quarta-feira, 21 de setembro de 2016

BUF101. Cap III. O mistério da casa branca

Na sua frente erguia-se uma construção de madeira, mas muito diferente das que habitualmente se viam no Texas. Era uma casa ao estilo das do Sul, como tantas outras que existiam na Virgínia e Luisiana durante a guerra da Secessão.
Tratava-se de uma edificação de forma quadrada, completamente pintada de branco, cujo pormenor mais característico era o pórtico frontal, sustentado por cinco colunas de madeira.
Circundava a casa um pequeno jardim recentemente plantado, e a curta distância havia um poço, sobre o qual fora posta uma armação de madeira com uma roldana, que fazia deslizar uma grossa corda, cuja extremidade prendia um balde, utilizado para tirar a água. Todo este conjunto de pormenores criava o ambiente verdadeiramente sulista.
Os dois amigos tinham a impressão de que, por obra de magia, haviam sido transportados outra vez a Luisana, Virgínia, Carolina ou a Nova Orleães. Pela frente de ambos passou o barbudo condutor que respondera tão desagradavelmente a Patt, que ao vê-lo expeliu um grunhido.
Hards quedou-se a contemplar com expressão reprovativa como eles desciam dos cavalos, e abanou a cabeça para tornar mais patente o seu desacordo pela loucura que sua ama cometia, levando ali aqueles homens.
No piso superior da casa, uma cortina moveu--se ligeiramente e um rosto masculino deixou-se entrever por Um segundo, perscrutando os recém-chegados.
Tenham a bondade de entrar — convidou a rapariga, postando-se à porta da casa e fazendo um gesto cheio de graça.
Chester e Patt subiram os degraus, mas à porta o gigante deteve-se.
— Eu prefiro ficar aqui — disse. — Não quero perder os cavalos de vista — foi a sua fraca desculpa, em face do olhar interrogativo da rapariga.
— Como queira.
— Não lhe dês forte, Patt — aconselhou Chester, insinuando assim que conhecia o verdadeiro motivo que o guiava a ficar fora de casa.
Ele entrou seguido da jovem até uma sala bem iluminada. Havia ali poucos móveis e notava-se à primeira vista que muitos deles tinham sido feitos à pressa, mas percebia-se a mão de mulher no arranjo do aposento, dando-lhe um ar extremamente acolhedor.
— Não quer sentar-se?
Chester sentou-se numa banqueta de madeira perto da mesa. Quando June se retirou o jovem examinou a sala demoradamente. Um chapéu e uma capa pendurados num cabide chamaram-lhe a atenção. Acercou-se e observou aquelas peças de vestuário masculino sem lhes tocar.
Nesta observação curiosa o surpreendeu o regresso da rapariga, que transportava uma bandeja com dois copos e uma garrafa. Deteve-se um instante ao vê-lo examinar as roupas com tanta atenção, mas reagiu imediatamente.
— O chapéu e a capa são de Hards — explicou ela, enrubescendo vivamente.
«Não sabe mentir» — pensou Chester.
— Permita-me que o convide, senhor Chester — continuou a jovem com voz harmoniosa.
Encheu um copo com a bebida contida na garrafa e ofereceu-a a Chester, que a foi sorvendo a pequenos goles.
— Ainda não me disse o seu nome — disse ele, sorrindo.
— Oh! É verdade! Perdoe a minha distração. Chamo-me June. June... Watterfield. Que lhe parece a minha casa?
— Encantadora. Tal como eu imaginava que seria a casa onde a menina vivesse — disse Chester, ao mesmo tempo que tentava recordar-se de quando ouvira aquele apelido. Depois, lançou a pergunta, enquanto observava atentamente a jovem:
— Vive só com esse Hards? Não lhe passou desapercebido o sobressalto da jovem ao escutar esta pergunta.
— Eu... não... Há mais outro homem que cuida dos cavalos.
Chester tornou a pensar que ela mentia. Aquela capa de fino pano e o esplêndido chapéu de feltro azul não podiam pertencer a um criado.
— Disse-me que fez a guerra da Confederação? — perguntou June, no intuito de desviar a conversação.
— Sim, até ao fim. Quando o, general Lee se rendeu em Appomatox consegui fugir e juntei--me às tropas do general Johnston, mas quando este se entregou fugi novamente, de preferência a entregar-me aos da União.
