—Bem... que tal lhe parece isto? — perguntou Durking, gozando antecipadamente com a resposta.
—Infinitamente superior a quanto pudesse imaginar—disse Jayne, passeando a olhar pela maravilhosa paisagem.
Aquela manhã formava um conjunto de luminosidades. O Inverno tinha chegado ao fim e o sol arrancava reflexos às folhas das árvores, às águas dos riachos, à verdura dos prados, entre os quais se destacava o bronzeado dos penedos. Como ondas sucessivas, perdiam-se ao longe cedros, ciprestes e pinheiros mansos...
Os pontos destacados da montanha, alguns coroados de ténues nuvens, brilhavam numa tonalidade purpúrea; ao fundo, estendia-se o vale, sulcado por serpenteastes ribeiros.
—Ainda bem que gosta.
—Gostar, diz você? Entusiasma-me! Isto é um pedaço do paraíso!
Na verdade, para Jayne, «São Bernardino» significava um remanso de paz e ternura que a compensava em parte das agruras sofridas. Entretanto, as visitas a «São Bernardino», dos que precisavam de assistência médica, eram frequentes e nunca baldadas...
— Entrem, façam o favor — convidou a agradecida Fanny.
Entraram na cabana muito limpa e asseada. Enquanto a dona da casa, procurava com que satisfazê-los, Jayne murmurou:
—Encanta-me esta calma.
—Também a mim —declarou Durking. — Gosto de visitar lares humildes como este, onde em contraste com outros luxuosíssimos, reinam a paz e o carinho. Fanny e John, seu marido, vivem felizes sem invejar, nem serem invejados. Os dois, revêem-se no seu único filho, que esteve às portas da morte lutando com uma pneumonia de que duvidávamos que escapasse. O desespero destes pais, que viam assim desaparecer a sua felicidade, fez com que aguçasse os meus fracos dotes e... Bom; o rapaz salvou-se.
—Os cincos sentidos e todo o seu coração— ex. clamou Fanny, que reaparecia com uma bandeja. — As noites que passou à cabeceira dele, menina!
—Não sabia que você tinha o ouvido tão apurado -- gracejou Durking.
—Só para ouvir o que me diz respeito, mais nada. Às vezes, quando o meu John diz qualquer coisa que não me agrada sou mais surda que todas as surdas. Bem, aqui está a água. Trago também, como veem, cerveja e whisky.
—Vai montar um bar?
—Quase, quase. O meu marido, como a maioria dos homens, gosta de beber um copo, quando regressa a casa. Prefiro que o tome aqui, do que lá por fora. Não só é mais económico, como evita aborrecimentos.
— Boa política!
—É preciso pensar nas coisas, doutor! A mulher que queira conservar o seu esposo, deve tornar-lhe tão agradável a vida em casa, que ele não sinta desejos de se afastar dela — sorriu, olhando para Jayne. —Vá apontando, para quando chegar a hora... porque me parece que não está longe, eh?
A artista ruborizou-se. Durking pôs-se muito sério, mostrando-se surpreendido; mas voltou a sorrir, em seguida, declarando:
—A menina Jayne Bruce, é uma boa amiga, que teve a bondade de vir até aqui, para cuidar da minha saúde.
—Mas... está doente?
E a mais viva inquietação transpareceu no semblante da mulher.
—Estive. Mas já passou.
—E eu sem saber! Posso ser-lhe útil? Bom... é uma pergunta idiota. Tendo ao seu lado, uma criatura assim...
Jayne disse:
—Não se preocupe. O Dr. Durking está já perfeitamente bem. A minha saúde é que está muito abalada. Não vim para tratar dele, mas para que tratem de mim, embora ele generosamente diga o contrário.
— Pois vai ficar como uma rocha! Com este ar e um médico assim.…! Vai ver, vai ver!
Satisfeita a sede e após mais uns minutos de conversa, voltaram às suas montadas. Durante um bom bocado, permaneceram silenciosos. A alusão velada feita por Fanny, mantinha-os um tanto nervosos. Sem dúvida, tinha-os tomado pelo que não eram. Ela, por fim, disse, seguindo a meada dos seus pensamentos:
—Ainda estou emocionada com as frases dessa boa mulher.
— Exagera um pouco — respondeu Durking, satisfeito por se ter quebrado aquele silêncio.
—E os outros também exageram? Porque todos os dias, vejo o muito que o admiram. Você é o ídolo desta região.
—Vá lá, um ídolozinho —gracejou ele. —Mas também lhe digo, que não faltam os que não gostam de mim.
— Será possível?
— Assim o creio! É natural! Mal daquele que não tenha inimigos! Dou-lhe a minha palavra que me aborreceria espantosamente se todos falassem bem de mim.
—Você tem cada coisa!
—Digo-lhe o que sinto. Daí, não me desgostar saber que há várias pessoas que se pudessem, me tirariam a pele.
—Já que menciona esse assunto... entre essas pessoas figura Malt Nye?
—Boa psicóloga! Como adivinhou?
—Bastou-me ver no outro dia, quando parou a falar consigo, à entrada de «São Bernardino». Tem um modo de dizer as coisas e de olhar... Eu estava aborrecida com as impertinências que ele dizia, com o receio que você apelasse para os métodos que costuma usar...
Durking, exclamou, rindo:
— Admiro os seus dotes de observadora. Com efeito Malt Nye tem pretensões a gracioso e é várias vezes ofensivo. Eu não o levo a sério. Procuro dentro do possível não ter aborrecimentos com os meus vizinhos. Daí, o contemporizar um pouco.
Numa curva, surgiu-lhes subitamente um cavaleiro, já velho, de farta bigodaça, com um fato cheio de nódoas e montado num cavalo a condizer...
—Olha! O meu ilustríssimo colega! — disse, à guisa de saudação, o pitoresco sujeito.
—Como está, meu caro House?
