quinta-feira, 13 de abril de 2023

CLT026.08 Um grito desesperado de mulher

—O cavalo de Bernard Holly! — exclamaram em coro os presentes.

Norman Wright estava pálido, devido à intensa emoção que experimentava. Seria verdade o que os seus olhos contemplavam? O homem que tinha tentado defender e o qual só pudera enterrar era Bernard Holly, o grande amigo de Patrick Davis! Estranhos caprichos do destino!

O rancheiro tinha-se posto em pé, impulsionado pela força de um pressentimento. Todos os convidados o seguiram quando se encaminhou em direção do cavalo. Viram sangue nos flancos do animal, que se deteve.

Patrick Davis bateu-lhe no pescoço afetuosamente, enquanto uma sombra de dor toldava o seu rosto. O nobre animal emitiu um débil relincho, tentou erguer a cabeça, mas não conseguiu. Caíra.

— Está morto! — disse o rancheiro baixando-se. —Tem uma ferida de bala. Meu Deus! Que pode ter acontecido?

Que teria acontecido a Bernard Holly? Norman tinha os lábios selados. Não falaria ainda desta vez. O seu olhar deteve-se em Jules Blackfield e observou dececionado que o rosto do farsante «pistoleiro» mostrava tanta surpresa como a que se pintava nos demais rostos. A festa tinha acabado.

—Vou sair com os meus rapazes e faremos uma batida—disse o rancheiro Davis, que não podia ocultar a sua preocupação. —Seria terrível que estivesse ferido e sem ajuda... Temo que este cavalo venha de muito longe. É preciso não esquecer que saiu ontem daqui...

Os convidados despediram-se, depois de terem oferecido a sua colaboração se fosse preciso.

—Espero que encontrem o senhor Holly são e salvo—foram as palavras do assassino Blackfield.

—Obrigado...

Mas Davis sabia que Jules Blackfield não dizia a verdade e que se alegraria com a morte do seu amigo Bernard. Se esta fosse uma realidade, Blackfield tornaria a estender os seus tentáculos. Patrick Davis aproximou-se de Norman.

— Que pensa fazer, rapaz?

Na voz do rancheiro parecia haver uma certa súplica.

— Ficar — respondeu Norman, decidido.

Patrick Davis suspirou aliviado.

—Você pode ser uma boa ajuda neste momento... Além de que, depois do que se passou, temo que Jules Blackfield lhe arme uma nova cilada. Este homem é um réptil. Esta tarde consegui dominar-me, mas de agora em diante estou decidido a fazer-lhe frente. Não me importam as consequências.

— De acordo, senhor Davis. Além disso preciso falar com o senhor.

— Falar-me? Sobre quê? Diga, diga o que pre-tende, que eu escuto.

—É muito importante...

Jane, que se tinha aproximado, olhou-o interrogativamente. Que se propunha o jovem?

Jules Blackfield montou o seu cavalo preto, ao qual cravou as esporas. O animal arrancou de um salto como um furacão. Toda a fúria que o consumia saía-lhe à flor da pele, agora que não precisava dissimular. Fez sentir a sua bárbara crueldade no nobre animal acalmando assim os seus brutais instintos.

Queria chegar à cidade quanto antes. Não pensou sequer esperar Norman Wright, pois se por acaso o matasse todos pensariam que caíra numa emboscada. Lutaria com Wright frente a frente, com testemunhas visuais; a não ser que os seus «pistoleiros» aproveitassem qualquer oportunidade.

Quanto a Jane, não cabiam na cabeça de Jules Blackfield tantas refinadas e perversas vinganças. Com respeito ao cavalo de Bernard Holly, tinha sido a emoção mais surpreendente que Jules Blackfield havia experimentado na sua vida. Tinha sido uma tarde terrível para ele. Primeiro, a inesperada aparição de Norman Wright, seguida da perigosa discussão-; pouco depois, o despeito de ver-se privado da companhia de Jane, a qual parecia entregue de corpo e alma a Wright; e como epílogo, aquele cavalo comprometedor, que só faltou falar...

