domingo, 25 de setembro de 2016

BUF101. Cap VII. Conjura sinistra

Mulder e os seus homens prosseguiram a jornada sem se aperceberem da sistemática perseguição de que eram objeto por parte de Chester Bruce.
Este aplicava os seus cinco sentidos em não ser descoberto, nem perder o rasto dos foragidos, pois que lhe era muito querida a pessoa de June Watterfield, para se descuidar por um só segundo.
Durante quatro horas percorreram planícies e colinas em suave declive, até que, pouco a pouco, começaram a encontrar terreno mais acidentado.
Mulder não ocultava a satisfação que lhe causava a captura da jovem e lançava-lhe frequentemente cobiçosos olhares. O seu êxito fora completo. Um ás de ouros lhe viera às mãos naquela jogada e pensava tirar dele todo o partido possível.
Os cavalos desceram uma íngreme vertente e encontraram-se numa estreita faixa de terreno liso, salpicado de árvores, castanheiros e carvalhos na maior parte, para além do qual deslizava a mansa corrente de um riacho.
Aos seus olhos surgiu uma cabana de grandes dimensões, rodeada de árvores, junto ao rio.
Meia milha atrás deles, Chester também a viu. Pensou que, finalmente, haviam chegado ao termo da viagem e não se enganou.
Em frente da casa, viam-se alguns cavalos-amarrados à barra, mas não se distinguia vestígios de pessoa alguma. O jovem observou com atenção, procurando captar todos os pormenores da situação.
O grupo acercou-se da cabana. Antes de ali chegarem, um homem com uma espingarda saiu de entre as árvores e dirigiu-se a Mulder, com quem trocou algumas palavras. Depois, voltou ao seu posto de vigilância, enquanto Smilin e os outros se encaminhavam para a cabana.
Com a entrada dos foragidos na casa, tudo em volta ficou novamente deserto, e Chester dispôs-se a entrar em ação.
Resguardando-se com as árvores, avançou cautelosamente, procurando não ser visto pelo homem que vigiava fora da cabana. Fora uma sorte que ele saísse ao encontro de Smilin, denunciando assim a sua presença no meio das árvores, pois, de contrário, talvez nem houvesse reparado nele.
A uns duzentos metros da casa, Chester demorou-se um bom pedaço a observar com curiosidade os cavalos que ali se encontravam e não pôde conter uma exclamação de assombro:
— Mas... aqueles cavalos são índios... — murmurou. — Que farão aqui?
A ideia que de repente lhe passou pelo cérebro fê-lo estremecer.
— Aquele maldito renegado será capaz de lançar os índios contra homens da sua própria raça? — perguntou-se.
A resposta foi afirmativa, pois o que ouvira contar de Smilin Mulder era de molde a julgá-lo capaz de todas as canalhices imagináveis.
Dispôs-se a alcançar uma janela e deitar uma vista de olhos para o interior da cabana. Não ignorava o perigo a que se expunha, mas não tinha mais remédio que correr o risco.
Tinha de proceder rapidamente, porque não só a vida de June como a de todos os homens que se encontravam na casa do vale dependiam da sua decisão, e cada minuto que deixava passar inativo tornava mais iminente a ameaça que pendia sobre todos eles.
Encontrava-se agachado atrás de um corpulento castanheiro. Dez metros adiante um grosso carvalho oferecia-lhe mais uma etapa na sua progressão para a cabana. Olhou em roda e, não vendo nem sombra da sentinela, lançou-se à carreira para a outra árvore.
Estava prestes a alcançá-la quando os seus pés tropeçaram numa raiz que sobressaía à flor da terra e estendeu-se ao comprido atrás da árvore que tentava atingir. A sua cabeça chocou violentamente com a rija madeira da árvore e ficou estendido atrás dela sem sentidos, impossibilitado para atuar quando mais necessária se tornava a sua intervenção.
Ao ver os pequenos cavalos índios amarrados à barra, Mulder pensou que já haviam chegado «Nuvem Cinzenta» e os seus guerreiros, e preparou-se para enfrentar aquela espinhosa entrevista.
