabeça indicou Patt, que resfolgou como uma locomotiva para desvanecer suspeitas.
-- Aquele? — riu Alex. — Tem álcool para muito tempo. Está ali há mais de duas horas, bebendo sem cessar. Bem, vou andando. Onde nos encontramos?
— A uma milha daqui, para o Norte. Vamos, Jeff. O moço da pousada acercou-se à chamada de Smilin, que pagou o consumo, e os três abandonaram o local.
Patt ergueu um pouco a cabeça e com o rabinho do olho viu-os cruzar a porta. Depois, levantou-se e, com passo bem seguro, sem a menor vacilação própria dos bêbados, foi em busca do seu amigo Chester.
— Patt! — exclamou este ao vê-lo. — Donde vens? Eia, que peste! Cheiras a álcool que tresandas!
— Não te preocupes, rapaz. Não estou bêbado! Mas tive de fingir que o estava para me inteirar de uma coisa que te interessa.
— De que se trata?
— De uma coisa relacionada com a mulher dos teus sonhos.
— Patt!
— Bom, se te enfadas não te digo nada —disse Patt, sorrindo.
— Que sabes tu, afinal? Vá, desembucha depressa!
— Nem sequer imaginas quem está aqui... Pois, nada menos que Smilin Mulder, com a sua quadrilha de assassinos, inteirinha.
— Com todos os diabos! — exclamou Chester, surpreendido. — E que faz por aqui o «Risonho» Mulder?
— Vais cair de cócoras quando o souberes. Ao que parece, foi ele e os do seu bando quem assaltou a caravana. E agora descobriram que estão naquele vale.
— Que me dizes? — quase gritou o amigo, agarrando-lhe um braço.
— Não me apertes tanto, ou soltarei um guincho, Chester. Sabes que tens mais força do que aparentas? Pois, como eu ia dizendo, ando há vários dias a observá-los farejando em volta deles, a inspirar-lhes confiança e a fazer-me de parvo...
— Isso não te deve ter dado muito trabalho.
— Ah! Não...? — retorquiu Patt, depois de coçar a cabeça durante um bom pedaço, a tentar decifrar o que Chester teria querido dizer. — Pois, agora, vais tu investigar o que eu sei, porque não penso dizer-to. Isto é para que aprendas a ser reconhecido...
— Patt, fala, por favor! — rogou Chester com ansiedade. — Não vês que eu estava a brincar?
— Pois vai sair-te cara a brincadeira, porque não penso dizer-te nem meia palavra.
O rosto de Chester ensombrou-se.
— Tu vais dizer já o que sabes, entendes?
Patt cruzou os braços numa atitude de desafio.
— Quem vai obrigar-me? Tu? — perguntou, sorrindo.
— Sim, eu mesmo!
— Bem, nesse caso, começa quando quiseres. Mas nem que me mates, não direi nem tanto como isto... — e mostrou a unha do dedo polegar num gesto muito significativo.
— Oh! Patt! Eu não quero bater-te, embora o mereças — disse Chester, sorrindo. — Mas a partir deste momento deixámos de ser amigos, compreendes? Já não quero saber de ti para nada, visto que levas a mal uma graça minha.
— Mas, Chester, eu... — balbuciou Patt, pousando a mão no ombro do amigo.
Chester repeliu-o bruscamente, dando-lhe uma violenta palmada na mão.
— Largue-me da mão! — exclamou, compondo a cara mais carrancuda que encontrou, embora o riso lhe bailasse dentro do corpo. Sabia qual era o ponto fraco de Patt e aproveitava-se da sua ingenuidade. — Você já não tem direito a chamar-me amigo. Safe-se daqui!
— Homem... está bem. Vou dizer-te tudo, mas não estejas aborrecido comigo.
Chester moveu a cabeça pensativo. Estás resolvido a dizer-me tudo... tudo?
— Sim, homem — lamentou-se Patt.
— Então, fala.
