quarta-feira, 20 de março de 2019

COL024.12 As defesas duma cidade

Ninguém conhecia aquele cavaleiro, mas todos compreenderam que ia causar mais um desgosto. Apoiado no mostrador da cantina, ia bebendo em silêncio, catando o whisky ou apurando-o de um só golo. De quando em quando dirigia um olhar em seu redor como se esperasse que alguém se decidisse a enfrentar-se consigo. Mas o proprietário e as empregadas da cantina estavam tão certos como os clientes que ia acabar por promover algum escândalo.
De repente uma linda mulata passou pelo seu lado e ele agarrou-a pelo braço.
— Vá, rapariga; vem cá e diverte-te.
Ela, assustada, tentou libertar-se dele e gritou:
— Largue-me, senhor; eu não o conheço.
O cavaleiro descarregou-lhe uma bofetada, enquanto dizia:
—A mim não me respondas. Compreendeste?
Naquele momento um jovem negro, alto e bem constituído, lançou-se sobre o forasteiro tentando dominá-lo. Este, com rapidez, puxou o «Colt» e fez fogo, derrubando-o.
A mulata lançou um grito de terror, enquanto chamava com desespero o seu noivo. Mas o cavaleiro, retorceu-lhe o braço, obrigando-a a ajoelhar-se a seu lado.
—Vamos — gritou; — faz aquilo que te digo se não queres sofrer a mesma sorte.
Depois dirigiu-se aos que se encontravam em seu redor e mandou:
—Embora daqui todos. A partir deste momento a cantina é minha.


Alguém exclamou:
— Oiça, a isso não há...
Ressoou um novo disparo no silêncio da cantina, e aquele que tinha falado caiu no chão ferido de morte. Os outros, perante a ameaça da pistola, começaram a afastar-se em direção à porta, enquanto o forasteiro, com expressão de doido, gritava:
—Fora, fora daqui toda a gente. E ainda há-de haver mais mortos. Não tolero que ninguém se aproxime de mim e aquele que o fizer matá-lo-ei.
Na rua começava a ouvir-se um borborinho.
— Vamos em busca de Leroy. É o único que pode impor a ordem. 

