O «pistoleiro» ferido pelo disparo de Wright, fazendo grandes esforços e cheio de medo, conseguiu levar com uma só mão, a esquerda — o chumbo. tinha-lhe atravessado o braço direito que escorria sangue — o seu cavalo a galope até à porta do Ranger's, onde tinha a certeza de encontrar Ernie Skill.
Efetivamente, Skill estava no alpendre, fumando um cigarro. Logo que viu o «pistoleiro» que chegava a cavalo, abandonou a sua posição indolente, deitou fora o cigarro e os seus olhos cruéis e frios manifestaram preocupação. O «pistoleiro» fazia esforços para descer do cavalo; Skill aproximou-se dele.
— Que te aconteceu, por todos os diabos?
— Estou ferido... Passemos ao saloon... Estou a perder sangue...
Ernie Skill tinha as feições contraídas. Agarrou o «pistoleiro» pelo braço são e quase o empurrou para dentro, levando-o para um reservado.
—Traz whisky! — gritou, quando ia a caminho, para um dos criados.
Este não demorou a chegar com o que lhe tinham pedido, rapidez essa originada pelo medo. que lhe inspirava Ernie Skill, que lhe disse:
— Quero ligaduras, e nem uma palavra sobre isto.
Encheu um copo que deu ao «pistoleiro» ferido. Este bebeu o whisky e suspirou aliviado. Ernie também se serviu, bebendo de seguida.
— E os outros? — perguntou.
— Mortos. Eu escapei por milagre.
— Maldição! —rugiu no momento em que o criado aparecia com as ligaduras. — Já podes ir embora! — disse-lhe.
Enquanto o criado obedecia, Ernie Skill descobriu a ferida, um buraco perto do ombro. Pegou na garrafa e deitou whisky sobre a ferida.
— Raios! — exclamou o «pistoleiro», apertando os dentes. —O whisky é bom para tudo. Podes continuar a falar enquanto te ligo o braço.
O foragido explicou o que tinha acontecido, sem omitir o mais pequeno pormenor. Ernie Skill ia ligando o ferido com acentuado nervosismo, que crescia conforme ouvia as palavras do «pistoleiro».
— Esse homem é um demónio! — exclamou num arranque frenético, referindo-se a Norman.
—Sim, nunca tinha visto nada parecido! Não compreendo como consegui salvar-me!
— Quem vai tratar deste assunto sou eu — disse Ernie, levantando-se. —Vou sair. Encarregarei o criado de te alojar.
Assim fez. Já estava à porta quando retrocedeu.
— Ouve lá. Está lá em cima Laura Smiles?
O criado parou para falar.
— Não, saiu cedo, antes do senhor chegar.
Sem acrescentar mais nada Ernie Skill tomou o caminho da rua.
«A essa Laura Smiles, vou-lhe dizer muito seriamente que não ajude Norman Wright, porque se o faz, mato-a» —disse a si próprio, quando ia a caminho do rancho de Jules Blackfield.
Este estava acompanhado de Pat Owner e Rufus Blood. O aspeto deste último era mais brutal do que nunca. Devido à sua força física, tinha superado a tareia apanhada na noite anterior, o seu sorriso era estranho, deixando ver os buracos que tinham deixado os dentes que lhe faltavam devido ao soco que apanhara ide Norman.
— Que aconteceu, Ernie? — perguntou agitado Jules Blackfield, a quem desagradou a expressão que o recém-chegado trazia.
— Serei breve. Enviei três homens contra Norman Wright para o liquidarem sem olhar para trás. Dos três só um regressou e esse mesmo ferido.
—E os outros?...
— Foram mortos por Norman Wright.
Uma praga saiu da garganta de Jules Blackfield, sendo imitado por Pat Owner e Rufus Blood.
— Parece incrível! — exclamou fora de si Jules Blackfield.
Estava fora de si, lívido de cólera e os seus olhos brilhavam com ódio contra o forasteiro.
