sexta-feira, 22 de março de 2019

COL024.14 Uma vida interrompida / Uma jovem incita a lutar

Palmer ficou silencioso, vendo como o seu interlocutor se ia embora, Belinda, ao seu lado, contemplava-o com ansiedade. Quando ficaram sós, a rapariga perguntou-lhe:
— O que é que ele quis dizer, Palmer?
Ele virou-se então para ela e sorriu tristemente.
—Uma ameaça mais que razoável, meu amor.
Ela ficou surpreendida ao ouvir aquelas palavras.
—Uma ameaça mais do que razoável? Não percebo, Palmer. Que interessa o que ele possa dizer? Tu defenderás a verdade ao opores-te a essa disposição, e todos te hão-de seguir. Ê injusta.
Surpreendida, reparou que ele não parecia entusiasmar-se com as suas palavras. Pelo contrário, mantinha-se frio e reconcentrado, como sob os efeitos duma grave comoção.
— Responde-me, Palmer. Não te oporás a essa infâmia?
Ele abanou a cabeça.
— Parece-me que não o farei — disse. — Compreendo que é uma má ação para com essa gente, mas depende disso toda a minha vida.
A rapariga sentiu-se como se lhe descarregassem um golpe no crânio e estremeceu.


—Palmer —disse desiludida —, serias capaz? Poderias enganar aqueles que te ajudaram, aos que confiaram em ti? Então... tudo o que fizeste não vai significar nada mais do que uma armadilha bem preparada.
O jovem passou a mão pela testa.
—Ouve-me, Belinda, e tenta compreender-me. Isto significa a oportunidade única da minha vida de me transformar naquilo que sempre sonhei ser. O jogador aventureiro teria passado para sempre, e no seu lugar surgiria um homem importante. Poderia até tornar algum dia a Nova Orleãs. — Fez uma pausa e continuou: — Eu não sou um aristocrata crioulo como tantos imaginam. Aquilo que sou na realidade é um ardina de porto. Mas quis deixar aquela vida e tentei imitar os gestos dos velhos aristocratas. Em Nova Orleãs não teria nunca podido brilhar e fui para o rio. Juntei dinheiro, e estava quase a ir-me embora para a Califórnia quando rebentou a guerra. Alistei-me num regimento de cavalaria e ascendi a oficial. Mas a guerra ia mal e então organizaram-se as guerrilhas. Eu tomei o comando duma delas e operei pelo Oeste. Fiz quanto pude, mas os guerrilheiros, ao acabar a contenda, foram considerados criminosos. Agora consegui refazer a minha vida. Pude estabelecer-me aqui e ser uma personalidade. Se aceito aquilo que propõe. Baldwin, é verdade que cometerei uma má ação, mas a minha vida e a tua seguirão por um caminho opulento. Porém, se me oponho, revelarão a verdade, e quando todos me tiverem abandonado, Baldwin enviará contra mim Darnell e os seus assassinos.
Belinda afastou-se dele, contemplando-o com amargura.
— Amei-te porque não tinhas em conta os riscos para defenderes aquilo que consideravas justo. Agora vejo que me enganei e que és egoísta como todos os outros. Que só pensas nas tuas vantagens materiais.
Palmer assombrado perante a fúria da rapariga, escusou-se, surpreendido:
— Porém, Belinda, faço-o por nós dois.
— Não, Palmer. Eu não aceitaria a dita em troca da desonra e da vergonha. É preferível o sacrifício. Luta. Ou já esqueceste que és capaz de te defender?
—Preciso meditar e...
— Baldwin deu-te dez minutos. Eu também. Se aceitas a sua proposta, ir-me-ei embora de Virgínia City. Se a refutas, estarei ao teu lado.
Sem mais palavras, a rapariga saiu do quarto, deixando só o antigo jogador do rio. Todos os seus sonhos, todas as suas ambições e seus esforços, iriam por água abaixo ao primeiro choque com Baldwin. Sabia-o muito bem.
Contemplou o relógio e compreendeu que o prazo tinha quase terminado. Tinha ainda tempo para ir ao encontro do mineiro, mas a lembrança de Belinda impediu-o. Não valia tanto o triunfo como para manchar o ideal que dele tinha formado a rapariga. Era preferível morrer, e que pelo menos sempre o considerasse um dos homens honrados que tinha conhecido.
Pôs-se em pé e encaminhou-se para o local, onde os empregados e McPherson compreendiam que qualquer coisa muito grave estava prestes a suceder.
— Feche-se o bar — advertiu com voz serena. —Preciso de falar com os empregados.
Quando todos saíram, contemplou o pessoal da casa com profundo afeto. Tinham sido leais e honrados.
— Como acabo de lhes dizer, fecho o saloon. Todos vocês podem passar pela caixa e dar-lhe-ão o seu salário mais cem dólares de gratificação para cada um. —Todos se olharam surpreendidos e o jovem para evitar perguntas, continuou: — Tenho motivos sérios para fazê-lo. Vão-se embora quanto antes.
Ficaram indecisos, mas McPherson adiantou-se para o seu amigo.
— O que é que há?
— Sim, temos direito a sabê-lo — opinou um empregado.
—Baldwin e Darnell virão cá com homens armados. Procuram-me a mim. Quero que se salvem.
—Eu não me vou embora, Palmer —respondeu McPherson com decisão. — Ainda sou sheriff desta cidade e preciso de saber o que aconteceu.
Leroy, convicto de que fugiriam, explicou:
— Baldwin queria aprovar uma disposição pela qual arruinaria os pequenos mineiros. — Referiu brevemente o acontecido e continuou: — Ameaçou-me de descobrir, se eu não estava de acordo com ele, que fui chefe duma guerrilha sulista. —Fez uma pausa. —E agora podem ir embora, sabem aquilo que há e aquilo que pode acontecer se ficam cá.
A maior parte dos empregados ficaram indecisos, porém uns quantos encaminharam-se para os escritórios. Sabiam que o sangue havia de correr e não tinham desejo de se expor.
McPherson e mais dois continuaram a seu lado. O sheriff, com um sorriso, continuou:
— Veremos se é tão fácil vencer dois antigos guerrilheiros. 