— Como já te disse, há tempo que os venho observando e hoje vi um tipo chamado Alex entrar na sala com Smilin. Sentei-me perto deles e comecei a beber como o faria um cavalo. Eles olhavam-me, espantados de como eu podia aguentar tanto álcool. Depois, fingi-me bêbado que nem um tonel e comecei a roncar como um porco, embora estivesse bem acordado. Pouco depois, chegou outro, creio que é o segundo do bando e chama-se Jeff. Principiaram a falar em voz baixa, mas eu ouvi perfeitamente o que diziam. «Ao que parece, foram eles que assaltaram a caravana, mas pude comprovar que por sorte nossa não nos reconheceram quando os pusemos em fuga. Perderam-lhes a pista, mas ontem viram passar a rapariga e seguiram-na. Conclusão: falaram de ganhar dez mil dólares fazendo uma visita à casa, e Smilin propôs irem lá quando fizer menos calor. Pensei que poderia interessar-te e...
— Patt, retiro o que te disse há pouco. — declarou Chester em tom solene. — Estás seguro de que diziam isso?
— Seguríssimo.
— Pois bem. Sela os cavalos e vamos preveni-los imediatamente. Patt olhou o amigo com expressão maliciosa, já esquecido do agravo anterior.
— Ë só o desejo de os prevenir que te faz ir lá, Chester?
— Naturalmente. Que outra coisa havia de ser?
— Oh!... Não sei! Mas parece-me que te proporcionei o pretexto que precisavas para voltares a vê-1a.
Chester olhou-o de sobrecenho carregado, mas acabou por sorrir.
— É verdade que às vezes não sou tão idiota como pareço?— inquiriu Patt, simplório, piscando um olho.
Caía a tarde. Sentados no jardim que rodeava a casa, June e Ronald conversavam. De súbito, Hards acercou-se deles.
— Colbert anuncia que alguém se dirige para aqui — disse.
Ronald levantou-se, e, lentamente foi andando e entrou em casa.
«Devem ser eles» — pensou a jovem, surpreendendo-se com a alegria que experimentava por tornar a ver Chester.
Com efeito, eram eles. June reparou no suor que cobria os cavalos, revelador da velocidade com que haviam galopado até ali. Com o coração oprimido pela ansiedade, ao ver o rosto sério de Chester, correu ao seu encontro.
— Que se passa? — perguntou com voz sumida ao chegar junto deles.
— Alguns homens vêm para aqui — informou Chester. — São os mesmos que assaltaram a caravana. Vêm em busca do seu marido.
June fitou-o com estranheza.
— Do meu...?
— Sim — interrompeu Chester — do major Watterfield. Eu sei tudo, June. Esses homens descobriram-no e vêm buscá-lo para receberem os dez mil dólares que oferecem de recompensa pela sua captura.
Ela deixou cair os braços desalentada. Hards correu a casa, a prevenir Ronald do novo perigo que os ameaçava, mas Chester não se apercebeu da retirada daquele, pois só tinha olhos para contemplar a rapariga. –
-- Que faremos agora? — perguntou a rapariga.
— Não se preocupe, June. Aconteça o que acontecer, estaremos nós aqui a seu lado.
— Não se poderia arranjar isso com dinheiro? — sugeriu June. — Estou cansada de andar de um lado para o outro e agora que julgávamos poder viver aqui tranquilos...
— Não os conheço — disse Chester. — É a quadrilha do «Risonho» Mulder que está no vosso rasto. Seriam capazes de lhes extorquir todo o vosso dinheiro e quando já não tivessem nada que lhes dar, denunciá-los-iam da mesma forma.
— Então...?
— É preciso enfrentá-los e não nos mostrarmos intimidados. Esperemos, a ver no que isto dá...
Interrompeu-os o ruído distante de tiros disparados das bandas do vale.
— Que será isto? — inquiriu Chester, voltando-se rapidamente.
— É o homem que temos lá em cima de sentinela, avisando-nos de que vem gente — explicou June. — Se disparou cinco vezes é porque são nove ou dez. Também nos avisou quando os senhores se aproximavam. A sentinela está postada num sítio donde se domina urna grande extensão de terreno e distingue-se quem se aproxima antes que possam ouvir o rumor dos tiros.
