segunda-feira, 10 de abril de 2023

CLT026.05 E, depois do duelo, gritos femininos junto ao riacho

Quando Laura Smiles se encontrou na tranquilidade do seu quarto, deitou-se sobre a cama e começou a chorar.

Havia muitos anos que se tinha lançado naquela vida. Ainda muito jovem, perdeu os seus pais numa luta contra os peles-vermelhas. Laura salvou-se milagrosamente, mas um ladrão de gado abusou da sua inocência, fingindo protegê-la. Desmoralizada, viveu nos ambientes turvos dos saloons.

Em pequena tinha aprendido música, era uma criança de grande sensibilidade, o destino tinha-a afastado para o Oeste selvagem e teve de divertir os seus barulhentos moradores para poder ganhar a vida. Tinha aprendido muito na dura escola da vida; estava imunizada contra muitas coisas, mas às vezes, na intimidade, chorava por tudo quanto tinha perdido.

Ao ver Norman Wright sentiu uma sensação muito especial. Aquele jovem era como aquele que ela teria desejado para unir a sua vida, tendo ela menos dez anos, para viver uma vida de paz...

Precisamente estava ferida pela maneira brutal como a tinha tratado, noites antes, Jules Blackfield...

Fora uma consolação estar ao lado de Norman. O que depois tinha acontecido trazia-a intrigada. Haveria alguma coisa entre Blackfield e Norman?

Enquanto se falavam, e apesar das suas maneiras suaves, pareciam dois tigres em guarda...

Não compreendia o que estava acontecendo, mas, sem dúvida, Norman não estava em Riverside para se divertir.

Laura pensava no jovem. Era um sonho impossível. Por que teria saído aborrecido com ela? Julgaria que ela tinha mentido? Não podia suportar o desprezo de Norman porque não o merecia. Iria vê-lo e falaria com ele...

De facto, o federal desconfiava de Laura Smiles. Julgava que estava de acordo com Jules Blackfield. Norman pensava que seria necessário lançar-se mima luta aberta; ele seria o centro dos ataques dos «pistoleiros». Demorou a adormecer devido a estes pensa-mentos.

A noite também não foi tranquila para os «pistoleiros». Jules Blackfield reconheceu, perante Ernie Skill, Pat Owner e Rufus Blood, que Norman era muito rápido. Nunca tinha visto uma combinação tão extraordinária de força, habilidade e pontaria.

—É um inimigo difícil — comentou preocupado.

— Eu bem disse, logo que olhei para ele — disse Pat Owner vaidoso, o único que tinha dito a sua opinião naquele sentido sobre Norman.

— Hei-de matá-lo — rugiu Rufus Blood, desesperado.

— Deixa-o para mim — disse friamente Ernie Skill. —Sem dúvida que é um gun-man extraordinário, mas eu também sei dar ao gatilho.

Jules Blackfield serviu whisky para todos.

— Não acharia descabido que fosse esse forasteiro o mesmo que disparou no bosque. Representaria um grande perigo para nós; para mais não creio que tudo o que aconteceu seja obra do acaso. Quem é na realidade esse forasteiro?

—A sua maneira de disparar foi fulminante.

—Se se trata do homem que nos atacou, já lá vão cinco homens mortos... e Rufus...

—Cala-te animal! —protestou Rufus Blood, mordendo os lábios cheio de ódio. — Prometo que hei-de estripá-lo!

— Creio que devemos desconfiar dele e matá-lo. Prefiro enganar-me e estar tranquilo, a correr o risco de que seja ele que acabe connosco. Sei avaliar bem os homens e este é muito rápido. Apenas amanheça vais ao lugar onde foi morto Bernard Holly. Regressem depressa. Temos de agir com rapidez — ordenou Jules Blackfield.

