quinta-feira, 25 de abril de 2019

COL005.01 De como a artista decadente reencontra o sucesso

Nicholas Joy, representante da «Empresa Concessionária do «Paraíso», o saloon mais importante de São Francisco da Califórnia, fez um gesto de mau humor ante a insistência da mulher:
— Não tenho pretensões de espécie alguma. Conformar-me-ei com o que me derem. Posso fazer um número para preencher o vosso programa.
—Já tenho de sobra.
— Mas é possível que o meu agrade. Nada perde em experimentar —o representante tamborilou com os dedos na mesa, mas a artista, simulando não ver aquele gesto de impaciência, continuou: — O trabalho é bom e eu sou uma autêntica profissional. Há alguns anos obtive grandes êxitos neste mesmo saloon.
—Mas isso foi há alguns anos. O tempo não passa em vão—a porta abriu-se dando passagem a Doris Campbell, a «estrela» da casa.
Nicholas Joy, dirigindo-lhe o melhor dos seus sorrisos, disse melífluo:
—Entre, menina, entre.


E levantou-se, indo ao seu encontro. Doris era a beleza personificada. Os seus olhos, de um azul-escuro, luminoso, irradiavam a alegria de viver; os seus lábios, uma tentação ao beijo, deixavam entrever nos frequentes sorrisos a perfeição duns dentes incrivelmente perfeitos; o cabelo, loiro, sedoso e brilhante parecia um halo de sol a realçar--lhe o rosto. Quanto à sua figura... era absolutamente de entusiasmar. Como se fosse pouco, transcendia juventude; dezanove primaveras risonhas e maravilhosas.
Em doloroso contraste com aquele conjunto de formosura, Jayne Bruce, a mulher que pedia trabalho, estava enfraquecida pelo sofrimento e privações. Parecia velha sem ainda o ser. Os seus olhos negros careciam de brilho. Os cosméticos baratos não evitavam as rugas da sua face macilenta.
Jayne olhou angustiosamente para a recém-chegada, estabelecendo involuntárias comparações e os seus olhos ficaram marejados de lágrimas.
— Venho apresentar um protesto, sr. Joy.
—Que aconteceu, menina?
—Não foram cumpridas as instruções que dei sobre o arranjo do meu camarim.
— Deveras? Este pessoal!... Não se zangue. Ocupar-me-ei pessoalmente para que tudo fique a seu gosto — voltou-se para Jayne, numa violenta transição, aborrecido por ela ainda se não ter ido embora. —Não tenho mais nada que lhe dizer. Veremos se lhe posso ser agradável noutra ocasião.
A infeliz, afastou-se com um sorriso amargo.
— Quem é? — quis Doris saber.
— Uma como muitas.
— Artista?
— Diz que sim.
—Procura trabalho?
—Imagine! Com aquela pinta, pretende actuar no «Paraíso»! Não vê que isto é um saloon e não um asilo de velhos.
— Coitada! I
— Há uma hora que lhe estou a dizer que não e ela a insistir.
—Talvez guarde em si qualquer surpresa...
— O que guarda em si, não sei; agora o que mostra são trinta e cinco ou quarenta anos e ossos a granel...
—Você não tem coração, sr. Joy.
— Procuro escondê-lo, menina. Casos como este dão-se amiúde. Se me comovesse com facilidade...
Interrompeu o que estava a dizer. Sentiu lá fora um baque igual ao dum corpo a cair. Doris perguntou impressionada:
—Ouviu?
Ela saiu precipitadamente. Nicholas voltou a ocupar a sua cadeira atrás da secretária. No amplo corredor, perto da escada que nele desembocava, estava o corpo de Jayne Bruce. Um empregado da casa acorreu pressuroso. Doris adiantou-se-lhe inquirindo:
—Que aconteceu?
—Não sei, menina...
Inclinara-se sobre a mulher sem sentidos. Doris procurou reanimá-la, sem o conseguir. E exclamou:
—Corra a pedir auxílio. E traga sais. Encontrá-los-á no meu camarim...,
— Vou imediatamente...
E partiu. A jovem insistiu nas tentativas para procurar reanimar Jayne e chamou pelo representante da empresa, que por fim apareceu, sem conseguir disfarçar o seu aborrecimento.
—Esta mulher perdeu os sentidos, sr. Joy.
— Que maçada!
—E só isso que lhe ocorre dizer?
— Que mais…?
— É incrível!
Nicholas ia replicar quando, de repente, exclamou:
—Caramba, o sr. Durking! Tivemos sorte.
Doris olhou para o ponto que Nicholas fitava e viu um homem jovem, de feições agradáveis ainda que alteradas por um gesto de mau humor, elegantemente trajado e que os cumprimentou antes de reparar em Jayne. Ao vê-la, aproximou-se rapidamente e susteve-a nos braços como se fosse uma criança.
—Há para aí alguma cama ou sofá...?
Doris apressou-se a responder:
— Venha por aqui.