— Esse homem tem de morrer o mais depressa possível! Eu queria que nós aparecêssemos alheios à sua morte, mas já nada me importa, só quero ver o seu cadáver. Mãos à obra! O que primeiro o encontrar, que dispare sobre ele! Entendidos?
— Eu o estrangularei! — rugiu Rufus Blood, ávida de vingança.
— Um tiro é mais rápido. Não podemos correr riscos com esse homem — respondeu Blackfield.
—Suponho que não tenha fugido—observou Pat.
— Não é dessa qualidade... Para mais, é quase certo que esse homem não está aqui por casualidade. Sou uma presa muito desejada—disse Jules Blackfield.
—Sabe o que pensei, chefe? Ir ao hotel, juntamente com estes dois, e matá-lo.
—É arriscado, mas pode ser uma solução...
— Vamos imediatamente. Vamos, rapazes!
Pat Owner, Rufus Blood e Ernie Skill assentiram. Os três tratavam de ser agradáveis a Jules Blackfield, pendentes sempre das suas recompensas e também porque esperavam prosperar ao seu lado.
No hotel perguntaram por Norman Wright, tendo o empregado respondido que o senhor Norman não se encontrava no seu quarto.
— Será melhor que fiquemos lá fora — aconselhou Ernie Skill.
Na rua, perto da entrada do hotel, encontraram--se com Laura Smiles. Laura quando viu os «pistoleiros», não pôde evitar um sentimento de medo terrível, pois conhecia as suas intenções.
Pela direção dos seus passos, os «pistoleiros» compreenderam que se dirigia para o hotel. Laura pareceu hesitar, mas firmou-se novamente na sua resolução. Era necessário falar com Norman Wright e explicar-lhe...
Mas estaria vivo Norman? A presença dos três «pistoleiros» tinha uma sinistra significação...
Laura chegou à porta do hotel. Foi então que Ernie Skill se adiantou barrando-lhe a entrada.
— Diz-me imediatamente onde se encontra o teu amiguinho! —as palavras do «pistoleiro» soaram ameaçadoras.
«Meu Deus!» Laura Smiles suspirou aliviada. Ainda não tinham matado Norman. Nem sequer se encontrava no hotel.
— Não sei de quem falas.
Os olhos de Skill pareceram mais cruéis do que nunca.
— Queres que te avive a memória, menina? Posso destroçar esses lindos dentes à coronhada.
Laura Smiles sentiu subir o sangue ao rosto, perante o brutal insulto, mas não sentiu medo; sabia que Norman vivia e isso dava-lhe forças.
—És um valentão indecente, Skill. E a mesma coisa digo de vocês — disse olhando com desprezo para Pat Owner e Rufus Blood — e o pior de todos é o bandido do vosso chefe.
A resposta de Ernie Skill foi sinistra.
—Vais arrepender-te do que acabas de dizer, Laura Smiles. Se tanto te interessa Norman Wright, pode ser que o acompanhes na longa viagem que lhe estamos preparando.
— Vocês não são suficientemente homens para acabar com ele — replicou depreciativamente, virando as costas e afastando-se a passos largos, mas tranquilos.
Um esgar horrível apareceu na cara de Ernie Skill quando disse aos seus companheiros:
— Há-de arrepender-se de tê-lo conhecido! — fez uma pausa, procurou acalmar-se e continuou: —Não se mexam daqui enquanto eu não voltar. Vou falar ao chefe antes de que regresse ao rancho ou parta para a festa de Patrick Davis. Se aparecer Norman Wright, atirem sobre ele!
Afastou-se em grandes passadas e foi à procura de Jules Blackfield. Encontrou-o preparando-se para partir.
— Não estava no hotel, chefe — disse quando entrou.
—Esse homem faz-nos perder a cabeça.
— Vi Laura Smiles na porta do hotel. Cheira-me que essa mulher sabe qualquer coisa sobre Norman Wright.
— Teremos de fazê-la falar.
—Ameacei-a e mostrou-se insolente e segura.
—Agora tenho de ir ao rancho Davis. Esta noite nos encarregaremos dela. Fá-la-emos falar pelos cotovelos e depois mandamo-la embora da cidade aos pontapés. Não quero tornar a vê-la mais por aqui.
