domingo, 30 de abril de 2023

CLF054.06 O segredo do espectro

Nelson e o «sheriff» encontraram um grupo de pessoas alteradas quando chegaram ao vestíbulo. Mas não houve ninguém que levantasse a voz, nem sequer para fazer uma pergunta. Limitaram-se a afastar-se, olhando para Nelson com apreensão...

Uma vez na rua — naquela altura também cheia de gente que fazia saborosos comentários acerca de uma notícia tão extraordinária e que deixaram de o fazer para os olhar com curiosidade —Nelson indicou ao «sheriff» com um gesto irónico:

— Vamos, «sheriff».

— Você à frente.

— Os dois lado a lado. Não gosto de ter às minhas costas gente de pouca confiança.

O representante da lei olhou de alto a baixo.

— Está procurando nova luta, Nelson, ou lá como se chama?

—Chamo-me Nelson. E procuro somente um tal «Killer» McCoy para lhe devolver certa bala. Se você souber por onde ele anda, mande-lhe recado de que regressei a Dodge para o enviar para o inferno pela via mais rápida.

Como falara com absoluta calma, e não desviara o olhar um ápice sequer, o desconcertado «sheriff» preferiu não levar de momento as coisas ao extremo.

—Está bem. Continuemos a andar.

A «Boot Hill» de Dodge tinha uma surpreendente quantidade de tumbas, tendo em conta os escassos anos de existência que contava a povoação. O «sheriff» e Nelson caminharam por entre alas, em silêncio, até que o primeiro se deteve diante de uma das mais simples.

Rich, que estava alerta, empalideceu ligeiramente e pôs-se tenso. Por seu lado, o «sheriff» tinha o cenho franzido e a boca apertada: Leu apressadamente, com uma nota rouca e incrédula na voz: «Wendy Nelson. Atirava bem e era um bom rapaz.»

— Uma grande verdade — a voz de Rich Nelson agora era grave —. Ainda que eu não deveria dizê-lo.

O «sheriff» virou-se para o fixar melhor.

— De modo que você está enterrado aí debaixo, hem?

— Já o comprovou.

— Li um nome escrito numa tábua. Qual é o seu, homem?

— Richard Nelson. «Windy», como é natural, era uma alcunha. Puseram-ma, há muitos anos.

— Hum! E continua interessado em fazer-me acreditar que é o espectro de um tipo o que meteram aqui debaixo, há oito meses...

— Não estou interessado em que acredite ou não. Cheguei aqui com a equipa de Long Tom Miller, trazendo uma manada. Crocker, Alabama Jones e Joe Travis eram meus companheiros. São factos que não lhe darão trabalho a comprovar. Fiz a corte à rapariga de «Killer» McCoy e a seguir tive uma luta com ele. Tê-lo-ia matado se, no momento oportuno, o revólver não se prendesse na funda. Por isso, ele me matou. E agora o melhor que pode fazer é afastar-se e deixar-me rezar sobre a minha tumba.

Tinha falado rudemente, com voz dura. O «sheriff» mordeu o lábio inferior, vacilou, engoliu em seco...

— Está bem, Nelson — disse por fim —. Repito que não acredito numa palavra desse bonito conto de medo. Contudo, admito que há muitas coisas inexplicáveis e suficientes para assustar mais do que uma pessoa. Diz que veio à procura de McCoy. Não creio que ele tarde em saber o que se passa. Descanse que ele virá, ainda que seja só por curiosidade. Se você o matar, agradecer-lhe-ei, pois poupar-me-á um trabalho difícil. Se ele o voltar a matar... ao diabo! Se é ele quem o mata, enterrá-lo-emos com todas as pompas, a fim de que não volte a aparecer por Dodge. E agora fique aí, se quiser.

Nelson não lhe respondeu. Em vez de o fazer, voltou-se e caiu de joelhos junto da tumba, pondo-se a rezar. O cada vez mais desconcertado «sheriff» olhou-o uns instantes, como perguntando qual dos dois é que estaria louco. A seguir, encolhendo os ombros e mal disposto, afastou-se a grandes passadas.

