domingo, 26 de março de 2023

6BL007.09 Ao toque do relógio, uns lutam, outros morrem, alguns rezam…

Caminhou para a igreja e ajoelhou perante o altar...

Foi um grito espantoso, impossível de sair de qualquer garganta humana. Silver saltou da manta e levantou-se. Acendeu um fósforo e, depois, a lamparina. Comprovou que os revólveres estavam carregados, e agarrou a espingarda de dois canos.

Os olhos de Porfírio fitavam-no cheios de estranheza.

— Parecem...

— São os cavalos — atalhou Silver duramente. — Carbajal sabe que estamos bem escondidos e que não poderá encontrar-nos. Por isso, ideou um meio de nos fazer sair a campo descoberto. E temo que o conseguisse. Vamos.

Correndo, chegaram aos estábulos, seguidos a certa distância, por Maria e pelo padre Alberto. Havia suficiente luz para verem que os animais não estavam no mesmo lugar onde os tinham deixado. Os aflitivos relinchos vinham do pátio.

Silver aproximou-se lentamente. Chamou o seu cavalo. O bicho estremeceu, e caminhou para o dono, como cambaleando. Silver percebeu, primeiramente, o repugnante cheiro a carne queimada.

Depois, apesar da, difusa luz, descobriu o que se passara: aqueles selvagens tinham cegado os pobres animais.

Porfírio gritou como se tivesse enlouquecido. Abraçou-se ao pescoço do seu cavalo e chorou/ desconsoladamente. Silver, imperturbável, mas com uma profunda ira nascendo-lhe no peito, sacou lentamente um revólver e, convidando Porfírio a afastar--se, com um gesto, fez o que era forçoso fazer: abateu os briosos animais, acabando com o seu alucinante sofrer.

Mal o eco dos tiros se esfumara, Silvério apareceu, chapéu na mão.

— Eles estão no "saloon", senhor.

— Todos?

— Não, senhor. Só Carbajal e seis homens. Os outros vigiam as ruas.

— Obrigado. Agora, vai para casa e não saias à rua. — E, voltando-se para Porfírio, limitou-se a dizer: — Vamos.

Começaram a andar para a porta do pátio. O padre Alberto, conhecedor dos seus sentimentos, chamou-o. Mas sem qualquer resultado.

Entretanto, Maria, sentindo ferver-lhe nas veias todo o impetuoso e nobre sangue dos Camporreal, deu meia-volta e correu para o subterrâneo. Ai, apossou-se da Winchester de Silver, encheu os bolsos das calças com cartuchos e regressou ao pátio. Não sabia o que ia fazer nem porque o fazia, mas isso também pouco lhe importava.

O padre Alberto viu-a passar e nada fez para a deter. Caminhou para a igreja e ajoelhou-se ante o altar. Rezou. O mundo é assim. Uns lutam, outros morrem e alguns rezam.

+++

A ténue luz das estrelas ficara quase anulada por um fino véu de fugidias nuvens. Silver, ombro com ombro de Porfírio, olhou para cima.

As casas de Barreal eram quase todas de um só andar. E, naquela, a chaminé destacava-se na negrura do céu; Silver preparou o laço e Porfírio adivinhou imediatamente a sua intenção.

O americano lançou a corda, prendendo-a à chaminé. Esticou-a e subiu agilmente, apoiando os pés na parede. Porfírio seguiu-o. Assim, poderiam percorrer o povoado como fantasmas, passando de telhado em telhado. As ruas, salvo a principal, eram muito estreitas, permitindo que saltassem de um lado para o outro.

— Alguns homens devem estar a vigiar o convento. Vejamos se distinguimos alguma coisa.

Silver possuía a agudeza de um índio. Por isso, não lhe foi difícil distinguir uma sombra humana colada à parede. Também Porfírio distinguiu dois bandidos. Deviam andar mais pelos arredores, mas não delatavam a sua presença.

Silver destravou a espingarda que pusera a tiracolo. Porfírio, lentamente, sacou o seu 45 e levantou o percutor, apontou-a ao bandido isolado, deixando os outros dois para o companheiro. Os tiros do americano ressoaram pelo povoado, procurando os corpos dos bandidos. Ouviu--se um grito, e um corpo caiu pesadamente ao chão. Uns tacões correram pela rua. Silver voltou a disparar e o rumor dos tacões cessou imediatamente.

O homem colado à parede distinguiu as luzinhas dos tiros no telhado. Sacou rapidamente, mas só pôde fazer um disparo que arrancou uma telha junto de Colorado. O revólver de Porfírio ladrou três vezes e o bandido, atingido em cheio, cambaleou lentamente até ao centro da rua, onde caiu.

Houve um tropel de passos nas ruas adjacentes, caminhando para eles. Mas Gringo Sonora tinha algo gravado na mente: o "saloon".

Era ali que estava Carbajal. Silenciosamente, depois de puxarem a corda, atravessaram mais alguns telhados, não ta dando a alcançar o do "saloon". Era o único edifício que estava iluminado em todo o Barreal. Não se via ninguém pelas redondezas. Silver falou em voz baixa:

— Vejamos essa claraboia. Talvez nos permita a entrada por onde menos esperam.

A claraboia era quadrada. E estava aberta...

Repentinamente, Silver pressentiu o perigo. Era uma armadilha, uma mortal armadilha. Pela negra abertura, era impossível ver qualquer coisa. Mas, um cheiro esquisito impressionou-lhe a pituitária. Cheiro a índio.

Na sua mente, apareceram as imagens dos dois índios de Carbajal, esperando na obscuridade, silenciosos como fantasmas, os afiados machados bem seguros nas mãos.

Arrastou Porfírio pelo braço, afastando-o dali. Depois, com um mudo gesto, convidou-o a segui-lo. Segundos mais tarde, estavam, de novo, no pavimento da rua. Como fantasmas, deslizaram pela parede até à porta das traseiras do "saloon". Também ela estava aberta e, portanto, aguardavam pacientemente que eles se metessem na boca do lobo.

Dois homens entrariam pela porta principal do "saloon". Ou pelas das traseiras. Não haveria qualquer possibilidade de escapar com vida. Dentro do botequim, Carbajal e dez ou doze dos seus homens dar-lhes-iam o golpe de misericórdia.

Mas a mente de Silver não funcionava com a simplicidade que aqueles mestiços supunham. Uma ideia ganhou vida no cérebro do ianque. Que aconteceria se entrasse cada um pela sua porta, os revólveres cuspindo fogo, e saíssem, depois, pela porta por onde o outro entrara?

O relógio da Junta deixou ouvir as suas lentas badaladas. Dez horas da noite. Colou a boca ao ouvido de Porfírio e expôs-lhe o seu plano. O mexicano aprovou calorosamente a ideia. Só lhe pôs um reparo.

— Como nos vamos arranjar para entrar ao mesmo tempo?

— O relógio da Junta acaba de dar as dez horas. As dez e um quarto soará uma só badalada. Servirá de sinal.

 

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