Dentro da cabana, Alex falava com seis índios «araphaoes» de formidável aspeto. Todos eles se apresentavam nus da cintura para cima, mostrando os imponentes dorsos de cor bronzeada.
Quando Mulder entrou, seguido dos seus homens, levando no meio deles a desmoralizada June, levantaram-se dos seus lugares, e a rapariga viu pousados nela os olhos cobiçosos dos índios.
Mulder dirigiu-se a um deles, que pelo seu aspeto parecia ser o chefe, e estreitou-lhe a mão, ao mesmo tempo que as mais hipócritas palavras de saudação lhe saíam dos lábios.
— Que Manitu te conceda sempre a vitória e te proporcione excelentes caçadas, «Nuvem Cinzenta» — disse, no idioma índio.
— E que a ti te dê longa vida, irmão «rosto--pálido». Para que mandaste chamar-me? — perguntou sem rodeios o formidável índio, sem que a expressão do seu rosto denotasse a menor curiosidade.
— Quero proporcionar-te os meios de te vingares dos brancos que invadiram as tuas terras, mas, rogo, grande chefe, que aguardes um momento. Stid, leva a rapariga para o outro quarto.
O bandido empurrou June para o outro extremo da casa e fê-la entrar num desmantelado quarto, fechando logo a porta à chave.
June caiu de bruços no sujo catre, soltando entrecortados soluços, por saber que estava prisioneira de Mulder e que ele ia lançar os índios contra seu irmão. Tudo estava perdido para eles!
Ergueu-se, fazendo um esforço para se serenar e colou o ouvido à porta, mas não conseguiu apurar nada, porque a conversação entre Smilin e os índios era travada no dialeto dos «ara-phaoes», linguagem que ela desconhecia.
Naquele momento, Mulder falava, tentando dar às palavras o tom de sinceridade necessário para dissipar os receios dos índios.
A sua voz era convincente e persuasiva, e os selvagens escutavam-no com crescente atenção, trocando entre eles olhares cheios de cobiça ao escutar a vantajosa oferta que o foragido lhes propunha.
Mulder acabou de falar. «Nuvem Cinzenta» olhou-o uns instantes, pensativo, e depois perguntou:
— Como podemos saber que nos disseste a verdade?
— Já sabes que dos meus lábios nunca sai a mentira, «Nuvem Cinzenta» — mentiu Mulder cinicamente.
— Se são teus irmãos de raça, porque desejas a morte deles? — inquiriu o astuto índio, olhando-o com um desprezo que não fez a menor mossa no foragido.
— Os meus irmãos são os «araphaoes», que sempre me trataram melhor que os «rostos-páli-dos» — replicou Mulder, e não mentia ao dizer isto, embora se guardasse bem de explicar a origem do mau trato recebido dos brancos.
«Nuvem Cinzenta» cogitou uns instantes.
— Ti muito arriscado o que me propões — disse por fim. — Tenho de contar com os anciães.
-- Não to aconselho, irmão — replicou rapidamente Smilin. Os velhos são demasiado prudentes. Na realidade, são como as mulheres, invejosas da força dos jovens guerreiros, e tentarão dissuadir-te para te tirarem o mérito e a fama que alcançarás com a tua façanha. Convém que caias imediatamente sobre eles com os teus valorosos guerreiros e os aniquiles. Isso servirá de prevenção para os outros «rostos-pálidos» que querem vir roubar as tuas terras.
Fez-se um prolongado silêncio. «Nuvem Cinzenta» olhou os seus guerreiros que fizeram sinais de aprovação, em resposta à sua muda solicitação de conselho.
— Todos alcançarão glória e proveito. Todo o povo «araphaoe» cantará o valor de «Nuvem Cinzenta» e os seus guerreiros. Além disso — prosseguiu Mulder para acabar de os convencer — eles têm em casa água de fogo em abundância. Aqui, os olhos dos índios brilharam e dos seus lábios saíram guinchos de aprovação.
— Como se tudo isto fosse pouco, também há muitas espingardas que lhes serão muito úteis na luta que se aproxima.