Ernie Skill tornou para junto dos seus companheiros, depois de ouvir cem vezes a mesma recomendação do seu chefe: matar Norman Wright.
Jules Blackfield montou o seu magnífico cavalo preto, de olhos de fogo, e afastou-se da cidade, a caminho do Rancho Davis. Sentia-se forte e seguro apesar de tudo. Era temido. Demonstrava-o aquele convite do rancheiro Davis.
«Só se atrevem a falar nas minhas costas», pensava. E era certo. Quando conseguisse matar ou fazer matar Norman Wright não haveria mais obstáculos para ele. Outros homens como ele o tinham acossado e nunca fora vencido.
Pensou que seria muito agradável aquela festa, junto de Jane Davis, sem preocupações. Na cidade os seus mercenários estariam atentos a qualquer aparição do perigoso Norman Wright; tinham interesse nisso; estava em jogo a sua vaidade de «pistoleiros» e a recompensa por que tanto ansiavam.
Perto do rancho, ouviu vozes alegres. A festa começava. Chegou até à porta e viu Jane e o seu pai. Desmontou com grande agilidade. Blackfield era alto e de figura atlética, vestia com grande elegância e em ocasiões como aquela afetava maneiras corretas.
—Passou bem, senhor Davis? Parabéns, menina Jane — disse, aproximando-se deles.
Ambos corresponderam aos cumprimentos dele. A Jane repugnava-lhe aquele homem, a sua intuição feminina adivinhava a sua maldade. Aquela impressão que sentia, já a tinha comunicado a seu pai.
— Minha filha — tinha respondido o rancheiro — tens razão, mas o mundo brutal dos negócios, obriga por vezes a certas concessões... Jules Black-field tem poder e é perigoso, a sua astúcia é imensa e ninguém ainda conseguiu provar nada contra ele. É mais um rancheiro admitido na comunidade., Eu não posso ser uma exceção.
Jane tinha-se conformado, que remédio! Conhecia as poderosas razões do seu pai, a quem não abundava o dinheiro. Jules Blackfield vinha tratar com ele e com Bernard Holly negócios de gado. O pior é que sentia sobre ela os olhares cobiçosos daquele homem.
Havia muita gente na festa, pois todos os rancheiros dos arredores tinham sido convidados. Os jovens queriam dançar e alguns cowboys de bom humor e que sabiam arranhar a guitarra tinham chegado com os instrumentos às costas dispostos a fazer-se ouvir.
Ouviram-se os primeiros compassos de um ritmo alegre. Num momento se formaram os pares. Jules Blackfield estava naquele momento a falar com Patrick Davis e outro rancheiro, este recentemente estabelecido em Riverside.
Os olhos de Jules Black-field, sempre que tinham ocasião, fixavam-se nas faces rosadas da encantadora rapariga. Jane olhava para cima em direção do primeiro andar da vivenda, parecia esperar alguém.
Jules Blackfield não sabia como se livrar dos rancheiros, queria dançar com a rapariga; de repente, um jovem alegre chegou-se à rapariga com idêntica intenção e não demorou a segurá-la entre os seus braços.
—Se não chove por estes dias, vamos passar mal — dizia naquele momento Patrick Davis. — Não acha, senhor Blackfield?
—Naturalmente... —afastou os olhos de Jane. — Mas choverá.
—Dizia Bernard Holly antes de partir —replicou o novo rancheiro— que em Abril teríamos água, a água que bem precisamos para os nossos pastos.
—Sim, ele é um grande otimista.
— Por isso mesmo foi em busca de uns milhares de cabeças. Não sei como se atreveu a ir só com tanto dinheiro que levava.
— Não quis levar vaqueiros com ele pois aqui precisamos deles. Regressará com pessoal novo.
— Bernard Holly é um homem forte — afirmou Jules Blackfield com fingida admiração. —Tem confiança em si próprio, mas o que fez é muito perigoso. Andam muitos foragidos na cidade. Devemos precaver-nos dos “gun-men” que vêm aqui experimentar a sua sorte. Eu exijo que os meus vaqueiros manejem o revólver com rapidez.
