sábado, 16 de março de 2019

COL024.08 Novo encontro

Belinda contemplou o enorme local. O saloon era muito mais amplo do que aquilo que tinha imaginado quando lhe ofereceram atuar lá. E muito mais luxuoso e de melhor gosto do que aquilo que costumavam ser os outros locais do Oeste.
Um público numeroso, alegre, disposto a divertir-se, enchia o local. E não se advertia a ânsia de violência que reinava inclusive em alguns sectores de São Francisco. Não era frequente tão-pouco o entusiasmo que por Leroy sentiam os seus subordinados, e que ela advertiu no músico durante os ensaios. Era um sentimento natural e espontâneo. Pelos vistos, a Leroy tinha-se aberto caminho. E ela alegrava-se com o triunfo dele. De repente ouviu junto dela a voz de Palmer.
— Olá, Streean. Desejava falar comigo?
Leroy não podia vê-la donde se achava, porém, ela via-o muito bem falando com um mineiro de largas costas e semblante curtido pelo sol.
—Sim, Leroy; preciso de pedir-lhe um favor.
—Está bem, o senhor dirá o que é.
O mineiro deu duas voltas ao chapéu e depois, coibido, disse:
— Não é fácil explicá-lo, Leroy; mas estou num momento de aperto, precisamente quando estou prestes a encontrar a veia principal do meu jazigo.


— Deve ter jogado, não, Streean?
— Não, desta vez falo a sério. Conheço o meu ofício e sei que estou prestes a encontrar a veia mais importante. A minha mina é rica, mas investi nos trabalhos tudo quanto tinha.
— Compreendo. Quanto precisa?
— Mil dólares. Devolvê-los-ei muito cedo.
—Não se preocupe, Streean. Tenho confiança no senhor. Sei que apesar do seu vício e do seu azar no jogo, tem palavra e cumpre sempre.
Afastaram-se ambos, enquanto o mineiro continuava:
— Obrigado Leroy. Não é fácil a um homem como eu pedir ajuda. Mas com o senhor não me importo. Embora faça algum negócio, nunca tira partido do azar dos outros.
Belinda ficou pensativa. Ela tinha motivos para saber quão certa era aquela afirmação e a atitude sempre correta do jovem. Mas agradava-lhe verificar que com o tempo não tinha mudado. Um dos empregados acercou-se para lhe advertir:
—É a sua vez, Miss Belinda.
Enquanto se aproximava o cenário, ouviu como o diretor da orquestra anunciava:
— E agora, meus amigos, vai atuar perante os senhores uma das maiores artistas da América, uma artista à qual aplaudiram todos os públicos deste país de costa a costa. Nós não seremos menos que eles e acolhê-la-emos com uma magnífica ovação.
Iniciou o aplauso, e quando Belinda apareceu em cena, vestida com um elegante vestido cor-de-rosa, a multidão explodiu em aclamações, gritos índios, vozes de caça, e incluso alguns disparos de revólver. Belinda inclinou-se para cumprimentar o público e fez um sinal para a orquestra. Em seguida começou a cantar: 

«Yest're'en there were four Marys
This night there'll be but three
There was Mary Seaton, and Mary Beaton
Andy Mary Carmichael ande me». (1)

O público ouvia entusiasmado a balada das quatro Marys, que ela cantava com uma voz profunda, melodiosa e acariciadora, ao compasso da música. Ao acabar, uma ovação extraordinária coroou a canção, e o público soltou gritos de entusiasmo.
Belinda, sorrindo, anunciou:
— Obrigado, muito obrigado. Vou agora interpretar outra canção, aquela que os senhores desejem.
Todos gritaram à vez, mas ao fim a maioria insistiu repetindo um nome:
— «Lorena»! «Lorena»!
Belinda sorriu.
— Muito bem, como os senhores desejam. — Voltou-se para o diretor da orquestra e pediu: — Maestro: «Lorena», por favor.
A velha e nostálgica canção deixou-se logo vir entre aqueles rudes homens da fronteira, lembrando-lhes a uns o seu antigo lar destruído pela guerra; a outros as esperanças juvenis esquecidas e perdidas; a outros algum amor contrariado, e ao resto a dita perdida. 

It matters little now, Lorena
The past is the eternal past,
Our heads will soon lie down, Lorena». (2) 

