sábado, 27 de abril de 2019

COL005.03 A hiena ameaça e conspira

Jayne entrou no seu camarim. Embora ainda faltasse um pouco para o seu número, começou a vestir-se. Sentia arrepios precursores da febre e o medo de se deixar cair, fez com que saísse do hotel antes do tempo. Acabou de se pintar e sentou-se.
A porta abriu-se lentamente e Teddy entrou no pequeno quarto. Já não trazia nos lábios o sorriso sedutor que tantos êxitos lhe proporcionava. Trazia-os fortemente cerrados, dando-lhe a todo o rosto uma expressão de dureza. Jayne levantou-se, furiosa:
—Tu! Como te atreves...?
— Cala-te! Doris está perto. Será melhor que não nos oiça.
— Melhor para ti!
— E para ti também.
Fez menção de fechar a porta e Jayne exclamou:
— Deixa-a estar como está!
— Mas...
— Deixa-a ou então chamo alguém para te pôr fora. Está bem — limitou-se a encostá-la.
Depois, cruzando os braços, continuou:
— O nosso encontro de hoje surpreendeu-me tanto como a ti. O mundo é tão grande e acabamos por nos encontrar num lugar e numa circunstância em que significas para mim o maior dos estorvos.
—Não precisas de o dizer.


—Por isso julguei necessário ter uma conversa contigo e aqui estou.
—Também a mim me parece necessária. Se não tivesses vindo tu, iria eu procurar-te.
—Ótimo! E é pouco, o que tenho para te dizer. Reduz-se a que não fales uma palavra do que houve entre nós. Não nos conhecemos, percebeste?
—Gostaria de saber com que direito me ordenas isso.
—Com nenhum. Por conveniência para os dois. A ti, não te pode beneficiar que se saiba até que ponto me obedeceste; a mim, prejudicar-me-ia se descobrisses o meu jogo. Mas não é só isso. É provável que se soltasses a língua, eu te estrangulasse. Sabes que não costumo ameaçar em vão e que sou capaz de tudo.
—De tudo o que seja mau.
—Exatamente.
—Pois então, escuta-me, «estrangulador»; começarei por te dizer que não tenho medo de ti. Causaste-me tanto mal, a minha vida está tão arruinada por tua causa, que não me importa perdê-la.
—Não sejas melodramática. Isso, de que não tens medo de mim...
— Vou-to demonstrar.
Deu uns passos para a porta. Teddy deteve-a:
—Que pretendes fazer?
— Chamar, para te desmascarar publicamente.
Ele agarrou-a com os dois braços e fê-la recuar, até se sentar outra vez na cadeira.
—Não sejas suicida. Vamos procurar entendermo-nos. Apesar de tudo guardo recordações agradáveis de ti. Fizeste-me feliz durante muito tempo, e eu por minha vez, acumulei-te de carícias e de comodidades. Depois... a vida separou-nos.
—Separou-nos? Abandonaste-me como a um cão!
Sorriu cinicamente.
—É que a vida tem muitas maneiras de separar as pessoas. Tudo isso pertence ao passado. Agora estamos no presente. E o presente aconselha a que voltemos a ser amigos.
—Amigos? Tu e eu?
—Ou... colaboradores. Uma colaboração muito fácil. Basta que não me reconheças. Em troca serei generoso contigo. As coisas têm-me corrido bem e espero que melhorem ainda.
—Servindo-te de Doris Campbell?
—Acertaste!
— Que canalha me saíste!
—Evita os adjetivos! Sei de memória, quantos te podem ocorrer.
—É verdade. Apliquei-tos tantas vezes... Mas, está bem, não te chamo mais nada. Em vez de palavras, vou passar ã ação. Doris é minha amiga, a única amiga que tenho.
— Magnífico! Não deves querer então perder a sua amizade, revelando-lhe que fomos amantes e...
—Depende de ti. Estou decidida a calar-me se renunciares ao infame propósito que, com certeza, cá te trouxe.
— Ooooh!
—Escuta bem. Se tentas fazer com essa criatura o que fizeste comigo, mato-te.
Entretanto, a porta abriu-se e apareceu Robert Durking, que parecia ter ouvido a conversa, e disse:
— Sem procurar ninguém, encontrei um tipo asqueroso que se permite maltratar uma mulher.
Jayne, suplicou:
— Par favor, Robert!
A situação tornava-se francamente comprometedora para Teddy. A ideia de que acudisse gente, incluindo Doris, perturbou-o. Refreou as suas tendências homicidas e disse, em tom médio:
— Esta menina e eu, discutíamos questões pessoais que a ninguém mais interessam. Conta-lhe o que se passou, Jayne. Diz-lhe que se vá embora e que se não meta onde não é chamado.
—Tu é que vais sair imediatamente! —exclamou ela, corajosamente.
— Está a ouvir? — comentou Durking. — Mas não vai assim. Seria a primeira vez que um tipo como você escaparia indemne das minhas mãos.
Atirou-lhe um murro que teria sido decisivo, se Teddy não conseguisse desviar a cara a tempo.
Mesmo assim, cambaleou e foi projetado contra a parede. O miserável ficou cego de raiva. Era a primeira vez que um homem lhe punha as mãos na cara. Não podia consenti-lo.
A sua massa cinzenta cessou de funcionar. Esqueceu todos os planos, todas as conveniências e puxou pelo revólver. Misturaram-se o seu rugido, o grito angustioso de Jayne e um tiro. Um só. Disparado por Durking, em cuja mão direita apareceu uma pistola, como que por artes mágicas. Teddy, com os olhos fora das órbitas, olhou para os seus dedos chamuscados, dos quais a bala do seu inimigo acabava de arrancar a arma com limpeza. Balbuciou:
—Isto...! Isto...!
—Isto não é nada para o que o espera se volta a incomodar esta senhora. E agora, fora daqui!
— Juro-lhe que se arrependerá!
—Saia!
Nessa altura entraram várias pessoas, fazendo perguntas e que ficaram como que petrificadas, no vão da porta.
—Não se alarmem —disse Durking com naturalidade. —Foi uma pistola que se disparou.
A explicação não os podia convencer dado o quadro que oferecia as atitudes dos dois homens e da mulher, mas não se atreveram a pôr objeções, limitando-se a olhar para eles.
Acudia mais gente atraída pela detonação. A voz de Doris chegou claramente aos ouvidos dos protagonistas.
—No camarim de Jayne? Deixem-me passar por favor...
Egan compreendeu que só um golpe de audácia, o poderia deixar bem visto aos olhos da sua noiva e compondo-se, pediu por sua vez:
—Deixem passar.
Doris entrou alarmada. O seu assombro foi enorme, vendo ali Teddy. Dirigiu-se para ele, perguntando, ofegante:
— Que aconteceu?
—Nada, por sorte, embora tivesse podido acontecer —respondeu este, numa das suas cínicas recções.
—A tua colega e o Dr. Durking, discutiam cm voz alta; entrei e a minha presença deve-lhes ter sido tão desagradável, que pretenderam fazer--me sair a tiro.
—Mentira! — gritou Jayne.
E Durking, fazendo um gesto de espanto, comentou:
—Isto é o cúmulo! Nunca imaginei que tivesse um descaramento tão grande!
Mas Doris, sem os querer ouvir, abraçou-se a Teddy, voltando-se a seguir, para os outros:
—Infames! — exclamou.
Sidney e Nicholas, entraram nesse momento.
— Que aconteceu, Robert?
—Um número fora do programa, meu velho. Acontece que segundo esse... «cavalheiro» eu estava aqui a maltratar Jayne; ele entrou para a defender e eu recebi-o à bala.
—Responde-me a sério.
—Ë que não posso tomar a sério, Sidney. Ë tão ridículo isto! — desatou a rir.
Depois voltou-se para Teddy:
—Estou hospedado no hotel «São Francisco». Se quiser continuar a sós o nosso... diálogo, avise-me.
Doris apressou-se a exclamar:
— Ainda o está a provocar! Será que o quer matar? Porquê? Diga-o! Porquê?
—Tenho a impressão que lhe faria, a si, um grande favor, mas... os favores desse tipo só recebem ingratidões.
— Vamo-nos embora, Teddy! Vamos! — implorou Doris, puxando-o por um braço.
Nicholas impôs a autoridade que o seu cargo lhe conferia.
—Cada um para o seu posto! O espetáculo começará dentro de minutos. O público não tem culpa do que sucede nos bastidores.
Os curiosos apressaram-se a obedecer. Doris replicou:
—Não me é possível actuar hoje...
Teddy interrompeu-a:
—Então, querida? Primeiro o dever. Não te incomodes com um incidente de tão baixo nível, para nós. Acompanhar-te-ei ao teu camarim.
Nicholas apoiou-o:
—O senhor tem razão. Vá, menina Doris... vá mudar de roupa...
Saíram, ela e Teddy. Durking sorria dolorosamente irónico. Sidney pediu-lhe:
—Explica-me isso tudo...
—Fá-lo-ei no teu escritório, bebendo um whisky — aproximou-se de Jayne, que estava acabrunhada, sentada numa cadeira: —Ânimo! Ouviu o que disse o empresário? O público, primeiro! Tenha calma!
—Descanse—respondeu ela. — Enquanto tiver forças, continuarei com coragem para enfrentar a adversidade.
Deixaram-na sozinha.
Enquanto no «Paraíso», o espetáculo se desenrolava normalmente e o público, alheio ao drama íntimo das duas artistas prediletas, aplaudia, Teddy Egan, entrava num bar dos arredores e passeava o olhar em redor. De um dos cantos, acenaram-lhe e dirigiu-se para lá, sorridente.
A pessoa que o esperava, Benson Rudd, era um homem de meia idade, bem vestido, embora não disfarçasse o seu tipo de rufião. Apertaram as mãos e Benson Rudd disse:
—Recebi a tua carta e aqui me tens.
—Suponho que também recebeste outra de Sacramento, anunciando-te a minha vinda para aqui.
—Sim. E deste-me, com isso, grande satisfação.
—Suponho-o. Trabalhar comigo dá quase sempre bons lucros.
—Devo concluir então que te dispões a estabelecer aqui o teu campo de ação?
—Claro! Que outro motivo me poderia levar a solicitar o teu concurso? Tenho vários planos. Para alguns, chego eu sozinho; para outros, posso precisar de ajuda.
—Conta incondicionalmente comigo.
—Já o sabia.
Entre copos e bebidas, Teddy falou de grandes negócios, mais ou menos fantásticos. Benson ouvia-o, absorto. Quando aquele julgou oportuno, disse-lhe, como se não tivesse importância:
— Claro que já tive um percalço mal cheguei. Determinado indivíduo está interessado em sabotar um dos meus planos.
— Elimina-se!
—Sim... Talvez seja o mais prático. Vou pensar...
—Porque não o deixas por minha conta?
—Homem... a coisa tem a sua dificuldade e não sei se tu...
—Duvidas que o seja capaz?
—Não é que duvide, mas... enfim, já que tanto o queres...
E como se lhe fizesse um favor, encomendou-lhe o assassinato de Robert.

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