Desceu pelas escadas, guiando-o. Nicholas seguiu--os, achando ser o dever do seu cargo. Chegados ao camarim, Durking fez repousar, num cadeirão, a infeliz mulher.
— Tire-lhe a roupa — ordenou.
— Eh? — houve surpresa na resposta.
—Sou médico, menina— explicou ele, não muito bem-humorado.
Cerimonioso, como sempre que se encontrava com alguém que lhe parecesse superior, Nicholas disse:
—E verdade, menina. Apresento-lhe o Dr. Durking, grande amigo da «casa». Doutor, tem na sua presença a menina Doris Campbell, a «estrela» do nosso «Paraíso» — os apresentados trocaram breves inclinações de cabeça e Nicholas, continuou: — Bendito o acaso que o trouxe aqui neste momento!
—Chama «casualidade» a este criado que ia à procura de sais? —apontou para o criado com o queixo. — Eu vinha a entrar e ele chamou-me.
Nicholas celebrou com demasiado alvoroço, para que houvesse sinceridade no mesmo, a frase do médico. Este, sem fazer caso disso, perguntou o motivo do acidente. Doris contou-lhe tudo em poucas palavras, sem omitir a conversa do representante da empresa com Jayne. Durking murmurou qualquer coisa entre dentes.
—Fome.
—Fome?
Nicholas exclamou estupidamente:
—Será possível?
O tom da voz de Durking, endureceu:
— Qual é a admiração? Não sabem o que é fome? Você, sobretudo, Joy, estranha que esta infeliz esteja assim depois de você lhe ter recusado trabalho, que ela tanto ansiava?
—Caramba, eu... Não soube que mais dizer.
Durking tinha pedido ao criado o que considerava mais urgente para o tratamento e mal o obteve, consagrou-se à tarefa de reanimar Jayne. Doris observava-o, comovida. Via naquela infeliz o fim de muitos artistas que não souberam aproveitar os favores da sorte, sem nunca lograr o almejado triunfo.
Jayne voltou a si. As suas primeiras palavras foram ininteligíveis. Durking recomendou-lhe:
—Não se esforce. Beba isto.
E levou-lhe aos lábios um copo de leite com umas gotas de conhaque, que tinha mandado trazer. Jayne engoliu com dificuldade o conteúdo do copo, animada por Durking, cuja voz, até então dura adquirira surpreendente ternura.
— Sinto muito os incómodos que lhe estou a causar — sussurrou por fim a doente. — Não percebo por que...
— Que é que lhe parece que ela tem? — quis saber a jovem artista. — Onde é que você mora? — perguntou Doris. —Levá-la-emos lá num carro.
— Onde vivo? —encolheu os ombros e continuou: — Não é preciso incomodarem-se. Eu...
— Acompanhá-la-ei com muito prazer. Diga-me onde...
— É que…
Outra vez brusco, Durking interrompeu:
—Parece-me que a coisa é bem clara. Não tem para onde ir, não é verdade?
Jayne concordou com um sorriso amargo. Doris, reagindo subitamente, disse:
— Claro que tem para onde ir! Para o «Hotel América». Onde eu estou hospedada!
Durking fitou-a como se a visse pela primeira vez. O seu rosto tomou uma expressão mais suave e os seus olhos cinzentos exprimiram repentina simpatia,
— Ótimo, menina! —aprovou.
Nicholas julgou-se obrigado a humanizar-se.
—Se se não sente com forças, podemos facultar--lhe provisoriamente um quarto no «Paraíso»...
Jayne quis recusar as duas ofertas, mas Doris manteve a sua. Ordenou ao criado que fosse buscar um carro e, entretanto, teve para Jayne algumas palavras carinhosas. Sentou-se junto dela e falou-lhe com carinho quase fraternal. Mal anunciaram que o carro estava á espera, uma charrete puxada por um cavalo, enlaçou-a pela cintura. Durking ajudou-a também a subir para o veículo.
— Para o «Hotel América» — indicou Doris, sentando-se junto da enferma.
Antes da carruagem partir, Durking disse:
—Irei visitá-la, mais tarde, menina... Como é que se chama?
—Jayne Bruce, doutor.
—Deite-se mal chegar e não se levante até que eu lá vá.
Vendo-as partir, Nicholas lamentou hipocritamente
— Quantos dramas há por este mundo!
Durking replicou:
—Haveria muito menos se não abundassem pessoas com pelos no coração.
—Exatamente, claro--respondeu Nicholas, como se não desse pela alusão que o doutor lhe fazia.
Enojado, Durking acabou com a conversa.
— Vou procurar o sr. Kerr.
E entrou no estabelecimento onde estava pouca gente, dado ser ainda muito cedo. Subiu outra vez pela escada, dirigindo-se ao escritório de Sidney Kerr, dono e gerente do «Paraíso». Este estava pensativo e levantou a cabeça alvoraçado ao ver a porta abrir-se sem terem batido previamente.
— Robert! Oh, «Doutorzeco»!
— Que há, «ave de rapina»?