*

Baldwin verificou o relógio, verificando que tinha passado o prazo. Dirigiu-se para um dos seus guarda--costas e disse:
—Vai ter com Darnell.
Era preciso atuar depressa, para que quando a gente reagisse tivesse tudo acabado. Depois advertiu a quatro dos cinco guarda-costas restantes:
—Já sabem aquilo que hão-de fazer.
Quando todos saíram, tomou novamente o whisky que tinha deixado no mostrador e sorriu. Com os homens de Darnell e os seus guarda-costas prenderia Leroy e enforcá-lo-ia na árvore da praça principal. Depois reorganizaria o Conselho Municipal, que poderia dominar, e a cidade seria virtualmente sua. E também Darnell se submeteria depois a ele ou teria de sofrer as consequências. Riu, divertido, brindando pelo seu próprio talento. 

*

Belinda cobriu a cara com as mãos. Infelizmente, soube não haver diligência que saísse daquela terra até o dia seguinte, pois de outro modo naquela mesma noite teria abandonado Virgínia City.
Todos os seus sonhos tinham desaparecido perante a realidade. Palmer, o homem a quem amou durante vários anos, não era mais do que um ambicioso que tudo sacrificava ao seu mérito pessoal. Além disso, tinha medo. Era verdade que era muito capaz de se bater com outro homem para defender a justiça, mas tinha medo de arriscar a posição conseguida.
Não podia continuar ali perante o espetáculo do seu destruído amor e ver como caía o ídolo que no seu coração tinha criado. Se pudesse contratar um coche ou uma diligência que os afastasse de Virgínia City, fá-lo-ia. Devia tentá-lo, pois considerava impossível continuar ali. Abriu a porta do seu quarto e saiu para o corredor do hotel.
 Naquele momento, dois clientes que não reparavam nela encontravam-se muito próximo.
— Parece-me que vai haver tiros —disse um deles. —Falam em enforcar Palmer Leroy.
—Eu julguei que Baldwin e um tal Darnell queriam matá-lo.
O outro perguntou:
— Como o sabes?
— Ouvi-o dizer a um dos empregados do saloon que saía com muita pressa.
—Diziam no «Saloon Novelty», onde há muita gente reunida, que Leroy tinha sido um chefe duma guerrilha confederada. Vão condená-lo pelo que fez então.
— Zangou-se com Baldwin não sei porque motivo, mas a coisa anda mal.
Belinda estremeceu emocionada. Se aquilo que se dizia pela cidade, significava que Palmer não estava disposto a seguir os planos de Galdwin. De outro modo ninguém o teria sabido.
Uma vivíssima alegria invadiu o seu coração ao dizer-se que o jovem não era indigno do amor que durante anos ela lhe tinha guardado. Mas um grande terror apoderou-se dela. Iam matá-lo e devia impedi-lo. Não podia consentir que o assassinassem, e a não haver solução, correria para o seu lado para morrer junto ao homem que amava.
Tinham falado do «Saloon Novelty», que estava próximo do hotel. Talvez lá encontrasse aliados. A correr passou junto dos dois clientes, que olharam para ela surpreendidos.
A rapariga avançou em direção ao saloon.
Uma multidão se encontrava ali reunida e um homem de feições desagradáveis explicava:
— Não podemos permitir que um guerrilheiro, um assassino sem entranhas, continue convertido no juiz de Virgínia City. Devemos destituí-lo. Por sorte, em breve poderemos julgá-lo.
—Isso é falso.
A voz da rapariga dominou o borborinho das conversas, e todas as cabeças se viraram para contemplá-la. O improvisado orador perguntou:
— Quem é que lhe deu vela neste enterro?
—Baldwin não o persegue por ter sido chefe de guerrilhas. Persegue-o porque Palmer não quis concordar com o seu jogo porco. Eu estava presente quando o ameaçou e conheço o motivo.
Um homem alto e elegante, o capitão Overman, pôs-se em pé.
— Menina, não podemos ter compaixão por um guerrilheiro dos que mancharam de sangue o nome da Confederação.
O orador concordou:
— Isso é verdade. E essa perda...
— Um momento — interrompeu o capitão Overman. —No Sul não temos o costume de insultar as mulheres. Mais vale que aprenda a comportar-se. Menina, prossiga.
— Leroy pode ter sido guerrilheiro e os guerrilheiros podem ter manchado o nome da Confederação. Não discuto isso, mas sim quero explicar-lhes o motivo pelo qual Palmer rompeu com Baldwin. Eu estava presente. — Fez uma pausa e referiu a conversa entre os dois homens. Ao findar, continuou — Vocês que o trataram durante um ano e que ganhou a vossa confiança de modo que aproveitaram para que fosse juiz e diretor do Banco. É que por ventura não merece essa confiança? Ou preferem que Baldwin se apodere da cidade e os arruíne a todos?
O improvisado orador, um dos guarda-costas de Baldwin, achou que a coisa apresentava mau aspeto e que era preferível retirar-se para a rua. Mas ainda podia tirar a última desforra. Lentamente, aproximou a mão do revólver.

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