domingo, 4 de setembro de 2016

PAS670. Senhores e senhoras, esta é a «Dama do Rio»

Todos quantos a conheciam a tratavam par «A Dama do Rio». Tinha um corpo verdadeiramente maravilhoso, alta, delgada, muita bem proporcionada. No lindo rosto, de queixo agressivo, brilhavam uns enormes olhos negros e a sua boca, de lábios carnudas e sensuais, revelava um temperamento apaixonado. Possuía todos os traços típicos das mulheres crioulas (1), e o jogo como profissão.
O seu porte era altivo e orgulhoso, e a sua singular beleza tornava-a muito mais perigosa.
Tinha os cotovelos apoiados na amurada do barco, olhando as águas do Mississipe. Um vestido simples, vermelho como uma labareda, cingido, moldava-lhe o corpo felino. Os sapatos eram da mesma cor, tal como as luvas, que lhe chegavam aos cotovelos. Na cabeça, um pequeno chapelito enfeitado com duas penas de pavão.
O barco, que navegava fazenda girar as suas pás a caminho de Nova Orleães era seu, a única coisa que possuía depois da morte do pai. Antes da guerra de Secessão, pertencia à requintada aristocracia daquela capital. 
Seu pai era um jogador, como quase todos os habitantes de Nova Orleães daquela época. Tinha uma plantação. Uma noite deixou-se ganhar mais da conta, perdeu cem mil dólares, e um homem apoderou-se da plantação no dia seguinte.
O capitão do «Belle», nome do barco no qual navegava agora, era amigo de seu pai. Embarcou-os com ele e deu-lhes um lugar nas salas de jogo.
Porque o «Belle» não era mais que um casino flutuante. As coisas não correram nem bem nem mal durante algum tempo. Quando o capitão morreu, legou o barco à jovem. Ela e o pai continuaram a explorar o negócio, até que o velho morreu. Durante uns dois meses, o «Belle» deixou de navegar. Mas quando o fez novamente, levava como proprietária Yuga Dumeino.
Depressa a sua magnifica figura se transformou num atrativo mais para os que navegavam no Mississípi. Na grande sala de jogo iam deixando o seu dinheiro. Ela, com o sorriso sempre à flor dos lábios, tornava as perdas menos dolorosas. Agora ia a caminho de Nova Orleães. Para quê?
Era uma mulher estranha. Podia tratar um homem por tu ou por você, conforme os casos; podia até chamar-lhe «mister» ou senhor, falar-lhe em inglês ou em francês, indistintamente. Mas quando antepunha ao nome a palavra «monsieur», o aludido estava perdido. Caíra em desgraça. Fizesse o que fizesse em favor dela, não servia de nada. O «monsieur» acabava por desembarcar em qualquer parte das margens do rio, ou, se teimava, saía mesmo pela borda fora, para alcançar a margem a nado.
Claro que ela procurava sempre que os seus servidores o fizessem longe daquelas pás que podiam fazer em pedaços um homem em alguns minutos.
Com o seu procedimento conquistava muito poucos amigos. Criara mais ódios que outra coisa. Agora, voltava a Nova Orleães...
Fazia-o ano e meio depois de terminada a luta, quando pelas ruas da cidade imperavam as armas, quando toda a pior ralé do exército da Confederação e parte do Norte caíram qual manada de corvos sobre as plantações, os lindos e senhoriais salões de jogo e tudo o que de valor ficara nela, que não era pouco.
Mas algo de bom havia nesta mulher: era honesta. Ninguém podia dizer que chegara sequer a beijá-la. Ela fazia o seu negócio. Muitos, para não dizer todos, o sabiam. Talvez por isso, de dia para dia, o barco se enchia cada vez mais de passageiros, com o único objetivo de conquistá-la, e com ela o seu dinheiro.
Mas Yuga Dumeine parecia ter um «olfato» digno dum cão de caça. Adivinhava-os logo à chegada. Sorria-lhes com os olhos, mas não com a boca. Acompanhava-os até que perdiam inclusivamente a camisa. Então, apagava-se-lhe o sorriso dos olhos e em tom altaneiro dizia: «Outra vez será, senhor»; ou então: «Noutra ocasião terá mais sorte».
Eram frases invariáveis; frases que já conheciam de cor todos os velhos e novos endinheirados que frequentavam o «Belle». Mas isto, contra toda a lógica, constituiu um novo incentivo para eles. Sabia-o Yuga Duareine? Pensava nisto e por isso se comportava daquela maneira, ou na sua linda cabecita só havia uma ideia fixa?
Eram estas as perguntas que faziam os homens que se davam com ela. Mas, apesar de tudo, continuavam a vir e a perder, noite após noite.
Agora estava muito pensativa, deixando vaguear os seus misteriosos olhos pela margem do rio. Havia meia hora escassa que saíra do cais de Baton Rouge, na margem direita do Mississipi. Parecia esquadrinhar a referida margem, olhando os altos arbustos e matos que a povoavam.
Via-se que estava pensativa. De quinze metros mais adiante, contemplava-a o capitão que por vontade expressa dela, governava agora o barco. Aproveitando a circunstância de ela o não ver, abanava a cabeça, como se tentasse averiguar o que a mulher pensava, ou talvez perguntando a si mesmo, o, a que diabo se devia aquela pressa de chegar a Nova Orleães, quando ela se opusera sempre a tal ideia.
De repente viu-a pôr-se tensa. Que vira na margem? Sentia-se curioso, mas não se atreveu a incomodá-la indo junto dela para ver ou perguntar.
Yuga então voltou-se, exclamando :
— Ordene que aproximem o barco o mais possível da margem. Há ali um homem a fazer sinais. Lance-lhe um cabo e que suba. Se tiver com que pague a passagem para onde quer que vá, que fique. Mas se não, diga aos seus homens que o atirem pela borda fora.
Afastou-se, como uma rainha ofendida, a caminho dos camarotes.
Mike Lack não pestanejou. Segundo parecia, estava acostumado àquelas ordens. Por outro lado, ao verificar que se voltara diretamente para onde ele estava, pensou que, apesar de todos os seus esforços para o dissimular, ela sabia que a estivera observando.
Fez o que lhe ordenaram e pouco depois apareceu a bordo um homem trazendo nas mãos uma espingarda e um duplo cinturão-cartucheira com dois impressionantes «colts» 45. Enquanto atravessou o rio, mantivera-os acima da cabeça, como receando que a água os molhasse. E assim fora.
 
(1) Mestiças.

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