Apertaram as mãos com uma efusão que demonstrava a sua amizade.
Há mais de seis meses que Robert Durking não visitava São Francisco da Califórnia. O seu rancho «São Bernardino», encravado nas proximidades do Vale do Diabo, absorvia-o quase totalmente. Porque acima de tudo o jovem era um agricultor. Gostava da Medicina e não foi sacrifício para ele tirar o curso, já que a sua propensão para o estudo fez com que considerasse uma distração, o tempo passado na Universidade. Mas o seu grande amor, era tudo quanto se relacionasse com a vida e coisas do campo.
Tinha a sua «clientela» entre a gente humilde da região, que via nele um semideus pois nunca cobrava honorários e mais ainda, contribuía da sua algibeira para os remédios que os pacientes necessitavam.
— Senta-te, «coveiro», senta-te — convidou Sidney Kerr, apontando-lhe uma cadeira. —Que te traz por cá?
— Negócios.
— Só negócios?
—E vontade de me divertir.
—Isso é outra coisa. Conheço-te bem, meu «melro» ...
Robert não merecia aquele epíteto, como também não era justo o de «ave de rapina» que ele chamara a Sidney; mas gostavam de se insultarem entre si, duma maneira que ninguém, senão eles, consentiria.
Era preciso reconhecer, apesar disso, que as visitas de Durking à cidade, eram sempre faladas. O seu carácter brusco, o seu génio vivo, a força dos seus punhos e a conceção muito especial que tinha da justiça, levavam-no a meter-se em assuntos que não lhe diziam respeito e que desencadeavam normalmente enormes tempestades. Não costumava fazer uso do revólver,' embora os que o conheciam bem tivessem razões para afirmar que o manejava com tanta mestria como o bisturi.
—Deves imaginar que de vez em quando tenha desejos de dar uma saltada.
—Naturalmente! Lamento apenas que o não faças mais vezes. Bom, estou à tua disposição. Que queres fazer?
—Para começar jantaremos juntos. Depois, veremos o show do «paraíso».
— Homem, não há direito que me obrigues a isso!
—E assim tão mau?
—Não é que seja mau; mas até os manjares raros fartam.
—Dar-te-ei licença para me abandonares quando chegar a hora. E que conheci a «estrela» da companhia, percebes?
Sidney tornou a rir-se:
—Entendido. Cegou-te, como a tantos outros!
—Nada disso. Sabes que tenho a pele dura. Mas pareceu-me uma criatura extraordinária.
— Sempre que uma mulher nos interessa, consideramo-la extraordinária. E se o amor surge, única! No caso presente, admito que tenhas razão: ela é excecional. E precisamente por isso, aconselho-te a que desistas de a conquistar.
—Nunca tive pretensões de irresistível.
—Mas apesar disso, vais-te «safando». Sei de muitos êxitos teus. Apesar disso, neste caso fracassarias. Doris é a honestidade em pessoa. Há em S. Francisco alguns milionários que andam loucos por ela, sem que se possam gabar da mínima coisa. Digo-te mais, também me agrada a mim e tentei aproveitar-me. Não podes imaginar o meu fracasso. Se não fosse o seu contrato, tê-la-ia mandado para o Diabo. Felizmente, passou-me e agora somos amigos. Digo, felizmente porque teria sido uma estupidez rescindir o contrato com a melhor artista que passou por este saloon.
— Muito curioso.
—Segundo as minhas informações, o facto de estar noiva, influi muito na sua honestidade.
—Ah! E quem é o noivo?
—Não sei. Deve estar longe, porque nunca o vi.
—Agradeço-te as informações. Esse último detalhe basta para que não pense em armar-me em conquistador, embora se diga que nunca me tinha ocorrido tal ideia. Reconheço que é uma beleza, mas mais do que isso chamou-me a atenção, a sua nobreza de sentimentos.
Contou-lhe o que tinha acontecido, elogiando a atitude de Doris... e aproveitando a oportunidade para zurzir Nicholas Joy. Sorridente, Sidney desculpou o seu sócio:
—Cada posto requer o seu homem e a dificuldade estava em encontrá-lo. O de Joy não é invejável. Se se condescende um pouco, está-se logo perdido. Eu tenho o coração demasiado doce e por isso não intervenho nos contratos. Ele faz e desfaz. A sua pouca sensibilidade, permite-lhe ir ao que convém, sem nunca abrandar.
—Ótimo! Assim evitas remorsos... e não tens aborrecimentos. Ah, malvado comerciante!
Sidney encaixou o golpe, rindo. Robert podia dizer-lhe o que quisesse sem que ele se aborrecesse. Aproveitou este a ocasião para interceder por Jayne:
—Desta vez a tua cobarde posição atrás do reposteiro, de nada te servirá. Pese aos teus agentes artísticos, contratarás essa infeliz, mal esteja em condições.
—Homem... Não posso desautorizar Joy.
—Para o Diabo, tu e Joy!
—Mas que interesse tens tu nisso?
