sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

CLT018.09 As promessas de Jonathan Fox

Slim Milligan secou o suor do rosto e olhou colericamente para o exterior. Os reflexos do incêndio deram ao seu rosto tonalidades sangrentas.
—Malditos cães!... — rugiu, crispando os punhos sobre a espingarda que estava colocada no parapeito da janela. — Já voltaram ao seu divertimento favorito.
Doris Howland, que os ajudava a carregar os rifles, estremeceu recordando os incêndios das suas próprias terras. Rush estudou-a em silêncio do seu posto de guarda.
— Não vê nada significativo neste fogo, menina Howland? — perguntou com voz grave.
Ela concordou com a cabeça.
— Talvez — disse.
— Há um incendiário em Riverwood, não esqueça. E é difícil renunciar à sua obcecação destruidora.
—Lashwell? — opinou Jess, sem afastar os olhos de Doris.
Rush fez um gesto.
— Isso é o que parece — opinou, voltando a sua atenção para a frente do edifício, onde jaziam três cavalos sem vida.
Agora os seus corpos eram iluminados pelas chamas do voraz incêndio que estava aniquilando as possessões dos Milligan.
— Poderemos resistir muito aqui? — perguntou Harry, sombrio.




—  Não creio—expressou-se Slim.
— Se atacam em massa, alcançam o edifício.
— Só existe uma solução—disse Jess. — Atirar a matar.
— Sim, então tiraríamos mais vantagem — aprovou Slim. — Mas não podemos converter-nos em criminosos. Pensem que a maior parte dessa gente são pessoas honradas e rectas, que julgam cumprir um dever de justiça vindo aqui linchar-nos. A culpa é de Lashwell e dos seus esbirros, não dos outros.
— Slim tem razão, Jess — admitiu Harry, pensativo.
—Que diz você, Rush? — perguntou Slim ao jogador.
Rush meditou durante uns segundos.
— Em consciência, creio que isso é o mais acertado—e sorriu com cinismo ao acrescentar: —E não é que eu seja consciencioso, claro. Mas não podemos assassinar, nem mesmo que seja em defesa das nossas vidas.
— Cuidado! Já voltam! — gritou Jess, apertando o gatilho da sua arma.
 E viu com satisfação o projétil alojar-se na pata do cavalo de um dos cavaleiros, Rush fez pontaria e disparou duas, três vezes, sobre um grupo que atravessava a clareira a toda a velocidade. A luz do incêndio ajudava a fixar o tiro. Rolaram alguns cavalos com os respetivos cavaleiros, e outros os seguiram ao vibrar os disparos de Harry e Slim. Da zona coberta saiu uma descarga cerrada que abateu a maioria dos vidros das janelas. Rush afastou-se ao cair-lhe em cima uma verdadeira chuva de vidros, e então viu que Harry largava a espingarda e levava a mão ao ombro direito, que começava a sangrar.
—Harry! — gritou Jess alarmado.
— Não é nada — sorriu forçadamente Harry. —É um simples arranhão...
Jess irritou-se. Rush conhecia já os arrebates do jovem. Um deles esteve a ponto de custar-lhe a vida naquela mesma noite, nas ruas da cidade. O loiro rapaz ergueu-se temerariamente, assomando meio corpo na janela, e começou a disparar a sua «Winchester» sobre os atacantes sem um segundo de descanso.
Dois homens rolaram na clareira, seriamente atingidos. Rush deslizou velozmente por baixo das janelas e puxou Jess, derrubando-o. Quase em seguida, uma verdadeira chuva de balas entrou pelo buraco que pouco antes o jovem ocupava.
— Louco! — exclamou Rush. — Esteve quase a ser crivado.
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Doris Howland, entretanto, atendia o ferido, que lhe sorria cordialmente.
—A bala não ficou dentro, não se preocupe.
—Apesar de tudo, temos que vedar a ferida.
A animosa jovem rasgou uma tira da camisa de Harry e ligou fortemente a ferida. Ele olhou-a com simpatia.
—Você é muito boa, Doris... —disse com sinceridade. — Daria anos da minha vida para que acreditasse em nós.
Doris sorriu de um modo tão doce que pareceu ainda mais formosa do que na realidade era.
—Começo a acreditar, Harry.
De repente, no exterior aconteceu algo. Um grupo lançou-se a galope pela zona descoberta, unindo-se aos assaltantes, que cessaram o fogo. Rush apurou a vista, distinguindo uma figura alta com qualquer coisa brilhante no peito, e outra mais baixa e corpulenta, vestida de negro. Junto deles, uma mulher de brilhante indumentária. Rush soltou uma exclamação de surpresa. O sheriff Fox, o juiz Benson... e Jeannine! Atrás, os comissários e vários homens do Mississípi Lady com as espingardas em posição de tiro.
— Que diabo ocorre agora lá em baixo? —grunhiu Slim.
O «Anjo» sorriu com alegria.
— Pelo menos, livramo-nos do linchamento, amigos. A lei intervém, apoiada por amigos meus do barco.
— Graças a Deus! — suspirou Jess.
— Alguém se aproxima — informou Slim. — É Fox.
Com efeito, o sheriff, montado num arrogante cavalo branco, penetrou na cerca, a passo lento. Levantou a mão em sinal de paz.
—Eh, Slim! E tu, Rush! —gritou.
— Que há, sheriff? — perguntou de dentro o primeiro.
—Deponham as armas, rapazes. Não haverá linchamento nem nada parecido. A lei protege-os. Vocês os três e Rush serão presos provisoriamente, como suspeitos. Amanhã efetuar-se-á um julgamento imparcial presidido pelo juiz de Litle Rocky, e se estão inocentes dos crimes, serão postos em liberdade.
