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Apenas alguns grupos de veteranos se reuniam de vez em quando para relembrar as sangrentas batalhas em que tinham participado. A causa da riqueza e os diversos acidentes daquele ano, a cidade tinha crescido e tinha já diligência direta com Carson City, a capital do Estado.
Isto dava-lhe uma grande sensação de importância, e cedo outras linhas de diligências enlaçá-la-iam com diversas povoações do interior. A casa de postas constituía, como em todas as terras do Oeste, um centro de reunião a certas horas de certos dias, quando o veículo chegava da capital.
Os forasteiros e aqueles que não tinham trabalho agrupavam-se ali para esperar a diligência, que bem poderia oferecer-lhes alguma surpresa. Além disso, os condutores sabiam qualquer coisa de interesse geral.
Naquela manhã, os desocupados aproximaram-se ao ver avançar o veículo aos tombos pela estrada cheia de pó. Esperaram que parasse e contemplaram o coche.
De repente um murmúrio de assombro estendeu-se por entre o público, e os detrás empurraram os da frente para se aproximarem ainda mais.
No interior da diligência encontrava-se uma formosíssima rapariga que se dispunha a descer. Aquele que estava mais próximo abriu a porta para ajudá-la, mas a desconhecida, com um encantador sorriso, inclinou a cabeça a modo de cumprimento e apoiou a sombrinha na cara. Depois, recolhendo ligeiramente a saia, desceu da carruagem e dispôs-se a seguir para a frente.
Era mais alta do que média, fina cintura e suave silhueta feminina. Vestia um vestido de viagem, fechado até ao pescoço, e luvas que lhe ocultavam as mãos. Deveria ter à roda de vinte anos, e tanto a sua figura como as suas roupas e o seu modo de andar revelavam a mulher do mundo, distinta e acostumada a relacionar-se com pessoas de importância.
O cabelo, muito louro e sedoso, cobria-o com um chapéu cujo véu lhe ocultava ligeiramente o semblante, de rasgos finos, delicados, e ao mesmo tempo cheios de vida. O mais atraente era o seu sorriso aberto, que deixava a descoberto a sua franca dentadura. Destacavam-se os seus olhos grandes, rasgados, que longas pestanas velavam um pouco.
Continuou o seu caminho em direção do saloon de «Hanrahan's», que então se chamava Leroy. O condutor tinha advertido os curiosos que rodeavam o carro:
— Acho que se trata duma artista.
Todos, ainda que a distância respeitável, dispuseram--se a segui-la, dizendo para si próprios que nenhum ia faltar ao dia da estreia da rapariga. De repente os primeiros estacaram. A desconhecida dirigia-se para a porta do saloon de Leroy e entrava. Era melhor não a molestar, tendo em conta a pessoa que naquela tarde ou aquela noite poderiam aplaudir no palco. A jovem deteve-se no interior do local e olhou em redor de si. Os clientes que se encontravam no mostrador viraram-se por sua vez muito surpreendidos, perguntando-se que espécie de mulher poderia ser aquela. Um empregado aproximou-se:
—Em que posso servi-la, menina?
Ela Sorriu.
—Desejaria ver o senhor Leroy.
O criado fez um sinal.
— Venha comigo.
Guiou-a através de todo o local, até um quarto que estava fechado. Bateu com as mãos e entrou. Pouco depois abriu de novo a porta para permitir a entrada da desconhecida. Palmer pôs-se em pé, inclinando-se amavelmente.
—Faça o favor de dizer aquilo em que a posso servir, menina.
Ela examinou-o com atenção. Sorriu comprazida e ao mesmo tempo divertida. Levantou o véu e exclamou:
—Pelos vistos é o senhor quem precisa de mim.
Leroy arqueou as sobrancelhas num gesto interrogativo.
—Não me atreveria a exigir nada de você, menina. Mas talvez possa explicar-me o sentido da sua frase. —Fez uma pausa, mas antes que ela falasse juntou: —Desculpe-me. Queira sentar-se.
A jovem obedeceu e depois disse:
—Talvez fique tudo aclarado quando lhe disser que me chamo Belinda!
Palmer mexeu a cabeça.