Chegava às primeiras casas quando viu aproximar-se uma graciosa figura que atraiçoava o que aparentavam as suas roupas varonis. Franziu o cenho, tornando-se pensativo...

Dixie chegou junto dele e perguntou-lhe:

— Onde o deixou?

— No cemitério, diante da sua tumba... Maldito seja! Estou começando a deixar-me levar por essa maluqueira sem pés nem cabeça! Ficou lá em cima a rezar.

— Então, é verdade que há uma tumba e... o resto?

— Não vi o cadáver, que se encontra lá em baixo. Mas há lá uma tábua com uma inscrição. E isso é o mais absurdo que nunca me aconteceu. A propósito, quero fazer-lhe umas perguntas. Como me disse que se chamava?

— Dixie. Dixie Winters.

— Winters? Tem algo de parentesco com um tal Dan Winters, que morreu há uns anos atrás? Conheci-o e parecia-se consigo.

— Era meu irmão.

— Sim... De modo que é a filha de Morgan Winters. Como disse que seu pai tinha morrido?

— Atropelado por uns búfalos, há precisamente sete dias, num vale próximo de Salt Fork River, a umas cento e sessenta milhas daqui. Porquê?

— Por nada. E esse Nelson encontrou-a...

— Anteontem à noite, nas Gyp Hills. E se você pensa que entre ele e eu...

— Não penso nada. Estou a tratar de aclarar as minhas ideias. Encontrou-a e acampou junto de si. Seguidamente tomaram o caminho juntos para aqui. Porquê?

 

— Só me resta uma irmã, casada, que vive em Colorado. Ele disse que era conveniente vir na sua companhia. Não é que me fiasse, sabe? Não confio em nenhum homem. Mas portou-se com decência.

— Hum! E que opinião tem acerca dele?

— Não é nenhum fantasma. Não compreendo nenhuma palavra do que se está a passar. Mas ele não é um espectro. Ontem tocou guitarra e cantou durante muito tempo. Fê-lo também anteontem à noite. Tem uma linda voz. Não é um fantasma!

— O mesmo penso eu. Bom, rapariga, não me pareces má pessoa. Vou pedir-te um favor. Averigua o que puderes acerca das intenções de Nelson e depois vem contar-me...

— Por quem me toma? Se não levasse aí essa estrela, agora mesmo lhe dava um tiro. Averigue você se o quiser saber! Ora esta!

Passou junto dele com a cara levantada e um ar furioso, afastando-se com passo decidido. O «sheriff» coçou a barba, enquanto a via dirigir-se para a colina.

— Vejam que par se juntou... Veremos em que demónios acaba isto. Mas não me agrada nada, de verdade. Uma coisa é ver-nos com brigões, bêbados e gente desordeira, e outra, enfrentar-nos com um tipo que assegura vir do outro mundo, para ajustar as contas com o seu assassino. Terei de visitar Molly novamente, e todos aqueles que se recordam desse Windy Nelson. Há-de haver alguma falha em qualquer lado...

Dixie chegou ao cemitério da colina e não tardou em descobrir o homem que se encontrava ajoelhado. Deteve-se, vacilou uns instantes e continuou avançando, mais depressa, até se colocar por detrás dele. Olhou para a tábua, engoliu em seco e...

— Não acredito uma palavra de toda essa história...

Rich Nelson voltou-se e cravou nela o seu olhar. Um olhar sério.

— Que fazes tu aqui em cima?

Enrubescendo levemente, ela suportou aquele olhar.

— Todos asseguram que você é um espectro. O próprio «sheriff», que é um tipo duro, não sabe o que pensar. Acabo de o encontrar ali em baixo. E toda a rua principal está cheia de pessoas nervosas, comentando a sua chegada, o regresso, ou o que seja. Mas eu não o acredito. Nem nunca acreditarei.

Rich levantou-se de repente, e sem deixar de olhá-la.