O rancheiro novo concordava convencido. Não podia concordar até onde podia chegar a pouca seriedade daquele indivíduo. Patrick Davis sorriu com leve ironia e olhou diretamente para Jules.
— Ouvi dizer que os seus vaqueiros fizeram ontem barulho no Ranger's.
—Sim, beberam um pouco... —respondeu rapidamente — mas pode acreditar que não tinham intenção de fazer mal, estavam de brincadeira... —Mentiu Jules Blackfield, continuando na mesma voz: —Encontraram um tipo duro chamado Norman Wright e acabaram mal, um morto e outro sovado. Deu-me a impressão que era um gun-man profissional....
O rancheiro Davis dispunha-se a responder, mas não te necessidade de o fazer.
—Quem é que diz que eu sou um gun-man profissional?
A voz ouviu-se atrás de Jules Blackfield e este não pôde evitar um estremecimento. Deu meia-volta rápida e nervosa, como se tivesse sido atacado por um escorpião. De repente ficou parado, estático. A sua frente estava Norman Wright. Nem um raio caído a seus pés poderia provocar-lhe uma surpresa maior; mesmo assim replicou com voz firme, conservando todo o seu sangue-frio:
— Não costumo falar nas costas de ninguém, portanto mantenho o que disse, mas como o encontro presente nesta casa que é a do senhor Davis, acho-me na obrigação de esclarecer as minhas palavras.
Norman estava tranquilo e o seu aspeto era digno, sustentava com firmeza o olhar inquisidor de Jules Blackfield. Calculava que este não seria capaz de puxar pelo revólver; não obstante, era necessário vigiá-lo pois dele tudo se poderia esperar; também era necessário falar-lhe claramente.
— Naturalmente que tem obrigação de me dar urna explicação— disse. — As suas palavras não me agradaram. Não vim a esta cidade para ganhar má reputação.
As pessoas que se encontravam perto, não deixaram de perceber o perigoso diálogo entre Jules Blackfield e aquele jovem que acabava de parecer.
Quando Jane viu aparecer Norman, teria querido deixar o seu par, mas conteve-se. O jovem que depois do almoço tinha manifestado desejos de descansar um bocado, tinha-se atrasado e ninguém quisera acordá-lo à hora que tinha fixado, pois compreendiam que depois da movimentada manhã, e embora ligeiramente ferido, deveria estar muito cansado.
Mas ao ver que Norman Wright e Jules Blackfield se tinham enfrentado e pelos rostos deduziu que não se estavam a dirigir cumprimentos, aproximou-se deles, depois de se desculpar perante o seu par. Ainda chegou a tempo de ouvir as palavras trocadas entre os dois homens.
— Ontem à noite no saloon — dizia Blackfield —os meus rapazes beberam mais do que deviam e começaram de brincadeira consigo e com a sua rapariga.
— De brincadeira? — protestou Norman. — Portaram-se como brutos!
— São homens rudes — replicou, imperturbável, Jules Blackfield — e a mulher que estava consigo não é nenhum poço de virtudes!
— Ela portou-se bem. Foram os seus homens que nos insultaram e começaram a briga. — Norman não deu a perceber que suspeitava de Laura Smiles.
— E levaram que contar. Venceu Rufus ao soco, e depois limpamente tirou-lhe o revólver de um disparo quando ele ia «sacar», e a seguir matou Short Partner, antecipando-se ao seu disparo.
— O que Short Partner fez foi uma cobardia. Levou mão ao revólver quando eu estava de costas e não podia vê-lo.
— Por isso mesmo é que o seu tiro teve mais mérito — continuou Jules Blackfield, fiel à sua tática — e a forma como você lutou e disparou não estão ao alcance de qualquer pessoa. Foi por isso que me referi a si como a um gun-man, mas sem intenção de ofender.
— É muito astuto, senhor Blackfield, mas não sou tão estúpido que acredite nessas coisas, além disso o assunto já foi longe de mais para que troquemos amáveis mentiras entre nós.
