O encontro deu-se à porta do hotel. Durking ia a sair distraído, pensando ainda na sua última conversa com Jayne. De repente... Iria jurar que fora o sujeito que se pusera à sua frente. O certo é que tropeçou e quando ia formular uma desculpa, conteve-se ao ouvir:
—Animal! Veja onde põe as patas!
Durking, que estava de mau humor, replicou:
— Oiça... Animal é você. E possivelmente, mais do que você, é o seu pai. Porque não se concebe que uma pessoa normal tenha engendrado uma besta do seu quilate.
A coisa não se podia apresentar mais ao gosto de Benson Rudd. Imaginava que lhe custaria provocar a reação violenta do homem, cujo assassínio lhe fora encomendado por Teddy e afinal a coisa tornava-se fácil. Nada sabia de Durking, senão o que o seu companheiro lhe dissera. Naquela tarde tinha-lho apontado de longe, dizendo-lhe: «Não te fies muito. Sabe manejar uma pistola. Claro que, comparado contigo, não passa de um aprendiz, mas...» Benson tinha-lhe replicado, gabarola: «Conta-o já no número dos mortos. É pena que vá acompanhado agora. Mas é igual. Virá o momento oportuno...» E o momento oportuno acabava de surgir.
Ao ouvir a resposta da sua pretensa vítima, soltou uma espécie de rugido:
—Vou-te desfazer...!
O punho de Durking acertou-lhe na boca, obrigando-o a engolir o resto da ameaça.
—Puxa pelo revólver! —exigiu.
Começaram a juntar-se pessoas. Apesar de irritado, Durking achou absurdo resolver a tiros, uma questão tão banal. E em vez de tomar em consideração o seu desafio, respondeu:
—Vá-se embora, não seja idiota!
—Ir-me-ei depois de te encher o corpo de chumbo!
Durking fez um gesto de desprezo e voltou-lhe as costas, embora soubesse que isso representaria aos olhos dos espectadores, como um acto de «excessiva prudência». E Benson vociferou, decidido a não deixar escapar a oportunidade:
— Defende-te, cobarde asqueroso!
O insulto era forte de mais para ser admitido.
Durking voltou-se, com tenção de castigar aquela maneira de falar e descobriu nos olhos do seu adversário o propósito de matar. Vacilou uns segundos, resistindo à consumação dum drama sem verdadeiro motivo, segundos que lhe poderiam ter sido fatais, pois Benson puxou pelo revólver e fez fogo. Durking sentiu no lado esquerdo do corpo, a mordedura do chumbo.
Antes de que o provocador premisse o gatilho pela segunda vez, a bala disparada pelo seu antagonista entrou-lhe pela boca, alojando-se-lhe na massa encefálica. Rodou sobre os calcanhares, cambaleou um pouco e caiu para sempre.
Acorreram então os mais decididos, inclinando-se uns sobre o cadáver e aproximando-se os restantes de Durking, que se mantinha firme, empunhando o revólver e com a outra mão sobre a ferida que sangrava. Os curiosos formulavam perguntas:
—Como se sente?
— Poderá andar?
O interrogado, respondeu, levemente irónico:
—Fá-lo-ei melhor se me ajudarem.
Do hotel, saíram hóspedes e alguns criados... Todos se afadigavam em serem úteis ao homem, cuja serenidade e pontaria os acabava de assombrar. A rogo deste, transladaram-no para o seu quarto, enquanto alguém ia em busca fio médico mais próximo, o qual tardou a chegar.
—Parece não ser grave—disse, depois de reanimar o paciente.
—É o que julgo, embora não me atreva a diagnosticar, porque me é difícil ver a ferida—e acrescentou, ante o gesto com que o facultativo acolheu as suas palavras: — Somos colegas.
— Ah! Então, sinto duplamente o ocorrido.
Fez-lhe um curativo cuidadoso, ratificando a sua impressão otimista. Antes de se despedir, ordenou a todos que o deixassem repousar.
Durking pediu que avisassem Sidney Kerr. Quase a seguir caiu numa sonolência que breve se transformou em sonho. Quando abriu os olhos, Sidney estava ao seu lado.
—Olá, rapaz. Já acordaste?
—Alegro-me que tenhas vindo. És o meu único amigo na cidade... e embora isto não tenha agora grande importância, podem sobrevir complicações... Uma pessoa não gosta de se sentir só.
—Fizeste bem em me chamar. Se não, ficaria ofendido. Como estás?
—Um pouco tonto. Perdi sangue... Ouve, Sidney, não te parece estranho o incidente? Iria jurar que o meu inimigo o provocou, com o intuito de me suprimir.