Nos olhos de «Nuvem Cinzenta» lia-se a indecisão. Por um lado, impelia-o a cobiça para o chorudo saque com que Mulder tentava deslumbrá-lo, mas por outro retinha-o a obediência devida aos anciães da tribo.
Se houvesse ali alguém que o aconselhasse a não aceitar, ele não aceitaria, mas quando mais uma vez consultou os seus guerreiros com o olhar, leu nos seus olhos a decisão, acompanhada de gestos aprobatórios, para que aceitasse, e já não vacilou mais.
O canalha do Mulder havia conseguido os seus propósitos e assim lançava a morte mais horrorosa contra os seus próprios irmãos de raça, para satisfazer a sua cobiça e sede de vingança.
«Nuvem Cinzenta» pôs-se de pé de um salto, interrompendo a arenga de Mulder. Naquele instante, estava verdadeiramente imponente.
— Basta! — gritou com voz de trovão. — Com isso há mais que suficiente. «Nuvem Cinzenta» demonstrará que é o mais valente guerreiro «araphaoe». Quantos homens lá estão?
— Seis — respondeu Mulder, sorrindo triunfante.
«Nuvem Cinzenta» sorriu também, mas o seu sorriso era desdenhoso e sarcástico o tom da sua voz ao perguntar:
— E para arrancar apenas seis cabeleiras, necessitas da nossa ajuda?
— São apenas seis homens, mas que se defenderão com a ferocidade das feras da floresta, «Nuvem Cinzenta». Vai dar-lhes muito trabalho conseguir as suas cabeleiras; a um deles, porém, não devem causar o menor dano, mas simplesmente entregar-mo a mim, imponho essa condição. O resto dos homens e tudo o que houver dentro de casa será o vosso despojo de guerra.
Os índios estalaram em gritos agudos, estridentes, jubilosos pela fácil presa que Mulder punha ao seu alcance.
— Como saberemos qual é esse homem?
— Nós não fugimos ao perigo, «Nuvem Cinzenta». Iremos também para vos ajudar e logo te indicaremos quem é.
— E não reclamarás parte do saque? — perguntou «Nuvem Cinzenta» receoso.
— Juro-te que não. Contentamo-nos com o homem. Com quantos guerreiros podes contar?
«Nuvem Cinzenta» mostrou a Mulder seis vezes os dedos das duas mãos.
— Sessenta? Serão mais que suficientes. Onde estão eles?
— Na aldeia. Mas posso levá-los comigo antes do sol-posto.
— Magnífico. Vai buscá-los, procurando que os anciães não se apercebam da sua partida e fiquem emboscados na espessura que fica do lado do precipício. Eu e os meus homens iremos reunir-nos a ti amanhã, de madrugada — terminou Mulder, levantando-se. — «Nuvem Cinzenta», insisto em que os velhos não devem saber antes do assunto arrumado. Poderia estragar o teu triunfo.
— Descansa, irmão — replicou o selvagem com olhar torvo. — Os mais valentes guerreiros de sangue fervente estão a meu lado, ansiosos de luta e vingança. Os que estão com os velhos são cobardes que não ousarão opor-se a nós. Eu lhes demonstrarei que sou um verdadeiro chefe «araphaoe».
— Em todo o caso, faz o possível para que eles não o saibam. É o melhor.
— Que Manitu te cubra de riquezas — disse cerimoniosamente «Nuvem Cinzenta». — Não faltes ao combinado.
— Tranquiliza-te, «Nuvem Cinzenta. Não faltarei.
Os índios abandonaram a cabana. Mulder acompanhou-os à porta e ali se despediu deles, estreitando-lhes as mãos. Depois, voltou-se para os seus homens, quando reentravam na cabana.
— Estão vendo como tudo resultou fácil? — disse, satisfeitíssimo. — Eles farão o trabalho e nós estaremos lá apenas para prender o major. Cautela, não se exponham muito. Os sessenta índios executarão a tarefa por nós.
June estremeceu ao escutar esta cínica declaração.
— Canalha! Infame! Renegado! — murmurou entre dentes, horrorizada com a tragédia que se aproximava.