Ainda não raiava a aurora, Ernie Skill e Pat Owner montaram a cavalo e partiram. Quando chegaram ao local, apressaram-se a procurar o cadáver de Bernard Holly, sem resultado, mas não demoraram a encontrar uma campa recente da qual se destacava uma cruz formada de dois ramos toscamente entrelaçados e a terra levantada...

Não havia dúvidas, o desconhecido tinha enterrado o cadáver de Bernard Holly. Não tardaram em descobrir também as campas dos seus companheiros. Lançando os seus cavalos a galope furioso, regressaram a Riverside, apresentando-se imediatamente a Jules Blackfield.

— Que novidades trazeis? — perguntou este, impaciente.

—O homem que matou quatro dos nossos companheiros, enterrou Bernard Holly—respondeu Ernie Skill.

—Pode ter a certeza disso—acrescentou Pat Owner.

Jules Blackfield manteve-se pensativo durante uns instantes, enquanto fazia um cigarro.

—Esse forasteiro preocupa-me... Sabe alguma coisa... Que pretende? É necessário que morra. Não quero sofrer a incerteza de pensar que está da posse do nosso segredo...

—Seria uma grave complicação...

— O melhor será despachá-lo de qualquer maneira.

— Um momento! — disse Jules Blackfield. —Não acham que mais tarde ou mais cedo se saberá do desaparecimento de Bernard Holly? Seria interessante ter a Norman Wright como possível cúmplice.

—Esse homem pode ser um “gun-man” — disse Ernie Skill.

— Ou um federal… — acrescentou o sagaz Pat Owner.

— Seja o que for é muito perigoso. Já o demonstrou. Não se pode perder a mais pequena ocasião para dar cabo dele.

—Desejo demonstrar-lhe que não é só ele que sabe usar o revólver.

—Quem gostaria de tirar a desforra é Rufus. Se cá estivesse com certeza que até gritaria de raiva.

— Bebeu uma garrafa de whisky e deitou-se.

— O que interessa, também — esclareceu Blackfield —, é não deixar provas que nos possam comprometer. Não esqueçam que estou em vias de me tomar o homem mais importante da cidade. De vontade ou à força, todos têm de contar comigo. O próprio rancheiro Patrick Davis, não teve outro remédio senão convidar-me para sua festa.

Os «pistoleiros» começaram a falar de diversos assuntos, embora sempre à volta do mesmo... Pesava muito no seu ânimo que um só homem—como supunham — tivesse matado cinco homens do seu bando, no prazo de poucas horas. A última palavra foi dita por Jules Blackfield:

—Com Norman Wright é preferível que não apresenteis a cara. Tu, Skill, vai chamar três «pistoleiros» e vão à procura dele. Que os três «pistoleiros» o sigam à distância, esperando a melhor ocasião para o apanhar, e, nessa altura, disparem pela certa. Tudo ficará resolvido com facilidade.

— Será o mais prático — assentiu Ernie Skill, dispondo-se a obedecer às ordens recebidas.

*

Quando o jovem Wright acordou, recordou os acontecimentos da noite anterior. Não tinha sonhado. Continuava vivendo uma perigosa realidade.

Levantou-se e foi lavar-se. Logo que estava vestido para sair, desceu à sala de jantar, onde encomendou um copioso pequeno-almoço. Apesar das suas preocupações sentia bastante apetite.

Ordenou, entretanto, que selassem o seu cavalo. Norman tencionava dar um grande passeio pelos arredores da cidade. Desejava conhecer todas as suas saídas, bem como informar-se sobre a prosperidade dos seus ranchos; para mais, os bosques próximos de Riverside tinham fama de serem maravilhosos e Norman confiava que encontraria neles a inspiração de que tanto necessitava.

Quando apareceu na sala de jantar, as conversas pararam, sendo objeto da atenção geral, pois era já do domínio público a sua proeza da noite anterior no saloon.