— Compreendo, compreendo. A grande artista Belinda. Na realidade sou eu quem precisa dos seus serviços, e fico-lhe muito grato de que tenha abandonado o seu público elegante de Nova Orleãs, de Boston e de Nova Iorque para vir a Virgínia City.
— Decidi fazer uma viagem pelo Oeste, e pareceu-me interessante conhecer Virgínia City além de São Francisco e de Santa Fé.
Palmer sorriu.
— Vou ser o mais sincero possível. Quando soube que a senhora estava na costa e pedi ao seu empresário que a convencesse a vir até aqui, imaginei que isso não ia ser possível. Nunca acreditei que a menina decidisse a vir a estas terras.
Belinda, sem deixar de examinar com atenção o proprietário do local, continuou:
—Estas terras também são interessantes.
Palmer perguntou de repente:
—Já tem alojamento? Não, nem tão-pouco a equipagem. Adiantei-me dois dias às minhas malas e ao meu pianista. Mas não podia aguardar mais. Desejava conhecer Virgínia City.
— Farei com que a instalem no melhor hotel da cidade. Quanto ao seu pianista e às suas malas, desconfio que demorarão ainda uns dois ou três dias. Infelizmente, o serviço de diligências não é tão frequente como desejaríamos. Imagino que aqueles que a viram sentir-se-ão muito defraudados ao verificar que não podem aplaudi-la esta mesma noite.
— Por isso não se preocupe — disse a rapariga. — Falarei com os músicos de cá e arranjar-me-ei. Parte da minha equipagem estará, desde logo, na casa de postas.
Palmer contemplou-a e exclamou de repente:
— Ignoro as circunstâncias, mas tenho a certeza que já a vi noutra ocasião.
Belinda enterneceu os olhos.
—É possível. Trabalhei em muitas partes, sobretudo em Nova Orleãs. E o senhor é crioulo. O seu acento e o seu aspeto denunciam-no.
— Há muito tempo que saí de lá, e não me lembro de tê-la aplaudido nunca. E tenho a certeza de que isso não poderia tê-lo esquecido.
— Talvez noutro lugar.
Quando Palmer regressou ao seu escritório, McPherson estava à espera dele.
— Quem era essa garota?
Leroy sorriu.
—Pelos vistos, já não há possibilidades de ocultar a sua existência. Em Virgínia City devem estar todos muito interessados por ela.
— Assim é. Imaginaram que tu tinhas algum interesse especial quando a acompanhavas à rua.
—É a nossa nova artista: Belinda—correspondeu Leroy.
McPherson arqueou as sobrancelhas.
— Conseguiste que aceitasse o contrato? — sorriu ao assentir o outro. — Estupendo. Será um bom negócio.
— Isso espero. É uma mulher única.
McPherson continuou então:
— Acabo de saber uma coisa muito importante — fez uma pausa e disse: — Darnell voltou.
Palmer olhou-o surpreendido.
— E o que é que isso nos pode importar a nós?
— Não te sintas tão seguro. Reuniu dinheiro e vem com alguns amigos. Darnell não é daqueles que se deixam esquecer com facilidade, nem tão-pouco daqueles que esquecem.
— Eu venci-o limpamente.
—Mas venceste-o e fizeste com que abandonasse a cidade, coisa de que ele não deve ter gostado muito. Odeia-te desde então.
— Ainda que assim seja, estou preparado para recebê-lo. Acho que a minha posição é muito diferente agora. O nosso saloon é importante, e eu estou em boas relações com Baldwin. Por outro lado, gozo de estima entre a gente de Virgínia City, e ia-lhe ser muito difícil enfrentar-se comigo.
—Pode desafiar-te.
— Não o fará. Sabe que eu sou o mais rápido. Pode preparar-te uma armadilha.
Leroy assentiu.
— Isso é mais fácil. E terei cuidado. Não temas.
McPherson sorriu.
— Há um ano que chegámos a esta cidade, com pouco dinheiro, fugitivos. Ascendemos, graças a ele. Pensas ficar nesta cidade para sempre?
—Talvez, mas gostaria de voltar a Nova Orleãs. E voltarei lá algum dia.
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