Em fins de Abril, Dodge era ainda uma povoação tranquila. Os rebanhos procedentes do Texas encontravam-se muito longe, próximo do rio Rojo. E os aventureiros de toda a espécie começavam a desesperar-se, preparando-se para os grandes dias de Verão.
Quando Rich Nelson e Dixie Winters entraram em Front Street era perto do meio-dia. Três ou quatro vaqueiros e uma dúzia de cavalos encontravam-se junto do passeio. Um cavaleiro entrava preguiçosamente pelo outro lado da rua. Oito ou dez homens conversavam nos passeios e uma ou outra mulher caminhava por eles.
Coisa curiosa: não se via nenhum rapaz. E era porque Dodge ainda não estava em condições para que as crianças pudessem ir para a rua brincar.
Tapada com a larga jaqueta e a cabeça coberta pelo amplo chapéu, Dixie podia passar aos olhos dos que a observavam por um rapaz esbelto e imberbe. Além disso, cavalgava do lado de fora da rua, como Nelson lhe tinha indicado. E, assim, chegaram diante do «Cow-boy House», um dos quatro hotéis da cidade. Nelson deteve-se a examinar o edifício.
— Que tal te parece, Dixie?
—Não é mau. Mas não tenho dinheiro para pagar a hospedagem. Acamparei em...
De novo ela ficou aborrecida.
— Ficarás aqui. Eu pagarei as despesas.
— Escute...
—Escuta, gata arisca. Ainda não te convenceste de que não me fazes estorvo?
Ela mordeu os lábios e desviou o olhar. A seguir disse:
— Está bem. Mas trata-se só de um empréstimo. Se não, não entro.
— Conforme. Vamos.
Um homem que estava junto da porta, ao sol, olhou-os descaradamente e com ligeira perplexidade. O interior não era nenhuma coisa do outro mundo, mas a Dixie, pelo menos, pareceu-lhe um palácio, tão esquecida estava das comodidades civilizadas.
Havia um homem gordo, de grandes bigodes e incipiente calva, atrás do balcão. Ficou a olhá-los fixamente. Dirigindo-se-lhe, Nelson saudou-o em tom calmo e quase jovial:
— Bons-dias. Tem quartos?
— Sim, se têm dinheiro.
— Nesse caso, vamo-nos entender. Queremos dois.
— Tenho-os com duas camas...
—Eu disse dois.
— Está bem. São dois dólares por dia. Talvez isso os faça mudar de ideias.
Rapidamente, Nelson meteu a mão num dos seus bolsos e extraiu uma moeda de ouro, pondo-a sobre o balcão.
— Isto chega para uma permanência de cinco dias, creio eu.
E o homem dos bigodes olhou para a moeda, a seguir para Dixie e finalmente para Nelson.
— Muito bem. Assinem aqui.
Quando Nelson pegou na caneta, o homem perguntou:
— Você já não esteve aqui neste hotel?
Olhando-o de soslaio, Nelson assentiu:
— Sim, já cá estive.
A seguir começou a folhear as páginas do livro para trás, enquanto Dixie e o hoteleiro o olhavam com curiosidade. Achou o que procurava numa das primeiras páginas. E ficou a olhar para a assinatura com um sorriso, pensativo. Depois voltou ao fim e assinou, estendendo a caneta à rapariga, que assinou por sua vez com certo nervosismo. O hoteleiro voltou o livro e leu os nomes. A seguir, pegou em duas chaves de entre as que tinha penduradas atrás de si e deu-lhas.
— Quartos cinco e sete, à esquerda do corredor. Se almoçar, a conta é à parte.
— Obrigado.
Pegando no equipamento, Nelson e Dixie encaminharam-se para a escada, seguindo o criado que acabara de aparecer e ao qual o dono do hotel deu ordem de indicar-lhes os quartos. O homem também os olhou com certa surpresa.
O corredor da parte de cima era comprido e estava ladeado de portas, na sua maioria abertas. O criado limitou-se a indicar-lhes as que eram deles e deu meia-volta, regressando abaixo. Ao ficarem sós, Dixie perguntou, desconfiada:
— Não me disse que nunca tinha estado em Dodge?