— Que quer insinuar?
—Essa rapariga do saloon, Laura Smiles, pela qual manifestou tanto desprezo há uns momentos quando falava dela, duas noites antes tinha sido maltratada por si. Ou por acaso foi tudo só para me enganar?
— Isso é falso! — levantou a voz Jules Blackfield, chamando a atenção dos que estavam afastados do grupo, os quais se aproximaram, curiosos.
O rancheiro Davis, vendo a maneira como começavam a correr as coisas, dispunha-se a intervir para evitar um escândalo, mas ao mesmo tempo não tencionava fazê-lo sem causa que o justificasse, porque, finalmente, aparecia alguém em River City que falava claro a Jules Blackfield.
Jane seguia interessada o diálogo que ia aumentando de volume; também experimentava outras sensações pois sabia que todos temiam Blackfield, e Norman estava parado frente a ele cheio de valentia; mas percebia uma sensação desagradável cada vez que falavam em Laura Smiles. Estaria Norman apaixonado por aquela mulher d. saloon?
— Não se exalte, Blackfield, que ainda n o acabei — disse Norman Wright.
—Acreditou no que lhe disse essa mulher?
—Sim!....
—Viu que tinha muito dinheiro e contou-lhe essa história...
—É verdadeira, tenho a certeza. Como também tenho a certeza que queria que eu sucumbisse ante os seus... rapazes.
— Por acaso não desci da frisa para lhe dar uma explicação?
— Sim, quando tudo estava consumado, não antes. Com uma breve ordem sua, a briga não teria começado.
—Vai pagar isso caro! Está-me acusando perante todos os meus amigos.
Norman não pestanejou:
— Foi você quem primeiro falou, quando eu ainda cá não estava e você não sabia. Se não tivesse dito que eu era um gun-man profissional, eu teria aguardado outra ocasião para lhe dizer isto... e mais algumas coisas...
— Que insinua? — Jules Blackfield começava a perder a calma.
— Não insinuo, afirmo! Esta manhã, três «pistoleiros» esperavam-me rio largo onde está situado o meu hotel. Seguiram-me, pretendendo matar-me. Só conseguiram ferir-me sem importância, eu tive sorte porque os deixei fora de combate.
Ouviu-se um murmúrio de admiração entre os assistentes à festa. A música tinha parado. Todos estavam pendentes daquele duelo verbal e temiam que degenerasse em luta de morte.
Jules Blackfield estava lívido de raiva. Não tinha calculado, nem por acaso, que Norman Wright se atrevesse a falar com tanta clareza. Já não dominava os seus nervos como no princípio, sentia ânsias irreprimíveis de matar.
— Antes chamei-lhe gun-man profissional por modo de dizer, devido à sua pontaria —esforçava-se em falar calmamente—, mas agora creio que falei com certeza. Só um aventureiro sem escrúpulos, um gun-man de profissão, pode atrever-se nesta casa, perante o seu dono e convidados a caluniar-me como o está fazendo.
Um sorriso mordaz dilatou a boca firme de Norman.
—Teve muita pena, Blackfield, que eu não fosse morto?
Perante aquela acusação direta, envolvida na mais pungente ironia, Blackfield não pôde conter-se e fez menção de «sacar» o revólver.
Norman intuiu o ameaçador movimento e situou-se com rapidez no lugar que julgou mais adequado para fazer fogo. Se matasse Jules Blackfield explicaria depois a todos os convidados, dando-se a conhecer. Finalmente acabaria para ele aquele pesadelo!
Mas o rancheiro Davis, tranquilo e sereno, com rapidez, colocou-se entre os dois, enquanto Jane não pôde evitar que da sua garganta escapasse um grito de angústia.
— Um momento, senhores! — disse o rancheiro. — São meus convidados e não posso permitir que das palavras passem aos factos. Não quis impedir que falassem, embora a conversa degenerasse em discussão, mas proíbo-lhes que se matem.
De acordo com as palavras acertadas do rancheiro, Norman Wright e Jules Blackfield relaxaram os seus músculos em tensão, os seus impulsos agressivos. Patrick Davis replicou rapidamente.