—Estava melhor antes de o ver--Durking soltou uma gargalhada. —Não, não se ria. Desde que você chegou, que a minha bolsa se ressentiu —falou a Jayne, sem necessidade de apresentação, como se a conhecesse muito bem —Saiba, jovem, que o seu companheiro é o maior dos meus inimigos. Faz-me uma concorrência desleal e invencível. Como se fosse pouco não cobrar aos doentes, ainda lhes dá dinheiro. Assim não é possível! Tenho de protestar!
Durking explicou a Jayne:
—É o Dr. Jonathan House. Um invejoso, sabe...? Empenha-se em ser o único a matar os doentes.
—O único que os salva, é o que você deve querer dizer! Se não fosse eu a corrigir as suas asneiras, pobres dos nossos trabalhadores! Porque não ficou em São Francisco da Califórnia? Não fazia nenhuma falta aqui!
—E com quem discutia, então?
— Ora vá para o Diabo!
—Enquanto não vou, que me diz a um golo?
E estendeu-lhe urna garrafa de whisky. House disse:
—Está a ver, jovem? Vê como ele é?
—Bom, não se zangue. Bebo eu.
—Dê cá! — e tirando-lhe a garrafa da mão, fez--lhe as devidas honras. Ao devolver-lhe, disse: — Não pense que me modifica com isto!
—Foi só por um minuto.
—Mas já se passou. Continuarei a dizer de si, o que me apetecer. Até à vista. Vou visitar um dos poucos doentes que você me deixou. Adeus, menina. Não se fie nele. Ê mau tipo. Odeio-o—disse, esporeando a sua montada, sem que ela se movesse. —Odeio-o tanto, como a este maldito cavalo.
Por fim, conseguiu pô-lo a trotar. Durking continuava a rir.
—É outro dos seus inimigos? — inquiriu Jayne.
—Ele diz que sim, mas é mentira. Ê meu amigo e eu, dele.
—É um tipo verdadeiramente pitoresco.
—Se visse o cómico que é quando me consulta acerca de qualquer paciente...
Contando episódios passados com House, foi-se passando o tempo. Jayne riu-se como há anos o não fazia. Tão grande foi o ataque de riso, que teve de levar um lenço aos lábios. E como na noite da sua estreia no «Paraíso» retirou-o manchado de sangue. Embora tivesse procurado ocultar-lho, ele deu conta:
—Deixe ver...
—Não é nada. O esforço...
—Claro que não é nada; mas convém evitar toda a violência física. Mal chegarmos a «São Bernardino», vou examiná-la. Terá de se submeter a um regime de repouso...
—Oh, não, Robert! Quero gozar estas belezas todas!
—Gozá-las-á, mas a seu tempo. Creio que nos precipitámos.
—Se me impõe esse repouso, não poderei resistir. Morrerei de angústia.
—Quem fala em morrer? Você é nova e a vida ainda tem de lhe sorrir.
— Acredita nisso?
Embora sorrisse, o seu tom de voz transparecia tristeza.
Sim, Malt Nye, o rancheiro que tão má impressão causara à artista, era tudo o que Durking tinha dito e muito mais. Mal-educado, grosseiro e mal-intencionado, só se achava bem quando fazia mal ou ofendia alguém. Odiava Durking com toda a sua alma. E sem motivo, por inveja à sua popularidade e por estar convencido que o médico o desprezava.
Um dos seus últimos temas favoritos, era a presença de Jayne no rancho. Segundo ele, Durking tinha-a trazido para ali, na qualidade de amante e tão depressa troçava daquelas relações como procurava despertar a indignação da gente pacífica contra aquele «atentado» aos bons costumes.
Naquela tarde encontrava-se a falar do assunto com vários amigos da sua jaez num bar de Morgan Hill, a povoação mais próxima de «São Bernardino», quando lhe tocaram num ombro.
Voltou a cabeça, deparando-se com House, que o fitava severamente. Malt Nye, quis fazer-se engraçado e piscando o olho aos amigos, como se dissesse: «Vamo-nos rir!», exclamou:
—Olá, doutor, alegro-me em o ver!
—E eu de te ver, não.
— Queria fazer-lhe uma consulta. Sinto umas picadas aqui... e aqui... e aqui...
Apontou várias partes do corpo. House resmungou:
—Devem ser piolhos. Experimenta lavar-te bem.
—Oiça!
—Se não melhorar, vá ao veterinário. Eu não trato animais.
Houve uma explosão de gargalhadas. Nye conteve o desejo de esbofetear o velho galeno. Estavam muitos presentes e preferiu levar as coisas a rir.
—Agora percebo por que é que você não se trata a si mesmo! —disse, rindo sarcasticamente.
—A razão por que não trato de mim mesmo, é porque não quero morrer. Mas, vamos ao que interessa, à má língua. Há um bocado que estou a ouvir o que estás a dizer contra Robert Durking e não aguento mais. Antes de mencionares esse homem devias lavar a boca com água-de-colónia.
—Ah, sim?
—Para já, vale mais como homem, que todos os habitantes da região, juntos.
—E como médico?
—Como médico, muitos desses que têm fama na Califórnia, teriam de lhe tirar o chapéu.
—Estou espantado. Ia jurar que seria você o primeiro a desprestigiá-lo.
—Diz isso e parto-te uma costela! —as gargalhadas aumentaram. —Não penses que tenho medo dos teus punhos e do teu revólver. Por muita força que tenhas e pontaria, não te livrarias, se me provocasses, de apanhar uma boa lição de jiu-jitsu. Se não acreditas, atreve-te!
— Que disparate! — disse Malt, fingindo receio. — Você é um espertalhão! Além disso... dado o improvável caso de eu o vencer, vingar-se-ia, mal caísse nas suas mãos, com um simples catarro que fosse.
