Jules Blackfield embolsou todo o seu dinheiro, do qual costumava dispor em grandes quantidades, pegou no mais indispensável e montou o seu cavalo negro. Considerava absurdo permanecer um segundo mais em Riverside. Estabelecer-se-ia noutro lugar.
Não era a primeira vez que mudava de ares, nem seria a última. Estando vivo, se desejasse voltar a Riverside, poderia consegui-lo. Regressaria bem preparado para conseguir os seus fins. Não saindo de lá, expunha-se a perder tudo.
Norman contava com colaboradores, além de que só ele era capaz de resolver qualquer situação. Além disso, Jules Blackfield sabia que os «pistoleiros» que ainda restavam em Riverside fugiriam como coelhos. E ele não queria ficar sozinho. Sabia que era muito odiado e que muitos aproveitariam a oportunidade e se lançariam contra ele, agora que não existiam Blood, Owner, Ernie Skill e parte dos outros «pistoleiros» profissionais. Fugindo, prejudicava a Norman Wright, o mais, encarniçado inimigo que tivera até à data.
Blackfield estava agora certo de que ele tinha ido a Riverside por sua causa. Acabava de demonstrá-lo com os seus feitos e palavras.
O que Jules Blackfield mais lamentava era não possuir Jane ou vingar-se dos seus desdéns, ofendendo-a cruelmente. Mas o que mais lhe crispava os nervos era ter de admitir o triunfo de Norman. Aquele homem parecia invulnerável às balas. Tantos contra ele e não tinham conseguido matá-lo!
Pelo contrário, a pontaria de Norman tinha acabado com todos eles.
A noite, já muito avançada, era muito escura. Os olhos negros de Jules Blackfield reluziam como os de um gato, um ódio imenso refletia deles. Levava o seu cavalo a galope. Corria como o vento, em fantástica carreira sem ter em conta os obstáculos.
De repente uma ideia atravessou a sua mente, uma ideia espantosa. Seguidamente fez com que o cavalo parasse. Saltou para o chão. Jules Blackfield fez um terrível juramento. Nele era como um grito de júbilo. O que pensava realizar satisfazia a sua perversidade nata. De certa maneira seria uma vingança contra o rancheiro Davis e contra sua filha.
Pelas explicações que os seus vaqueiros lhe tinham dado, sabia onde se encontrava aproximadamente a campa de Bernard Holly. O que Black-field pretendia era profanar essa campa. Foi o demónio quem lhe inspirou tal ideia e foi o mesmo demónio que lhe fez ver a possibilidade de encontrar nos bolsos da roupa do morto a importante quantidade de dinheiro, de que tanto se tinha falado no rancho de Patrick Davis. Em face dos últimos acontecimentos não acreditava que esse dinheiro estivesse nas mãos de Norman Wright. Inclusivamente parecia estranho que Norman tivesse tomado parte na luta, pois quando o cavalo de Bernard Holly apareceu no rancho ele nada dissera, e ele não teria deixado passar aquela magnífica ocasião.
Pensava que os seus «pistoleiros» tivessem exagerado a nota para justificar o medo que tinham sentido. O próprio Bernard Holly era um grande atirador, e não era em vão que tinha enviado oito homens contra ele.
Jules Blackfield deu umas fumaças num cigarro, atirou-o para longe e voltou a montar a cavalo, tomando a direção da colina King. Depois de uma cavalgada quase ininterrupta chegou ao cume. Ainda não tinha amanhecido...
Quando os primeiros raios da aurora começaram a filtrar-se pelas trevas, Blackfield deu começo à sua macabra busca. Decorreu bastante tempo sem que nada encontrasse. Suava abundantemente, absorvido, impaciente. Já estava quase decidido a desistir quando descobriu uma pequena elevação, porém sobre ela não se encontrava a cruz feita de ramos de pinheiro... Os seus olhos moveram-se de um lado para outro, incessantemente, fulgurando como os de um demónio, de repente...
— Achei! — exclamou ao descobrir a cruz.
Aquela era a campa de Bernard Holly! Rapidamente aproximou o seu cavalo; na sela, junto ao rifle e ao laço, havia várias pequenas ferramentas; seriam suficientes. Com uma careta no seu rosto deformado por tão baixas paixões, contemplou a cruz. Ia a afastá-la para com a ferramenta começar a escavar a terra quando uma voz potente ressoou nas suas costas:
— Para! Nem os mortos deixas em paz, canalha!
As trombetas do Juízo Final não teriam causado tanta impressão a Jules Blackfield como aquela voz acusadora, que ele reconheceu imediatamente. Pertencia a Norman Wright! Estava perdido. Já não havia salvação possível para ele.
Norman não estava sozinho. Blackfield ouviu outra voz que dizia, tremendo de indignação:
— Mata-o, Norman! É pior do que um animal! Mata-o tu ou então mato-o eu! Ponha as mãos no ar Blackfield, se não quer que o transforme num passador!
Jules Blackfield, antes de ouvir a voz de Sam Pine, pensava em rodar e disparar, levando consigo para o inferno a Norman Wright. Por sua parte, Norman, não querendo matar Jules pelas costas, pois tinha suficiente confiança em si mesmo para o fazer de cara a cara, esperava que o «pistoleiro» reagisse para então entrar em ação.