— Esse forasteiro salvou a vida da minha filha esta manhã, quando um urso cinzento a atacou. É meu convidado. O senhor faz parte também dos meus convidados. Peço-lhes, pois, que deixem de discutir e tomem parte na festa.
— Está bem, senhor Davis.
E Norman aproximou-se de Jane:
—Dá-me a honra desta dança?
A uma ordem do rancheiro Davis, a música tinha começado a tocar. Os jovens lançaram-se a dançar com entusiasmo, esquecendo o incidente. As pessoas de mais idade não cessavam nos seus comentários.
Jane e Norman misturaram-se entre os pares, girando e girando aos acordes de uma valsa. Jules Blackfield mordia os lábios, a raiva consumia-o. Jamais tinha sentido um ódio tão profundo como o que lhe inspirava Norman Wright.
Na sua vida tinha tido inimigos muito poderosos e audazes, mas sempre soube vencê-los à primeira. Com aquele não podia, tinha de o reconhecer. Era inevitável uma luta de morte entre os dois; se não estivessem no Rancho Davis já se teria dado. A próxima vez que se encontrassem seria para mostrar os revólveres.
—Vou tomar um whisky, dá licença? —dirigiu--se ao rancheiro. —Sim, vá e divirta-se, Blackfield. E espero que as discussões tenham acabado.
A voz do rancheiro era natural, mas sofria. Não gozava a festa. Aqueles homens matar-se-iam um ao outro e temia por Norman Wright. O rancheiro amava Jane mais do que nada no mundo, não tinha outra família, pois a sua esposa tinha falecido anos atrás, e o que Norman tinha feito nunca esqueceria. O rapaz tinha todo o seu afeto e apesar das estranhas circunstâncias em que se tinham desenrolado as suas primeiras horas na cidade, tinha a certeza de que era extraordinariamente valoroso, mas nunca um bandido.
No que se refere a Jules Blackfield, o rancheiro lamentava ter de o admitir em sua casa. Como lhe tinha falado Norman! Já eram horas de alguém começar a arrancar-lhe a máscara!
O rancheiro olhou para sua filha e para Norman. Estavam a dançar e faziam um belo par. Um pensamento agradável dissipou as preocupações da mente de Patrick Davis. Tinha desejado um filho, mas depois da morte de sua mulher não quisera tornar a casar... Se Norman quisesse ser esse filho! ...
Naquele momento, Norman sorria.
— Jane, você dança maravilhosamente...
—Obrigada, Norman... Sabe que passei um mau bocado?
—Lamento o incidente, mas esse Blackfield é muito grosseiro.
— Está a olhar para nós e nos seus olhos brilha o ódio. Tenha cautela, Norman.
—Obrigado, Jane... Mas a luta entre os dois é inevitável...
—É absurdo que por uma zaragata de saloon as coisas tenham chegado a este extremo.
—Os «pistoleiros» de Blackfield provocaram--me. Você melhor do que ninguém deve saber quem é na realidade Jules Blackfield.
—A maioria dos habitantes sabe; no entanto, sempre teve um alibi para tudo. O meu pai admite-o em casa, como todos. Oficialmente é um rancheiro dedicado aos seus negócios.
—Compreendo. É difícil numa cidade sem Lei como esta, saber onde começa e onde acaba a legalidade... Dancemos e esqueçamos por uns instantes tudo quanto nos rodeia!
Norman gostaria de ter contado tudo a Jane. Mas a ordem era severa: não podia confiar a sua missão a ninguém, absolutamente a ninguém.
Terminado o baile, chegou o momento de se sentarem à mesa para ser servida uma abundante refeição. Jane e Norman ficaram juntos. Olhavam-se nos olhos e pareciam alheados de tudo o que os rodeava. Norman estava estonteado pelo perfume que se desprendia do harmonioso corpo da jovem, aquele corpo adorável que tinha estreitado enquanto dançavam, e cujas turgências tinham feito bater descompassadamente o seu coração.