—Idiota! Mesmo que fosses o mais odioso dos meus inimigos, tratar-te-ia como a uma pessoa de bem.
—De qualquer maneira, espero não precisar de si.
Voltou-lhe as costas. Tinha conseguido que os seus amigos se rissem, mas teve de reconhecer que tinha sido principalmente à sua custa. House avisou-o:
—Quem te avisa, teu amigo é. Se sei que voltas a difamar o meu colega Durking, digo-lhe, para que te agradeça.
Nye, já nervoso, deu um murro na mesa:
—Julga que me importo? Eu mesmo lho direi, mal o vir!
— Não te atreves!
—Saia daqui!
—Saio quando muito bem me apetecer.
Malt fez menção de se levantar. Os que estavam com ele, agarraram-no. House adotou uma graciosa posição de jiu-jitsu. Depois, como o outro não reagisse, partiu encolhendo os ombros.
Não foi o velho médico quem informou Durking, mas sim um rancheiro que tinha ouvido o diálogo. Durking empalideceu. Uma coisa era não se importar com as idiotices de Nye e outra, andar a meter veneno no que dizia respeito às suas relações com Jayne.
—Tenho de ter uma conversa com esse sujeito —disse.
E essa conversa teve lugar poucos dias depois. Tinha ido à vila com Jayne, aproveitando o tempo esplêndido que fazia e a jovem, farta de estar na cama, disse que tinha de fazer compras. Toda a gente se descobria ao vê-los, dando-lhes passagem, com demonstrações de respeito e carinho.
Jayne observava isso tudo, comovida. Como veneravam aquele homem! E como era justa aquela adoração! Porque, segundo ela, merecia todo o bem deste mundo. Pena que para ela, fosse o maior dos impossíveis! De hora para hora, via-o mais distante.
Iria jurar também, que de hora para hora, os seus pensa-mentos fugiam para São Francisco, mais concretamente, para Doris. Sempre que falava nela, adivinhava-lhe no rosto, súbita animação.
A má estrela de Malt Nye, pô-lo naquela tarde, frente a Durking e a Jayne. Estes iam a passar ao largo, sem olharem para ele; mas Malt, separando-se dos amigalhaços com quem ia, cumprimentou tirando o chapéu enquanto fazia uma inclinação exagerada:
— Os meus respeitos, Dr. Durking. Ajoelho-me aos pés da sua doutora. Não é assim que se diz na alta sociedade?
Os amigos de Ney gargalharam. A palidez de Jayne aumentou. Robert, olhando de frente para o «gracioso», disse:
—Saia do meu caminho!
Malt que estava sob os efeitos de uma boa dose de whisky, exclamou:
—Bonita maneira de corresponder a uma galanteria! Talvez tivesse ofendido a princesa do «Paraíso»? Ou não? Ou talvez nos quisesse acompanhar ao saloon daqui?
O punho de Durking, partiu, rápido. Mal alcançou a mandíbula de Nye, já este caía inanimado. Os outros deixaram de rir e ficaram atónitos. Durking agarrou o braço de Jayne.
— Continuemos disse.
E quando se afastaram um pouco, comentou:
—Já vê que nem tudo são rosas.
—Bem, este homem, de facto...
—Não é só ele. Os seus companheiros fazem causa comum. Enfim, não tem importância. Só lamento ter-lhe proporcionado este espetáculo.
—E eu, ter-lhe dado motivo.
—Nem pense nisso! Há tempos que Malt Nye procura meter-se comigo. Isto foi um pretexto. Não se fala mais nisso! Olhe, vamos a este armazém onde encontraremos tudo.
Fizeram as suas compras e regressaram. Já em «São Bernardino» enquanto Jayne mostrava as suas aquisições à tia Carro', Durking escapou-se e tomou de novo o rumo da povoação. O murro que dera a Nye, tinha sido só o prelúdio. Tinha de ir ao fim e não queria adiá-lo.
Encontrou-o, com os amigos que o acompanhavam, à porta do saloon e foi direito a ele.
—Venho aqui para reatarmos a nossa «conversa». Esta tarde não julguei oportuno prolongá-la.
Malt Nye recuou um passo. Estava dominado pela fúria e não tinha feito outra coisa, desde que fora esmurrado, senão ameaçar o médico.
—Estou contente por ter vindo, poupa-me o incómodo de o procurar— disse. —Foi uma cobardia atacar-me sem aviso prévio.
— Quem ofende uma senhora e um cavalheiro, deve pôr-se em guarda, mal começa a ofensa; mas não vale a pena discutir isso. Agora já sabe o que quero. Defenda-se!
— Um momento, um momento! — solicitou a voz de House. —Não quero perder o espetáculo.
Saíram atrás dele, todos os frequentadores do saloon, na sua maioria, admiradores e amigos de Durking. Nye tinha confiança nos seus punhos. E embora nessa tarde tivesse verificado que os do seu antagonista mereciam respeito, tinha a certeza de que o conseguiria vencer.
—Vai ver…! — rugiu.
Atacou, furioso. Durking esquivou-o, e assestou-lhe um direto ao fígado, que o deixou sem alento. Imediatamente, concentrou o seu interesse em lhe partir os dentes.
Recebeu vários golpes, mas devolvia-os, na proporção de dez para um. Os espectadores aplaudiam. O velho House não conseguia estar quieto.
— Boa, rapaz, boa! Assim! Assim!
A cara de Nye era uma pasta de sangue. Durking já se dava por satisfeito, quando o ouviu exclamar:
—Empunha o revólver!
E Nye recuou, cambaleando, levando a mão direita ao «Colt».
— Vá-se embora, senão mato-o! —disse Durking.
—Empunha, cobarde!
Tirou do coldre e fez fogo. Mas quando disparou, já tinha o coração atravessado por uma bala do seu inimigo. As respirações ficaram suspensas. House inclinou-se sobre Nye.
