segunda-feira, 18 de março de 2019

COL024.10 Os cavaleiros da noite

O negro manto tinha-se estendido pela terra de Nevada e o mundo parecia sumir-se num universo de fantasia e de expectação que se misturava com infinita paz. As estrelas brilhavam desde o alto, e na obscuridade da noite, bem protegidos dos seus inimigos, os grilos entoavam a sua eterna canção.
Na mina, os trabalhadores descansavam, brincando, bebendo e jogando as cartas. O dia tinha sido duro, mas eles desejavam gozar uns instantes de paz antes que o sono os afastasse do mundo em que viviam para sonhar com a futura riqueza.
Tão só uma sentinela armada se achava no exterior, sentada com o rifle entre as pernas, protegida contra o frio e contra os possíveis adversários. De repente ouviu o trote de um cavalo que avançava em sua direção e pôs-se em pé, armando o rifle.
— Alto aí, quem vem lá?
— Calma, amigo, calma. Sou um homem de paz. Viajo até Virgínia City. Posso ficar aqui por uma noite e comer um pouco?
A sentinela não podia negar-se a isso. A lei de hospitalidade da fronteira indicava que todo o viajante que pela noite solicitasse albergue, ter-se-lhe-ia de conceder.
— Está bem, amigo — respondeu a sentinela —, aproxime-se.
Os mineiros, que tinham ouvido este breve diálogo, não prestaram atenção. A sentinela viu como o cavaleiro se aproximava, sem pretender ocultar-se.


De repente, quando estava a seu lado, disparou o revólver que empunhava. Nem sequer teve tempo de usar o rifle. Como que respondendo ao chamamento desse disparo, uma tropa de cavaleiros precipitou-se sobre o acampamento.
Os mineiros tentaram sair e defender-se, mas os outros já tinham rodeado a cabana e disparavam sobre todo aquele que tentava fazer-lhes frente. Como se de antemão tivessem estudado o terreno a fundo, os grupos avançaram até às construções, parando junto das janelas e diante da porta, começando um forte e fechado tiroteio.
Os mineiros caíam atingidos pelas balas daqueles mascarados que pareciam ter nascido da terra. Nem sequer tiveram tempo de tentar uma defesa desesperada. foram aniquilados num instante pelos seus inimigos. Então, entrou outro mascarado no acampamento, alto, brutal, corpulento.
— Matem os feridos. — ordenou. — Não desejamos testemunhas que nos possam depois acusar.
Os seus homens, como corvos, foram-se aproximando dos cadáveres e começaram a examiná-los com atenção, cada um deles com um revólver na mão. De quando em quando, algum ferido gemia por causa da dor, e então o seu adversário disparava sobre ele sem o mínimo escrúpulo.
Alguns tinham ainda forças para repararem naquilo que estava a acontecer e levantavam a mão, como se pudessem deter o disparo, enquanto gritavam:
—Não; por amor de Deus, não.
Mas ninguém se salvava daquela matança geral. O indivíduo que dirigia aquela operação contemplava os assassinos com expressão de íntima satisfação.
Quando acabaram, no acampamento os gritos e os disparos das armas, o mascarado encaminhou-se para a cabana mais importante. Saltou do seu cavalo, e com um disparo abriu a porta. Depois entrou. No interior estavam os cilindros de prata amontoados cuidadosamente uns sobre os outros.
—Cá está a recompensa. Vamos, carreguem-na sobre uma mula. Mais tarde faremos a repartição.
— Aqui há várias mulas, Darnell —disse um dos assaltantes.
O chefe do grupo derrubou-o ao chão, batendo-lhe no crânio com o revólver. Depois murmurou:
— Não se esqueçam das minhas ordens. Aqui não se devem pronunciar nomes.
Brett Darnell, pois era ele, virou-se em direção aos outros mascarados.
— Já lhes disse que haviam de ganhar muito dinheiro comigo. Procurem tantas mulas e cavalos quantas sejam possíveis e carreguem a prata. Depois sigam-me. E preciso viajar depressa. 