— Foi voluntário ou mobilizado?
— Voluntário desde o primeiro dia, assim como Patt. Passámos toda a guerra juntos — de súbito deu uma palmada na fronte. — Cá me parecia que o seu apelido não me era desconhecido! — exclamou. — Com o general Johnston havia um major chamado Watterfield. Era um homem valoroso que depois formou um aguerrido corpo com os melhores soldados do general e fugiu para as montanhas, recusando-se a render. Era seu parente?
O copo que a jovem sustentava nas mãos caiu ao chão, fazendo-se em fanicos. Chester viu-a empalidecer e encostar-se à mesa para não cair.
— Que tem? Sente-se mal? — perguntou ele, com solicitude.
— Oh! Não... não! Muito obrigada. Faz muito calor aqui, não lhe parece? Será melhor sairmos um pouco para o jardim. Um rumor de vozes vindo de fora fê-los alargar o passo.
Quando Chester e a jovem desapareceram no interior da casa, Patt retrocedeu sobre os seus passos, procurando Hards com o olhar, mas não o encontrou. Em vista disso, deu a volta à casa e por fim descobriu o que buscava junto à fila de árvores, entretido a cavar a terra. Para ali se encaminhou, sorrindo desagradavelmente.
— Olá! — disse, parando junto do outro.
Hards ergueu a vista e ao ver Patt endireitou-se, largando a enxada que tinha na mão.
— Sabes o que quero? — perguntou o gigantesco Patt ao outro gigante.
— Calculo.
— Quero comprovar se a tua cara é tão dura como indica o teu nome.
— Pois vais ficar apenas com a vontade.
— Eu já sabia que tinhas medo! — retorquiu Patt com sarcasmo.
— Medo, eu? — disse o outro, sorrindo. — Não digas tolices. Não conseguirás tocar-me, mas em compensação vais certificar-te da dureza dos meus punhos.
— Isso é o que vamos ver agora mesmo. Despe a camisa!
Hards assim fez, despindo a camisa que atirou para o chão. Patt imitou-o e ambos ficaram frente a frente, nus da cintura para cima. Nos seus hercúleos corpos sobressaíam os poderosos músculos, desenvolvidos em ambos na razão inversa dos seus cérebros.
— Antes de te surrar bem quero pedir-te uma coisa — disse Hards.
— Venha lá isso. Seja o que for, farei. Afinal de contas tu não pareces má pessoa, mas por causa daquela resposta que me deste não tenho mais remédio que partir-te a cara. Que queres?
— Promete-me, mesmo que saias vencido, que nunca dirás a ninguém que viste esta casa.
— Prometido. Agora, põe-te em guarda.
Patt lançou-se a Hards como um touro embravecido, mas este desviou-se e, ao passar a seu lado, estampou-lhe um soberbo murro num ouvido que tombou Patt por terra.
— Que tal? — perguntou Hards, esperando que o outro se levantasse.
— Nada mau — concedeu Patt. — Mas não voltarás a repetir o golpe. Colheste-me desprevenido.
Novamente ficaram frente a frente, mas desta vez, Patt não se lançou às cegas sobre o outro, quedou-se um instante a examiná-lo atentamente. Depois, largou um formidável soco.
— Toma! — e o seu punho direito chocou com o maxilar de Hards que mediu o chão com as costelas.
— Que tal, «Cara Dura?».
— És um verdadeiro bruto — resmungou o outro, endireitando-se e acariciando o queixo.
— Esse murro teria derrubado um touro! Mas tu és mais duro que um touro. Por agora, estamos empatados, mas aproxima-te que te vou encaixar um murro que vai desfazer o empate.
Hards acercou-se novamente de Patt, com cara de poucos amigos. Patt recuou prudentemente até que ambos estacaram em frente da casa.
— Tens medo, hem? — disse Hards, sorrindo.
— Medo, eu? — retorquiu Patt. — Não digas palermices. Aí vai este!
— Toma tu também! — ribombou o adversário.
Os dois punhos cruzaram-se no caminho e ambos encontraram o seu destino. Hards e Patt cambalearam por instantes e logo o primeiro caiu ao chão, de bruços. Patt firmou-se nos joelhos e tombou também, para ficar atravessado sobre o corpo inanimado do seu rival.