— Isso é verdade, Jonathan? — gritou Slim.
—Sim, Slim. Têm a minha palavra de sheriff e de amigo. O juiz Benson também responde por todos. Não serão acusados por isto agora, pois foram atacados em vossa casa. Se quiserem poderão pedir uma indemnização pelos prejuízos causados nas vossas terras. Que respondem?
Olharam-se entre si.
— Que fazemos, Rush? — perguntou Slim ao «Anjo».
— Não gosto de tantas facilidades. Não vejo a coisas claras.
— Mas não temos outra alternativa, compreendo-o. Acabam por nos apanhar.
—Rendam-se, Rush! — gritou Jeannine de baixo. — O sheriff e o juiz prometem que tudo será legal. Não têm nada que temer.
Houve uma breve pausa. Por fim, Rush encolheu os ombros.
— Bem. Se não há outro remédio...
— Rendemo-nos, sheriff — exclamou Slim, com voz forte.
O velho Fox sorriu.
— Alegro me, rapazes. Creio que tudo acabará em bem. — disse em tom sincero.
Mas Rush Marlowe continuava a não gostar daquilo tudo...
Novos reflexos sangrentos projetaram-se sobre as águas do Mississípi. Mas desta vez não eram de nenhum incêndio. O fogo dos algodoeiros tinha sido extinto, e só ficara um sombrio rasto de terras queimadas, reduzindo muito a produção dos Milligan.
Agora, as luzes vermelhas que brilhavam no rio eram produzidas pelo suave amanhecer. Com a noite, parecia ter-se afastado de Riverwood a sede de sangue e do vandalismo dos seus habitantes. A cidade dormia, em aparente tranquilidade.
Ainda havia luz no escritório do sheriff, e a claridade da janela era a única que se via na rua, que tinha já um tom azul-acinzentado e que no horizonte adquiria tons escarlates.
Jonathan Fox dormitava na sua cadeira, cansado de escrever as suas informações sobre os acontecimentos da noite anterior.
Na cela contígua Rush Marlowe dormia também tranquilamente. E nas outras celas, os três Milligan aguardavam a chegada do dia, e com ele a do juiz Matthews, de Litle Rocky, que havia de os julgar. Estavam inocentes, e tinham confiança na sua absolvição.
Ninguém teria dito, vendo repousar tão tranquilamente Rush, que era quem menos confiava em todas aquelas promessas de Fox. Não pelo velho sheriff, a quem julgava ainda honrado, mas de alguém em Riverwood que procuraria no dia seguinte acumular provas contra eles.
Ignorava o meio que empregariam, mas o evidente era que os seus adversários não iam ceder numa altura daquelas. Também para muitos teria resultado uma surpresa saber que o jogador dormiu pensando numa jovem doce e encantadora: Doris Howland.
O sheriff levantou a cabeça e olhou com olhos sonolentos a pessoa que acabava de entrar no escritório.
— Olá, Benson, que quer agora? — grunhiu mal-humorado. — Julgava que já dormia tranquilamente.
—Venho falar-lhe do julgamento de amanhã, Fox — disse o magistrado com um sorriso.
—Diga antes o julgamento de hoje. Sabe que horas são?
—Bem, é o mesmo. É referente aos Milligan e a Marlowe. Já pensou se são declarados inocentes? Toda a povoação nos pedirá que prendamos o culpado! Que fará então, Fox? O sheriff encolheu os ombros.
—Se os absolverem é porque estão inocentes. Então terei de encontrar o verdadeiro culpado.
— E encontrá-lo-á? —disse sarcástico Benson.
— Não sei; nem creio que isso importe muito —e olhou com certo receio o juiz. — Oiça Benson, você parece muito interessado em que esses rapazes caiam. Porquê?
O juiz riu forçadamente.
—Não diga isso, Fox. Eu não tenho outro interesse que não seja o de fazer justiça, e, se for possível, salvar a nossa posição.
— Julgo que ambas as coisas são compatíveis.
Benson franziu o sobrolho e não foi capaz de esconder a sua contrariedade.
— Está bem, isso é consigo — disse, encaminhando-se para a porta. — Eu avisei-o lealmente.
—Então, obrigado, Benson — replicou secamente o sheriff.
O juiz saiu para a rua, já banhada pela luz débil da manhã, que deixou ver a expressão dura e cruel do seu rosto.
Atravessou a rua com passos rápidos até chegar a um alpendre de uma casa próxima. Ali, oculto pelas sombras intensas do amanhecer, permanecia oculto um homem.
—Que disse o sheriff7— perguntou uma voz rouca ao juiz.
—Continua empenhado em que tudo seja legal e recto — informou Benson, com tom depreciativo. — Nunca conseguiremos convencê-lo.
— Pior para ele —a voz do homem oculto teve agora um tom sinistro. — Da outra maneira tudo teria sido mais fácil.
— Que fazemos então? —Só há um meio: eliminar o sheriff.
Benson sentiu um leve arrepio.
—É necessário esse recurso?
—Sim. Os três Milligan e o seu amigo têm de ser condenados. Qualquer deles, em liberdade, será um perigo muito sério.
— Está bem. Se não há outra solução, eliminaremos Fox.
E sem nenhuma outra palavra, Benson dirigiu--se para sua casa, enquanto o homem oculto na sombra também se afastava rua abaixo. No seu escritório, o sheriff voltava a dormitar, alheio a tudo o que se passava, e a sua morte tinha sido ditada pelo mesmo ser diabólico que mexia os cordelinhos das sombras das personagens daquele drama. Um drama cujo cenário era Riverwood e que ia entrar agora no momento crítico.



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