—É possível.
—Mas, porquê? Eu não o conhecia...
—Das averiguações feitas resulta, que o sujeito em questão, Benson Rudd era o seu nome, pertencia à escória da sociedade. Talvez alguém lhe tivesse pago para que te provocasse. Pensa que criaste inimizades. Primeiro aqueles dois tipos, Leslie Peel e Arthur Whited; ultimamente Teddy Egan. Não seria absurdo admitir que estivesse a soldo de qualquer dos três.
— Gostaria de saber.
—Talvez o consigas. Tanto o juiz que trata do assunto, como o «sheriff» são grandes amigos meus. Procurarão o que for necessário. A propósito do «cavalheiro» Egan: visitou-me esta manhã, acompanhando a sua noiva, que veio pedir-me para despedir Jayne.
—E tu...?
—Homem... Ainda que faças tão mau conceito de mim como empresário e embora Doris me tenha posto o dilema de escolher entre ambas, o que me teria causado um prejuízo considerável, disse-lhe três coisas duras e recusei-me a aceder.
—Muito bem. Não te voltarei a chamar «ave de rapina» ...
Foram interrompidos pela chegada do médico que tratava de Durking, o qual, depois de novo exame, exteriorizou ligeira inquietação. A ferida não oferecia tão bom aspeto como antes e além disso, o doente estava com mais febre.
Estava a fazer uma série de recomendações, quando entrou Jayne vivamente alarmada e se deteve junto à porta. Depois avançou, dizendo:
—Tranquilize-se, doutor. Far-se-á tudo como deseja.
— Boa-tarde, menina — cumprimentou Sidney.
E Durking, sorrindo prazenteiro:
—Olá, Jayne.
—Acabo de saber da desgraça. Por que não me avisou?
— Pois...
—Não lhe devia perdoar, mas como não sou rancorosa, ficarei com a ilusão de que o faria mais tarde. Bem; por desgraça, mudaram-se as coisas. Agora sou eu quem tem de velar pela sua saúde. Não haverá quem me afaste do seu lado, até que esteja restabelecido. que...
—Nem mais palavra!
Com efeito, ficou ali, transformada na mais dedicada e eficiente das enfermeiras. Só se afastava do leito o tempo necessário para as suas próprias necessidades e o que requeriam as suas atuações no palco.
—Está a pagar com juros a sua dívida—disse--lhe um dia Durking.
E ela respondeu, desviando o olhar:
—Pelo contrário, Robert. Você, deixando-me tomar conta de si, significa para mim um novo motivo de gratidão.
E era assim realmente. O seu amor oculto, por aquele homem, aumentava. E achar-se ao seu lado era para ela uma satisfação estranha, mistura de prazer e de amargura. Por fim, começou o restabelecimento do ferido e o seu médico indicou-lhe:
—Agora convir-lhe-ia uma temporada no campo. Ar puro...
—É o que vou fazer, colega. E já estaria a desfrutá-lo se não fosse aquela bala...
O rosto de Jayne cobriu-se de tristeza. Estava, naturalmente convencida de que aquilo tinha de ser, de que cedo ou tarde, viria a separação; a perspetiva da sua proximidade, aumentou a angústia do seu coração.
Três dias depois, já fora do leito, Durking disse a Kerr, que não tinha deixado de o visitar:
— Sabes, Sidney? Decidi roubar-te Jayne, por uma temporada.
—Como é isso? Vais-te fazer empresário?
A infeliz, que como de costume se achava presente, olhou para eles sem compreender supondo que estavam a brincar. Robert respondeu:
— Pois se o sou! A diferença é que tu contratas artistas e eu vaqueiros, capatazes e enfermeiras... Jayne não tem rival nesta última profissão.
—Robert... —murmurou ela, debilmente.
Nada lhe tinha dito acerca de tal propósito. Era verdade que na noite antes de ser ferido já a tinha convidado, mas nunca mais se tinha falado naquilo. Apesar disso, segundo estava agora a ver, Durking não se tinha esquecido, continuando de pé o convite para uma mudança de ares que tanto beneficiaria os seus pulmões doentes. Como se não a tivesse ouvido o médico-rancheiro, continuou dirigindo-se a Kerr:
—Não estou em condições de passar sem os seus cuidados e vou levá-la. Levá-la-ei a bem ou a mal. Ainda que tenha de a raptar. De modos que, a partir de hoje, o contrato fica rescindido—voltou--se para a artista. —Tem alguma coisa a opor?