Um silêncio pesado estendia-se pelo local, enquanto todos ouviam atentamente a voz da rapariga, que repetia a canção sentindo uma profunda nostalgia que não teria podido explicar.
— É uma grande artista — disse McPherson. — Nunca acreditei que quisesse vir atuar no nosso saloon.
— Sim, é uma mulher extraordinária — reconheceu Palmer; —e há qualquer coisa nela que me preocupa muito. — Ainda bem. Os mineiros vão ficar malucos, e todos os indesejáveis que até agora não vieram cá acudirão para tentarem apanhá-la. Convém que estejas preparado.
— Sim; é capaz de fazer perder a cabeça ao homem mais equilibrado da fronteira, mas eu não me referia a isso. Tenho a certeza de que já a vi noutro lugar.
McPherson respondeu:
— Não acho que eu fosse capaz de esquecer uma mulher como esta.
— Eu sou da mesma opinião, e, porém, tenho a certeza de tê-la visto antes. Mas não posso lembrar-me onde nem quando. E sabes muito bem que nunca esqueço uma cara.
Quando a artista acabou, uma nova ovação levantou-se entre o público. Belinda cumprimentou, inclinando-se enquanto sorria. E dispôs-se a abandonar o palco, porém como os aplausos do público continuassem, reclamou silêncio e disse com voz doce:
—Fico-lhes muito grata por estes aplausos e desejaria interpretar mais canções, mas hoje sinto-me muito fatigada pela viagem. Amanhã, recuperando as forças, prometo satisfazê-los em tudo.
O público concordou. Um mineiro jovem disse:
—Descansa, beleza, e volta amanhã para que possamos admirar-te.
Belinda inclinou-se em direção a ele, sorrindo-lhe. Mas de repente uma voz dura na qual se notava o efeito do álcool, gritou:
—Um momento. Pagamos para que nos divirtas. E tens de ficar cá porque o exigimos todos.
McPherson disse então para Palmer:
— Não te tinha dito?
Leroy procurou aquele que tinha falado. Tratava-se de um homem alto e corpulento, de semblante tosco, com um sorriso parecido ao dum tigre. Era Burr Dwain. Mau assunto. Um tipo perigoso e cruel. O pistoleiro voltou a gritar:
— Que cante para mim. Estou aqui só e não tolero que se vá embora.
McPherson ia em seu caminho, mas Palmer deteve-o.
— Eu trato deste assunto.
Como ninguém respondesse, Dwain abriu caminho entre os outros clientes e dirigiu-se para o cenário, saltando para o palco e agarrando a rapariga por um braço.
— Fica comigo, querida.
Belinda lutou por libertar-se, enquanto dizia:
— Largue-me.
— Olha, minha joia, eu sou bom até o momento em que alguém me irrita. É preferível que não tentes fazê-lo.
— E se for eu que intentar?
Dwain virou-se surpreendido. Encontrou-se frente a frente com Palmer, dominado por uma fúria que até então não lhe tinham conhecido. Burr soltou a rapariga, contemplando sorridente o seu adversário.
— Ora vejam, nem mais nem menos que Palmer Leroy, o galante sudista, o cavalheiro do Sul. — Fez uma pausa e continuou: —Tu não me dás medo. Não és mais do que um fanfarrão.
— Dwain, vai-te embora daqui. Mas antes vais pedir desculpas a esta menina.
Burr largou uma gargalhada.
— Menina? Esta não é mais do que uma artista qualquer que se exibe...
—Dwain!
A voz de Leroy ao interrompê-lo era bastante significativa. Ninguém duvidou de que a luta era inevitável. Até a própria Belinda reparou na expressão do jovem, que lhe lembrava muito bem a atitude que adotara noutra ocasião, havia já muitos anos. Alguém lhe disse ao ouvido:
— Afaste-se, menina. Podem feri-la. Obrigaram-na a afastar-se dali.
Mas continuou vendo os dois homens imóveis, um frente ao outro, como dois galos de luta.
—Bem, Leroy; tu o quiseste e eu não tenho pena. Sempre desejei mostrar a todos que não eras mais que vulgar fanfarrão, um tipo cobarde que só sabia matar pelas costas.
Leroy deixou-o falar sem interrompê-lo, mas o olhar dos seus olhos era temível. Quando Dwain acabou, o jovem disse:
— Maestro, conte até cinco. Então faremos fogo.
Ninguém se atrevia a falar e todos procuravam afastar-se para não serem atingidos por uma bala perdida. Belinda reparara que iam bater-se e que um dos dois podia matar o seu rival; que daqueles dois homens um não voltaria a rir nem a beber. E esse homem podia ser Palmer.
O diretor da orquestra, a que chamavam maestro, começou a contar:
—Um, dois, três...
As palavras soavam roucas e profundas naquele silêncio da sala. Todos se achavam pendentes dos dois adversários, que se dispunham a fazer fogo quando soasse a fatídica cifra.
De repente, Dwain, com um sorriso selvagem, puxou o revólver apontando para o jovem. Tinha-se adiantado em consciência para poder matar o seu rival impunemente. Belinda não pôde evitar um grito de terror, visto que aquela atitude do seu inimigo colocava Palmer em franca inferioridade.
Mas, perante a surpresa geral, Leroy esgrimiu o revólver, com uma celeridade que a retina humana não podia seguir, e disparou antes que o seu adversário pudesse fazê-lo.
Ressoou a detonação no interior do saloon e Burr cambaleou, atingido no peito. O braço pendeu para o chão, perdidas as forças, embora ainda tentasse apertar o gatilho. Então caiu corno uma árvore abatida pelo machado do lenhador. Palmer contemplava-o imóvel, com o revólver ainda na mão, porém sem decidir-se a disparar outra vez. Depois enfiou a arma no coldre e disse friamente:
—Ponham-no na rua.
Enquanto acudiam os empregados a obedecer-lhe, Leroy foi ao encontro da rapariga. Belinda, incapaz de se conter, estendeu-lhe ambas as mãos e exclamou, quase sem reparar naquilo que dizia:
—Palmer, tive tanto medo.
O próprio Leroy ficou surpreendido ante o tratamento que ela lhe dava. Depois sorriu.
— Na realidade não havia perigo. Burr Dwain não era mais do que um lutador cobarde.
McPherson, que se encontrava entre o público, ouviu os comentários que se levantaram entre a multidão.
— A não ser por essa garota, talvez que Palmer não tivesse morto Dwain.
—Mas fez-nos um favor suprimindo-o.
— Já nos fez outros favores — reconheceu um terceiro —, mas esta garota merece que um homem se arrisque por causa dela.

1 Antiga canção popular escocesa, em dialeto. «Balada das quatro Marias». «Ontem éramos quatro Marys, esta noite não ficamos mais do que três. Estávamos lá Mary Seaton, Mary Beaton e Mary Carmichael e eu■. Tradução livre.
2 «Já tudo importa pouco, Lorena; o passado é qualquer coisa morta e cedo as nossas cabeças descansarão para sempre, Lorena». Tradução livre.

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