quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

CLT018.08 A fazenda sitiada

Os três irmãos Milligan receberam, com profundo assombro, os recém-chegados. Rush, coberto de pó, não tinha muito bom aspeto. Doris Howland, lívida, limitou-se a fixar o seu olhar neles, estremeceu quando fixou o perturbado Jess, e continuou fechada no brusco mutismo
—Por todos os diabos do inferno, Marlowe! —exclamou Slim Milligan, sem voltar a si da surpresa. —Você sabe o sarilho em que se meteu ao ter raptado esta jovem mesmo nas barbas do sheriff?
— Claro que sei — Rush, fatigado, deixou-se cair numa cadeira na ampla sala onde os proprietários da fazenda o receberam. — Mas a um homem acusado de assassínio não lhe importam outros delitos mais pequenos.
—Essa acusação é ridícula, Rush —ralhou Jess. — Iremos consigo à cidade e...
— Não seja ingénuo, Jess. Isso é o que eles queriam. Lashwell e a sua gente estavam excitando a multidão para um linchamento. Talvez a estas horas caminhem já para aqui.
— Isso é verdade? — grunhiu Harry abismado. — Esperem e já vão ver.
Harry murmurou algo inacreditável e saiu precipitadamente da sala. Rush olhou para Doris de pé e silenciosa.




— Não se senta, menina Howland? — sugeriu.
—Não.
A resposta foi seca e contundente. Rush encolheu os ombros e Jess pareceu mais embaraçado que anteriormente.
— Como queira — sorriu o jogador. — Mas aviso-a que acabará por se cansar. Daqui tardaremos muito em sair.
— Julga que nos sitiam, Marlowe? — perguntou Slim. —É muito possível. A manobra contra vocês é evidente. Alguém está interessado em arruiná-los e até a eliminá-los seja como for. Eu, por ter-me posto ao vosso lado, também os estorvo e idealizaram esse lindo assassinato de Burton para me enforcarem. Na realidade, creio que Burton foi posto ali com a única finalidade de ser morto às nossas mãos e poderem depois fazerem a acusação.
—E então Fox?
—O sheriff, não sei porquê, está influenciado e dominado por alguém, a mesma pessoa que dirige toda esta farsa, e possivelmente quem disparou sobre Matt Howland.
—E que procurará com tudo isto, quem quer que seja, e com todas estas manobras infames? —inquiriu Jess, intrigado.
—Quando o soubermos, é possível que descubramos a entidade do nosso incógnito inimigo.
— Lou Lashwell? — aventurou Slim.
—É possível — admitiu vagamente Rush.
Doris, pela primeira vez voltou-se para Rush.
— Julga que vão convencer-me da sua inocência com toda esta conversa? — inquiriu asperamente.
— Não tenho o mínimo interesse que acredite ou não, menina Howland — o «Anjo» disse tudo isto em tom frio e nada cortês. — Se esta noite os seus conterrâneos nos capturarem, de pouco nos serviria que você acreditasse em nós.
—Porque me trouxe, então?
—Serviu-me de escudo para a minha fuga, ainda que ela me pareça um recurso que não serviu para nada — sorriu ele. — E não quis que Jess ficasse com vontade de vê-la... pela última vez.
— Rush! — gemeu Jess, aborrecido.
Doris olhou-o com frieza.
—Não desejo ver quem interveio na morte do meu pai — expressou duramente.
Jess ia a responder alguma inútil explicação, quando Harry entrou no salão com o rosto desfigurado.
— Pronto, rapazes! O sarilho está organizado!
— Que se passa, Harry? — e Rush levantou-se de um salto.
—A população de Riverwood aproxima-se de «Cotton Land». Um dos nossos homens acaba de chegar, dizendo que atiraram sobre o guarda das cercas matando-o.
As feições de Rush endureceram. Voltaria a correr sangue inocente. Encarou Doris, que o olhou surpreendida.
— Vê, maldita cabeçuda? —fixou-a violento. —Julga que nos vamos agora preocupar com as suas estúpidas suspeitas? Veja a obra dos seus honrados conterrâneos. Matar é o seu lema, e pensam continuar até que não fique nenhum de nós. E chama assassinos aos outros?