— Demónio! — exclamou Chester. — Não julguei que nos viessem no encalço. Patt! Leva os cavalos para trás da casa e depois põe-te aí em qualquer sítio donde não me percas de vista. Pega na espingarda e, logo que vejas o menor movimento suspeito, atira a matar e pensa depois, compreendes?
— 'Às tuas ordens, chefe! Vamos a ver se consigo fazer funcionar o gatilho. Deve estar ferrugento de não ser usado.
Patt levou os cavalos. Chester e a jovem ficaram sós junto à cancela que fechava o jardim, falando de qualquer coisa, ainda que nem um nem outro escutavam o que diziam, dominados pela tensão do momento.
Da casa e suas imediações, alguns rostos espreitavam de armas em punho, preparados para intervir no momento oportuno.
Dentre as árvores chegou até eles o relincho dum cavalo, e, pouco depois, dois homens surgiram na clareira. Detiveram-se perante o panorama que se oferecia a seus olhos, mas logo continuaram a avançar, seguidos por outros sete cavaleiros, que saíram da espessura atrás deles.
June e Chester viram-nos acercarem-se, e o coração da rapariga palpitava-lhe desordenadamente dentro do peito, enquanto o semblante do rapaz expressava a maior calma. Quando chegaram perto deles, Smilin e Jeff, os dois que vinham à cabeça, detiveram os cavalos enquanto os outros ficavam a curta distância.
— Boa tarde — disse Chester, avançando para eles, sem deixar de os observar, as mãos no cinturão, muito perto dos revólveres. — Que desejam?
Smilin cravou nele os olhos perscrutadores.
— Consigo não quero nada — respondeu. — Com essa menina é que eu desejo falar um bocado.
— Fale lá — replicou June, encorajada pela presença de espírito de Chester.
— Procuramos o major rebelde, Ronald Watterfield. Sabemos muito bem que ele está aqui e portanto não se faça surpreendida. Nós iremos daqui sem ele.
June empalideceu, mas foi Chester quem replicou a Smilin.
— Ninguém negou que ele esteja aqui, mas para me levarem serão precisos mais homens além dos que vieram.
O bandido olhou-o surpreendido.
— Quer dizer que é o senhor o major? — perguntou.
— Se você não é parvo, creio que falei bastante claro, não lhe parece?
— Massey, aproxima-te — chamou Smilin, chamando um dos homens que haviam ficado mais atrás. Do grupo destacou-se um deles e foi postar-se ao lado de Smilin, que lhe perguntou: — Ë este o homem que procuramos?
— Não. Este não é o major — afirmou Massey.
— Renegado, hem? — disse Chester, com um sorriso que não pressagiava nada bom. O rosto de Massey ensombrou-se e começou a entaramelar, com voz rouca, palavras ininteligíveis.
— Ouça... vai engolir o que acaba de dizer ou...
— Eu não vou engolir nada, ouviu? Você dirá que qualificativo se pode aplicar ao seu procedimento. Mas será a última patifaria que você faz, porque vou matá-lo, maldito traidor!
Ao ver-se ameaçado, Massey moveu as mãos, mas Chester não lhe deu tempo a atuar. Soou uma detonação e Massey caiu do cavalo com uma bala na fronte, sem sequer haver tocado na coronha do seu revólver.
-- E os outros, quietinhos! — rugiu Chester. — Já viram o que aconteceu a esse, e ao menor movimento que façam irão fazer-lhe companhia. Levantem os braços! Assim está bem.
Olhou-os com um sorrisinho, e, ao mesmo tempo que brincava com o seu temível revólver, encarou-se com Smilin.
— Ainda continuas a querer levar o major?
— Não irei daqui sem ele. Gostaria de saber como vais fazer isso. Tenho-os nas minhas mãos e vão já desaparecer daqui antes que eu conte cinco!
— Um momento! — exclamou uma voz nas suas costas.
Apesar da surpresa que lhe produziu aquela interrupção, Chester não se voltou e continuou apontando aos bandidos. Sabia que era dono da situação enquanto permanecesse vigilante, mas, à mais pequena distração, Smilin e os seus assassinos crivariam o seu corpo de balas.