— Lamento — murmurou. — Não chegaste à minhas mãos, a tempo de ser possível salvar-te.
Enquanto guardava calmamente o seu revólver, Durking passeou o olhar pelos que tinham sido amigos de Nye.
—A menina Jayne Bruce, merece o respeito de todos. Não o esqueçam.
E afastou-se rapidamente. Só dois dias mais tarde, é que Jayne soube do sucedido. Um vaqueiro estava a narrá-lo à tia Carrol, entre manifestações entusiásticas. Ela ia entrar no quarto e ficou como que petrificada. Teve de se apoiar à porta para não cair. Quando a boa senhora deu pela sua presença, correu em seu auxílio.
—Rapariga! Que te aconteceu?
—Uma tontura...
—Não te devias ter levantado. Porque não fazes o que Robert te recomendou? Vamos, vou-te levar para o teu quarto. Ele quer que descanses muito.
Jayne não opôs resistência. Carrol deixou-a deitada.
Vendo chegar Durking, disse-lhe:
—Jayne teve uma recaída.
—Outro vómito?
—Não, mas há cadáveres com melhor aspeto do que o que ela tinha há bocado.
—Pobre rapariga. Vou vê-la.
Jayne recebeu-o sem dissimular e quando ele se sentou à sua cabeceira, disse, agarrando-lhe nas mãos:
— Soube tudo, Robert. Não sei como lhe agradecer. Oh, é horrível!
—Acalme-se, acalme-se. que é que é horrível?
—A sua luta com Malt. Podia ter sido você a morrer.
—Mas como não fui...
—É a segunda vez que arrisca a vida por minha causa.
—Nada disso. Em São Francisco houve apenas uma ligeira escaramuça com Teddy Egan, no seu camarim. Quanto ao que se passou aqui... lamento que o tivesse sabido; teria de acontecer, agora ou depois já lhe tinha dito.
— Obrigada pelo seu desejo de me consolar, mas convenci-me de que lhe dou azar. Será melhor separarmo-nos.
—De maneira nenhuma!
—Peço-lhe que mo permita, Robert. Não me obrigue a fugir.
Durking, fitou-a.
—Oiça, Jayne; tomei-lhe verdadeiro afeto. Não me dê a deceção de me demonstrar que me enganei, ao julgá-la.
—Isso, nunca!
—Pois não insista nesse propósito. Você continuará aqui, até se restabelecer completamente.
—Mas... se eu nunca me restabelecerei!
— Tão pouca fé tem em mim como médico? — ele era o primeiro a estar convencido de que ela não tinha cura, mas exprimia-se como se acreditasse o contrário. — Se pensa que pode adiantar a sua cura, noutro lado qualquer e assistida por qualquer sumidade, diga-o e eu próprio a levarei lá.
—Oh, não, não!
—Dê-me, em tal caso a sua palavra de que não voltará a falar disso.
— Que bom que você é, Robert...!
—Promete-me?
—Prometo.
— Pois, agora, para ser obediente, não se levantará sem a minha licença.
Melhorou notavelmente e dava curtos passeios a pé, umas vezes acompanhada e outras, só. Todos no rancho tinham, para ela, carinhos e atenções. E começou a conceber a esperança de recuperar a saúde, embora isso não a alegrasse muito.
Com o decorrer dos tempos, tornava-se mais dura ainda a luta secreta com o seu amor. Tremia com medo que Durking o lesse nos seus olhos. E para o evitar, quando estavam juntos, falava-lhe com frequência em Doris. Robert já não repelia alusões de tal índole e chegava mesmo a fazê-las ele próprio, ainda que mantendo uma atitude de fingido desinteresse.
Jayne sofria ao sabê-lo profundamente apaixonado pela sua rival. Apesar disso, insistia, numa sensação mórbida, masoquista, e faria todos os sacrifícios para que ele fosse feliz, ainda que isso significasse a morte para ela.
Ia-se passando assim o tempo, quando certa tarde, recebeu uma carta que a encheu de inquietação. Era relativamente breve. Assinava-a, Doris Campbell. Dizia ter-se convencido de estava enganada e pedia-lhe humildemente perdão.
Para Jayne, aquelas linhas encerravam a mais desconsoladora das realidades: a sua história, tinha-se repetido. Doris já o era ou estava a ponto de ser outra vítima de Teddy. Procurou Durking, que ao vê-la tão excitada, se sobressaltou.
—Que aconteceu?
—Doris escreveu-me.
—Ah, sim?
Embora tivesse feito a pergunta num tom vago, o coração bateu-lhe com força. Jayne agarrou o rapaz com ambos os braços.
—Tem de a salvar se ainda for a tempo!
-E você a dar-lhe, com a salvação! Já lhe disse que... a última vez.
—Quando lho pedi no hotel, ela não o escutaria com certeza; hoje acolhê-lo-á, como um enviado do Céu.
—Em que se baseia?
—Leia!
Durking pegou na carta com a mão não muito firme.
—Arrependeu-se de ter sido injusta. É tudo.
—Mas não compreende que esse arrependimento lhe vem, de ter provado as minhas acusações? Teddy, se ainda o não fez, fará dela o que fez de mim. Vá procurá-la, Robert; traga-a para aqui! Será a sua melhor obra e além disso proporcionar-me-á a consolação infinita de a ter ao meu lado.
Ele continuou a resistir. Pensava: «Para quê imiscuíres-te num assunto tão desagradável? Quem te manda endireitar o mundo? Continua a esforçar-te por a esqueceres e consegui-lo-ás». Mas o coração respondia-lhe: «Corre. Pode ser que ainda vás a tempo. Protege-a. Ou lá porque te não ama, vais permitir que se afunde na lama? Seria egoísmo da tua parte».
Jayne multiplicou os seus rogos.
— Está bem — acabou por dizer Durking. — Por si, correrei o risco de que a sua amiga me atire com qualquer coisa à cabeça...
