sexta-feira, 7 de abril de 2023

CLT026.02 Um morto no caminho

O veterano Sam e o jovem federal Norman Wright acordaram ao amanhecer. O ar era fresco. No céu, as estrelas pareciam afastar-se até ao infinito. Algumas aves cantavam nas árvores. Era chegado o momento de despedida, a fronteira entre Arizona e Utah estava próxima.

— Prepara o café, Sam! — foi a primeira coisa que disse Norman quando abriu os olhos.

Sabia que o veterano, grande madrugador, não dormia já.

— Que mal vais passar sem mim, caloiro! -- disse Sam Pine desembaraçando-se das mantas.

Momentos depois, estavam sentados um ao lado do outro, saboreando o fumegante café. Os dois homens mantiveram-se em silêncio. Os dois tinham tentado brincar, para assim dissipar a emoção do momento, mas depois das primeiras fases, optaram por ficar calados. Andaram um bom bocado juntos, até que o cabo tomou a palavra:

— Bem, rapaz, chegou o momento...

—Aperta a mão, Sam. Até à vista...

— Muito cuidado, não esqueças os meus conselhos.

— Nem por um momento, mas na primeira oportunidade, esses cobardes hão-de comer o seu chumbo. Pensa que todos são muito perigosos. Tu podes vencer se fores astuto.

—Dançarão a tiros.

—Temo esse carácter tão impulsivo que tens.

— Fica tranquilo, Sam; terei em conta as tuas lições, velho...

Fizeram o gesto de apertar as mãos, más espontaneamente abraçaram-se.

—Cumprimentos ao capitão Sunsets e aos rapazes!

—Chumbo para Jules Blackfield e os seus «pistoleiros»!

Foi assim que se despediram os dois federais. O veterano não demorou em afastar-se. Norman Wright ficou olhando para a sua forte silhueta, encaixada sobre o cavalo. Que bom rapaz era o velho Sam! Já bastante longe, ainda agitava a sua mão direita em sinal de despedida.

Norman ficou só, frente ao perigo... Já estava em território de Utah.

Seguiu avançando, embrenhado nos seus pensamentos. Riverside, a cidade turbulenta e eriçada de perigos, não estava longe. Ao meio da tarde, do cimo de uma colina, divisou as primeiras casas. Desejando chegar o mais depressa possível, pôs o cavalo a galope por um largo carreiro, que deveria conduzi-lo ao vale, para seguir, diretamente, até à cidade.

Repentinamente, vários disparos romperam a calma da tarde, as balas assobiavam perigosamente perto dele e o cavalo parou de repente, desmontando o jovem com rápida agilidade atirou-se para junto de uma árvore, de revólver em punho.

Não demorou o federal em saber a que se deviam os disparos, os quais não tardaram a repetir-se. Um cavaleiro, montando muito bem, era atacado, como se fosse uma peça de caça, por oito homens também montados, os quais faziam uso das suas armas com o deliberado propósito de matar.

O espetáculo era terrível, alucinante. O perseguido parecia segurar-se já com dificuldade no seu bonito cavalo, cuja nítida brancura formava contraste com a mancha preta na cabeça e o vermelho duma ferida. Homem e cavalo faziam prodígios para safar-se das balas que os ameaçavam, as quais já tinham mordido a sua carne. Mas o seu fim estava próximo.

Oito homens contra um, para o matar! Norman Wright ficou com os cabelos em pé e tremeu de indignação. Foi um segundo só. Apertou o gatilho. Um perseguidor largou as rédeas, agitou os braços e espasmodicamente tombou, escorregando da sela. Segundos mais tarde, outro iniciou a sinistra cambalhota no ar, seguindo a mesma sorte, enquanto os seis restantes, que tinham disparado novamente contra a sua vítima, ficaram muito admirados, embora se apressassem a reagir, tirando seguidamente na direção onde julgavam estar o seu invisível atacante.

Norman, como uma flecha, tinha mudado de posição e não recebeu a chuvada de chumbo. Novamente saiu fogo da sua pistola, dois disparos e um deles alcançou de morte um dos foragidos; o outro chumbo perdeu-se, pois, o homem a quem ia dirigido saltou da sua cavalgadura, rolou sobre os torrões e foi parar junto ao tronco de uma nogueira, sobre o qual ficou encostado, dispondo-se a fazer fogo.

Entretanto, o homem que até ali tinha suportado sozinho a perseguição e os disparos dos oito assassinos, tinha caído do seu cavalo branco. O nobre animal, como que pressentindo a sorte do seu dono, pareceu endoidecer e desapareceu, galopando com dificuldade, mas com terrível fúria, lançando ao ar, no qual se espalhavam diminutas nuvens de pólvora fumegante, desesperados relinchos.