Fingindo uma descontração que estava longe de senti, Jules Blackfield sentou-se junto ao rancheiro Davis, desafiando assim todos os que pensassem que o ocorrido o tinha afetado.
Tanto os manjares como as bebidas estavam esplêndidos.
Chegou a hora dos brindes, todos levantaram as suas taças em honra de Jane Davis. A jovem agradeceu este simpático gesto com um sorriso encantador.
Jules olhava-a com expressão lúbrica. Tinha bebido muito para esquecer as suas torpezas, desde que Norman Wright se atravessara no seu caminho.
Os doces olhos de Jane pousaram acariciadores em Norman Wright.
— Obrigada —disse—, mas eu quero que todos façam este brinde extensivo a Norman Wright. Sem a sua valente ajuda, eu não estaria viva agora.
Os aplausos soaram com insistência. Norman agradeceu, sorrindo com modéstia.
Os olhos de Blackfield mais pareciam dois pedaços de aço, tão frios e inexpressivos estavam. Apertava os dentes para não saltar com fúria demoníaca. Assaltavam-no sinistros pensamentos que iria pôr em prática imediatamente. As vítimas seriam Norman Wright e Jane Davis. Sem saber porquê também odiava Jane com todas as suas forças. A jovem
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não dissimulava o afeto e admiração que sentia por Norman.
O rancheiro Davis levantou-se.
— Agradeço a todos a assistência a esta festa em honra da minha filha. Aproveito a oportunidade para dizer-lhes quanto desejo que estas reuniões se repitam. Para isso é necessário que haja paz e prosperidade. Todos juntos lutemos para implantá-las. Nenhum de nós ignora que estamos longe de tê-lo conseguido. Como em tantas outras cidades de Utah, a Lei é só uma palavra. Nenhum dos sheriffs que ternos tidos durou mais que três meses. Trabalhemos unidos para formar uma cidade forte, onde os «pistoleiros» não possam medrar...
Os aplausos não deixaram terminar o discurso ao rancheiro, distinguindo-se pelo entusiasmo o hipócrita Jules Blackfield.
— Um momento, senhores! Ainda não terminei... Proponho um brinde para o meu amigo e sócio Bernard Holly, forçadamente ausente, pois teve de deslocar-se para a aquisição de um grande rebanho de carneiros. Este será o princípio de prosperidade deste rancho. À saúde de Bernard Holly.
Todos levantaram as taças. Não sabiam que brindavam a um morto!
Jules Blackfield levou o licor aos lábios, sem o menor remorso. Ninguém teria suspeitado que fora ele que ordenara a morte de Bernard Holly. Era um homem sem consciência para quem a vida humana não tinha o menor valor. Quem o estorvasse não era mais que um mero obstáculo que tinha de suprimir.
Todos suspeitavam dele, mas não tinham consciência exata da sua enorme malvadez. Nem mesmo Norman podia imaginar que o homem que tinha defendido e enterrado era Bernard Holly. Nunca pôde esquecer o terrível incidente que teve de viver nos primeiros momentos que pisou terras de Riverside. A morte da vítima tinha sido horrível e recordaria sempre a cobarde agressão de que tinha sido alvo. O jovem federal pensava investigar aquele caso e castigar os culpados. As suas suspeitas caíam sobre Jules Blackfield e seus «pistoleiros», por saber que estes eram sanguinários, vingativos e dominadores da povoação. Mas quão longe estava de imaginar que o homem que tão barbaramente caíra, ceifado pelo chumbo, era o mesmo por quem estavam brindando!
A comida e a bebida eram abundantes, e todos estavam contentes. O incidente entre Norman e Blackfield parecia esquecido. Este conservava todo o rancor, apenas dissimulado, pois sentia uma verdadeira ira quando via Norman e Jane olharem-se nos olhos.
— Que significa isto?!
Davis tinha a vista fixa na cerca da entrada, e todos os olhos seguiram aquela direção. Um cavalo branco com uma mancha negra na testa avançava com passo excitante. Aquele cavalo tinha pertencido a Bernard Hooly!
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