—Obrigada!
—Infinitamente superior a quanto pudesse imaginar—disse Jayne, passeando a olhar pela maravilhosa paisagem.
Aquela manhã formava um conjunto de luminosidades. O Inverno tinha chegado ao fim e o sol arrancava reflexos às folhas das árvores, às águas dos riachos, à verdura dos prados, entre os quais se destacava o bronzeado dos penedos. Como ondas sucessivas, perdiam-se ao longe cedros, ciprestes e pinheiros mansos...
Os pontos destacados da montanha, alguns coroados de ténues nuvens, brilhavam numa tonalidade purpúrea; ao fundo, estendia-se o vale, sulcado por serpenteastes ribeiros.
—Ainda bem que gosta.
—Gostar, diz você? Entusiasma-me! Isto é um pedaço do paraíso!
Na verdade, para Jayne, «São Bernardino» significava um remanso de paz e ternura que a compensava em parte das agruras sofridas. Entretanto, as visitas a «São Bernardino», dos que precisavam de assistência médica, eram frequentes e nunca baldadas...
— Entrem, façam o favor — convidou a agradecida Fanny.
Entraram na cabana muito limpa e asseada. Enquanto a dona da casa, procurava com que satisfazê-los, Jayne murmurou:
—Encanta-me esta calma.
—Também a mim —declarou Durking. — Gosto de visitar lares humildes como este, onde em contraste com outros luxuosíssimos, reinam a paz e o carinho. Fanny e John, seu marido, vivem felizes sem invejar, nem serem invejados. Os dois, revêem-se no seu único filho, que esteve às portas da morte lutando com uma pneumonia de que duvidávamos que escapasse. O desespero destes pais, que viam assim desaparecer a sua felicidade, fez com que aguçasse os meus fracos dotes e... Bom; o rapaz salvou-se.
—Os cincos sentidos e todo o seu coração— ex. clamou Fanny, que reaparecia com uma bandeja. — As noites que passou à cabeceira dele, menina!
—Não sabia que você tinha o ouvido tão apurado -- gracejou Durking.
—Só para ouvir o que me diz respeito, mais nada. Às vezes, quando o meu John diz qualquer coisa que não me agrada sou mais surda que todas as surdas. Bem, aqui está a água. Trago também, como veem, cerveja e whisky.
—Vai montar um bar?
—Quase, quase. O meu marido, como a maioria dos homens, gosta de beber um copo, quando regressa a casa. Prefiro que o tome aqui, do que lá por fora. Não só é mais económico, como evita aborrecimentos.
— Boa política!
—É preciso pensar nas coisas, doutor! A mulher que queira conservar o seu esposo, deve tornar-lhe tão agradável a vida em casa, que ele não sinta desejos de se afastar dela — sorriu, olhando para Jayne. —Vá apontando, para quando chegar a hora... porque me parece que não está longe, eh?
A artista ruborizou-se. Durking pôs-se muito sério, mostrando-se surpreendido; mas voltou a sorrir, em seguida, declarando:
—A menina Jayne Bruce, é uma boa amiga, que teve a bondade de vir até aqui, para cuidar da minha saúde.
—Mas... está doente?
E a mais viva inquietação transpareceu no semblante da mulher.
—Estive. Mas já passou.
—E eu sem saber! Posso ser-lhe útil? Bom... é uma pergunta idiota. Tendo ao seu lado, uma criatura assim...
Jayne disse:
—Não se preocupe. O Dr. Durking está já perfeitamente bem. A minha saúde é que está muito abalada. Não vim para tratar dele, mas para que tratem de mim, embora ele generosamente diga o contrário.
— Pois vai ficar como uma rocha! Com este ar e um médico assim.…! Vai ver, vai ver!
Satisfeita a sede e após mais uns minutos de conversa, voltaram às suas montadas. Durante um bom bocado, permaneceram silenciosos. A alusão velada feita por Fanny, mantinha-os um tanto nervosos. Sem dúvida, tinha-os tomado pelo que não eram. Ela, por fim, disse, seguindo a meada dos seus pensamentos:
—Ainda estou emocionada com as frases dessa boa mulher.
— Exagera um pouco — respondeu Durking, satisfeito por se ter quebrado aquele silêncio.
—E os outros também exageram? Porque todos os dias, vejo o muito que o admiram. Você é o ídolo desta região.
—Vá lá, um ídolozinho —gracejou ele. —Mas também lhe digo, que não faltam os que não gostam de mim.
— Será possível?
— Assim o creio! É natural! Mal daquele que não tenha inimigos! Dou-lhe a minha palavra que me aborreceria espantosamente se todos falassem bem de mim.
—Você tem cada coisa!
—Digo-lhe o que sinto. Daí, não me desgostar saber que há várias pessoas que se pudessem, me tirariam a pele.
—Já que menciona esse assunto... entre essas pessoas figura Malt Nye?
—Boa psicóloga! Como adivinhou?
—Bastou-me ver no outro dia, quando parou a falar consigo, à entrada de «São Bernardino». Tem um modo de dizer as coisas e de olhar... Eu estava aborrecida com as impertinências que ele dizia, com o receio que você apelasse para os métodos que costuma usar...
Durking, exclamou, rindo:
— Admiro os seus dotes de observadora. Com efeito Malt Nye tem pretensões a gracioso e é várias vezes ofensivo. Eu não o levo a sério. Procuro dentro do possível não ter aborrecimentos com os meus vizinhos. Daí, o contemporizar um pouco.
Numa curva, surgiu-lhes subitamente um cavaleiro, já velho, de farta bigodaça, com um fato cheio de nódoas e montado num cavalo a condizer...
—Olha! O meu ilustríssimo colega! — disse, à guisa de saudação, o pitoresco sujeito.
—Como está, meu caro House?