Chester percebeu que alguém se colocava a seu lado, e sem olhar sabia que era o major Watterfield, o último sulista, por cuja captura ofereciam um prémio de 10 000 dólares.
Apoiado indolentemente a uma coluna do alpendre do «Belo Texas», fitava a distância, pensando incessantemente na jovem, e não lhe causou a menor surpresa o descobrir que a amava. Mas era um belo sonho que teria de ser desfeito. Aquela mulher era casada. O chapéu e a capa que tinha visto em casa dela falavam eloquentemente da presença de um homem que não conseguira ver, mas não duvidava que fosse o marido de June Watterfield.
Watterfield! Aquele apelido era pronunciado com respeito por todos os sulistas de coração.
Que estranha coincidência que a jovem usasse também aquele apelido! Recordou o sobressalto dela quando lhe perguntou se era parente do famoso e venerado caudilho do Sul. E de súbito, chegou-lhe a revelação. Não seria ela sua mulher? Sim, sim, devia ser. Assim se explicava porque se haviam refugiado naquele inexplorado recanto.
Ofereciam uma recompensa de 10 000 dólares a quem o apresentasse às autoridades, pois era um vexame para os vencedores que aquele homem, que fora o último rebelde da guerra, nunca houvesse sido apanhado.
Chester estava seguro de haver acertado nas suas suposições e admirou ainda mais aquela mulher, que, para seguir o marido, arrostava com todos os perigos, renunciando à vida agradável das belas cidades do Sul em troca daquela cheia de privações e sacrifícios nos abruptos e ignorados territórios do Norte do Texas.
Experimentou o desejo de tornar ao vale para lhes dizer que havia descoberto o seu segredo e que o seu braço estava inteiramente ao serviço de ambos. Procurou Patt com o olhar mas não o viu por ali.
Havia uns dias que o seu hercúleo amigo se portava de maneira um tanto estranha. Quase não o via, parecendo que andava a fugir-lhe. Duas ou três vezes o surpreendera a jogar com indivíduos de má catadura, ele, que raramente pegava em cartas.
Mas Patt não perdia o seu tempo. Havia descoberto algo pouco tranquilizador para a gente do vale e seguia determinado rasto com a tenacidade de um buldogue até se inteirar bem do que se estava passando.
Deitado de bruços sobre uma afastada mesa do «Belo Texas», roncava estrepitosamente, com a cabeça entre os braços, mas nem por isso perdia uma única sílaba da conversa que três indivíduos mantinham sentados numa mesa próxima.
— Digo-te, Smilin, que não há a menor dúvida. Estão onde já te disse. Eu próprio vi ontem a casa e os carros. Se não acreditas, pergunta a Alex.
— Ah! Pois, são eles. Não há a menor dúvida — afirmou o chamado Alex. — Vimos a rapariga sair a cavalo.
— Que achas que devemos fazer, Smilin? Temos os dez mil dólares à mão. Só temos de ir buscá-los — continuou o que falara primeiro.
Smilin quedou-se um momento pensativo, enquanto expelia colunas de fumo do seu cachimbo de barro. Era um homem de regular corpulência e rosto taciturno, que não correspondia à alcunha de «Risonho» por que era conhecido. Tinha o nariz pontiagudo e uns olhos brilhantes como brasas, ocultos pela aba do chapéu, o que lhe dava o aspeto de um corvo preparando-se para se lançar sobre a presa.
-- Julgo que devemos fazer-lhes uma visita — disse por fim. — Que te parece, Jeff?
— Que não perderemos o tempo. Estou convencido de que são eles.
— Muito bem — decidiu Smilin — Alex, encarrega-te de reunir os rapazes. Partiremos quando abrandar um pouco o calor.
— Baixa a voz, Smilin — grunhiu Jeff. — Aquele pode ouvir-te — e com a cabeça indicou Patt, que resfolgou como uma locomotiva para desvanecer suspeitas.
-- Aquele? — riu Alex. — Tem álcool para muito tempo. Está ali há mais de duas horas, bebendo sem cessar. Bem, vou andando. Onde nos encontramos?