Norman fingiu não perceber a admiração que estava causando, mantendo a sua naturalidade. Saboreou o seu pequeno-almoço à base de ovos estrelados e toucinho, bebeu uma boa tigela de aromático café e, depois de acender um cigarro, saiu para a rua.

Encontrou o seu cavalo já pronto, atado à barra. Deu duas afetuosas palmadas no animal, um inteligente ruano, que considerava um bom companheiro, sabia que poderia salvá-lo em qualquer momento de perigo.

Não saiu para a rua muito confiante. Pensava, e não andava muito longe da verdade, que lhe preparariam uma cilada para o matar. Todo o trabalho subtil que tinha pensado realizar, caíra por terra. Sem dúvida Jules Blackfield era um homem terrivelmente astuto. Para mais, Norman julgava que Laura Smiles era sua cúmplice. Tratando-se de luta aberta teria sido bem melhor ter trazido meia dúzia de federais! Se ao menos o veterano Sam estivesse junto dele!

Considerava que lutar contra Jules Blackfield naquelas condições, era uma loucura... E, no entanto, não estava na disposição de fazer marcha atrás. Toda a vida se consideraria um cobarde.

O hotel estava situado num largo, no final da rua Maior. Norman colocou-se de costas para o hotel, junto do cavalo; nesta posição, os seus olhos podiam ver tudo o que se passava à sua volta.

Em frente, do outro lado da rua, estava a paragem da diligência de Salt Lake City, em volta da carruagem grande grupo de pessoas. Não descobriu nada de suspeito. Não era de temer um ataque de surpresa havendo tantas pessoas na rua; de todas as formas, não seria de admirar que o estivessem vigiando. Estava certo de que os «pistoleiros» não perderiam a ocasião para o liquidar.

Saltou agilmente e montou, guiando o seu cavalo em direção à saída do largo oposta àquela em que se encontrava a diligência.

Levava o guano em alegre trote quando, de repente, Norman com grande habilidade fez o cavalo dar um salto e, em seguida, voltar sobre si mesmo. O fim que o jovem federal se propunha, era descobrir se algum possível agressor se encontrava oculto, espreitando, antes de o perseguir.

A precaução de Norman deu resultado. O jovem viu quatro homens a cavalo que se tinham separado da diligência; um deles tinha tomado uma direção diferente, mas os outros três continuavam o mesmo caminho.

Norman tornou a voltar o cavalo na primitiva direção e começou a galopar. Era necessário agir com rapidez se queria salvar-se das balas daqueles mercenários.

Os três «pistoleiros» fincaram as esporas nos seus cavalos. Skill tinha dado rápidas instruções. Não tinha sido difícil saber onde se encontrava Norman Wright, pois que, em poucas horas, tinha alcançado grande fama.

Os comentários acerca dele, eram para todos os gostos: uns diziam que era um “gun-man”, outros um jogador poderoso e temerário; havia quem se alegrasse pensando que se acabaria a supremacia de Jules Blackfield; não faltava quem dissesse que ainda haveria mais sarilhos na cidade. Mas uma grande parte pensava que todas as horas que Norman vivesse desde então seria por milagre. Apesar de ser um mestre no revólver nada poderia fazer contra a legião de «pistoleiros» sem escrúpulos.

Os três malfeitores, compreenderam que Norman tinha dado pela sua presença. Bem como Ernie Skill, que não fora muito satisfeito, os três «pistoleiros» também não estavam. Corriam impelidos pelos dólares prometidos, parte dos quais já tinham recebido.

Norman fingiu galopar em franca fuga. Os perseguidores pensavam disparar o mais depressa possível, logo que se encontrassem fora da cidade. Ficaram para trás as últimas casas.

O cavalo de Norman parecia não tocar com as patas o pó do caminho; de repente, parou em seco e em continuação deu meia-volta. Os três «pistoleiros» não tinham ainda tentado disparar. A sua surpresa foi incalculável, quando viram que o federal vinha na sua direção a todo o galope ao mesmo tempo que gritava com toda a força:

— Que querem de mim, cobardes?