—Estava melhor antes de o ver--Durking soltou uma gargalhada. —Não, não se ria. Desde que você chegou, que a minha bolsa se ressentiu —falou a Jayne, sem necessidade de apresentação, como se a conhecesse muito bem —Saiba, jovem, que o seu companheiro é o maior dos meus inimigos. Faz-me uma concorrência desleal e invencível. Como se fosse pouco não cobrar aos doentes, ainda lhes dá dinheiro. Assim não é possível! Tenho de protestar!
Durking explicou a Jayne:
—É o Dr. Jonathan House. Um invejoso, sabe...? Empenha-se em ser o único a matar os doentes.
—O único que os salva, é o que você deve querer dizer! Se não fosse eu a corrigir as suas asneiras, pobres dos nossos trabalhadores! Porque não ficou em São Francisco da Califórnia? Não fazia nenhuma falta aqui!
—E com quem discutia, então?
— Ora vá para o Diabo!
—Enquanto não vou, que me diz a um golo?
E estendeu-lhe urna garrafa de whisky. House disse:
—Está a ver, jovem? Vê como ele é?
—Bom, não se zangue. Bebo eu.
—Dê cá! — e tirando-lhe a garrafa da mão, fez--lhe as devidas honras. Ao devolver-lhe, disse: — Não pense que me modifica com isto!
—Foi só por um minuto.
—Mas já se passou. Continuarei a dizer de si, o que me apetecer. Até à vista. Vou visitar um dos poucos doentes que você me deixou. Adeus, menina. Não se fie nele. Ê mau tipo. Odeio-o—disse, esporeando a sua montada, sem que ela se movesse. —Odeio-o tanto, como a este maldito cavalo.
Por fim, conseguiu pô-lo a trotar. Durking continuava a rir.
—É outro dos seus inimigos? — inquiriu Jayne.
—Ele diz que sim, mas é mentira. Ê meu amigo e eu, dele.
—É um tipo verdadeiramente pitoresco.
—Se visse o cómico que é quando me consulta acerca de qualquer paciente...
Contando episódios passados com House, foi-se passando o tempo. Jayne riu-se como há anos o não fazia. Tão grande foi o ataque de riso, que teve de levar um lenço aos lábios. E como na noite da sua estreia no «Paraíso» retirou-o manchado de sangue. Embora tivesse procurado ocultar-lho, ele deu conta:
—Deixe ver...
—Não é nada. O esforço...
—Claro que não é nada; mas convém evitar toda a violência física. Mal chegarmos a «São Bernardino», vou examiná-la. Terá de se submeter a um regime de repouso...
—Oh, não, Robert! Quero gozar estas belezas todas!
—Gozá-las-á, mas a seu tempo. Creio que nos precipitámos.
—Se me impõe esse repouso, não poderei resistir. Morrerei de angústia.
—Quem fala em morrer? Você é nova e a vida ainda tem de lhe sorrir.
— Acredita nisso?
Embora sorrisse, o seu tom de voz transparecia tristeza.
Sim, Malt Nye, o rancheiro que tão má impressão causara à artista, era tudo o que Durking tinha dito e muito mais. Mal-educado, grosseiro e mal-intencionado, só se achava bem quando fazia mal ou ofendia alguém. Odiava Durking com toda a sua alma. E sem motivo, por inveja à sua popularidade e por estar convencido que o médico o desprezava.
Um dos seus últimos temas favoritos, era a presença de Jayne no rancho. Segundo ele, Durking tinha-a trazido para ali, na qualidade de amante e tão depressa troçava daquelas relações como procurava despertar a indignação da gente pacífica contra aquele «atentado» aos bons costumes.
Naquela tarde encontrava-se a falar do assunto com vários amigos da sua jaez num bar de Morgan Hill, a povoação mais próxima de «São Bernardino», quando lhe tocaram num ombro.
Voltou a cabeça, deparando-se com House, que o fitava severamente. Malt Nye, quis fazer-se engraçado e piscando o olho aos amigos, como se dissesse: «Vamo-nos rir!», exclamou:
—Olá, doutor, alegro-me em o ver!
—E eu de te ver, não.
— Queria fazer-lhe uma consulta. Sinto umas picadas aqui... e aqui... e aqui...
Apontou várias partes do corpo. House resmungou:
—Devem ser piolhos. Experimenta lavar-te bem.
—Oiça!
—Se não melhorar, vá ao veterinário. Eu não trato animais.
Houve uma explosão de gargalhadas. Nye conteve o desejo de esbofetear o velho galeno. Estavam muitos presentes e preferiu levar as coisas a rir.
—Agora percebo por que é que você não se trata a si mesmo! —disse, rindo sarcasticamente.
—A razão por que não trato de mim mesmo, é porque não quero morrer. Mas, vamos ao que interessa, à má língua. Há um bocado que estou a ouvir o que estás a dizer contra Robert Durking e não aguento mais. Antes de mencionares esse homem devias lavar a boca com água-de-colónia.
—Ah, sim?
—Para já, vale mais como homem, que todos os habitantes da região, juntos.
—E como médico?
—Como médico, muitos desses que têm fama na Califórnia, teriam de lhe tirar o chapéu.
—Estou espantado. Ia jurar que seria você o primeiro a desprestigiá-lo.
—Diz isso e parto-te uma costela! —as gargalhadas aumentaram. —Não penses que tenho medo dos teus punhos e do teu revólver. Por muita força que tenhas e pontaria, não te livrarias, se me provocasses, de apanhar uma boa lição de jiu-jitsu. Se não acreditas, atreve-te!
— Que disparate! — disse Malt, fingindo receio. — Você é um espertalhão! Além disso... dado o improvável caso de eu o vencer, vingar-se-ia, mal caísse nas suas mãos, com um simples catarro que fosse.
—Idiota! Mesmo que fosses o mais odioso dos meus inimigos, tratar-te-ia como a uma pessoa de bem.