Ficavam cinco foragidos, os quais chegaram a localizar Norman que tinha de multiplicar a sua agilidade; quatro deles intentaram barricar-se para acabar com ele, e para isso retrocederam.

Norman descobriu-se para vigiar melhor os movimentos dos seus circunstanciais inimigos, vendo que o homem que estava escondido atrás da árvore, julgando ser chegado o seu momento, se dispunha a disparar.

Nessa altura interveio Norman outra vez com dois tiros, o primeiro dos quais fez saltar o chapéu do foragido, que não teve tempo de esconder-se e muito menos de fazer fogo, pois a segunda bala varou-lhe a cabeça.

Seguidamente Norman, que já dispunha de nova carga no tambor do seu «colt», disparou continuamente, fazendo acionar o percutor com a mão esquerda, na direção onde julgava que estavam situados os quatros «pistoleiros» sobreviventes. Estes ficaram paralisados perante aquela cortina de chumbo que lhes ameaçava com a mesma viagem que acabavam de empreender os seus companheiros. Como tivessem visto cair o homem que tinham sido encarregados de matar, e temendo que o desconhecido da assombrosa aventura continuasse, optaram por fugir vertiginosamente. Ainda fizeram alguns disparos, mas sempre encobrindo-se até que os quatro, sobre as suas montadas, escaparam como que a fugir do diabo.

Quando Norman Wright deu pela manobra, o seu primeiro impulso foi seguir aqueles cobardes, mas um lamento chegou aos seus ouvidos, e isto fê-lo desistir. Não podia deixar de atender a voz de um ferido, fosse este quem quer que fosse. E calculava tratar-se do homem perseguido pelos foragidos, pois que os seus disparos contra eles tinham sido seguros.

Efetivamente assim era, e ao chegar junto a ele, compreendeu que os seus auxílios de nada poderiam servir já. Aquele homem estava a morrer, os seus olhos começavam a ficar vítreos por momentos, da sua garganta saiu um estertor de agonia e pronunciou já debilmente:

—São... pistoleiros... de...

O infeliz morreu sem pronunciar nenhuma outra palavra. Norman muito impressionado fechou-lhe os olhos. O homem tinha um aspeto nobre e era de meia-idade. Dispôs-se a enterrar o cadáver, faria a mesma coisa com os bandidos, mas queria apressar-se. Seria perigoso se o encontrassem ali, poderiam acusá-lo, e mesmo que assim não fosse, estorvariam a sua missão.

Trabalhou depressa, graças ao seu vigor. A campa da vítima estava afastada e sobre ela colocou dois ramos de pinheiro, cruzados. Depois de rezar uma oração, dispôs-se a. partir montado no seu cavalo, já recuperado.

Certamente na cidade poderia seguir uma pista sobre aquele caso e conhecer o nome do protagonista daquela tragédia. Nada diria até ouvir todos os comentários. E tendo em linha de conta que, segundo as suas informações Jules Blackfield dominava por completo tudo o que se fazia fora da lei em Riverside, não seria de estranhar que tivesse participado no caso.

Estava cansado. Acendeu um cigarro. Tinha sido surpreendente para ele actuar antes do que tinha previsto. Pena que tivesse morrido o homem do cavalo branco. Pobre animal! Se o encontrasse dispararia um tiro sobre ele para que não sofresse. Ainda bem que quatro dos «pistoleiros» tinham pago o seu crime. Norman pensou que tinha tido muita sorte em não ter sofrido sequer um arranhão, apesar de que em alguns momentos as balas tivessem assobiado ameaçadoras em volta dele.

Acabava o dia quando Norman Wright entrou em Riverside. Em Main Street circulavam as pessoas, homens na maior parte. A primeira' coisa que fez foi escolher um hotel. Depois de algumas perguntas, foi informado de qual era o melhor. O homenzinho que o atendeu olhou para ele com desconfiança, mas Norman mostrou um rolo de notas, e um largo sorriso, servil, distendeu os delgados lábios do empregado. Assinou o registo, mandou levar a bagagem depois de encomendar:

—Um whisky, rapaz—pediu ao criado.

Este acudiu, solícito, a servi-lo. Wright deu uma boa gorjeta e perguntou:

—Qual é o melhor saloon de Riverside?

— Sem dúvida nenhuma o Ranger's —afirmou, pois tinha comissão da casa.

Norman levantou-se.

— Vou lá — disse — tenho vontade de me divertir.

Estava interessado em aparentar frivolidade e despreocupação...

Enquanto estendia as suas redes a Jules Blackfield queria representar o papel de um jovem rico que gostava da boa vida. Mas as circunstâncias não o permitiriam.

 

 

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