—Fez-me pena, muita pena. Eu não estou imunizado, como vocês, para estas lides. Quero esquecer-me de que haja outras Jaynes, de quem vocês não fazem caso; a casualidade fez-me encontrar esta e desejo que a ajudes.
—Está bem. Farei o que puder.
—Posso anunciar-lhe, a ela, sem receio?
— Diz-lho, se é que pensas voltar a vê-la.
—Claro que sim! Hoje mesmo e quantas vezes for necessário o meu contributo como médico.
—És um sentimental. Bem, está resolvido o as-sunto. Vamos embora...
Saíram do saloon e foram comer, em alegre camaradagem, ao melhor restaurante; visitaram depois o bairro chinês, tão perigoso como sugestivo, foram a todas as espécies de divertimentos...
Já era noite, quando Durking exclamou de repente:
— Que diabo, esqueci-me da minha doente!
—Não me digas que vais agora...!
—Pois claro que vou! Porque não vens comigo?
—Oh, não!
— Então, até logo.
— Vais-me deixar assim.…?
— Desculpa-me, sei muito bem o que faço. Bebi bem, mas estou perfeitamente normal. Uns copos irais e -ficaria com o cérebro enevoado... Nós, os médicos, temos deveres sagrados.
Foi inútil a insistência de Sidney. Durking afastou-se. Um criado do «América» conduziu-o até ao quarto ocupado por Jayne. Bateu com os nós dos dedos e apareceu Doris.
—Benvindo, doutor — disse, sorrindo-lhe.
Durking disse:
—Olá. Então como está a nossa doente?
Entrou sem esperar a resposta. Da cama, Jayne olhou para ele, agradecida. Estava um pouco menos pálida. Os seus olhos negros com um pouco mais de brilho, pareciam mais belos.
— Obrigada pela sua visita — murmurou.
—Não tem de quê. Cumpro a minha obrigação. Então, como está?
—Ótima. Parece-me um sonho. Doris é a bondade em pessoa...
—E ela, a teimosia personificada— protestou a jovem. — Não consegui fazer com que comesse.
—Naturalmente! — exclamou Durking. — Já contava com isso, ao ver o trabalho que lhe custou ingerir o que lhe demos. Por isso não receitei nada. Mas agora, vamos ver...
Observou-a e viu que o seu estado geral não oferecia perigo imediato. Confirmou que a fraqueza tinha feito naquela criatura estragos difíceis de combater.
—Levarei muito tempo a poder levantar-me? Não lhes queria dar mais incómodos...
Doris interrompeu-a:
—Bico calado! Ficará aqui todo o tempo que for necessário. Dei ordem para que ponham uma criada ao seu serviço, enquanto eu tiver de me ausentar.
— Excelente rapariga! — murmurou Durking.
— Preferia que não me enchesse com tantos elogios. Você acaba de dizer que se limita a cumprir o seu dever, visitando-a; eu cumpro o meu, fazendo o que posso por uma companheira.
—De acordo. Não voltarei a elogiá-la. Creio que, no fundo, quando cumprimos os ditames da nossa consciência proporcionamos uma satisfação a nós próprios.
Receitou o que era preciso e, numa folha aparte, escreveu as instruções detalhadas do tratamento a submeter à doente.
—Será feito tudo ao pé da letra—prometeu Doris.
Antes de se despedir, Durking disse, envolvendo Jayne num olhar afetuoso:
—Tenho a impressão de que contribuirá para as melhoras saber que a espera um contrato no «Paraíso». Tenho a promessa formal do empresário.
Tanto a interessada como Doris exteriorizaram grande assombro.
—Deus lhe pague, doutor—exclamou aquela. —Sei que o fazem por caridade. Noutros tempos isso significaria para mim uma humilhação; hoje recebo-o como o maior dos bens.
—Confio que você demonstrará ser uma grande artista.
—Ficarei satisfeita se o público não me repelir. Como disse, essa notícia contribuirá para o meu restabelecimento.
— Amanhã, vai parecer outra!
Doris saiu com ele do quarto.
—Felicito-o por ter conseguido o contrato — disse. —Pensava abordar hoje mesmo a questão com Joy.
—Estimo que as nossas ideias tenham sido comuns. Fora o aspeto financeiro, que é importante, o lado moral significará uma grande satisfação para essa infeliz.
—Você, como a acha?
—Mal. A sua desnutrição é terrível. Mas com uma enfermeira como você, são lícitas todas as esperanças.
—E com um médico como você.
—Devolve-me o elogio...
—Há pouco, você disse que não voltaria...
—Tem razão. Mas olhe que é difícil... Bem, vou--me embora. Ver-nos-emos logo. Penso ir aplaudi-la esta noite.
Afastou-se rapidamente. Doris voltou para junto da enferma e sem que esta lhe perguntasse, mentiu:
—Diz que dentro de duas semanas estarás como nova.
—Oxalá!