Os três foragidos não tinham outra saída senão disparar, confiados na sua superioridade numérica. Já nem o recurso de fugir tinham. Levaram com precipitação as mãos ao. coldres... O cavalo de Norman abrandou o galope pois este tinha soltado as rédeas. O federal levava um revólver de cada lado, os quais pareceram voar nas suas mãos e não tardaram nem um segundo em cuspir chumbo, no preciso momento em que os foragidos começavam a disparar.

Só um dos «pistoleiros» pôde disparar e a bala feriu o ombro de Norman. Os restantes encontraram uma morte rápida. O chumbo do seu antagonista rasgou as suas carnes; saltaram dos seus cavalos como bonecos desarticulados, caindo no chão.

Norman disparou mais tarde contra o sobrevivente do trio de. «pistoleiros», e conseguiu ferir--lhe o braço direito, que deixou cair o revólver que empunhava.

O federal deu um suspiro de alívio. O outro nada poderia fazer, estava nas suas mãos.

Compreendendo que estava perdido, o «pistoleiro» encheu-se de pânico. Apertou os flancos do seu cavalo reunindo todas as suas forças e o animal partiu em desenfreada corrida, levantando faíscas com as suas patas...

Wright poderia tê-lo morto pelas costas, estava no seu direito. Os escrúpulos desapareciam perante aquelas alimárias com figura humana; no entanto. alguma coisa que estava dentro da sua alma o impediu de o fazer. Com o calor da luta não tinha reparado se a ferida do seu ombro era de cuidado. Teve a sensação de que saía sangue dela. O «pistoleiro» afastava-se.

Norman hesitou uns instantes entre persegui-lo ou tratar da sua ferida, e decidiu-se pela última hipótese; a sua última vitória tinha sido extraordinária, estava satisfeito e o «pistoleiro» que fugia não seria inimigo para muitos dias.

Tirou o casaco. A sua camisa estava tinta de sangue, na parte do ombro esquerdo, e tirou-a também. Não era fácil examinar a ferida, mas apesar do sangue, comprovou que se tratava só de um pequeno arranhão.

Colocou sobre o ombro ferido um lenço para estancar o sangue, o que conseguiu. Olhou para os cadáveres dos dois foragidos; os cavalos que montavam estavam longe. O «pistoleiro» ferido já não era visível.

Norman Wright não desejava voltar já para a cidade, precisava de descansar um bom bocado debaixo de uma árvore. Recordou-se de que no dia da sua chegada, da colina que se divisava a cidade, tinha visto a linha serpenteante de um riacho. Seria agradável tomar contacto com a água, e além disso necessitava lavar a ferida.

Estava tranquilo. Não era uma conta má, meia dúzia de foragidos mortos e dois feridos. A linha que se havia forjado começava a definir-se, a sua vida tinha sido destroçada por bandidos e ele considerava um acto de justiça acabar com eles. Mesmo morrendo na próxima luta, o saldo seria favorável.

Realizou um pequeno esforço para montar, mas uma vez em cima da sela, sentiu-se bem e pôs o cavalo a passo. Embrenhou-se no bosque por um caminho estreito que descia em suave inclinação; de repente, chegou aos seus ouvidos uma alegre música, o barulho da corrente do riacho que esperava encontrar.

Não tardou a encontrar a água iluminada pelos raios de sol que deslizava saltando sobre as pedras. Norman ficou com o tronco nu e lavou-se cuidadosamente. A ferida já não deitava sangue. Tinha outro lenço lavado e dispunha-se a ligar a ferida o melhor possível, trabalho que lhe estava resultando um tanto difícil pelo que começou a impacientar-se, quando chegaram aos seus ouvidos gritos femininos:

—Socorro! Meu Deus!

Norman não perdeu tempo a pensar. Puxou do seu revólver e começou a correr, guiado pela sua intuição.

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