 — Organizei a defesa em toda a casa e seus arredores— explicou Harry. — Mas os algodoeiros serão devastados por essa súcia de lobos sanguinários.
—Isto não tem solução, Harry—disse Slim, gravemente.
— Oiça, Marlowe, que fazemos com a menina Howland?
—Deixe isso por minha conta, Slim. Conduzi-la-ei agora mesmo até aos limites das suas terras.
—É arriscadíssimo!
— Não há outra solução. Não podemos arriscar a vida dela nesta loucura. Esses bárbaros seriam capazes de não se deterem nem ante a possibilidade de a liquidarem também a ela.
—Deixe que seja eu que a leve para sítio seguro, Rush — pediu Slim. — Já fez bastante por nós. Agradecemos a sua confiança e a sua ajuda, mas isso é superior ao que podemos aceitar.
—Não, Slim.
— Faça ao menos uma coisa. Deixe-a a salvo e fuja você também. Pode alcançar o rio por trás da quinta, e chegar a nado ao seu barco. Levarão um amplo avanço enquanto nós resistiremos aqui, e que Deus os acompanhe sempre, Rush. A nossa gratidão durará até que as balas nos liquidem ou até que o nó nos aperte o pescoço, definitivamente.
O rude Slim Milligan tinha empregue um tom humilde e emotivo. Ninguém diria que havia conhecido aquele homem umas horas antes, no Mississípi Lady. Rush sorriu comovido.
— Obrigado, Slim, mas não gosto de deixar as coisas quando estão no melhor. Não perderia a «festa» por nada deste mundo.
Fez-se uma pausa. Os quatro homens olharam-se entre si. Doris observava-os em silêncio. Foi a primeira a falar
 —Não penso mexer-me daqui.
Todos voltaram a cabeça assombrados.
— Que disse? — perguntou Rush.
— Que não me levará a lado nenhum. Nego--me a abandonar esta casa.
— Está louca, menina Howland? — exclamou Slim. — Isto muito em breve será um inferno.
— Já o sei. E, não obstante, prefiro continuar junto de vocês. Sinto-me mais segura aqui do que lá fora, onde a turba pode cometer mil barbaridades. Aqui ao menos tenho a vossa proteção.
—Confias, pois, em nós? — inquiriu Jess, alegremente.
—Não disse isso. Só confio na vossa defesa. É se lhes serve de alguma coisa, digo-lhes que já tenho dúvidas. Pode ser que estejam inocentes, apesar de tudo.
— Menina Howland, você é uma mulher admirável. Deus queira que se convença algum dia da verdade... se sairmos daqui com vida.
Chegaram até eles, distintamente no silêncio da noite, quatro ou cinco tiros. Um homem dos Milligan apareceu à porta, empunhando uma «Winchester».
— Já se aproximam — informou serenamente.
— Vamos, rapazes — ordenou Slim. — Há rifles nas casas da frente. Das janelas dominaremos uma ampla extensão em frente do edifício.
— Onde deixamos a menina Howland? — perguntou Rush. —Temos de escolher um sítio seguro.
— Qualquer quarto interior da casa é bom — respondeu Jess. — Em qualquer eventualidade podemos utilizar um que dá para os pátios das traseiras. Assim seria mais fácil sair do edifício em caso desesperado. Vem, Doris?
— Obrigado, Jess, mas não posso ir para um canto como os cobardes. Estarei a vosso lado até ao fim, seja ele qual for.
— Doris! — Jess aproximou-se dela impulsivamente.
— Espera, Jess — cortou com energia a filha de Howland. — Ainda não. Lembra-te que ainda não estou certa de nada. Mais tarde, talvez tudo mude. Tem paciência.
Soou uma nova salva de tiros, desta vez mais próximo. Slim fez um gesto com a mão.
—Aproximam-se, Marlowe. Vamos, não há tempo a perder.
Todos eles abandonaram a sala, encaminhando-se por um largo corredor, até à ala frontal da casa. Ali, daqueles quatro quartos do primeiro andar, iriam resistir ao assédio dos seus ferozes e febris adversários.