— Caramba! — exclamou Chester. — Deixaram-se «K O» mutuamente. Deram uma valente tareia um ao outro. Que dois brutos!
Dirigiu-se ao poço, pegou no balde cheio de água, e, sem nenhuma consideração, despejou-o para cima dos dois gigantes, que jaziam imóveis a seus pés.
Patt fez um ligeiro movimento e depois endireitou-se trabalhosamente.
— Quem foi que fez isto? — perguntou com os punhos apertados.
— Não te enerves, Patt. Fui eu. De alguma forma tinha de acordar-te.
Patt sacudiu a cabeça e pôs-se de novo em guarda, ao ver que Hards principiava a erguer--se, ainda meio atordoado.
— Deixa-o, Patt — disse Chester. — Já lhe deste bastante.
— Fica quieto, Hards! — ordenou por sua vez a jovem, do pórtico.
Os dois gigantes olharam-se e sorriram desafiantes.
— Reconheces que te venci, «Cara Dura»? — perguntou Patt.
— Não. Não me venceste. Ambos caímos duas vezes ao chão — replicou Hards.
— Mas eu levantei-me primeiro que tu.
— Isso não quer dizer nada. Estavas em cima de mim e não deixavas mover-me. O que reconheço é que tens o punho mais duro que a pata duma mula.
— E eu reconheço que mereces a alcunha de «Cara Dura» — confessou Patt.
Chester sorria.
— Bom — disse — se já acabaram, creio que são horas de partirmos.
— Vamos lá. Ainda não acabei de tirar as fumaças a esse cabeçudo, mas há-de apresentar--se outra ocasião.
Quando ambos já haviam montado os cavalos, June acercou-se deles.
— Adeus, Bruce. Adeus Patt e muito obrigada.
— Não tem nada que agradecer — respondeu Chester. — E já sabe onde pode encontrar-nos se precisar de nós.
— Supõe que virei a precisar da vossa ajuda? — inquiriu ela, sorrindo.
— Não suponho, sei que precisarão de nós — frisou bem estas palavras com segunda intenção, e, picando de esporas, afastou-se seguido de Patt.
*
Quando os perdeu de vista por entre as árvores, June penetrou em casa. Lá dentro estava um homem que se lhe dirigiu mal ela cruzou o limiar.
— June — disse com voz grave — porque trouxeste aqui aqueles homens?
— Não tenhas receio, Ronald, que eles não dirão nada. Assim mo prometeram.
E logo referiu o que lhe havia acontecido e como Chester a salvara de uma morte certa. Ao chegar a este ponto da sua narrativa, o' homem interrompeu o passeio no aposento e estacou em frente da jovem. Aparentava uns trinta e seis anos, era alto e forte, bem proporcionado. Os seus olhos eram inteligentes e resolutos e os traços do seu rosto nobres e corretos. Vestia calças justas de veludo azul-escuro, que se perdiam dentro das botas de montar. A camisa era de seda branca e todo o seu conjunto correspondia à imagem que se esperaria encontrar naquele ambiente. Era a perfeita estampa de um cavaleiro do Sul.
— Apesar disso, não devias tê-los trazido aqui — repetiu. — Este esconderijo é quase desconhecido e é um perigo que alguém saiba que ele existe. Os dez mil que oferecem pela minha captura são para tentar qualquer.
— Julgo, Ronald, que não deves preocupar-te tanto. Eles serviram no Exército do Sul até à última hora. Um deles recorda-te e falou de ti com o maior respeito e admiração. Ainda que ele soubesse que estavas aqui, tenho a certeza de que nada tentaria contra nós. É um rapaz muito agradável e estou segura de que podemos confiar nele. Diz-mo o instinto.
Ronald olhou a jovem com um sorriso.
— Não estarás enamorada dele, não é verdade?
A jovem sorriu por sua vez.
— Pelo menos, acho-o um rapaz muito agradável — repetiu.
— Está bem, June. Deus queira que tenhas razão e que não te arrependas de haver confiado nele. Dirigiu-se à janela e encostou-se ao parapeito, sorrindo pensativo, o olhar perdido no atalho por onde Chester e Patt haviam desaparecido.

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