—É verdade. Não... e sim.
— Que brincadeira é essa?
— Nenhuma. Antes de o dia acabar, suponho que te terás inteirado de uma série de coisas pouco correntes e inacreditáveis. De momento, é melhor que não canses o cérebro. Entra no teu quarto e sacode o pó o melhor que puderes. Vou levar os cavalos a um estábulo.
Ela parecia disposta a dizer mais qualquer coisa. Mas calou-se, pegou na chave e abriu, entrando e fechando a porta acto contínuo. Nelson ouviu bem o ruído da chave a girar na fechadura. E sorriu...
Em baixo, o dono do hotel, o camareiro e o criado de fora estavam fazendo comentários.
— Juraria que se trata de uma rapariga vestida de homem...
— Eu também. E quanto a ele, não consigo recordar de onde o conheço...
— Daqui mesmo. Parece-me que se alojou há uns meses. Por certo que procurou a assinatura de então...
— Como disse chamar-se?
— Aqui está. Nelson. Tenho curiosidade de saber se pôs o mesmo nome, primeiro... Deixa ver... Sim, aqui está. Nelson... Alojou-se aqui em... de... Um momento!
Mudou de gesto e de cor, olhando para a escada. Os outros estranharam aquela atitude.
— Que aconteceu, Jenkis?
—Não... Não é possível...
— O que não é possível?
—Esse homem. Não pode ser! E sem dúvida, é... Isto não me agrada nada, palavra.
Estava assustado, alterado. Os outros trocaram um olhar estranho. E o criado perguntou:
— Porque não se explica melhor, homem?
Olhando-os, contou-lhes o sucedido com voz nervosa.
— Esse Nelson é o tipo que se pôs a namorar a noiva de «Killer» McCoy o Verão passado. Aquele que McCoy matou mesmo defronte deste hotel...
Os outros olharam-se consternados.
— Tens a certeza, Jenkis?
— Raios do inferno! Agora caio eu... Mas não é possível. Sim, recordo o seu sorriso e o seu desembaraço... Mas McCoy matou-o e enterraram-no naquele mesmo dia...
— Cuidado! Ele desce!
Assim era. Nelson apareceu no alto da escada. E um fino sorriso curvou os seus lábios ao notar a atitude dos outros. Desceu sem pressa e encaminhou-se para a porta, fazendo um gesto irónico, de cumprimento. A voz do hoteleiro soou rouca, nervosa.
— Um momento, homem. Não se importa de dizer-me o seu nome? Não o consigo perceber...
— Não seja embusteiro. Compreendeu-o perfeitamente. Chamo-me Nelson. Wendy Nelson. E estou enterrado na colina.
Já se encontrava fora da porta antes que os três homens tivessem saído da sua emoção.
— Demónios...!
— Enterrado na colina...
— Vai até lá cima, Skippy. Procura essa tumba. Tiveram de pôr-lhe uma inscrição. Olha para ver se está certo.
—E se é? Meteu-se-me um frio nos ossos, demónio!
— Nunca vi ninguém morto que tenha tanta vida como esse. Mas, por outro lado, vi Wendy Nelson morto, com uma bala no coração... Isto não me agrada nada, palavra...
Entretanto, Nelson tinha separado os cavalos. Montou no seu e conduziu-o a um dos estábulos, deixando-o ali. O cocheiro também o olhou como se o recordasse, mas não fez comentários.
Depois de deixar os cavalos acomodados, regressou ao centro do povoado. Não se ocultava, pois, antes de terminar o dia, ele queria que a sua presença em Dodge City fosse notada por todos e motivasse uma certa expectativa.
Contava com isso. Com o que não contou foi encontrar-se na pradaria com uma rapariga bonita, só e desamparada... ainda que muito capaz de olhar por si. Aquele encontro tinha mudado os seus planos de ação.
Entrou num armazém bastante grande que estava ocupado por algumas mulheres que faziam compras, as quais se voltaram para o olhar com curiosidade. Uma delas perdeu de repente a cor e dilatou as pupilas, tendo de encostar-se ao balcão enquanto levava a outra mão à boca, num gesto de pânico e incredulidade. Nelson notou-o e enviou-lhe um sorriso.