— Tu, Alex — prosseguiu Mulder — ficarás aqui com Oxton. Não estás em condições de lutar com esse braço ferido. Está bem atento, não se escape a rapariga, pois isso estragaria todos os meus planos e já sabes o que isso significaria para ti... — o tom ameaçador das suas palavras e o seu sinistro sorriso foram bastante eloquentes.
— Para que queres Watterfield vivo? — inquiriu Alex.
O rosto de Mulder ensombrou-se.
— Quero que ele saiba que a irmã está em meu poder. Vingarei a morte de Jeff e de Massey, dizendo-lhe o que vou fazer dela depois de o entregar às autoridades — disse, com a voz embargada pela emoção de tão retumbante triunfo.
Alex estremeceu. Apesar de já estar curtido no crime, não aprovava o procedimento de Mulder. Uma coisa é roubar os incautos e despachá-los limpamente para o outro mundo com um tiro certeiro, e outra muito diferente é lançar os índios sobre um punhado de brancos, e além disso maltratar uma mulher da forma que Mulder pensava fazer com a pobre prisioneira.
— Por Deus, Smilin! — disse, com voz rouca. — Não deves fazer isso...
Mulder voltou-se para ele, como se o houvesse picado uma víbora e agarrou-o pela camisa.
-- Porque não? — gritou. — Claro que farei! E o que não estiver de acordo, que o diga antes de começarmos a faina...
Passeou o olhar pelos rostos dos seus homens, que baixaram os olhos acobardados.
— Então, estamos de acordo, não? Nesse caso, vamos andando. Vou mandar-te Oxton para aqui – acrescentou, dirigindo-se a Alex. — E toma tento, não se escape a rapariga, porque te custará a vida. Entendido? Já sabes que comigo não se brinca.
Saiu da cabana com os homens que o haviam acompanhado até ali, enquanto June se deixava cair para cima do catre, desalentada, implorando a Deus o auxílio que parecia ter-lhe negado.
*
Quando Chester recobrou o conhecimento e se viu naquela paragem desconhecida para ele, demorou uns minutos a recordar a missão que o havia levado ali.
Teve a impressão de que tudo andava às voltas e sentia a cabeça doer-lhe, terrivelmente. Apalpou um grande inchaço na fronte mas não havia sangue. A recordação do que lhe tinha acontecido foi penetrando gradualmente no seu cérebro, e então ergueu-se repentinamente.
— Grande Deus! — exclamou. — Perdi um tempo precioso!
Sentado no chão, olhou ao seu redor, sem ver ninguém, mas os cavalos continuavam no mesmo sítio. Este facto tranquilizou-o pois indicava que ninguém havia partido da cabana.
Ocultando-se atrás do tronco da árvore, pôs-se de pé, mas logo teve de se sentar, porque a pernas recusavam-se a Sustentá-lo. Descanso um bom bocado até que se levantou de novo, agora sentindo-se melhor. Aquela pancada roubara-lhe faculdades momentaneamente, mas não podia esperar mais para se refazer, porque cada minuto que June passava em poder de Mulder aumentava o perigo para ela.
Ajustando o cinturão com os dois revólveres, preparou-se para fazer uma corrida até uma outra árvore próxima, mas, de súbito, lançou-se outra vez ao chão, ao ver aparecerem vários índios à porta da cabana, seguidos de Mulder, que se despediu deles estreitando-lhes a mão.
«Que pacto infame terão selado aqueles apertos de mão ?» — interrogou-se Chester.
Os índios passaram a escassos metros do seu esconderijo, falando animadamente.
«São «araphaoes» — disse para si o jovem. — Não levam as cores de guerra, mas, ou me engano muito ou não tardarão a pintá-las, e isso deve ser obra daquele chacal.
Quando os perdeu de vista, concentrou novamente ia sua atenção na casa. Duas curtas corridas de árvore em árvore situaram-no a cinquenta metros da cabana, e donde se encontrava: voltou a observar minuciosamente.
«Quantos homens haverá lá dentro? — interrogou-se. — Cinco vim eu seguindo. A sentinela e pelo menos um ou dois que já deviam estar dentro da cabana, perfazem sete ou oito. Parece-me mais prudente esperar que chegue Patt antes de começar a função. Confio em que ele terá visto o papel que lhe deixei com as indicações do caminho que segui, e portanto, não deve tardar.