O tom da sua voz era triste e sem esperanças. Doris censurou-a, esforçando-se por lhe inculcar otimismo. Conseguiu um pouco. Jayne chegou a sorrir sem tristeza, a sentir no seu peito, um leve calor de ilusões renascer das cinzas...
— Que boa que você é, Doris!
—Cuidado! Não siga o exemplo do Dr. Durking! Nada de elogios!
—Também ele possui uma nobreza de sentimentos que o torna encantador.
—Parece-me um pouco brusco, mas reconheço que tem atrativos. Bom, vamos começar o tratamento.
Pegou na receita e deu-a a uma criada para que fosse à farmácia. Pôs-se a ler atentamente as instruções.
Entretanto, Durking afastava-se levando na imaginação a imagem daquela jovem artista, tão diferente das que ele tinha conhecido até então.
Renunciando a ir novamente procurar Sidney, pois desejava estar uns momentos só, entregue aos seus pensamentos, deambulou pela cidade, entrando frequentes vezes nos bares. Não era um bebedor habitual, mas aguentava muito e nas suas «escapadas até à civilização», como dizia, abusava um pouco.
Jantou, quando teve apetite, num restaurante qualquer, regando a comida com excelente vinho e dirigiu-se para o «Paraíso», onde, como calculara, já tinha começado o espetáculo.
A sala estava cheia e ele andou, de um lado para o outro, à procura dum lugar perto do palco, o que era bastante difícil. Tantas outras pessoas se encontravam na mesma situação e tinham de se resignar a ficar de pé. Entre estas, figuravam dois jovens da chamada «alta sociedade» que protestavam a cada momento, de tudo e por tudo.
Durking, lamentando não ter chegado mais cedo, dispunha-se a ir ao gabinete de Sidney, para de lá passar para o palco, quando viu Nicholas Joy a fazer-lhe sinais. Dirigiu-se para ele.
—Boa-noite, doutor. Quer sentar-se? Este lugar está sempre reservado para a Empresa...
—Obrigado pela sua amabilidade.
Não o seduzia a perspetiva de suportar aquele homem: mas o local era bom e preferia ver o show dali a misturar-se entre os artistas, operários, etc., presenciando-o dos bastidores.
Sentou-se. Nicholas simulou interessar-se por Jayne; mas as respostas breves do seu interlocutor aconselharam-no a calar-se. Os dois jovens descontentes foram-se aproximando e comentaram em voz alta:
—Quem será esse sujeito privilegiado?
—Pela fachada vê-se logo. Um campónio rico.
Durking não lhes prestou atenção nem imaginou que se referiam a ele; mas Nicholas, aborrecido, exclamou:
—Estes tipos!
—Como? Que disse?
—Refiro-me a estes dois sujeitos. Só causam distúrbios, onde estão.
Durking olhou para eles de soslaio:
—Quem são?
—Dois rapazotes com a mania que têm graça... e força. O mais alto chama-se Leslie Peel e julga-se grande boxeur; o outro, Arthur Wiled, pensa ser um às com o revólver. Vêm cá muitas vezes e é rara a noite em que não armam escândalo.
—Porque é que o consentem? Não há no «Paraíso» homens fortes para lidar com indivíduos dessa espécie?
—Há, mas o Sr. Kerr deu ordens para que se evite, enquanto se puder, qualquer escândalo no estabelecimento.
Os espectadores não ligaram muito aos primeiros números do programa. Em compensação, mal apareceu Doris, ouviram-se grandes aplausos e fez-se um silêncio imediato. Leslie Peel e Arthur Wiled tiveram um comentário irónico para a jovem artista, comentário que fez ferver o sangue nas veias de Durking.
A «estrela» iniciou o seu trabalho. Cantava de uma maneira estranha; os seus gestos e entoação, mistura ingénua e picante, davam à interpretação um encanto especial. Mas sobretudo, eram a sua beleza e juventude que faziam enlouquecer os seus admiradores, vitoriando-a.
Se Durking não tivesse bebido um pouco de mais, ter-se-ia conduzido normalmente; mas o álcool, avivando as suas efusões, fez com que a atenção das restantes pessoas recaísse sobre ele. Agradecida, Doris sorriu-lhe várias vezes do palco, chegando a fazer-lhe um sinal gracioso que não passou despercebido à assistência.
—Não te disse? —exclamou Leslie, muito alto. —O patego deve estar cheio de massa. Até a «estrela» se lhe rende!
—Ah, sim! Oh, a virtuosa Doris!
O público olhou agressivo para os dois indesejáveis que, imperturbáveis, continuaram a soltar dichotes. Até ao palco chegou o eco das suas impertinências.
O rosto da jovem artista refletiu o aborrecimento que sofria. Durking fitou-os agressivamente. Arthur encarou-o:
—Que aconteceu? Quer-nos comer com os olhos?
O rapaz levou um dedo à boca e sussurrou, com bem fingida amabilidade:
—Por favor, Doris está a cantar e agrada-me mais a voz dela que a vossa.