— Maldição! —resmungou entre dentes.

As coisas estavam a pôr-se difíceis. Entrou como um furacão em Riverside e por um pouco não atropelava um garoto, que ao fugir caiu no chão, mas Blackfield sem se preocupar, seguiu na sua vertiginosa marcha até ao saloon, junto ao qual desmontou com agilidade. Atou com rapidez e segurança o cavalo à barra e entrou.

Ernie Skill, Rufus Blood e Pat Owner estavam sentados a uma mesa. Fez-lhes um sinal, indicando-lhes para o seguirem. Dirigiu-se a um reservado que tinha no andar de cima, depois de ordenar ao criado:

—Traz-nos uma garrafa de whisky!

Jules Blackfield, rodeado dos seus mais temidos «pistoleiros», manteve-se em silêncio, um silêncio concentrado que rompeu pouco depois quando bebeu de um só trago todo o whisky que o copo continha.

—Vi esse homem! — rugiu.

— Quê?! —nos olhos dos três «pistoleiros» estava pintado um assombro infinito.

— Enfrentou-se com ele, chefe? —perguntou Rufus Blood.

— Não. Tem mais sorte que um diabo. Continua vivo. Imaginais onde o encontrei? Nada menos que na festa de Patrick Davis.

Os três pistoleiros não davam crédito aos seus ouvidos.

— Norman Wright salvou a vida da filha do rancheiro das garras de um urso—prosseguiu Jules Blackfield, exasperado, desafogando com as explicações que estava a dar aos seus subordinados. —Discutimos. Wright atreveu-se a acusar-me. Chegamos a levar as mãos aos revólveres, mas o dono da casa interveio... Que mau bocado passei, com todos os diabos!

—Quando o vir à minha frente, não me poderei conter! — disse Rufus Blood, e nos seus olhos brilhou um fogo homicida.

—Esse tipo é um agente federal—disse Pat Owner.

— Não creio — contradisse Jules Blackfield. —Parece-me mais um aventureiro. É um homem muito rápido.

Sobre este assunto, Jules Blackfield não acrescentou mais nada, mas tinha os seus motivos para pensar que Wright não era federal. Porque viveria ele ostensivamente bem? Nas horas que passava na cidade tinha demonstrado ser pessoa prudente. Os federais não costumam ser ricos. E Jules Blackfield pensava outra coisa.

O sócio de Patrick Davis, segundo tinha ouvido, levava, ao partir em busca de gado, uma respeitável quantidade de dinheiro. Não seria esse o dinheiro que Norman Wright estava gastando agora? Estava cada vez mais convencido de que o homem que tinha liquidado quase todos os «pistoleiros» que haviam tomado parte no ataque a Bernard Holly era Norman Wright. E neste caso, Wright nada diria sobre o assunto.

—Tenho o palpite de que Laura Smiles deve saber algo do caso—observou Ernie Skill.

—Ela anda por aí?

— Não voltou ainda.

Pat Owner estava pensativo.

— Gostaria de saber o que esse tipo pensa fazer.

—E eu. Mas segurem-se bem, que ainda não terminei. Estávamos em plena festa, quando apareceu o cavalo de Bernard Holly!

As mais grosseiras interjeições saíram das bocas dos «pistoleiros».

— É possível?! —disse Pat Owner, mais refeito.

—É como ouvis.

— O cavalo de Holly fugiu, efetivamente, ferido. É inconfundível.

— Uma coisa: poderá Norman Wright ser o homem misterioso que surgiu no momento em que vocês estavam a atacar Holly?

— Aquele modo de agir tinha o seu cunho — reconhece Pat Owner. —Acho estranho que Wright não tenha falado nisso ao rancheiro Davis. Muito estranho, mesmo. Como as coisas andam, chefe, parece-me que esta noite ou amanhã serão decisivas.