A porta da cabana apareceu Mulder, seguido dos quatro homens que o haviam acompanhado até ali. Com grande alegria, viu que montavam os seus cavalos e se afastavam daqueles lugares. A jovem não ia com eles pois o cavalo dela permanecia à porta e isto queria dizer que June continuava lá dentro.
«A isto chama-se ter sorte — murmurou Chester. — Se os meus cálculos não falham, devem ter lá ficado três homens, no máximo. Mas, onde estará a sentinela?».
Como que respondendo àquela pergunta, o homem saiu de entre as árvores e encaminhou-se para casa; fumando tranquilamente. Chester agachou-se, esperando que passasse perto dele, para pôr em prática o seu plano.
Estava firmemente resolvido a resgatar June das mãos daqueles facínoras. Três homens não representavam para ele um obstáculo invencível, tendo do seu lado o fator surpresa.
Oxton passou por ele descuidadamente. Evitando fazer o menor ruído, Chester endireitou-se, e numa corrida rápida transpôs a distância que os separava, levando na mão direita um revólver seguro pelo cano.
O leve rumor dos seus passos fez Oxton voltar a cabeça, mas já era tarde para se esquivar ao revólver de Chester, que lhe caiu na cabeça como um pesado maço, colocando-o fora de combate.
Sem se preocupar mais com aquele, Chester correu para a casa. Já perto da porta, avançou com precaução, ao mesmo tempo que cobria com o revólver a janela próxima, na previsão de que alguém assomasse e descobrisse a sua presença.
No interior da casa não havia mais que um homem, de costas voltadas para a porta, fumando como um desesperado. Percebendo-lhe a tranquilidade e que além disso tinha o braço esquerdo ao peito, o rapaz felicitou-se por tão feliz circunstância.
— Mãos ao alto! Depressa! — troou a sua voz, ao mesmo tempo que irrompia na cabana.
Alex voltou-se rapidamente, surpreendido por aquela intimação que não esperava. Os seus olhos exteriorizaram o ódio mais feroz ao encontrar-se em frente do homem que o havia atingido no braço e ergueu o que tinha são.
Chester aproximou-se dele, contornando a grande mesa colocada ao meio da casa, e desarmou-o.
— Onde está a menina? --- perguntou logo em tom ameaçador.
— Se tanto te interessa saber, procura-a, amiguinho.
— Oiça... — ia dizer Chester, mas foi interrompido pela voz de June, vinda da outra dependência, através da porta fechada, pronunciando o seu nome.
— Chester! Chester! Estou aqui encerrada!
O rapaz dirigiu-se para a porta donde vinha a voz, imprudência que Alex aproveitou para se lançar sobre ele, ao mesmo tempo que chamava pelo seu companheiro em altos gritos.
O tiro de Chester cortou-lhe os intentos. Ao sentir-se ferido, Alex mudou de direção, encaminhando-se para a porta, mas, antes de dar quatro passos, caiu pesadamente no chão.
Chester inclinou-se sobre ele.
— Está morto — murmurou.
Guardou o revólver e avançou para a porta do quarto onde June estava prisioneira. A chave via-se na fechadura e Chester fê-la girar.
— Levante esses braços! — intimou alguém nas suas costas.
A ordem deixou Chester petrificado e não teve mais remédio que erguer as mãos, olhando para trás por cima do ombro.
Enquadrado no limiar da porta, estava Oxton, apoiando-se vacilante à ombreira, apontando-lhe um revólver.
— Volte-se! — ordenou o homem e Chester obedeceu.
— Bem... — prosseguiu Oxton. Creio que se inverteram os termos e que o caçador foi caçado.
O seu olhar percorreu a casa e deteve-se no corpo sem vida do seu companheiro.
— Você matou Alex, hem? Pois... isto vai Custar-lhe caro.