*

Palmer contemplou Belinda, que se arranjava para começar os seus ensaios.
—Diria que você está muito mais bonita que ontem, se isso não parecesse impossível.
Ela sorriu comprazida.
— Acha-o assim? Advertiram-me que tenha cuidado, visto que os homens da fronteira, principalmente os do Sul, gostam muito de dizer piropos.
Palmer moveu a cabeça.
—Engana-se, Belinda. Não digo mais do que aquilo que todos pensam.
—Então faz-se eco da opinião que mais lhe interessa como empresário.
O jovem sorriu.
— Tem você a qualidade de deixar-me sempre mal colocado. Não encontro palavras para lhe explicar aquilo que sinto.
Ia ela a responder, quando uns homens entraram no saloon, agitados, inquietos e nervosos.
—Leroy — explicou um deles; — há um bêbado na cantina de Ullman que já matou dois homens, está a torturar Premy, e ainda há-de matar mais gente. É muito rápido com o revólver e está como doido.
Belinda olhou-o surpreendida, perguntando-lhe porque motivo acudiam a ele. Mas logo compreendeu que aquilo que todos queriam era que ele interviesse.
Palmer apertou o cinto e depois agarrou o seu chapéu.
—De acordo. Irei ver o que é que há.
Ela não se pôde conter.
— Palmer, cuidado.
Leroy sorriu.
—Não tema. Voltarei e continuaremos a falar. Dirigiu-se em direção à rua, seguido pelo grupo de homens. Estes colocaram-se por detrás do jovem, como temerosos de perderem a sua proteção. Belinda ficou sozinha, mordendo os lábios e pedindo a Deus que voltasse são e salvo aquele homem que ela tanto amava.
Leroy avançou com decisão em direção ao local de Ullman. Perante a porta tinha-se concentrado um número muito grande de curiosos e no interior ouviam-se risos junto com os lamentos da mulher, enquanto que de vez em quando algum estrondo parecia indicar que o desconhecido estava a destruir o local.
O jovem puxou o revólver e encaminhou-se em direção à porta, encostando-se junto dela. Depois esperou um instante. A multidão contemplava-o contendo o alento. Por uma fresta pôde ver como o forasteiro batia em Phemy e lançava móveis sobre as estantes, ao tempo que disparava o revólver sobre as garrafas do bar.
—Ninguém se atreve a vir, linda. E tu ficarás aqui pelo teu gosto ou pela força.
Phemy gritava desesperada. Palmer considerou que tinha chegado o momento de intervir. O forasteiro não o via então, e podia entrar no local a tempo de evitar que disparasse sobre ele. Um tiroteio naquele momento podia custar a vida a Phemy.
Saltou para o interior, de pistola na mão, e gritou:
— Está-se a divertir, amigo?
O outro virou-se, contemplando o seu adversário. A mulata aproveitou aquele instante para fugir dele e correr para o lugar onde estava o seu noivo, gritando desesperadamente. Os dois homens examinaram-se com atenção e o malfeitor perguntou:
—O que é que veio cá fazer?
—Venho recolher o seu revólver e expulsá-lo da cidade.
Isto pareceu divertir enormemente o forasteiro, que começou a rir com grandes gargalhadas. Depois disse de repente, inesperadamente colérico:
— Vá-se embora e agradeça à sua fada protetora. Tem muita sorte de escapar com vida.
— Dou-lhe a última oportunidade. Contarei até cinco e depois dispararei.
O bêbado olhou-o outra vez e sorriu.
— Vocês, os homens do Sul, são muito impulsivos. Nunca pensam naquilo que fazem. Mas eu acho que poderíamos discutir este assunto. Quem é que lhe dá direito a meter-se onde não é chamado? Pelo que vejo o senhor não representa nenhuma autoridade.
—Não mude a conversa. Estão a acabar os instantes que lhe dei—respondeu o jovem, que compreendia muito bem qual era o propósito do seu adversário.
O outro mexeu a cabeça.
— Não percebo. Que benefícios tira o senhor com este assunto?
Fez uma ligeira pausa como se esperasse uma resposta, e de repente endireitou o «Colt». Ouviu-se um disparo no saloon e o forasteiro deu salto para trás, atingido no peito. Depois cambaleou como estonteado, a caiu no chão sem vida. Tinha tentado distraí-lo para podê-lo matar, mas Le-roy tinha percebido a sua manobra e disparou a tempo.
Depois aproximou-se de Phemy e do seu noivo. Este ainda respirava, embora com certa dificuldade. Ajoelhou-se ao seu lado e examinou o corpo. Estava muito ferido.
—Não te apoquentes, Phemy. Havemos de curá-lo.
Saiu à rua, onde se tinha congregado um maior número de gente, da qual se escapou um murmúrio de assombro ao vê-lo, e gritou:
— Depressa, há que tratar dos feridos.
Vários entraram no local e recolheram o preto. O outro tinha morto, o mesmo que o forasteiro, de que ninguém conhecia o nome nem a sua condição.
Leroy tornou a meter o revólver no coldre e regressou ao saloon. Conforme caminhava pela rua, o público seguia-o com o olhar. Davam-lhe palmadas nas costas ou apertavam--lhe a mão, orgulhosos de serem considerados como seus amigos.
No saloon, Belinda aguardava inquieta e nervosa. Sabia que Palmer podia morrer naquela luta, e aquela espera angustiosa extenuava-lhe os nervos. No camarim, retorcia as mãos perguntando que poderia ter acontecido e porque já não estava de regresso Palmer.