— Eu, pela minha parte, não penso poupar chumbo — disse Ernie Skill com acento duro.

—Sim, todos desejamos sair deste aperto...

Beberam muito whisky. A atmosfera do reservado encheu-se de fumo de tabaco. A conversa versava sempre sobre o mesmo tema, recalcando as mesmas palavras uma e outra vez. Do local onde estavam divisava-se bem a entrada e a pista central.

Bruscamente, Ernie Skill intensificou o seu olhar cruel.

— Aí vem Laura Smiles — disse num sussurro com perversa entoação.

Laura atravessou o saloon, enquanto os seus olhos angustiados procuravam em todos os lugares, quer nas mesas quer no balcão. Não viu os seus inimigos, que ameaçadoramente tão próximo se encontravam. E, naturalmente, não viu o que tanto desejava ver, Norman Wright, aquele jovem por quem sofria.

Laura Smiles atravessou a pista. Necessitava subir aos seus aposentos. Os olhos dos «pistoleiros» seguiram os seus passos. Sabiam onde ela se dirigia.

Impulsionados pelo mesmo pensamento, levantaram-se todos a um tempo. Ela pagaria todos os fracassos que tinham tido com Norman Wright.

Sentando-se em frente do espelho, Laura achou--se velha. A sua cara denotava o sofrimento. Sim, não podia negar, tinha-se enamorado de Norman, mesmo, sabendo que aquele jovem jamais seria para ela. Estava cansada.

Levantou-se e deu uns passos maquinalmente. Procurou num pequeno armário e encontrou uma garrafa de whisky. Encheu um copo e bebeu.

Foi nesse mesmo momento que ouviu o ruído da porta a abrir-se. Não a tinha fechado por dentro. Entraram os quatro: Jules Blackfield, Ernie Skill, Pat Owner e Rufus Blood...

Quando os viu, Laura Smiles abriu desmedidamente os olhos e da sua garganta não saiu o grito que quisera dar. Teve medo, o maior medo que jamais tinha sentido. Nos olhos daqueles homens lia-se uma crueldade sem limites e no ricto das suas bocas uma sinistra decisão. Olhavam-na silenciosamente.

— Que querem daqui, asquerosos assassinos?

A frase saiu a Laura Smiles, que não reconheceu a sua própria voz quando as palavras, por fim, saíram dos seus lábios. O sorriso de Blackfield foi ofensivo.

— Escusas de ladrar antes de te batermos. A nossa intenção era fazer-te uma visita de obrigação. Vínhamos dar-te os pêsames.

Laura Smiles empalideceu, mas uma força que ia crescendo interiormente, depois da primeira surpresa, impediu-a de acusar o terror que sentia.

— Não sei de que me falas, rufião.

— Ah, não? Vou dizê-lo de seguida. O teu amiguinho Norman Wright passou para uma vida melhor.

— Mentes! Mentes! Tu não podes. Nada podem contra ele! Bando de cobardes!

Da garganta de Jules Blackfield brotou uma gargalhada sarcástica. Laura experimentava uma dupla sensação. O terror parecia paralisá-la, pensando que possivelmente tinha caído vítima de uma cilada mortal. Mas não se deixava dominar pelo espanto. Confiava na valentia e habilidade de Norman Wright e, ao mesmo tempo, não dava nenhum crédito às palavras do vaidoso Blackfield.

— Queremos que nos facilites alguns detalhes sobre o teu amigo— Blackfield olhou-a ameaçadoramente.

— Porque te importas com ele, se está morto?

— Se não falas claro, passas um mau bocado — Ernie Skill olhava-a cruelmente.

Laura Smiles estava assustada, não podia negá-lo a si própria. Algumas fibras de valor davam-lhe vitalidade, mas compreendia que contra aqueles bandidos nada poderia fazer. Sabia de antemão que a maltratariam...

E então tomou uma louca decisão.

Eles eram quatro ferozes «pistoleiros», mas compreendeu que só apontando-lhes um revólver se sentiria mais segura. Com um movimento insuspeito, empunhou um pequeno «Derringer».