Rush e Doris fechavam o grupo. Por um momento os olhos da jovem olharam-no sorridentes. E o jogador notou com profundo alívio que ela lhe perdoava...
Os homens de Riverwood, capitaneados por Lou Lashwell, Big Wilkes, Scott e alguns outros exaltados, ao terminar os algodoeiros, e ao verem a cerca do edifício da fazenda, obrigaram os seus cavalos a parar.
—Alto! -- ordenou Lou levantando um braço. —Pode ser uma emboscada. Se esse maldito forasteiro chegou até aqui com a jovem, o natural é que estejam alerta. Não vamos correr riscos.
O pelotão de cavaleiros alguns dos quais esgrimiam grossos cacetes, como testemunhas da execução sumária estacionou pisando as plantações como uma legião de vândalos exterminadores.
Scott apontou a sua espingarda para a casa e disparou. O silêncio da noite só foi quebrado pela detonação e pelo silvar da bala. Depois, voltou a reinar a estranha e inquietante calma anterior.
—Eu vou à frente, Lou—disse Wilkes. —Nunca enforcaremos esses bandidos se não nos decidirmos de uma vez.
—Não sejas louco, Big — grunhiu o fazendeiro, em cujo rosto ainda se notava as marcas da tareia. — Não digas asneiras.
E seguido de sete ou oito impetuosos como ele lançaram-se a galope, a descoberto, empunhando as suas armas. Avançaram coisa de trinta jardas sem nada ocorrer. Lou Lashwell perguntou perplexo, se seria verdade que tudo ia ser assim tão fácil. Então estalou o inferno. Do primeiro andar saiu uma autêntica saraivada de balas envoltas num estrondo impressionante.
Os cavalos relincharam ao receber o mortal aviso, enquanto os cavaleiros rolavam pelo chão. Apenas alguns deles foram atingidos de raspão, sinal evidente de que os defensores da fazenda tinham dirigido os seus tiros aos cavalos. Quatro cavalos caíram desesperados no solo levantando nuvens de pó, e arrastando alguns dos cavaleiros debaixo do seu peso.
Big Wilkes soltou uma maldição e manteve-se indeciso um segundo. Uma nova descarga, que passou muito alta, os fez decidir a voltar as garupas sem novas heroicidades.
Os caídos, a pé, voltaram desolados. Como brincadeira, algumas balas passaram sobre as suas cabeças, e em eloquente despedida Lashwell gritou-lhes furioso:
— Imbecis! Já lhes disse que estão bem entrincheirados! Há que tentar outros meios.
Barreil e Donlan aproximaram-se a trote dos seus cavalos.
— Oiça, Lashwell, creio que esta caça resulta demasiado arriscada—opinou Donlan, pousada-mente.
— E no fim de contas, ignoramos se realmente estamos encurralando assassinos ou inocentes —acrescentou Barreil. —Eu não tenho nada contra eles.
—Nem eu tão-pouco—afirmou Donlan.
Lashwell olhou-os raivosamente.
— Está bem. Se têm medo, podem ir-se embora. Não precisamos de gente prudente aqui, mas sim de homens decididos. E se pensam que tenho alguma coisa particular contra os Milligan...
Barreil deu uma gargalhada.
 — Pode ser que tenha — exclamou. —Doris Howland, por exemplo.
 E voltou as costas, acompanhado de Larry Donlan, ante o olhar colérico de Lou Lashwell.
— Que fazemos agora, patrão? — perguntou Scott, aproximando-se.
—De momento, algo que há muito desejei fazer.
Desmontou e pegou no archote de um dos homens do grupo. Depois voltou-se para todos.
—Se esses coiotes não querem sair do seu covil, forçá-los-emos a isso! — exclamou. — E para já começaremos por incendiar as suas plantações, como eles fizeram com as do pobre Howland!
O pelotão de exaltados aclamou, ruidosamente, a devastadora sugestão. Lashwell riu satisfeito. Alguns minutos depois, as grandes extensões algodoeiras dos Milligan começaram a ser pasto das chamas.

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