De repente ouviu um murmúrio na rua, que ia crescendo, crescendo. A luta, a ter tido lugar, tinha já concluído definitivamente, mas ignorava por enquanto o resultado. Talvez trouxessem Palmer ferido ou morto. Não se atreveu a sair do seu camarim, e esperou, tremente e pálida. Iam-se aproximando dali, mas não sabia com que objeto. Talvez ele estivesse morto ou estivesse quase a morrer.
De repente abriu-se a porta e apareceu o jovem, sereno e inalterável. Belinda levou as mãos ao coração e cambaleou ligeiramente, mas pôde por fim aproximar-se duma mesa.
Leroy correu para seu lado e susteve-a ao tempo que lhe perguntava:
 —Belinda, Belinda, o que é que há?
A rapariga abriu novamente os olhos e sorriu debilmente.
—Já estou bem. Tudo passou.
O jovem, sem soltá-la, insistiu, inquieto.
— O que é que lhe aconteceu?
Belinda não se mexeu. Sentia em seu redor e sobre o seu braço a pressão do homem que amava, e se encontrava trémula, vencida pela sua paixão e rendida pelo perigo a que ele se tinha exposto.
—Nada—repetiu ruborizando-se —, nada. Foi só um momento.
Palmer contemplou-a fixamente, e a ela pareceu-lhe que os seus olhos negros se espetavam no seu corpo.
— Acaso teve medo, Belinda? 
Ela olhou para o chão, sem atrever-se a responder. Então o jovem insistiu:
— Temeu por mim, Belinda? Terei eu a sorte de que os riscos que eu corro a preocupem?
Leroy sentiu como a rapariga estremecia e pareceu-lhe que o rubor das suas faces era mais significativo que todas as palavras.
—Belinda — repetiu. — Será que eu lhe interesso qualquer coisa?
A rapariga que se sentia vencida pela proximidade do homem amado, suplicou:
— Deixe-me ir embora, Palmer. Porém,
Leroy insistiu:
— Devo saber aquilo que sente por mim. Eu amo-a mais do que nada no mundo. Sei que lhe parecerá impossível que em tão-pouco tempo a ame tanto, mas não penso senão em você desde que aqui chegou.
Belinda descontraiu-se, rindo nos braços dele, mas sem virar a cara. Depois murmurou:
—Palmer; se não é verdade, não me digas nada.
—Sim; é verdade, meu amor. Ninguém mais do que tu me interessa.
Lentamente, Belinda virou-se para ele olhando-o com os lábios entreabertos e o olhar rendido. Palmer apertou-a entre os seus braços, atraindo-a para si, enquanto murmurava:
— Seremos muito felizes, Belinda.
Ela deitou-lhe os braços ao pescoço, sem atrever-se a olhá-lo, ao tempo que o jovem a beijava apaixonadamente. Por um instante permaneceram unidos, e depois ela apoiou a cabeça no seu ombro.
—Palmer, sonhei tanto com este momento.
Ele sorriu enquanto lhe acariciava o cabelo.
—Eu não podia acreditar que tu me quisesses, que ias reparar em mim.
Ela levantou a cabeça, surpreendida.
— Será que agora te tornaste modesto? — perguntou em tom de burla.
Palmer concordou.
— Ao começar a amar-te, compreendi o pouco que eu 'valia e o longe que tu estavas para mim.
— Mas, Palmer — exclamou ela enquanto lhe acariciava as faces; — se tu vales mais do que ninguém no mundo! Todos confiam em ti. Quando qualquer coisa acontece, é a ti quem vêm buscar.
— Tiveste medo? — perguntou-lhe de repente.
— Sim, muito.
— Lastimo que sofras, mas no fundo sinto-me satisfeito, porque assim tive ocasião de compreender que me amavas.
A rapariga sorriu ao tempo que levantava novamente as mãos para acariciar-lhe o cabelo.
—E verdade que te enamoraste de mim em seguida? Há tão poucos dias que cheguei à cidade. — Parece-me que foi logo que te vi — respondeu ele. —E tu? Demoraste muito tempo?
Para sua surpresa, a rapariga proferiu uma gargalhada alegre e ruidosa.
—Nunca o imaginarias, Palmer; porém há anos que eu te amo. Há anos que só tu me interessas.
Palmer ficou absolutamente surpreendido.
— Falo-te a sério, meu amor.
— E eu também. Não te lembras que tinhas a impressão de me teres conhecido noutra ocasião? Pois era verdade. Antes que rebentasse a guerra viste-me em Kansas City, que então se chamava ainda Westport. Eu era uma menina que acompanhava um artista velho, o tio Ned. Cantei numa cantina do porto, e um foragido matou o tio Ned. Tu mataste-o a ele e deste-me dinheiro para voltar a Nova Orleãs. — Fez uma pausa e continuou com ternura: — Acho que desde então te amei, visto que nunca mais te pude esquecer.
O jovem beijou-a de novo.
— Belinda, farei com que nunca te arrependas de ter-me amado. E agora lembro-me daquela cena. Mudaste muito, e por isso não te reconheci. Os teus olhos são iguais aos de então, mas estão cheios de alegria e de júbilo. Naquele tempo estavam tristes.
— Sou feliz porque estou ao teu lado. E nunca me separarei de ti.
—Mas não viveremos aqui sempre. Iremos a todos os lugares importantes; Saint Louis, São Francisco, Santa Fé, Sacramento, todos.
Belinda, sem ligar muita importância, reparou que ele não tinha mencionado Nova Orleãs.

Sem comentários:

Enviar um comentário