— A uma milha daqui, para o Norte. Vamos, Jeff. O moço da pousada acercou-se à chamada de Smilin, que pagou o consumo, e os três abandonaram o local.
Patt ergueu um pouco a cabeça e com o rabinho do olho viu-os cruzar a porta. Depois, levantou-se e, com passo bem seguro, sem a menor vacilação própria dos bêbados, foi em busca do seu amigo Chester.
— Patt! — exclamou este ao vê-lo. — Donde vens? Eia, que peste! Cheiras a álcool que tresandas!
— Não te preocupes, rapaz. Não estou bêbado! Mas tive de fingir que o estava para me inteirar de uma coisa que te interessa.
— De que se trata?
— De uma coisa relacionada com a mulher dos teus sonhos.
— Patt!
— Bom, se te enfadas não te digo nada —disse Patt, sorrindo.
— Que sabes tu, afinal? Vá, desembucha depressa!
— Nem sequer imaginas quem está aqui... Pois, nada menos que Smilin Mulder, com a sua quadrilha de assassinos, inteirinha.
— Com todos os diabos! — exclamou Chester, surpreendido. — E que faz por aqui o «Risonho» Mulder?
— Vais cair de cócoras quando o souberes. Ao que parece, foi ele e os do seu bando quem assaltou a caravana. E agora descobriram que estão naquele vale.
— Que me dizes? — quase gritou o amigo, agarrando-lhe um braço.
— Não me apertes tanto, ou soltarei um guincho, Chester. Sabes que tens mais força do que aparentas? Pois, como eu ia dizendo, ando há vários dias a observá-los farejando em volta deles, a inspirar-lhes confiança e a fazer-me de parvo...
— Isso não te deve ter dado muito trabalho.
— Ah! Não...? — retorquiu Patt, depois de coçar a cabeça durante um bom pedaço, a tentar decifrar o que Chester teria querido dizer. — Pois, agora, vais tu investigar o que eu sei, porque não penso dizer-to. Isto é para que aprendas a ser reconhecido...
— Patt, fala, por favor! — rogou Chester com ansiedade. — Não vês que eu estava a brincar?
— Pois vai sair-te cara a brincadeira, porque não penso dizer-te nem meia palavra.
O rosto de Chester ensombrou-se.
— Tu vais dizer já o que sabes, entendes?
Patt cruzou os braços numa atitude de desafio.
— Quem vai obrigar-me? Tu? — perguntou, sorrindo.
— Sim, eu mesmo!
— Bem, nesse caso, começa quando quiseres. Mas nem que me mates, não direi nem tanto como isto... — e mostrou a unha do dedo polegar num gesto muito significativo.
— Oh! Patt! Eu não quero bater-te, embora o mereças — disse Chester, sorrindo. — Mas a partir deste momento deixámos de ser amigos, compreendes? Já não quero saber de ti para nada, visto que levas a mal uma graça minha.
— Mas, Chester, eu... — balbuciou Patt, pousando a mão no ombro do amigo.
Chester repeliu-o bruscamente, dando-lhe uma violenta palmada na mão.
— Largue-me da mão! — exclamou, compondo a cara mais carrancuda que encontrou, embora o riso lhe bailasse dentro do corpo. Sabia qual era o ponto fraco de Patt e aproveitava-se da sua ingenuidade. — Você já não tem direito a chamar-me amigo. Safe-se daqui!
— Homem... está bem. Vou dizer-te tudo, mas não estejas aborrecido comigo.
Chester moveu a cabeça pensativo. Estás resolvido a dizer-me tudo... tudo?
— Sim, homem — lamentou-se Patt.
— Então, fala.