Ouviram-se sorrisos. Doris não pôde compreender o que sucedia; só viu que o médico cochichava, despertando a hilariedade e contribuindo para desvalorizar o trabalho.
Acabado o número, a ovação foi calorosa, destacando-se a de Durking, o qual se levantou imediatamente, percorrendo a curta distância que o separava de Arthur e de Leslie.
—Que tal se fôssemos conversar um pouco lá para fora? —perguntou muito baixo.
Olharam-no, desdenhosos.
—Não nos mace.
—Saia daí.
—Ë que tenho uma coisa importante para lhes dizer e está aqui muita gente.
—Quem é que você se julga?
— Sou um homem que lamentará ficar com a impressão de que vocês são dois cobardes.
—Eh?
—Dois cobardes, a quem o medo impede de aceitar o meu «convite».
Desataram a rir.
—Estás a ouvir isto, Leslie?
— Tem muita graça!
—Lá fora terá mais graça—insistiu Durking.
—Ah, isso não há dúvida!
—Acabarão as suas manias de se meterem com homens!
Abrindo caminho com dificuldade, chegaram à rua. Nicholas seguiu-os a distância. Os espectadores mais próximos tinham a certeza de que lá fora haveria outro espetáculo; mas a atracão que Doris exercia era mais forte e não se resignaram a perder a segunda parte da sua intervenção.
Cinco minutos mais tarde reapareceu Durking. Vinha sorridente, como se nada tivesse acontecido. Sem reparar nos olhares de curiosidade que lhe dirigiam de todos os lados, ocupou o seu lugar.
Doris cantava. Viu-o, mas fingiu ignorá-lo. Renovaram-se as aclamações. Durking tornou a aplaudir como um louco. E assim continuou até que a jovem «estrela» deu por terminada a sua atuação naquela noite. Logo a seguir dirigiu-se ao corredor que conduzia ao palco. O porteiro conhecia-o de visitas anteriores e cumprimentou-o, deixando-o entrar, coisa essa totalmente proibida ao público. Bateu à porta do camarim, fechada por dentro.
—Quem é?
—O Dr. Durking, menina.
—Ah, espere uns instantes.
Julgou perceber uma entoação de mau humor na voz da rapariga. Impulsivo como sempre, esteve tentado a ir-se embora, mas conteve-se. Por fim, a admirável figura da jovem sorriu à sua frente.
—Venho felicitá-la. Você esteve verdadeiramente maravilhosa.
— Obrigada.
—Não é um elogio. Asseguro-lhe que me entusiasmou.
—Já o vi. O seu entusiasmo foi tão grande que se pôs a provocar o riso enquanto eu cantava.
—Que diz?
—Não tem nada de estranho. Como também não o tem você ter saído na companhia dos dois... «senhores» que estavam a interromper a minha atuação.
—Você deu conta?
—Alguém mo disse.
—Pois... é verdade. Mas voltei em seguida. Não consegui resistir ao desejo de os convencer a não continuarem a aborrecê-la.
—Ah, foi por isso...
—Naturalmente. Não devem ser maus rapazes. Pouco depois de termos começado a conversa, renunciaram a insistir nas suas interrupções. Bom... estou a ver que não me convida a entrar. Será melhor ir-me embora.
—Oh, não, perdoe... Durking entrou, continuando com os seus cumprimentos entusiásticos. Ela sentiu-se preocupada. Embora estivesse habituada a ouvir elogios, os daquele homem produziam-lhe um efeito especial. Foram interrompidos pela chegada de Sidney, que entrou rindo:
—Olá, rapaz. Disseram-me que estavas aqui... Já fizeste das tuas!
— Eu?
—Joy presenciou o caso. Deixaste o fortíssimo Leslie Peel como um fardo de palha e a mão de Arthur Whited de quarentena, ele que tem a mania que é um grande «gun-man». Excelente! Não se podia esperar outra coisa de ti!
Doris estava surpreendida. Tinha pensado que o médico, prudentemente, pusera em jogo os seus métodos de persuasão.
—Então... andou à pancada com esses indivíduos?
—E de que maneira! —exclamou Sidney. —Joy afirma que antes de pôr «K.O.» o primeiro deles, fizeste cair sobre ele uma chuva de socos, que mais parecia um dilúvio. Quanto ao outro, nunca mais se gabará dos seus méritos de atirador.
—Joy exagera e tu és um- «fala-barato». Esta menina pode ficar a julgar que eu sou uma fera ou coisa parecida—voltou-se para a jovem. —Não me tome por um «homem terrível». Resumiu-se tudo a dar uma lição a esses franganotes, que pelos vistos não sabem o que é educação. Contive-me para impedir zaragatas cá dentro; mas já na rua, respirei fundo.
—E pouco faltou para que eles deixassem de respirar! —exclamou Sidney. —O certo é que fazemos o possível para evitar distúrbios nesta casa; mas não me teria importado que se tivesse alterado hoje o costume, só pelo prazer de assistir.
Doris observava o médico com interesse redobrado. Mais que o triunfo sobre Leslie e Arthur, admirou-a o seu comportamento sensato e a sua enorme modéstia.
