... ouvia-se o pungente tanger de uma guitarra |
Escoltado por doze mexicanos de aspeto inquietante, Eudosio Carbajal entrou no povoado, ao passo lento do seu cavalo.
O seu pensamento estava muito distante, perdendo-se nos primeiros anos da sua infância. Recordava uma cena que lhe fazia apertar os dentes de raiva.
Numa noite de Natal, os peões do rancho, onde o pai trabalhava, e as suas famílias reuniram-se na enorme casa do rancho, para que o menino Martin, o filho do rancheiro, distribuísse algumas moedas de prata aos sujos e esfarrapados garotos.
Quando chegou diante dele, Eudosio não lhe estendeu a mão. Fez-se um pesado silencio.
Finalmente, o capataz, um homenzarrão chamado Silvério, levantou o chicote e golpeou-o no rosto. O menino Martin lançou a moeda ao chão e continuou a sua distribuição. Depois, ao chegarem à humilde cabana, onde viviam, o pai pediu-lhe a moeda, mas ele negou-lha. S6 tinha dez anos, mas já começava a despontar o seu estranho gênio.
"Quero conservá-la — foi a explicação que deu, — para um dia a fazer engolir ao menino Martin. "Mas o pai parecia não estar pelos ajustes e tirou-lha. Nessa mesma noite, enquanto os pais dormiam, Eudosio roubou a moeda e fugiu. Nunca mais soube dos seus...
As vozes dos seus homens arrancaram-no do mundo de pensamentos em que mergulhara. Tinham estacado à porta do "saloon" e pareciam ansiosos por molhar a garganta. A contribuição que vinha cobrar aos indefesos habitantes ficaria para mais tarde. Agora, na realidade, saber-lhe-ia bem um pouco de tequila.
Entrando no local, exigiu, ao aterrorizado empregado, uma garrafa e foi sentar-se numa mesa. Bebia sempre sozinho. Enchia os copos e despejava-os de um trago.
Uma vez saturado de álcool, poderiam acontecer muitas coisas. No exterior, ouviu-se o pungente tanger de uma guitarra, e. uma voz acompanhando a música.
Que se afastem os cobardes;
venham valentes agora,
o cavalo que se acerca
monta-o Gringo Sonora!
O cego Lopez tinha uma suave voz de baixo, agradável ao ouvido. Mas, sem se conseguir explicar, Eudosio não simpatizava muito com ela. Seria porque cantava a valentia daquele Gringo Sonora? Porque falariam tanto dele?
Contavam-se inúmeras lendas, em que ele aparecia sempre s6, tendo por única companhia os revólveres. Irritava-o de sobremaneira tamanha fama.
Negra é a roupa que veste,
negro o cavalo que monta,
nem rurais nem bandidos
podem com Gringo Sonora!
Carbajal emitiu um selvático rugido. Fez um movimento com a mão, varrendo para o chão quanto se encontrava na mesa. Depois, levantou-se e saiu para a rua.
O cego Lopez ouviu-o chegar e cessou de tocar. Eudosio parou diante dele, e, como louco, começou a agredir o pobre indefeso com o chicote. ~
Havia grupos na rua. Gente do povoado. Mas Carbajal sabia que nada tinha a recear. Ali, era o amo. Arquejando, deu um passo atrás e espetou o dedo na direção do cego.
— Não quero voltar a ouvir mais disparates sobre esse Gringo Sonora — avisou. — Se queres cantar, arranja uma história que fale de mim.
— Os cães raivosos não merecem canções.
O cego Lopez era valente como poucos. Eudosio rangeu os dentes. Sacou o revólver e destravou-o. O seco estalido foi captado pelo infeliz, que se limitou a benzer-se. Mas, antes de ele terminar, Carbajal esvaziou-lhe no corpo o tambor do revólver.
Nem mesmo vendo-o caído a seus pés, se acalmou o ódio que sentia a tudo e a todos. Pontapeou-o ferozmente, levando-o alguns metros à sua frente. Cansado, voltou-se e retrocedeu reentrando no "saloon”. Deitou uma moeda sobre o balcão e tornou a sair.
Os seus homens quase se atropelaram para chegar aos cavalos ao mesmo tempo que ele. Uns segundos depois, aquele grupo de assassinos abandonava o povoado, galopando para o acampamento, erguido a vinte milhas a Oeste.
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