domingo, 19 de março de 2023

6BL007.02 México, terra da felicidade plena

Colorado Silver abriu os olhos. Não se moveu do improvisado leito onde passara a noite. Permaneceu, algum tempo, olhando o céu, iluminado já pelos primeiros alvores do dia.

México..., nome que, para ele, significava uma luta constante; pais onde os rurais quase lhe tinham posto a cabeça a prémio. Mas, também, de onde se irradiava uma espécie de magnetismo que o atraia irremediavelmente.

Estava a pouco menos de um dia de sol de caminho. Porque não dar lá uma saltada? Se evitasse os povoados mais concorridos, correria pouco perigo.

Antes que o sol se pusesse, entrava em Barrentos. Deteve-se à porta da cantina, desmontando. Um garoto mexicano, lesto, correu para ele.

— Boas noites, senhor. Procura alojamento para esta noite, senhor? Francisco pode arranjar--lhe um bom quarto, senhor.

— Bem, Francisco, leva o meu cavalo para o estábulo e trata cuidadosamente dele.

Tirou do bolso uma moeda de cinco pesos e lançou-a ao garoto. Depois, lentamente, entrou na cantina. Poucos clientes -- o ideal para Colorado Silver — e o seu gordo proprietário por detrás do balcão.

— Preciso de um quarto amplo e limpo, de preferência com janelas para a rua. Preciso também de um banho muito quente, de uma boa refeição, e de uma moça jovem e bonita para me esfregar as costas. Preferia que se chamasse Rosita.

O dono da cantina abriu a boca para dizer qualquer coisa. Depois. fechou-a. Finalmente, com um ligeiro tique nervoso no canto da boca, retorquiu:

— Sim, senhor. Mandar-lhe-ei a minha filha. Tem só dezassete anos, senhor; mas é uma grande cozinheira. Não se chama Rosita, mas sim Lupita.

Colorado Silver caminhou para as escadas de acesso ao primeiro andar, logo seguido por García, o gordo proprietário. Pararam diante de uma porta que abria para um amplo e bem arejado quarto.

— O banho não demora, senhor — disse Garcia, antes de sair.

O homem do trajo negro acendeu um cigarro e aproximou uma cadeira da janela, sentando-se, com os pés apoiados no peitoril. Olhando o estrelado céu, Silver sentiu-se imensamente feliz. Fumou tranquilamente o cigarro, antes da voz de Garcia interromper o curso dos seus pensamentos:

— O banho, senhor.

Silver voltou a cabeça. Garcia e o filho, o pequeno Francisco, tinham transportado para o quarto uma tina cheia de água a ferver, a julgar pela nuvem de vapor que despedia. Depois, silenciosamente, voltaram a sair.

Preguiçosamente, Silver despiu-se e entrou no banho, sentindo imediatamente os seus benéficos efeitos.

E, de súbito, teve a desagradável sensação de ser observado. Um rápido olhar à porta revelou a presença de alguém que ainda não conhecia. Uma linda jovem de compridas tranças negras e alvos dentes. Pela escova que trazia na mão, Silver deduziu que estava na presença de Lupita.

Inclinando-se para diante, de modo á descansar o queixo nas costas da mão que, por sua vez, se apoiava na beira da tina, disse:

— Esfrega-me as costas. Muito devagar, suavemente.

Fechando os olhos, sentiu-se transportado a um mundo maravilhoso, do qual só foi arrancado pelas dores que sentiu no estômago, recordando-lhe que havia muito tempo nada ingeria.

— Vai acabar de fazer o jantar, Lupita. -- E, quando a linda jovem ia já a abandonar o quarto, perguntou: — Quem está a tocar guitarra na rua?

— E Porfírio, senhor. Porfírio Fernandez, o meu noivo, senhor.

Silver acenou a cabeça compreensivamente.

— Diz-lhe para vir até ao meu quarto. Estão os dois convidados para jantar comigo.

Quando, alguns minutos depois, já estava vestido, umas suaves pancadas na porta avisaram-no da chegada de alguém. Abriu, deparando com um jovem mexicano, sorridente, o largo chapéu na mão. Todo o seu aspeto era de grande asseio, facto que lhe proporcionou imediatamente a amizade de Colorado Silver.

Simpatizava com aquela espécie de homens. Usavam revólver à cintura, muito baixos, e sorriam ao ouvir uma velha canção de amor, ou quando as balas lhe assobiavam aos ouvidos.

— Entre, Porfírio. — Colorado Silver estendeu-lhe a mão. —Espero que me dê a honra de jantar comigo.

— A honra será minha, senhor. Nem todos os dias se recebe um convite de "Gringo Sonora".

— Vejo que me conhece.

— A sua fama precede-o, senhor. A estas horas, ninguém em Barrentos ignora a sua presença. Martin Garcia tem a cantina cheia. Venderá hoje mais bebidas do que nas festas de São Pedro, nosso patrono. Porque o faz, senhor?

— O quê?

— Veste sempre de negro, com botões de prata e esporas de oiro. Os seus cavalos também são sempre negros. Poderia vestir de outro modo e montar cavalos diferentes, que percorreria todo o México sem ser incomodado. E certo que entra e sai deste país quando muito bem lhe apetece. Mas sempre com um pelotão de rurais pegado aos calcanhares. Deveria tomar mais precauções, senhor.

— Outro trajo e outro cavalo seria como ocultar o meu nome. E, estão, a vida converter-se--ia em algo muito aborrecido.

O jantar foi agradável. Lupita mostrou-se encantadora. Porfírio, apesar da sua extrema juventude, era um ótimo companheiro.

Mais tarde, já deitado e fumando o seu último cigarro, Silver sorriu. O México. Um país onde o tempo nada significa, onde o perigo espreita por detrás de cada árvore, de cada rocha. Um lugar onde toda a gente sorri muito, mas fala pouco.

Sentiu-se estranhamente feliz. Da rua, chegava-lhe o som da guitarra de Porfírio, numa serenata à sua amada. O ar estava cheio do perfume das flores, num aroma picante e sedativo, ao mesmo tempo.

"Gringo Sonora" apagou o cigarro e fechou os olhos. México. Ali, seu coração conhecia a plenitude da felicidade.

 

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