domingo, 17 de março de 2019

COL024.09 Conversas

Palmer estendeu a mão ao homem que se encontrava no seu escritório.
— Como está, Baldwin?
Kain Baldwin sorriu pela sua vez. Estava um pouco mais gordo, mas conservava-se forte e enérgico, cheio de vida. Os satélites que sempre o acompanhavam estavam reunidos ante o mostrador, bebendo por conta da casa.
Kain sabia que ali não eram precisos. Ninguém se atrevia, a menos que se expusesse a perder a vida, a promover escândalos no saloon de Leroy.
— Vim para ver essa estrela nova que o senhor contratou — disse Kain com ar sorridente. —Falaram-me muito na sua beleza e no seu trabalho. Mas não venho com propósitos pessoais. Nem a minha idade nem o meu aspeto físico me permitem sonhar com aventuras amorosas. E, além disso, tão-pouco desejo enfrentar-me com o senhor.
Palmer sorriu, porém, sem negar que molestar Belinda podia resultar perigoso para o homem que o tentasse.
— Quer um whisky? Trouxeram-me um novo carregamento dos mormões. Nunca soube dizer não a isso —respondeu Baldwin.
Uma vez servidos os whiskies, Leroy perguntou:
— Que tal andam os teus negócios, Baldwin?
Kain mexeu a cabeça.
— Não é por causa disso. Não venho para que o senhor me empreste dinheiro. Porém, já agora que o mencionou, há umas quantas coisas que me preocupam muito. Eu e o senhor, Leroy, somos dois cidadãos importantes e acho que podemos entender-nos.


— Gosto sempre de falar consigo, Baldwin, e considero muito interessante as suas opiniões.
Kain bebeu um trago de whisky e depois continuou:
—Veja, Leroy. Virgínia City é uma grande cidade. Não pode continuar como até agora. É preciso enfrentar-se com muitos problemas.
Leroy escutava-o em silêncio, mas nada disse, limitando-se a beber o seu whisky. Sabia que era preferível escutar a proposta de Baldwin para poder descobrir aquilo que pretendia, pois não havia dúvida de que tinha ido lá com algum propósito.
— Pois bem — continuou dizendo Kain. — Até agora podiam continuar as coisas um pouco ao gosto de cada um e as questões solucionar-se particularmente. Se alguém perturbava a ordem, ia-se ter com ele e de homem para homem afastava-se do meio. Quando aconteciam muitos roubos, os proprietários das minas saíam em perseguição dos ladrões. —Bebeu um novo golo de whisky e continuou: — Da mesma maneira, quando era preciso dinheiro, ia-se buscar a um bom amigo que o emprestava ou se ganhava ao poder. Agora as coisas não podem continuar deste modo.
Palmer ouvia-o com verdadeiro entusiasmo. Tudo aquilo o preocupava a ele também, mas sempre tinha tido a certeza que ao rico mineiro convinha-lhe que nada mudasse. Kain perguntou então:
— Bom, qual é a sua opinião?
— Concordo com essa exposição, Baldwin.
Kain sorriu, complacente.
— Ainda bem; a única solução que encontro para este problema é que nos reunamos os cidadãos e decidamos a criação de um Conselho Municipal. Seria fácil governar a cidade e evitar maiores desgostos. Eu começo a ficar saturado de ir sempre seguido por essas duas escoltas, e desejo lei e ordem. Deveríamos nomear um ajudante, até com poderes de sheriff, um juiz, e fundar um banco. Tudo isso iria solucionar os problemas com que agora devemos batalhar particularmente.
— Parece-me lógico — conveio Leroy.
—Eu acho que posso responder pelos proprietários das minas. Você é aqui muito popular e contaria com o apoio dum grande número de cidadãos. Acho que não nos será difícil constituir esse Conselho e dar-lhe vigor.
Leroy sorriu.
—Eu não posso responder pelo que farão os outros, Baldwin. Simplesmente posso garantir-lhe que tentarei convencê-los.
Kain assentiu.
—Isso chega para mim. —Pôs-se em pé e continuou: —Vou sair para ver essa artista. Desejo comprovar se é verdade aquilo que todos dizem.
Palmer ficou só no seu gabinete. As palavras do rico mineiro preocupavam-no bastante. Era verdade tudo quanto ele dizia, e ele próprio tinha verificado isso com relativa frequência. Mas não acreditava que Baldwin fosse sincero ao propor uma ordem legal naquela cidade.
Era preciso que muitas coisas tivessem mudado para que Kain não beneficiasse com aquela desordem. E tinha a certeza de que isso não acontecera. Porém, a ideia de se transformar num dos homens de influência do Conselho Municipal resultava-lhe muito atrativo. Bastava-lhe olhar para trás para se sentir muito contente com tal possibilidade. 

