terça-feira, 19 de março de 2019

COL024.11 Os expoliadores

Belinda entrou no seu quarto, impressionada pelo que acabava de contemplar. Palmer referiu-lhe o sucedido, e embora ela não visse os cadáveres, compreendia muito bem a onda de terror que se ia estender sobre a povoação.
Era quase impossível viver tranquilo quando se sabia que seres tão desapiedados e violentos imperavam em Virgínia City. A cidade não tinha autoridades, e qualquer dia, que poderia ser a manhã seguinte, os que assaltaram aquela mina poderiam entrar na povoação semeando a morte, o saque e a desolação. Palmer não podia evitar que isso acontecesse, apesar de que todos, como haviam demonstrado, tivessem confiança nele.
Ao abrir uma das portas viu dois homens e uma mulher sentados num sofá, esperando pacientemente. Belinda sorriu ao descobri-los.
— Até que enfim; até que enfim que chegaste — exclamou.
Os três puseram-se em pé e a mulher respondeu em tom de recriminação:
—Tenho a certeza de que não notaste a nossa falta. Durante todo este tempo só pensaste nesse jogador.
Belinda largou uma gargalhada e apertou nos braços a mulher:
—Tia Agatha, não sejas rabugenta. Sabes muito bem que desejava ter-te a meu lado. —Depois dirigiu-se em direção aos dois homens, e disse afetuosamente àquele que usava barba: -- Tu, Reinhardt, és o único que podes acompanhar-me bem ao piano. Tu ensinas-me a minha arte e sabes aquilo que deves corrigir-me. —Depois contemplou o homem de cabelos brancos. —E tu, Blier, és o único que sabe encontrar bons contratos para mim. Porém, além disso, os três são meus amigos. E isto é o mais importante. Estiveram a meu lado sempre e prometeram defender-me. Não tenho outra família além de vocês.


Os três abraçaram-na, ao mesmo tempo que diziam:
—Por isso viemos até aqui.
—É a razão pela qual te seguimos até Nevada.
Tia Agatha continuou:
—E não nos importa suportar incómodos.
Belinda respondeu:
— E eu fico-lhes muito grata por terem vindo. Trouxeram a minha bagagem.
Blier, representante e administrador da artista, assentiu.
—Exato e seguro. Aqui tens tudo disposto para qualquer das tuas atuações.
—Eu trouxe as partituras e podemos ensaiar quando quiseres.
— Sim, fá-lo-emos amanhã mesmo e passaremos revista às roupas e ao dinheiro. Agora — continuou a rapariga com um sorriso —, deixem-me a sós com a tia Agatha. Há coisas que só a outra mulher se podem dizer.
Os dois homens partiram deixando-as sós. Tia Agatha contemplou-a em silêncio. De repente exclamou:
— Que é que te aconteceu, Belinda?
A rapariga sorriu com picardia, mas simulou não ter percebido.
— Que queres dizer, tia?
— Está bem claro. Que é que aconteceu? Tens os olhos brilhantes como jamais os tinhas mostrado e pareces mais feliz que nunca. Isto, e a mim não me enganas tu, só pode conseguir-se à custa dum homem.
Belinda, enquanto as suas faces se tornavam encarnadas, respondeu:
— Parece-me que exageras, tia.
— Menina, minha menina — respondeu a outra, — embora eu seja velha e tenha já cabelos brancos, também eu tive a tua idade e senti o entusiasmo de olhar para o homem querido. Teu tio era um vadio, mas fez-me muito feliz. E sei que esse olhar e essa expressão ditosa somente se têm quando alguém nos faz o amor e nos vai interessando muito.
Belinda passou-lhe o braço pela cintura e acompanhou-a até ao sofá.
—Vem, tia, contar-te-ei tudo que me aconteceu.
— De modo que há um homem — comentou a outra.
Belinda, concordou, ocultando um sorriso.
— Bem, no fundo não deixa de me alegrar, embora me preocupe pensar se terás acertado na escolha. Porém é verdade que ainda me preocupava mais ver que ninguém parecia interessar-te.
—Tia — disse a rapariga. — Lembras-te de que quando cheguei a tua casa, há uns anos, contei-te que um homem me tinha pago a viagem, um jogador do rio?
Agatha olhou-a, contendo por sua vez um sorriso.
— Não será Palmer Leroy?
—Sim, tia; era ele. Mas ele não se recorda de mim.
— Então esse é o motivo pelo qual abandonaste tantos contratos importantes para vir para este lugar?
— Sim, tia Agatha.
—Bom; pelo menos já mo explicaste. Mas a verdade resultava difícil. Não te reconheceu ele?
— Não, tia Agatha. Diz que tem a certeza de ter-me visto noutra ocasião, mas que não se lembra.
— Isso dizem-no todos. Não faças caso.
—Não; Palmer não mente.
— Isso acreditamos sempre nós com aquele que nos interessa, mas enganamo-nos. —Fez uma pausa e perguntou: —Vejamos, é que durante todos estes anos só pensaste nesse homem?
— Sim, tia.
— Queres-me fazer acreditar que desprezaste todos os pretendentes que só pensavam em casar-se contigo, que te seguiam por todos os lados e que se tornavam loucos por ti, unicamente porque te apaixonaste por um jogador do rio aos catorze anos de idade, quando te ajudou?
— Sim, tia. Mas se o visses, compreender-me-ias bem.
—É tão belo?
—Sim! mas além disso tem uma grande personalidade que domina toda a gente. Uma mulher ao seu lado sente-se sempre segura, defendida e protegida de todo o perigo.
—Provavelmente deve ter um ar desenvolto, atitudes elegantes e olhar fogoso.
Belinda olhou-a surpreendida.
— Como o sabes? Já o viste alguma vez?
Tia Agatha negou com a cabeça. –
— Não; não o vi nem tão-pouco preciso vê-lo. Conheço esse género. Todos os jogadores de rio são iguais. E todos eles são capazes de tornar maluca uma mulher e depois esquecê-la.
Belinda protestou.
—Palmer é diferente, tia. Todos confiam nele. Além disso, é de Nova Orleãs. Conhecia a cantina que vocês tinham. De Nova Orleãs? Palmer Leroy? Não me lembro. Mas enfim, minha filha; tudo aquilo que te digo é para teu bem. O que eu desejo é que encontres um homem bom que te faça feliz, embora seja um malandro, como me aconteceu com teu tio. 