*

Palmer e Belinda cavalgavam tranquilamente nas proximidades da povoação. Os acampamentos mineiros pareciam, visto de longe, formigueiros gigantes que se levantavam num constante esforço. A rapariga mexeu a cabeça surpreendida.
—E possível que todos os arredores não sejam mais do que minas? Que a terra esteja toda esburacada por causa do mineral?
Palmer concordou.
— Assim é, mas não somente acontece próximo da cidade. Em todo o condado acontece o mesmo, e há acampamentos em que os mineiros somente vêm cá uma vez por semana.
Belinda sorriu.
— E uma pena. A terra virgem é tão formosa, que tenho pena de que isto tenha acontecido.
— Nas proximidades de Nova Orleãs — respondeu o jovem quase sem reparar — também acontece o mesmo. As terras estão semeadas pelos plantadores. Quer dizer — corrigiu —, estavam-no. Ignoro se agora é assim, falo antes que eu me fosse embora.
— Na atualidade também é como cá, mas nas proximidades do lago Ponchartian e nos arredores do golfo a terra é virgem e a selva cobre tudo.
— Como é que chegou até aqueles lugares? — perguntou Leroy, enquanto continuavam o caminho. Belinda sorriu, dirigindo-lhe um olhar de esguelha.
—Nós, os artistas viajamos muito. Esqueceu-o?
Tinham chegado ao pé dum regato sombreado pelas árvores que não parecia comparar-se com o resto do panorama, do qual ficava isolado devido a umas rochas cobertas de musgo. Palmer parou o seu cavalo e exclamou:
— Podíamos sentar-nos aqui. Descansaremos e os cavalos poderão beber.
Como ela concordasse, saltaram os dois ao chão e sentaram-se sob as árvores. Palmer comentou então, reanimando a conversa:
—Embora as artistas viajem muito, surpreende-me que fosse por aqueles lugares. Em Ponchartian e nos arredores não há mais que povoados miseráveis.
Belinda dirigiu-lhe outro novo olhar.
—E julga que eu sempre fui uma grande artista como agora? Nos princípios tudo foi muito difícil para mim.
Palmer olhou-a surpreendido.
— Eram cegos? Só assim se explica que não a compreendessem desde o primeiro instante. Além disso, você é muito nova e não pode haver muitos anos que atua nos tablados.
Ela conteve o riso.
— Acha? —Quase em seguida continuou: — Advirto-o, porém, que um ano ou dois passam muito depressa.
Palmer concordou por sua vez.
— Sim, é lógico. Mas tão-pouco se explica como não viram a sua primeira atuação que você merecia outro público.
Belinda respondeu então:
— Também não se explica que você pudesse ter-se transformado no proprietário dum saloon. As pessoas que conheci em São Francisco e Santa Fé eram muito diferentes. Embora dissimuladas por uma capa de distinção, advertia-se em seguida o homem tosco. No senhor o bom tom resulta muito natural.
Palmer não a olhou, como temendo que ela pudesse descobrir qualquer coisa no fundo dos seus olhos, e escolheu os ombros. Depois duma longa pausa, disse:
— A vida conduz-nos por caminhos que nunca teríamos imaginado. Por muito que nos ufanemos imaginando que somos fortes ou capazes de conseguir algum triunfo, não conseguimos mais do que suster-nos na corrente da vida.
Belinda contemplou-o surpreendida.
—Palmer — exclamou como escandalizada —, nunca tinha acreditado que o senhor se sentisse derrotado.
Ele encolheu os ombros.
—Ignoro se sou um derrotado, mas sim sei que nunca poderei dominar as circunstâncias.
Belinda olhou-o de novo.
— As vezes nós mesmos criamos as circunstâncias que nos obrigam a fracassar.
Palmer demorou a responder, sempre sem olhá-la.
—É inútil procurar a fonte da nossa situação. Devemos limitar-nos a submetermo-nos a ela. Ou devemos encaminhá-la segundo os nossos propósitos. É mais fácil e mais cómodo manter-nos naquilo que temos conseguido, que procurar um caminho mais alto, embora seja muito mais lucrativo.
— Para si é fácil dizer isso —respondeu Leroy —, pois deve ter encontrado na vida gente disposta a ajudá-la.
Um sorriso divertido e por sua vez doce estendeu-se pelo semblante da rapariga.
— Nisso engana-se. Tão só uma vez me estenderam uma mão amiga.
Antes que o jovem pudesse falar, ouviram-se uns gritos afastados. Palmer pôs-se em pé e olhou por cima das rochas. Belinda não demorou em imitá-lo. Nos campos das minas tinham abandonado o trabalho e a gente corria a toda a pressa em direção ao caminho, pelo qual avançava uma caravana. Palmer ficou silencioso. Não lhe parecia lógico que isto acontecesse. De repente voltou-se para Belinda.
—Vamos; é preciso saber o que está a acontecer.
Saltaram sobre a sela e partiram a galope em direção ao lugar onde os mineiros se reuniam. Conforme se aproximavam, ia distinguindo com maior clareza a caravana. De repente Leroy deteve a rapariga e advertiu: 
— Não se mexa daqui.
Avançou sozinho. Ao chegar junto da caravana, comprovou-se do que tinha pensando. Os cavalos transportavam cadáveres. Os condutores, aos que eram acompanhados pelos mineiros, ao reconhecê-lo pararam.
—Encontrámo-los assassinados a todos —explicou um dos cavaleiros. —Estavam na mina «Brigth Sky». E foi roubada toda a prata.
— Não se salvou ninguém?
— Não, ninguém.

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