*

Palmer ouviu os aplausos que o público dedicava a Belinda pela sua última atuação da noite, e como aquela agradecia com a sua voz suave e meiga. Ao contemplá-la, Leroy sentiu uma emoção que até ali jamais tinha experimentado perante nenhuma outra mulher.
E, com efeito, Belinda era diferente de todas as outras. Aquele olhar dos seus olhos, aberto, cheio de ternura, sem a luz do descaramento das outras artistas teria bastado para enlouquecer qualquer outro homem. A sua voz, na noite anterior, depois de ter morto Dwain, tinha também uma nota íntima e terna como jamais tinha ouvido.
Nos seus lábios, o seu nome parecia distinto. Sentia-se ligado a ela por qualquer coisa que não podia precisar. Belinda saiu do cenário, dirigindo-se para o seu camarim. Leroy cumprimentou-a ao passar.
— Cada noite entusiasma mais o meu público, menina.
Belinda sorriu.
— A gente da fronteira é muito amável. Resulta muito agradável atuar perante ele e depois de ter conhecido os públicos frios do Este. Apaixonam-se imediatamente e não o ocultam. Não parece ter muito entusiasmo pelos nortenhos.
—Nenhum. Eu também sou do Sul.
Isto despertou interesse no jovem.
— Do Sul? Ignorava-o. Em que lugar nasceu?
— Em Nova Orleãs. Ou é que já esqueceu o sotaque dos seus conterrâneos?
Palmer contemplou-a surpreendido.
— O seu sotaque é levemente diferente do meu, Belinda. Porém você não é crioula.
— Não, a minha família era irlandesa. Chegaram a Nova Orleãs com o general Jackson, Mr. Leroy.
Palmer observou-a levemente surpreendido.
— Mr. Leroy? Ontem chamou-me de outro modo.
Pareceu-lhe que a rapariga se ruborizava ligeiramente. Ela devolveu-lhe o olhar.
— Estava muito assustada com aquilo que acabava de acontecer.
— E lamentável que a menina tivesse essa receção na nossa cidade, porém eu desejo evitar-lhe novos incidentes. Entretanto, se é a esses incidentes que devo o favor de ser tratado pelo meu nome próprio, talvez deva benzê-los.
— Não, não; de maneira nenhuma—respondeu a jovem. — Preocupa-me muito que por minha causa se exponha alguém.
— Então, continuará a chamar-me Palmer?
Belinda tornou a ruborizar-se e sorriu.
—Sim, Palmer.
— Agora me lembro — continuou Leroy —, já recebi notícia de que na diligência que chegará dentro de três ou quatro dias, vem a sua equipagem, o seu representante, a sua criada e o seu pianista.
— Ainda bem, começava a estar preocupada. Tinha medo de que se tivesse perdido tudo no caminho.
Observou ela que o jovem não insistia a fazer-lhe perguntas a propósito de Nova Orleãs. Por um momento ficaram os dois silenciosos e olhando-se fixamente. Palmer disse para si mesmo que naquelas circunstâncias aquele instante teria sido penoso para os dois, porém sentia-se unido a Belinda por qualquer coisa que não podia precisar.
— Tudo isto —. disse de repente a rapariga —é muito diferente de Luisiana, mas Virgínia City lembra-me um pouco Nova Orleãs da guerra e do após-guerra. Era em parte uma cidade sem lei e sem dono. Quando governavam os yankees, converteu-se numa povoação violenta, reprimida e obscura. Não lhe parece?
— Não estava em Nova Orleãs durante a contenda — explicou ele—, mas posso imaginá-lo muito bem.
Surpreendeu-se novamente Belinda na atitude do jovem e do seu vivo desejo de mudar de conversa. Tinha suposto que as lembranças da sua cidade os iam unir, mas ele não queria falar nisso. Porém, noutra época demonstrou conhecer Nova Orleãs muito bem.
— De qualquer modo — exclamou Palmer de repente —em Nevada há lugares muito formosos, incluindo as proximidades das minas. Vale a pena conhecê-los.
— Gostaria—reconheceu ela. — Jamais tinha estado cá, e por enquanto só vi a cidade.
— Sabe montar a cavalo?
— Cavalguei um pouco, mas não sou uma perita amazona.
Palmer sorriu.
— Um bom sudista deve sempre saber cavalgar. Amanhã de manhã daremos um passeio a cavalo.
Belinda sorriu por sua vez, divertida.
—Combateu com Stuart, não é verdade? Essa frase repetiam-na sempre os seus homens.
Leroy agitou-se ligeiramente.
— Não, não combati com Stuart. 
Mas nada aclarou.

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