— Como já te disse, há tempo que os venho observando e hoje vi um tipo chamado Alex entrar na sala com Smilin. Sentei-me perto deles e comecei a beber como o faria um cavalo. Eles olhavam-me, espantados de como eu podia aguentar tanto álcool. Depois, fingi-me bêbado que nem um tonel e comecei a roncar como um porco, embora estivesse bem acordado. Pouco depois, chegou outro, creio que é o segundo do bando e chama-se Jeff. Principiaram a falar em voz baixa, mas eu ouvi perfeitamente o que diziam. «Ao que parece, foram eles que assaltaram a caravana, mas pude comprovar que por sorte nossa não nos reconheceram quando os pusemos em fuga. Perderam-lhes a pista, mas ontem viram passar a rapariga e seguiram-na. Conclusão: falaram de ganhar dez mil dólares fazendo uma visita à casa, e Smilin propôs irem lá quando fizer menos calor. Pensei que poderia interessar-te e...
— Patt, retiro o que te disse há pouco. — declarou Chester em tom solene. — Estás seguro de que diziam isso?
— Seguríssimo.
— Pois bem. Sela os cavalos e vamos preveni-los imediatamente. Patt olhou o amigo com expressão maliciosa, já esquecido do agravo anterior.
— Ë só o desejo de os prevenir que te faz ir lá, Chester?
— Naturalmente. Que outra coisa havia de ser?
— Oh!... Não sei! Mas parece-me que te proporcionei o pretexto que precisavas para voltares a vê-1a.
Chester olhou-o de sobrecenho carregado, mas acabou por sorrir.
— É verdade que às vezes não sou tão idiota como pareço?— inquiriu Patt, simplório, piscando um olho.
Caía a tarde. Sentados no jardim que rodeava a casa, June e Ronald conversavam. De súbito, Hards acercou-se deles.
— Colbert anuncia que alguém se dirige para aqui — disse.
Ronald levantou-se, e, lentamente foi andando e entrou em casa.
«Devem ser eles» — pensou a jovem, surpreendendo-se com a alegria que experimentava por tornar a ver Chester.
Com efeito, eram eles. June reparou no suor que cobria os cavalos, revelador da velocidade com que haviam galopado até ali. Com o coração oprimido pela ansiedade, ao ver o rosto sério de Chester, correu ao seu encontro.
— Que se passa? — perguntou com voz sumida ao chegar junto deles.
— Alguns homens vêm para aqui — informou Chester. — São os mesmos que assaltaram a caravana. Vêm em busca do seu marido.
June fitou-o com estranheza.
— Do meu...?
— Sim — interrompeu Chester — do major Watterfield. Eu sei tudo, June. Esses homens descobriram-no e vêm buscá-lo para receberem os dez mil dólares que oferecem de recompensa pela sua captura.
Ela deixou cair os braços desalentada. Hards correu a casa, a prevenir Ronald do novo perigo que os ameaçava, mas Chester não se apercebeu da retirada daquele, pois só tinha olhos para contemplar a rapariga. –
-- Que faremos agora? — perguntou a rapariga.
— Não se preocupe, June. Aconteça o que acontecer, estaremos nós aqui a seu lado.
— Não se poderia arranjar isso com dinheiro? — sugeriu June. — Estou cansada de andar de um lado para o outro e agora que julgávamos poder viver aqui tranquilos...
— Não os conheço — disse Chester. — É a quadrilha do «Risonho» Mulder que está no vosso rasto. Seriam capazes de lhes extorquir todo o vosso dinheiro e quando já não tivessem nada que lhes dar, denunciá-los-iam da mesma forma.
— Então...?
— É preciso enfrentá-los e não nos mostrarmos intimidados. Esperemos, a ver no que isto dá...
Interrompeu-os o ruído distante de tiros disparados das bandas do vale.
— Que será isto? — inquiriu Chester, voltando-se rapidamente.
— É o homem que temos lá em cima de sentinela, avisando-nos de que vem gente — explicou June. — Se disparou cinco vezes é porque são nove ou dez. Também nos avisou quando os senhores se aproximavam. A sentinela está postada num sítio donde se domina urna grande extensão de terreno e distingue-se quem se aproxima antes que possam ouvir o rumor dos tiros.
— Demónio! — exclamou Chester. — Não julguei que nos viessem no encalço. Patt! Leva os cavalos para trás da casa e depois põe-te aí em qualquer sítio donde não me percas de vista. Pega na espingarda e, logo que vejas o menor movimento suspeito, atira a matar e pensa depois, compreendes?