Chester estava como sobre brasas. O que menos lhe importava naquele momento era o revólver que Oxton lhe apontava, pensando apenas na atitude que June adotaria. Estaria ela apercebendo-se da situação? Que aconteceria, se ela se descontrolasse e irrompesse junto deles, visto que a porta já não estava fechada à chave? Nem quis imaginar o que Oxton faria...
Felizmente, parecia que June havia dado conta da brusca troca de papéis, pois que do quarto onde ela se encontrava não saía o menor ruído.
Oxton avançou para o rapaz, que cobria com as costas a porta do quarto ocupado por June.
— Você matou Alex — repetiu o bandido. -- Bem, bem. Levante-o e deponha-o sobre a mesa. E olho com o que faz, hem?
Chester avançou para o corpo sem vida de Alex, verificando com alegria que assim obrigava Oxton a girar à roda para não o perder de vista, e, deste modo, o bandido ficava de costas para a porta do quarto contíguo.
Com grande trabalho, levantou do chão o cadáver do outro meliante, até à altura da mesa onde o colocou. Depois, olhou para além de Oxton e percebeu que a outra porta se entreabria ligeiramente e que os olhos de June espreitavam a cena por uma estreita fresta.
Tornava-se necessário ganhar tempo é impedir que Oxton se movesse de onde estava.
Os seus olhos vaguearam* por toda a casa e pousaram-se sobre uma velha manta caída a poucos passos.
— Quer que o tape? — perguntou, indicando a manta com um gesto de cabeça.
— Tape-o, sim, mas cuidado, não faça tolices.
Chester baixou-se para pegar na manta e deitou-a por cima do cadáver, demorando-se o mais possível a ajeitá-la.
— Já está bem! — gritou Oxton.
— Que vai fazer comigo? — perguntou o rapaz, olhando a porta, que June abria lentamente, de mansinho. Cada segundo parecia-lhe uma eternidade.
— Creio que vou matá-lo — disse Oxton muito simplesmente.
Chester quase não o ouviu, toda a sua atenção concentrada naquela porta que se abria centímetro a centímetro. Se por fatalidade os gonzos guinchavam, a rapariga estaria irremediavelmente perdida, pois que o bandido não hesitaria em desfechar sobre ela ao sentir-se ameaçado por aquele lado.
— Creio que você não fará isso — replicou Chester.
— Porquê? — sorriu o outro. — Quem mo vai impedir?
Chester não pôde dizer-lhe que o impediria June, que já avançava para ele, segurando firmemente na mão direita, presa pelo gargalo, uma garrafa cheia de água — Não terá tempo... — sorriu Chester.
— Que quer você dizer? — perguntou Oxton, intrigado.
— Isto!... — exclamou June atrás dele, ao mesmo tempo que lhe descarregava na cabeça uma formidável pancada.
A garrafa partiu-se em mil pedaços e a água que continha derramou-se no chão, salpicando-a também a ela. Oxton tombou feito num novelo, pela segunda vez em dez minutos, e só então toda a coragem e energia da rapariga se esvaíram, refugiando-se soluçante nos braços que Chester lhe estendia.
— Oh! Chester! — exclamou, com voz entrecortada. — Julguei que não virias, e depois, quando esse patife te ameaçou, convenci-me de que tudo estava perdido.
— És a mulher mais corajosa do mundo, June. Passei por um bocado horrível, pensando que não te aperceberias do que se estava passando.
Beijou-a e ela pareceu tranquilizar-se um pouco.
— Bem, salvaste-me a vida — disse ele.
— A tua e a minha, Chester. Se tu fosses morto, que seria de mim?
O jovem abraçou-a novamente e logo voltou à realidade.
— Haverá mais homens por aqui? — perguntou.
— Creio que não. Oh! Chester! É horrível o que aquele malfeitor planeou! Vai lançar os índios contra o meu irmão!
E referiu tudo quanto havia escutado. O rosto do rapaz ensombrou-se ao ouvi-la.
— Eu já calculava que ele faria uma canalhice como essa ou outra semelhante. Vamos, June! Não há tempo a perder!
Saíram ambos da cabana e montaram o cavalo de June até ao lugar onde Chester havia deixado o seu. Pouco depois, os dois jovens galopavam desenfreadamente em direção ao vale.
 

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