— Olá, boneca.
A rapariga emitiu uma espécie de gemido e caiu redondamente no chão, no meio do espanto geral. Enquanto algumas das outras clientes a socorriam, olhando mais para Nelson do que para ela, este aproximou-se do balcão e, colocando ambas as mãos sobre ele, dirigiu-se a uma jovem sardenta e feia que se encontrava do lado oposto.
— Bons-dias, menina. Sempre há mulheres muito impressionáveis, mas estou certo de que o susto passara. Por favor, não se importa de me mostrar alguns vestidos de senhora e outros acessórios femininos?
A rapariga tartamudeou e não deu mostras de o ter entendido. Amavelmente, Nelson repetiu o seu pedido. Então ela ruborizou-se violentamente, pronunciou qualquer desculpa e voltou-se, indo procurar o que lhe pediam...
— São para alguém de sua família? — perguntou.
E quando fazia a pergunta voltou a corar. As que estavam ocupadas em fazer recuperar os sentidos à que desmaiara, não tiravam os olhos de cima dele, cheias de curiosidade. O que parecia ser o pai da sardenta e dono da loja, acercou-se.
— Bons-dias, senhor. Deseja roupas de senhora? Um pouco raro, não acha? Gostaria de saber o motivo pelo qual Molly Pitcher desmaiou quando o viu, como se você fase uma aparição.
— Pois claro que sou uma aparição — foi a resposta calma que fez com que a sardenta e uma outra dessem um espirro —. Quanto ao meu pedido, embora seja raro, é coisa que não lhe interessa, desde que eu pague tudo o que comprar. Desejo tudo o que uma rapariga deve usar. Um vestido, combinações, calças, meias, camisa e sapatos. Ela chega-me mais ou menos pelo queixo e é magra. Vamos, por favor.
Pai e filha apressaram-se a obedecer-lhe. Todas as pessoas estavam pendentes dele, que sorria impassível. A que desmaiara voltou a si, abrindo os olhos, um pouco aturdida...
— Que me aconteceu? Não... não!... Oh! Não é possível! Tu estás morto!...
Levantou-se como que impulsionada, e avançou dois passos com as mãos estendidas como se quisesse verificar se era realmente Nelson, que não se mexeu nem sequer mudou de expressão.
— E enterrado, Molly. Vejo que tens boa memória.
Ela deteve-se levando ambas as mãos à boca num gesto de terror. Retrocedeu um passo, dois... e a seguir voltou-se deitando a correr como uma louca, desaparecendo como se o próprio diabo a perseguisse. No meio daquele angustiado silêncio soou a voz rouca do armazenista:
— Que... que disse você? Quem é você?
— Wendy Nelson, do Texas. Vim o verão passado com uma equipa e «Killer» McCoy matou-me ali fora. Estou enterrado na colina.
Uma mulher gritou e desmaiou. A sardenta tapou a boca com as mãos e rompeu a soluçar histericamente. Outras duas balbuciaram algo incompreensível e seguiram a toda a pressa o caminho que Molly tinha tomado. Só ficou ali o armazenista, que tinha o rosto pálido, os lábios a tremer...
— Você... Você está louco... Ninguém que morre pode ressuscitar...
— Deveras? Pois se está tão certo, deixe de tremer. Vou levar este vestido. Ponha-me também essa camisa e essas combinações. E isso... como lhe chamam...
A rapariga sardenta tirou as mãos da cara e agarrou-se ao pai nervosamente, olhando-o com os olhos dilatados.
— Apresse-se, por favor. Tenho de voltar para a minha tumba.
Aquilo era demasiado. A rapariga soltou uma série de gritos histéricos, empurrou o pai e escapou-se sorrateiramente pela porta que dava para o interior, desaparecendo, mas sem deixar de gritar.
O armazenista engoliu a saliva, girou os olhos dentro das órbitas, agarrou-se ao balcão e murmurou:
— Leve... Leve o que quiser... Mas saia daqui...
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