O bandido levantou as mãos, pois o tom em que Sam Pine falara não admitia réplica. Tentaria dar uma volta à situação. Quando já tudo parecia perdido, uns minutos mais poderiam ser decisivos. Desta vez, porém, foi Norman quem ordenou:
— Dê a volta, Blackfield!
Este obedeceu. Tinha os olhos injetados de sangue e cravou-os com ódio em Norman Wright e em Sam Pine, os quais empunhavam um revólver do calibre 45.
— Malditos sejam! Agora vão apertar o gatilho, não?
— O que ias fazer não tem qualificativo! O meu amigo tem razão. Você merece que o crivemos de balas e depois o deixemos ao ar. Nem os abutres quererão a sua carcaça!
— Porco cobarde! — gritou-lhe Sam.
Jules Blackfield escolheu os ombros.
— Não fugi por cobardia, mas por conveniência. Mas digo-vos que não vos temo com as armas na mão. Agora podem disparar quando quiserem.
Jules Blackfield estava disposto a tentar tudo antes de morrer. O cabo Sam leu qualquer coisa nos seus olhos.
— Isso faremos — disse —, mas antes vou desarmar-te.
Ia a fazê-lo quando ouviu:
— Está quieto, Sam — disse-lhe Norman, com calma. — Não quero dar a Jules Blackfield a satisfação de nos ver agir como ele faria, no caso dos nossos papéis estarem invertidos. Não merece misericórdia, pela sua tentativa de profanação desta campa, do homem que ele mandou assassinar. Eu fui testemunha. E ele enviou contra mim todos os seus homens para que acabassem comigo.
— Sim, Blackfield, és um assassino! Cometeste toda a classe de canalhices e por isso os federais andam há muito tempo atrás de ti.
Jules Blackfield sorriu com sarcasmo. A posição de Norman era-lhe favorável.
— Que pretendes? Matar-me com crueldade?
— Não — replicou Norman. — Vou deixá-lo usar o seu revólver. Você disse que não nos teme com as armas. Mas devia ter demonstrado isso em Riverside. Quando os seus principais «pistoleiros» estavam mortos e eu o desafiei publicamente. Mantenho esse desafio para ter a satisfação de o poder matar cara a cara, corno fazem os homens. Julguei que não conseguiria, quando tive esta lembrança: «Sei onde está, Sam! Corramos!» Não me enganei. Você não podia esquecer que se tinha falado da fortuna que havia na carteira de Bernard Holly. Você é incapaz de passar de largo sabendo que há dinheiro nalguma parte, ainda que para o conseguir seja necessário perturbar a paz sagrada dos mortos.
Jules Blackfield encolheu os ombros.
— Eu é que vou matá-lo. O que eu não quero é ir sozinho. Sei que dos três não ficará nenhum vivo. Quando quiser Norman.
—Não abaixe as mãos ainda! —disse o jovem apontando o revólver. Voltando-se para Sam disse: —Vigia-o, e se comete a menor irregularidade, dispara contra ele.
Os olhinhos do veterano fixaram-se em Jules Blackfield, enquanto segurava o revólver com firmeza, disposto a seguir todos os seus movimentos. Norman com um rápido movimento enfundou o seu revólver. Levantou as mãos e ficou de braços no ar. Olhou para Jules com estranha calma, sendo correspondido pela expressão incrédula deste.
—Sim, Blackfield, em igualdade de circunstâncias. Se és tão rápido como dizes, podes demonstrá-lo. O cabo Sam Pine, dos gloriosos federais, como eu, não é um canalha, como os da tua ralé. Só disparará se cometeres uma irregularidade ou alguma das tuas sujas manhas. Agora vou-me calar. E quando quiser pode disparar...
A estranha cena tinha uma intensa emoção. À primeira luz da manhã pareciam três seres irreais. Norman Wright e Jules Blackfield estudavam-se sob o penetrante olhar do cabo Sam, cujo coração batia apressadamente. A tensão aumentava. Não tardaria em acontecer o irremediável...
Jules Blackfield baixou a mão direita e «sacou» engatilhando habilmente e disparou contra Norman. O instinto do cabo Sam foi carregar no gatilho, mas não o fez, apertando os dentes para se conter. Blackfield daquela vez não tinha feito jogo sujo. O que viu então fez com que se descontraísse como um boneco de trapos. Parecia impossível! Ou estaria sofrendo de alucinações?
Enquanto o bandido tentava disparar contra o jovem, este com um movimento felino baixou as duas mãos, caiu de joelhos e «sacou» primeiro o revólver da esquerda. Com um intervalo de um segundo, soaram as detonações.
Jules Blackfield recebeu duas balas no peito quando ainda tentava apertar o gatilho. As duas balas rasgaram a carne, incrustando-se nela como dois ferrões malditos e de estranho poder. Outra bala fez ouvir o seu cantar mortal e afundou-se na cabeça do «pistoleiro». Este, depois de um espanto sem limites, nada mais ouviu nem viu; a sua mão ficou paralisada sobre o revólver silencioso. Caiu sobre a campa de Bernard Holly, de bruços com a cara contra a terra revolta e húmida.
—Isto acabou, Sam—disse Norman enfundando os seus revólveres ainda fumegantes.
—Sabes uma coisa, Norman? Julguei que te matava... Passei um medo terrível!
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