— Porque não o acreditas? Não és supersticiosa?

— Não. Mas, além disso... um espírito não se comportaria como você o tem feito comigo.

Um leve sorriso aclarou o rosto de Nelson.

— És uma valente rapariga, Dixie, ainda que te vistas de homem. Sabes ler?

— Claro que sim. Que sei?...

— Já estás dando saltos. Lê o que diz essa tábua. Ela obedeceu, impressionada, a seu pesar. A seguir voltou a olhar o seu companheiro. –

-- Não posso — balbuciou —. Mesmo assim, não posso. Você não pode ser... um morto ressuscitado.

— Medo não te causo. Porque o sentirias tanto se o fosse?

— Eu? Sentir, eu? Porque diz isso?

— Agora alvoroçaste-te. Não desvies o olhar. E confessa. Sofrerias muito se me visses desvanecer no crepúsculo?

Dixie engoliu em seco, começando a ter medo, com grande pena sua.

— Não diga essas coisas. Não pode fazê-lo... Está a querer assustar-me...

— Pode ser. Dir-te-ei uma coisa, Dixie. Gostaria de ter confiança em ti. Poder contar-te certas coisas, com a certeza de que nunca o dirias a quem quer que fosse.

Novamente as faces de Dixie se encheram de coragem.

— Que pensou? Não foi nada que o próprio «sheriff» me pedisse para que o sondasse e lhe fosse contar tudo o que averiguasse dos seus planos...

— E que respondeste?

— Que agradecesse à estrela que levava, senão naquela mesma altura lhe tinha dado um tiro.

— Boa resposta. Mas eu não trago nenhuma estrela.

— Você é...

— O quê, Dixie?

— Vá para o inferno!

— Ou para melhor, venho dali!

— Mentira! É... É...!

De súbito deu meia-volta com intenção de se afastar, correndo. Mas ele impediu-a, agarrando-a por um braço.

— Espera.

— Oh! Largue-me!

Contudo, a sua resistência não foi tão difícil como o poderia ter sido. E, pouco a pouco, foi ficando quieta. A seguir gemeu.

— Por favor... Diga-me que não é nenhum espectro, nenhum ressuscitado...

— Então, tem importância para ti?

Primeiro, Dixie, mordeu o lábio inferior, a seguir acenou com a cabeça afirmativamente, tornando a ruborizar-se. Então, Rich Nelson levantou-lhe o queixo e olhou-a.

— És uma rapariga magnífica, Dixie. Quando acabar este assunto, tu e eu havemos de viajar juntos, ao Sul, ao Texas, hem?

— Não me perguntou...

— Guarda-me o segredo. Windy era meu irmão gémeo.

Dixie expandiu o peito lentamente, aspirando ar e soltando-o depois com força.

— Irmão... gémeo?

— Sim. Há anos que nos separámos, por causa de uma discussão que ele teve. Viu-se forçado a fugir para a parte Oeste do Texas, cavalgando algum tempo por esses lados. Há coisa de três semanas eu tive de cavalgar até à fronteira do rio Rojo para o ir buscar. O nosso pai tinha morrido, mas antes conseguimos arranjar o assunto que tinha motivado a sua fuga. Temos uma pequena fazenda que dá uma boa produção de algodão e criamos um par de milhões de cabeças de gado. A ele pertencia-lhe metade, compreendes? Bom, pois em Fort Worth encontrei-me com um dos vaqueiros que o tinham enterrado. O homem ficou como uma pedra quando me viu. Por ele soube da sua morte. E ele é que me deu a ideia de me apresentar aqui como se fosse o meu irmão ressuscitado, para me vingar do seu assassino. Que foi uma excelente ideia, já o pudeste compra var. Penso continuar até ao fim metido nas botas de Windy. Sou um bom atirador, mas não me posso comparar com esses «pistoleiros» no estilo do que matou o meu irmão. Contudo, se conseguir meter-lhe o chumbo no corpo antes que ele me procure, terei terminado a partida...

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