—De qualquer maneira, espero não precisar de si.
Voltou-lhe as costas. Tinha conseguido que os seus amigos se rissem, mas teve de reconhecer que tinha sido principalmente à sua custa. House avisou-o:
—Quem te avisa, teu amigo é. Se sei que voltas a difamar o meu colega Durking, digo-lhe, para que te agradeça.
Nye, já nervoso, deu um murro na mesa:
—Julga que me importo? Eu mesmo lho direi, mal o vir!
— Não te atreves!
—Saia daqui!
—Saio quando muito bem me apetecer.
Malt fez menção de se levantar. Os que estavam com ele, agarraram-no. House adotou uma graciosa posição de jiu-jitsu. Depois, como o outro não reagisse, partiu encolhendo os ombros.
Não foi o velho médico quem informou Durking, mas sim um rancheiro que tinha ouvido o diálogo. Durking empalideceu. Uma coisa era não se importar com as idiotices de Nye e outra, andar a meter veneno no que dizia respeito às suas relações com Jayne.
—Tenho de ter uma conversa com esse sujeito —disse.
E essa conversa teve lugar poucos dias depois. Tinha ido à vila com Jayne, aproveitando o tempo esplêndido que fazia e a jovem, farta de estar na cama, disse que tinha de fazer compras. Toda a gente se descobria ao vê-los, dando-lhes passagem, com demonstrações de respeito e carinho.
Jayne observava isso tudo, comovida. Como veneravam aquele homem! E como era justa aquela adoração! Porque, segundo ela, merecia todo o bem deste mundo. Pena que para ela, fosse o maior dos impossíveis! De hora para hora, via-o mais distante.
Iria jurar também, que de hora para hora, os seus pensa-mentos fugiam para São Francisco, mais concretamente, para Doris. Sempre que falava nela, adivinhava-lhe no rosto, súbita animação.
A má estrela de Malt Nye, pô-lo naquela tarde, frente a Durking e a Jayne. Estes iam a passar ao largo, sem olharem para ele; mas Malt, separando-se dos amigalhaços com quem ia, cumprimentou tirando o chapéu enquanto fazia uma inclinação exagerada:
— Os meus respeitos, Dr. Durking. Ajoelho-me aos pés da sua doutora. Não é assim que se diz na alta sociedade?
Os amigos de Ney gargalharam. A palidez de Jayne aumentou. Robert, olhando de frente para o «gracioso», disse:
—Saia do meu caminho!
Malt que estava sob os efeitos de uma boa dose de whisky, exclamou:
—Bonita maneira de corresponder a uma galanteria! Talvez tivesse ofendido a princesa do «Paraíso»? Ou não? Ou talvez nos quisesse acompanhar ao saloon daqui?
O punho de Durking, partiu, rápido. Mal alcançou a mandíbula de Nye, já este caía inanimado. Os outros deixaram de rir e ficaram atónitos. Durking agarrou o braço de Jayne.
— Continuemos disse.
E quando se afastaram um pouco, comentou:
—Já vê que nem tudo são rosas.
—Bem, este homem, de facto...
—Não é só ele. Os seus companheiros fazem causa comum. Enfim, não tem importância. Só lamento ter-lhe proporcionado este espetáculo.
—E eu, ter-lhe dado motivo.
—Nem pense nisso! Há tempos que Malt Nye procura meter-se comigo. Isto foi um pretexto. Não se fala mais nisso! Olhe, vamos a este armazém onde encontraremos tudo.
Fizeram as suas compras e regressaram. Já em «São Bernardino» enquanto Jayne mostrava as suas aquisições à tia Carro', Durking escapou-se e tomou de novo o rumo da povoação. O murro que dera a Nye, tinha sido só o prelúdio. Tinha de ir ao fim e não queria adiá-lo.
Encontrou-o, com os amigos que o acompanhavam, à porta do saloon e foi direito a ele.
—Venho aqui para reatarmos a nossa «conversa». Esta tarde não julguei oportuno prolongá-la.
Malt Nye recuou um passo. Estava dominado pela fúria e não tinha feito outra coisa, desde que fora esmurrado, senão ameaçar o médico.
—Estou contente por ter vindo, poupa-me o incómodo de o procurar— disse. —Foi uma cobardia atacar-me sem aviso prévio.
— Quem ofende uma senhora e um cavalheiro, deve pôr-se em guarda, mal começa a ofensa; mas não vale a pena discutir isso. Agora já sabe o que quero. Defenda-se!
— Um momento, um momento! — solicitou a voz de House. —Não quero perder o espetáculo.
Saíram atrás dele, todos os frequentadores do saloon, na sua maioria, admiradores e amigos de Durking. Nye tinha confiança nos seus punhos. E embora nessa tarde tivesse verificado que os do seu antagonista mereciam respeito, tinha a certeza de que o conseguiria vencer.
—Vai ver…! — rugiu.
Atacou, furioso. Durking esquivou-o, e assestou-lhe um direto ao fígado, que o deixou sem alento. Imediatamente, concentrou o seu interesse em lhe partir os dentes.
Recebeu vários golpes, mas devolvia-os, na proporção de dez para um. Os espectadores aplaudiam. O velho House não conseguia estar quieto.
— Boa, rapaz, boa! Assim! Assim!
A cara de Nye era uma pasta de sangue. Durking já se dava por satisfeito, quando o ouviu exclamar:
—Empunha o revólver!
E Nye recuou, cambaleando, levando a mão direita ao «Colt».
— Vá-se embora, senão mato-o! —disse Durking.
—Empunha, cobarde!
Tirou do coldre e fez fogo. Mas quando disparou, já tinha o coração atravessado por uma bala do seu inimigo. As respirações ficaram suspensas. House inclinou-se sobre Nye.
— Lamento — murmurou. — Não chegaste à minhas mãos, a tempo de ser possível salvar-te.