—Muito obrigada, doutor, e desculpe-me o protesto que esbocei.
—Não tem importância. Vamos os três, amigavelmente, beber uma taça de champanhe?
—Desculpe-me, mas... não tenho o costume de beber... nem de acompanhar.
Durking ficou desgostoso:
— Oiça, menina, não pretendia...
—Sei muito bem. Eu também não o quero aborrecer. Limitei-me a dizer-lhe a verdade. Sidney agarrou-o por um braço.
—Não insistas, «curandeiro». Doris é fora do normal.
—Sem dúvida; é única! — repetiu Durking. —Boa-noite.
—Boa-noite, doutor. Uma vez mais, obrigada.
O ambiente era propício. Sidney, a instâncias de Durking, tinha recorrido a todos os meios para predispor a clientela a favor de Jayne. Não a apresentava como um grande número, mas sim, como a atracão a seguir a Doris. Fez com que se falasse amiúde da «grande artista que se estreava naquela noite, depois de ter estado muito doente e da confiança que a Empresa tinha em que o muito culto público de São Francisco da Califórnia, soubesse apreciar a sua arte».
—Ë preciso sugestionar as pessoas—tinha-lhe repetido Durking. —Se for vulgar é possível que não façam caso dela e talvez a assobiem; mas se a colocarmos num pedestal, será difícil que não a aplaudam, com receio que lhes chamem desconhecedores.
O empresário objetou:
— Às vezes, isso resulta; outras, é contraproducente. Os espectadores que vêm na crença de que vão ver um bom espetáculo, porque assim se lhes disse e repetiu, se se julgam enganados ficam furiosos.
O médico insistiu:
— Corramos o risco. Eu encarregar-me-ei de que isso não aconteça.
No camarim, Jayne parecia outra. Os seus olhos formosos pareciam ter nova luz. A emoção devolvia ao seu rosto parte da grande beleza que o tinha emoldurado no passado.
Enquanto dava os últimos retoques para entrar em cena, ouvia as palavras animadoras de Doris, Durking, Sidney...
Até Nicholas, pondo-se de acordo com as circunstâncias, se mostrava efusivo, sem que, contudo, não evitasse ter dito ao seu sócio: «Receio que partam as cadeiras». «Você já a ouviu cantar?», quis saber Sidney. «Não, o Sr. Durking opôs-se a que ensaiasse aqui; mas tenho bom golpe de vista. Os anos e o resto, estão estampados na sua cara. É impossível que agrade.» Correspondendo às atenções dos que a rodeavam, Jayne murmurou:
—Tanto por vocês, como por mim, lamentaria fracassar.
Durking interrompeu-a.
— Quem fala em fracassos? Espera-a um grande êxito! Lembre-se que estou a demorar o meu regresso ao rancho, só pela satisfação de a aplaudir.
— Quanto lhe devo, doutor!
—Eu depois passo-lhe a fatura...
Existia algo de verdadeiro no que Durking dizia sobre o regresso a «São Bernardino». Era uma questão de amor próprio salvar aquela mulher, pelo menos do mal físico de que padecia momentaneamente e fez tudo o que podia para o conseguir. As suas visitas foram diárias; a sua observação, constante.
As vezes apresentava-se no hotel, carregado de remédios e reconstituintes. E junto a isso tudo, os grandes bocados de conversa animadora, insuflando-lhe confiança no porvir, deram o resultado desejado.
Mas... também influiu notavelmente na demora do seu regresso, a atracão que sobre ele exercia Doris. Embora sabendo que amava outro, nunca via chegado o momento de se despedir dela. Durante as conversas que tiveram os três no quarto ocupado por Jayne, sentia a crescente admiração pela jovem artista que, obcecada com o amor ao seu noivo, não dava conta de como Durking se ia apaixonando, não obstante as suas bruscas reações. Jayne, sim, notava-o.
— Vou ao palco -- anunciou Sidney. —Também eu a desejo aplaudir.
Era uma honra que dava poucas vezes. Costumava ver os números, somente durante os ensaios ou espreitando uns momentos durante as atuações; mas Durking tinha-o interessado tanto no assunto que também queria dar a sua contribuição para o êxito de Jayne.
—Não sei como lhes agradecer... —sussurrou Jayne. E não conseguiu acabar a frase porque a emoção lho impediu.
— Boa sorte! — disse Sidney. —Vamos, «doutorzeco»?
—Não. Prefiro deambular pela sala. Assim captarei melhor os efeitos no público.
O que pensava era exercer uma vigilância estreita sobre os pequenos grupos que tinha contratado e distribuído convenientemente para que iniciassem e sustentassem os aplausos.
Sidney e Nicholas saíram. Ele ficou a contemplar o delicioso quadro formado pelas duas mulheres: Jayne, envolvendo Doris num doce olhar de gratidão, esta, como se procurasse o próprio êxito, corrigindo o mais possível, detalhes acusadores da ausência de juventude da sua companheira.