— 'Às tuas ordens, chefe! Vamos a ver se consigo fazer funcionar o gatilho. Deve estar ferrugento de não ser usado.
Patt levou os cavalos. Chester e a jovem ficaram sós junto à cancela que fechava o jardim, falando de qualquer coisa, ainda que nem um nem outro escutavam o que diziam, dominados pela tensão do momento.
Da casa e suas imediações, alguns rostos espreitavam de armas em punho, preparados para intervir no momento oportuno.
Dentre as árvores chegou até eles o relincho dum cavalo, e, pouco depois, dois homens surgiram na clareira. Detiveram-se perante o panorama que se oferecia a seus olhos, mas logo continuaram a avançar, seguidos por outros sete cavaleiros, que saíram da espessura atrás deles.
June e Chester viram-nos acercarem-se, e o coração da rapariga palpitava-lhe desordenadamente dentro do peito, enquanto o semblante do rapaz expressava a maior calma. Quando chegaram perto deles, Smilin e Jeff, os dois que vinham à cabeça, detiveram os cavalos enquanto os outros ficavam a curta distância.
— Boa tarde — disse Chester, avançando para eles, sem deixar de os observar, as mãos no cinturão, muito perto dos revólveres. — Que desejam?
Smilin cravou nele os olhos perscrutadores.
— Consigo não quero nada — respondeu. — Com essa menina é que eu desejo falar um bocado.
— Fale lá — replicou June, encorajada pela presença de espírito de Chester.
— Procuramos o major rebelde, Ronald Watterfield. Sabemos muito bem que ele está aqui e portanto não se faça surpreendida. Nós iremos daqui sem ele.
June empalideceu, mas foi Chester quem replicou a Smilin.
— Ninguém negou que ele esteja aqui, mas para me levarem serão precisos mais homens além dos que vieram.
O bandido olhou-o surpreendido.
— Quer dizer que é o senhor o major? — perguntou.
— Se você não é parvo, creio que falei bastante claro, não lhe parece?
— Massey, aproxima-te — chamou Smilin, chamando um dos homens que haviam ficado mais atrás. Do grupo destacou-se um deles e foi postar-se ao lado de Smilin, que lhe perguntou: — Ë este o homem que procuramos?
— Não. Este não é o major — afirmou Massey.
— Renegado, hem? — disse Chester, com um sorriso que não pressagiava nada bom. O rosto de Massey ensombrou-se e começou a entaramelar, com voz rouca, palavras ininteligíveis.
— Ouça... vai engolir o que acaba de dizer ou...
— Eu não vou engolir nada, ouviu? Você dirá que qualificativo se pode aplicar ao seu procedimento. Mas será a última patifaria que você faz, porque vou matá-lo, maldito traidor!
Ao ver-se ameaçado, Massey moveu as mãos, mas Chester não lhe deu tempo a atuar. Soou uma detonação e Massey caiu do cavalo com uma bala na fronte, sem sequer haver tocado na coronha do seu revólver.
-- E os outros, quietinhos! — rugiu Chester. — Já viram o que aconteceu a esse, e ao menor movimento que façam irão fazer-lhe companhia. Levantem os braços! Assim está bem.
Olhou-os com um sorrisinho, e, ao mesmo tempo que brincava com o seu temível revólver, encarou-se com Smilin.
— Ainda continuas a querer levar o major?
— Não irei daqui sem ele. Gostaria de saber como vais fazer isso. Tenho-os nas minhas mãos e vão já desaparecer daqui antes que eu conte cinco!
— Um momento! — exclamou uma voz nas suas costas.
Apesar da surpresa que lhe produziu aquela interrupção, Chester não se voltou e continuou apontando aos bandidos. Sabia que era dono da situação enquanto permanecesse vigilante, mas, à mais pequena distração, Smilin e os seus assassinos crivariam o seu corpo de balas.
Chester percebeu que alguém se colocava a seu lado, e sem olhar sabia que era o major Watterfield, o último sulista, por cuja captura ofereciam um prémio de 10 000 dólares.
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