—Pois... vai ver...
— Responda sim ou não!
Ela forçou um sorriso, ao mesmo tempo que lhe saltavam as lágrimas.
—Animal! Veja onde põe as patas!
Durking, que estava de mau humor, replicou:
— Oiça... Animal é você. E possivelmente, mais do que você, é o seu pai. Porque não se concebe que uma pessoa normal tenha engendrado uma besta do seu quilate.
A coisa não se podia apresentar mais ao gosto de Benson Rudd. Imaginava que lhe custaria provocar a reação violenta do homem, cujo assassínio lhe fora encomendado por Teddy e afinal a coisa tornava-se fácil. Nada sabia de Durking, senão o que o seu companheiro lhe dissera. Naquela tarde tinha-lho apontado de longe, dizendo-lhe: «Não te fies muito. Sabe manejar uma pistola. Claro que, comparado contigo, não passa de um aprendiz, mas...» Benson tinha-lhe replicado, gabarola: «Conta-o já no número dos mortos. É pena que vá acompanhado agora. Mas é igual. Virá o momento oportuno...» E o momento oportuno acabava de surgir.
Ao ouvir a resposta da sua pretensa vítima, soltou uma espécie de rugido:
—Vou-te desfazer...!
O punho de Durking acertou-lhe na boca, obrigando-o a engolir o resto da ameaça.
—Puxa pelo revólver! —exigiu.
Começaram a juntar-se pessoas. Apesar de irritado, Durking achou absurdo resolver a tiros, uma questão tão banal. E em vez de tomar em consideração o seu desafio, respondeu:
—Vá-se embora, não seja idiota!
—Ir-me-ei depois de te encher o corpo de chumbo!
Durking fez um gesto de desprezo e voltou-lhe as costas, embora soubesse que isso representaria aos olhos dos espectadores, como um acto de «excessiva prudência». E Benson vociferou, decidido a não deixar escapar a oportunidade:
— Defende-te, cobarde asqueroso!
O insulto era forte de mais para ser admitido.
Durking voltou-se, com tenção de castigar aquela maneira de falar e descobriu nos olhos do seu adversário o propósito de matar. Vacilou uns segundos, resistindo à consumação dum drama sem verdadeiro motivo, segundos que lhe poderiam ter sido fatais, pois Benson puxou pelo revólver e fez fogo. Durking sentiu no lado esquerdo do corpo, a mordedura do chumbo.
Antes de que o provocador premisse o gatilho pela segunda vez, a bala disparada pelo seu antagonista entrou-lhe pela boca, alojando-se-lhe na massa encefálica. Rodou sobre os calcanhares, cambaleou um pouco e caiu para sempre.
Acorreram então os mais decididos, inclinando-se uns sobre o cadáver e aproximando-se os restantes de Durking, que se mantinha firme, empunhando o revólver e com a outra mão sobre a ferida que sangrava. Os curiosos formulavam perguntas:
—Como se sente?
— Poderá andar?
O interrogado, respondeu, levemente irónico:
—Fá-lo-ei melhor se me ajudarem.
Do hotel, saíram hóspedes e alguns criados... Todos se afadigavam em serem úteis ao homem, cuja serenidade e pontaria os acabava de assombrar. A rogo deste, transladaram-no para o seu quarto, enquanto alguém ia em busca fio médico mais próximo, o qual tardou a chegar.
—Parece não ser grave—disse, depois de reanimar o paciente.
—É o que julgo, embora não me atreva a diagnosticar, porque me é difícil ver a ferida—e acrescentou, ante o gesto com que o facultativo acolheu as suas palavras: — Somos colegas.
— Ah! Então, sinto duplamente o ocorrido.
Fez-lhe um curativo cuidadoso, ratificando a sua impressão otimista. Antes de se despedir, ordenou a todos que o deixassem repousar.
Durking pediu que avisassem Sidney Kerr. Quase a seguir caiu numa sonolência que breve se transformou em sonho. Quando abriu os olhos, Sidney estava ao seu lado.
—Olá, rapaz. Já acordaste?
—Alegro-me que tenhas vindo. És o meu único amigo na cidade... e embora isto não tenha agora grande importância, podem sobrevir complicações... Uma pessoa não gosta de se sentir só.
—Fizeste bem em me chamar. Se não, ficaria ofendido. Como estás?
—Um pouco tonto. Perdi sangue... Ouve, Sidney, não te parece estranho o incidente? Iria jurar que o meu inimigo o provocou, com o intuito de me suprimir.
—É possível.
—Mas, porquê? Eu não o conhecia...