*

Baldwin passeava pelo seu escritório, preocupado, a refletir. Não restava a menor dúvida de que as coisas iam tomando um aspeto que lhe poderia interessar, como se aqueles desconhecidos que iniciaram o ataque à mina tivessem conhecido os seus propósitos. O ataque chegava no momento mais oportuno para que todos aprovassem os seus projetos. Leroy devia pôr-se a seu lado, e era inegável que durante aquele ano tinha adquirido uma grande popularidade dirigindo o saloon e que muita gente lhe devia favores. Porém ignorava se aquele estaria disposto a caminhar ao seu lado como um auxiliar ou se queria ser ele quem dirigisse o negócio. Tinha a sensação de que não ia ser fácil governar Leroy e de que não podia prescindir dele.
De repente bateram à porta. A uma voz sua, entrou um dos seus guarda-costas.
— Há um homem que deseja vê-lo; diz que se chama Brett Darnell.
— Como?
—Sim. Brett Darnell. Não é o tipo que tinha dantes o saloon de Leroy?
— Fá-lo entrar.
Enquanto aguardava, perguntou-se o mineiro que procuraria ali Darnell. Em poucos segundos, Brett, vestido com roupas de campo, entrou no escritório, mantendo uma atitude reservada, mas ao mesmo tempo segura.
— Bem, Darnell, em que posso ser-lhe útil?
Brett retorceu o bigode.
— Baldwin, desejaria pedir-lhe a sua palavra de que não vai repetir a ninguém o que lhe vou dizer. Por outro lado, acho que lhe interessa tanto como a mim aquilo que lhe tenho a dizer.
Kain não era homem que falasse demais nem que se comprometesse com qualquer coisa que depois pudesse prejudicá-lo.
— Bom, fale.
Darnell sorriu.
— Confio no senhor, porque sei que não me vai atraiçoar. No fim de contas, os dois pretendemos a mesma coisa.
— A mesma coisa? —perguntou Kain. — Sim, apoderarmo-nos daquilo que é nosso, o senhor das minas, e eu de Virgínia City. Juntos, poderíamos chegar a governar este Estado. Já reparou nisso?
Baldwin não quis reconhecer que o outro tinha acertado. Darnell continuou:
— Para que veja a minha sinceridade, ser-lhe-ei completamente franco. Fui eu quem assaltou a mina. Agora não tem donos, e você pode adquiri-la com facilidade. Mas com a prata que ali juntei consegui uns vinte homens dispostos a tudo.
— Que entende o senhor por dispostos a tudo?
—Semear o terror no condado para que nos obedeçam. O senhor pode organizar o que lhe pareça que deve unir-nos. Fala-se em Virgínia City de formar um Conselho. Suponho que lhe será fácil ficar com a direção desse Conselho. Então poderíamos sem dificuldades abrirmos caminho. Mas eu exijo antes do que nada Leroy.
Baldwin olhou-o surpreendido.
—Leroy?
— Sim. E se não quer que o aniquilemos, tenho um motivo muito simples para eliminá-lo. Durante a guerra comandou os guerrilheiros. Escapou às autoridades, mas será fácil julgá-lo e condená-lo.
Baldwin conteve um sorriso. Aquela revelação parecia-lhe muito mais interessante do que tudo o que tinha imaginado. Acreditava poder ter nas mãos Leroy com aquela ameaça, mas não julgava conveniente pô-la em jogo até ao último momento. No fim de contas, Palmer não era o homem que se pudesse amedrontar facilmente.
Contemplou então o seu interlocutor. Era uma ocasião que não devia perder, mas queria reservá-la igualmente para outra ocasião. Darnell contava com vinte homens que no dado momento podiam constituir uma força considerável, mas também um grave perigo. Se Leroy viesse a jogar ao seu lado, perseguiria Darnell. No caso contrário, contaria com este.
— Bem, Darnell —disse: --estimo aquilo que acaba de me dizer, mas preciso pensar. Interessa-me, e acho que vale a pena estudar este projeto.
— Eu atacarei novas minas — disse. — Preciso que saibam que existo e que posso vencê-los.
—Bem, parece-me bem. Se precisar de dinheiro, diga-mo.
—De momento não preciso de nada.
O bandido foi-se embora deixando novamente sozinho o mineiro, que esfregou as mãos satisfeito. Estava no caminho do sucesso.

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