Enquanto guardava calmamente o seu revólver, Durking passeou o olhar pelos que tinham sido amigos de Nye.
—A menina Jayne Bruce, merece o respeito de todos. Não o esqueçam.
E afastou-se rapidamente. Só dois dias mais tarde, é que Jayne soube do sucedido. Um vaqueiro estava a narrá-lo à tia Carrol, entre manifestações entusiásticas. Ela ia entrar no quarto e ficou como que petrificada. Teve de se apoiar à porta para não cair. Quando a boa senhora deu pela sua presença, correu em seu auxílio.
—Rapariga! Que te aconteceu?
—Uma tontura...
—Não te devias ter levantado. Porque não fazes o que Robert te recomendou? Vamos, vou-te levar para o teu quarto. Ele quer que descanses muito.
Jayne não opôs resistência. Carrol deixou-a deitada.
Vendo chegar Durking, disse-lhe:
—Jayne teve uma recaída.
—Outro vómito?
—Não, mas há cadáveres com melhor aspeto do que o que ela tinha há bocado.
—Pobre rapariga. Vou vê-la.
Jayne recebeu-o sem dissimular e quando ele se sentou à sua cabeceira, disse, agarrando-lhe nas mãos:
— Soube tudo, Robert. Não sei como lhe agradecer. Oh, é horrível!
—Acalme-se, acalme-se. que é que é horrível?
—A sua luta com Malt. Podia ter sido você a morrer.
—Mas como não fui...
—É a segunda vez que arrisca a vida por minha causa.
—Nada disso. Em São Francisco houve apenas uma ligeira escaramuça com Teddy Egan, no seu camarim. Quanto ao que se passou aqui... lamento que o tivesse sabido; teria de acontecer, agora ou depois já lhe tinha dito.
— Obrigada pelo seu desejo de me consolar, mas convenci-me de que lhe dou azar. Será melhor separarmo-nos.
—De maneira nenhuma!
—Peço-lhe que mo permita, Robert. Não me obrigue a fugir.
Durking, fitou-a.
—Oiça, Jayne; tomei-lhe verdadeiro afeto. Não me dê a deceção de me demonstrar que me enganei, ao julgá-la.
—Isso, nunca!
—Pois não insista nesse propósito. Você continuará aqui, até se restabelecer completamente.
—Mas... se eu nunca me restabelecerei!
— Tão pouca fé tem em mim como médico? — ele era o primeiro a estar convencido de que ela não tinha cura, mas exprimia-se como se acreditasse o contrário. — Se pensa que pode adiantar a sua cura, noutro lado qualquer e assistida por qualquer sumidade, diga-o e eu próprio a levarei lá.
—Oh, não, não!
—Dê-me, em tal caso a sua palavra de que não voltará a falar disso.
— Que bom que você é, Robert...!
—Promete-me?
—Prometo.
— Pois, agora, para ser obediente, não se levantará sem a minha licença.
Melhorou notavelmente e dava curtos passeios a pé, umas vezes acompanhada e outras, só. Todos no rancho tinham, para ela, carinhos e atenções. E começou a conceber a esperança de recuperar a saúde, embora isso não a alegrasse muito.
Com o decorrer dos tempos, tornava-se mais dura ainda a luta secreta com o seu amor. Tremia com medo que Durking o lesse nos seus olhos. E para o evitar, quando estavam juntos, falava-lhe com frequência em Doris. Robert já não repelia alusões de tal índole e chegava mesmo a fazê-las ele próprio, ainda que mantendo uma atitude de fingido desinteresse.
Jayne sofria ao sabê-lo profundamente apaixonado pela sua rival. Apesar disso, insistia, numa sensação mórbida, masoquista, e faria todos os sacrifícios para que ele fosse feliz, ainda que isso significasse a morte para ela.
Ia-se passando assim o tempo, quando certa tarde, recebeu uma carta que a encheu de inquietação. Era relativamente breve. Assinava-a, Doris Campbell. Dizia ter-se convencido de estava enganada e pedia-lhe humildemente perdão.
Para Jayne, aquelas linhas encerravam a mais desconsoladora das realidades: a sua história, tinha-se repetido. Doris já o era ou estava a ponto de ser outra vítima de Teddy. Procurou Durking, que ao vê-la tão excitada, se sobressaltou.
—Que aconteceu?
—Doris escreveu-me.
—Ah, sim?
Embora tivesse feito a pergunta num tom vago, o coração bateu-lhe com força. Jayne agarrou o rapaz com ambos os braços.
—Tem de a salvar se ainda for a tempo!
-E você a dar-lhe, com a salvação! Já lhe disse que... a última vez.
—Quando lho pedi no hotel, ela não o escutaria com certeza; hoje acolhê-lo-á, como um enviado do Céu.
—Em que se baseia?
—Leia!
Durking pegou na carta com a mão não muito firme.
—Arrependeu-se de ter sido injusta. É tudo.
—Mas não compreende que esse arrependimento lhe vem, de ter provado as minhas acusações? Teddy, se ainda o não fez, fará dela o que fez de mim. Vá procurá-la, Robert; traga-a para aqui! Será a sua melhor obra e além disso proporcionar-me-á a consolação infinita de a ter ao meu lado.
Ele continuou a resistir. Pensava: «Para quê imiscuíres-te num assunto tão desagradável? Quem te manda endireitar o mundo? Continua a esforçar-te por a esqueceres e consegui-lo-ás». Mas o coração respondia-lhe: «Corre. Pode ser que ainda vás a tempo. Protege-a. Ou lá porque te não ama, vais permitir que se afunde na lama? Seria egoísmo da tua parte».
Jayne multiplicou os seus rogos.
— Está bem — acabou por dizer Durking. — Por si, correrei o risco de que a sua amiga me atire com qualquer coisa à cabeça...
—Obrigada!
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