Os quatro «pistoleiros» ficaram atónitos; não esperavam por aquilo. Laura apontava-lhes a arma e o seu olhar era firme e decidido.

Mas Jules Blackfield foi o primeiro a reagir, com um violento esticão tentou «sacar-lhe» a arma. Laura Smiles pensou friamente, não lhe importava cair depois fulminada pelas balas dos três restantes «pistoleiros», uma vez que antes conseguisse liquidar Jules Blackfield.

Quando intentou apertar o gatilho quase cerrou os olhos, depois um grito morreu na sua garganta. Um seco estampido ressoou no compartimento. O pequeno «Derringer» que a jovem segurava, saltou em pedaços. O autor do tiro tinha sido Ernie Skill.

—Andaste muito bem, Ernie. Foi um excelente tiro — elogiou Jules Blackfield.

—Assim falaremos mais tranquilos—disse o «pistoleiro» ao enfundar a arma.

Laura, encurralada, sentiu o sangue latejar-lhe nas fontes, e não pôde conter-se:

—Cobardes cocotes! —gritou com todas as suas forças.

— Vê se te calas, estúpida! —E Jules Blackfield golpeou-a em pleno rosto com os punhos cerrados.

Laura caiu para trás. Jules no seu feroz instinto tentou esmurrá-la novamente, mas agitando as pernas num esforço supremo a jovem conseguiu atingir o seu inimigo. Rufus Blood com a sua força acudiu logo em auxílio do seu chefe. Com um violento puxão obrigou Laura a pôr-se de pé. Esta, nas mãos do «pistoleiro» mais parecia uma boneca de trapos.

—Canalhas! —gritou ela com todas as suas forças.

— Mato-te! — ameaçou Rufus.

Os quatro «pistoleiros» tinham tido a precaução de fechar a porta, mas pouca coisa era uma porta para a força impetuosa que naquele momento a derrubou, convertendo-a em estilhaços. Norman tinha ouvido os gritos de Laura.

Acabava de chegar a Riverside, vindo do rancho de Patrick Davis, e a sua primeira intenção fora visitar Laura. Depois de ter ouvido a maneira como Jules Blackfield se expressou, Norman deixou de ter suspeitas a respeito dela. Tinha-se portado injustamente com aquela pequena que, na verdade, só lhe deu mostras de simpatia; era possível que tivesse realmente recebido maus tratos de Blackfield.

Por sua vez, Norman desejava visitar o saloon para se enfrentar com o malvado Blackfield Não podia demorar o perigoso encontro. Da missão de que fora encarregado só uma parte podia cumprir: matar Jules Blackfield em luta, se não queria ser morto pelas costas.

Assim que entrou no saloon, os seus olhos inquietos tinham percorrido todas as mesas e esquadrinhado em cima, os reservados, sem nenhum resultado. Perguntou ao criado. Este, reconhecendo o vencedor de Rufus Blood, estacou, os seus olhos mais pareciam duas bolas caprichosas, e os seus lábios trémulos não deixavam escapar nenhuma palavra.

—Laura Smiles está? Responda: Laura Smiles está cá?

—Lá em cima..., lá em cima... — titubeou o criado, afastando-se depois para junto do mostrador.

Subiu apressado, não porque pensasse que no quarto de Laura Smiles os «pistoleiros» a estivessem a ameaçar.

Tinha necessidade de falar com ela e saber a verdade. Foi nessa altura que ouviu o grito desesperado. Nem sequer pensou, arrojou-se contra a porta impetuosamente, e o seu corpo de ferro chocou contra a madeira, que se estilhaçou por completo, derrubando-se estrepitosamente.

Devido ao poderoso impulso, Norman rolou pelo chão vertiginosamente e a sua trajetória foi seguida pelas balas dos quatro «pistoleiros» que, embora surpreendidos, estavam dispostos a matar Wright, pois tinham-no reconhecido logo.

 

 

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