—Das averiguações feitas resulta, que o sujeito em questão, Benson Rudd era o seu nome, pertencia à escória da sociedade. Talvez alguém lhe tivesse pago para que te provocasse. Pensa que criaste inimizades. Primeiro aqueles dois tipos, Leslie Peel e Arthur Whited; ultimamente Teddy Egan. Não seria absurdo admitir que estivesse a soldo de qualquer dos três.
— Gostaria de saber.
—Talvez o consigas. Tanto o juiz que trata do assunto, como o «sheriff» são grandes amigos meus. Procurarão o que for necessário. A propósito do «cavalheiro» Egan: visitou-me esta manhã, acompanhando a sua noiva, que veio pedir-me para despedir Jayne.
—E tu...?
—Homem... Ainda que faças tão mau conceito de mim como empresário e embora Doris me tenha posto o dilema de escolher entre ambas, o que me teria causado um prejuízo considerável, disse-lhe três coisas duras e recusei-me a aceder.
—Muito bem. Não te voltarei a chamar «ave de rapina» ...
Foram interrompidos pela chegada do médico que tratava de Durking, o qual, depois de novo exame, exteriorizou ligeira inquietação. A ferida não oferecia tão bom aspeto como antes e além disso, o doente estava com mais febre.
Estava a fazer uma série de recomendações, quando entrou Jayne vivamente alarmada e se deteve junto à porta. Depois avançou, dizendo:
—Tranquilize-se, doutor. Far-se-á tudo como deseja.
— Boa-tarde, menina — cumprimentou Sidney.
E Durking, sorrindo prazenteiro:
—Olá, Jayne.
—Acabo de saber da desgraça. Por que não me avisou?
— Pois...
—Não lhe devia perdoar, mas como não sou rancorosa, ficarei com a ilusão de que o faria mais tarde. Bem; por desgraça, mudaram-se as coisas. Agora sou eu quem tem de velar pela sua saúde. Não haverá quem me afaste do seu lado, até que esteja restabelecido. que...
—Nem mais palavra!
Com efeito, ficou ali, transformada na mais dedicada e eficiente das enfermeiras. Só se afastava do leito o tempo necessário para as suas próprias necessidades e o que requeriam as suas atuações no palco.
—Está a pagar com juros a sua dívida—disse--lhe um dia Durking.
E ela respondeu, desviando o olhar:
—Pelo contrário, Robert. Você, deixando-me tomar conta de si, significa para mim um novo motivo de gratidão.
E era assim realmente. O seu amor oculto, por aquele homem, aumentava. E achar-se ao seu lado era para ela uma satisfação estranha, mistura de prazer e de amargura. Por fim, começou o restabelecimento do ferido e o seu médico indicou-lhe:
—Agora convir-lhe-ia uma temporada no campo. Ar puro...
—É o que vou fazer, colega. E já estaria a desfrutá-lo se não fosse aquela bala...
O rosto de Jayne cobriu-se de tristeza. Estava, naturalmente convencida de que aquilo tinha de ser, de que cedo ou tarde, viria a separação; a perspetiva da sua proximidade, aumentou a angústia do seu coração.
Três dias depois, já fora do leito, Durking disse a Kerr, que não tinha deixado de o visitar:
— Sabes, Sidney? Decidi roubar-te Jayne, por uma temporada.
—Como é isso? Vais-te fazer empresário?
A infeliz, que como de costume se achava presente, olhou para eles sem compreender supondo que estavam a brincar. Robert respondeu:
— Pois se o sou! A diferença é que tu contratas artistas e eu vaqueiros, capatazes e enfermeiras... Jayne não tem rival nesta última profissão.
—Robert... —murmurou ela, debilmente.
Nada lhe tinha dito acerca de tal propósito. Era verdade que na noite antes de ser ferido já a tinha convidado, mas nunca mais se tinha falado naquilo. Apesar disso, segundo estava agora a ver, Durking não se tinha esquecido, continuando de pé o convite para uma mudança de ares que tanto beneficiaria os seus pulmões doentes. Como se não a tivesse ouvido o médico-rancheiro, continuou dirigindo-se a Kerr:
—Não estou em condições de passar sem os seus cuidados e vou levá-la. Levá-la-ei a bem ou a mal. Ainda que tenha de a raptar. De modos que, a partir de hoje, o contrato fica rescindido—voltou--se para a artista. —Tem alguma coisa a opor?
—Pois... vai ver...
— Responda sim ou não!
Ela forçou um sorriso, ao mesmo tempo que lhe saltavam as lágrimas.
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