—Deixo-as—murmurou. E estendendo a Jayne as duas mãos, disse: —Cabeça ao alto! Pense que despertou dum mau pesadelo e que voltou a ser o que era.
Saiu depressa para não ouvir mais frases de gratidão. Passeou o olhar pela assistência. Estava tudo a seu gosto. Os contratados para aplaudir, nos seus postos respetivos.
De repente, não conseguiu evitar um gesto de aborrecimento. A pouca distância do palco encontravam-se os «graciosos» senhores Leslie Peel e Arthur Whited. O que eles menos imaginavam era que Durking estava ainda em São Francisco e, mais precisamente naquele saloon onde não tinham voltado desde aquela vez em que se tinham saído mal. Vieram atraídos pela notícia da estreia. Não costumavam perder nenhuma e quase sempre faziam das suas. Voltaram-se quando sentiram que lhes batiam nas costas. E empalideceram ao encontrarem à sua frente o seu inimigo, o qual fazendo uma careta que pretendia seu um sorriso amável, repetiu:
—Tenham a bondade de me acompanhar.
— Aonde? — perguntou, trémulo, Leslie.
—Ali fora.
Arthur, não menos nervoso, protestou:
— Nada temos a ver consigo... nem demos motivos para que nos venha provocar.
Durking respondeu:
—Efetivamente nada fizeram... ainda. Só lhes quero dizer o seguinte — baixou muito a voz. —Dentro de uns minutos, como sabem, vai actuar Jayne Bruce. Jayne Bruce é uma grande artista. Confio em que o público o reconheça e a aplauda. Vocês, por exemplo, têm de ficar encantados...
— Mas!...
—Isso?...
—Isso, é assim mesmo. Seja qual for a reação da sala, vocês vão aplaudir com entusiasmo, eh? Não os perderei de vista. A coisa mais insignificante que façam em prejuízo da menina Jayne dará lugar à segunda parte da «conversa» que começámos outro dia. Observo que a sua cara, sr. Peel, já não oferece vestígios do match, assim como a sua mão, sr. Whited, se curou da pequena beliscadura que lhe fez o chumbo,
— Será preferível que nos vamos embora — resmungou Leslie.
Durking apressou-se a contê-lo:
—Não. Poderiam ter o mau pensamento de procurar alguém que os substituísse na brincadeira de sabotar a estreia. Ficarão aqui até acabar o espetáculo. E vão aplaudir muito, combinado? Muito!
Retirou-se, deixando-os estupefactos. Poucos minutos mais tarde subiu o pano. A orquestra «atacou» e Jayne apareceu no palco. Estava muito elegante. Contra a «sapiência» de Nicholas, o rictos amargo da sua boca, contribuiu para torná-la interessante.
Os homens pagos por Durking iniciaram os aplausos; Leslie e Arthur, esforçando-se por se fazerem notar, aplaudiram também, perante a aprovação do seu inimigo: e o público em geral, sob aquele princípio de sugestão, juntou as mãos calorosamente.
Jayne ficou gratamente surpreendida. Nunca tinha esperado aquilo. Soltaram-se-lhe as lágrimas.
E esse detalhe levou os espectadores, sensíveis e, no fundo, bons, a aplaudi-la abertamente. A artista fez calar a música e adiantando-se ao proscénio disse umas palavras cálidas de funda gratidão.
Depois daquele preâmbulo, mesmo que fosse a própria negação da arte, teria triunfado; mas não o era. A sua voz possuía deliciosos cambiantes; a experiência também a ajudou muito. Tinha escolhido um reportório que sabia o público gostar mais e o resultado foi um êxito rotundo. Não foi preciso que a «claque» se esforçasse. Sucederam-se as ovações espontâneas. Dentre as palmas, sobressaíam as vozes de Leslie e de Arthur: «Bravo! Magnífica!». E olhavam de soslaio para Durking, que chegou ao ponto de os cumprimentar de longe.
Os espectadores obrigaram Jayne a repetir até ficar esgotada. Ela não parecia sentir o cansaço e interpretava número após número, superando-se a si mesma. Quando o pano baixou definitivamente, já estavam à sua espera, nos bastidores, Durking, Doris, Sidney...
Este último exclamava: — Não percebo. Ê a primeira vez que me engano!
Felicitaram-na efusivamente. Doris beijou-a, tratando-a já por tu:
— Estiveste formidável I
E Durking, satisfeitíssimo:
—Permita que lhe dê um abraço fraternal.
—Oh, doutor...!
—Chame-me Robert.
— Obrigada, Robert.
Correspondeu à carícia, com os olhos cheios de lágrimas. Teve naquele momento, um ataque de tosse; levou o lenço aos lábios e retirou-o, manchado de sangue. Tanto no seu rosto como nos demais, refletiram-se os efeitos duma surpresa angustiada. Durking, dissimulando com perfeição, disse:
—Não tem importância nenhuma. Esforçou-se demais. Ê tudo.

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