segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

CLT018.05 Emboscada noturna

Rush Marlowe conhecia muito bem Jeannine, e o seu gesto de momento não deixava margem para dúvidas.
Estava furiosa. Contemplou o corpo inerte do maltratado Lashwell, e depois cravou o seu olhar no grupo formado por ele e pelos três Milligan.
— Que sucedeu? —repetiu, cortante.
— Esse homem veio para liquidar-me, Jeannine — explicou Rush. — Arranjou uma trapaça, como se tivesse sido eu que a fizera, para matar-me impunemente. Estes jovens salvaram-me com a sua oportuna intervenção.
— Ah! Os anjinhos Milligan— o tom da mulher não perdera a sua aspereza. — Pensam passar a vida a fazer favores uns aos outros?
—Era uma dívida que tínhamos para com ele, senhora
— Menina —retificou ela glacialmente, interrompendo Slim. — Bem, menina. Era um dever nosso salvá-lo agora, não crê?
— Não tenho nada a ver com os vossos problemas e sarilhos, sempre que sejam fora do meu barco. E o mesmo te digo a ti, Rush.
—Eu não o arranjei, Jeannine. Mas se esse imundo sapo ou qualquer outro cidadão de Riverwood com ideias bélicas, tente procurar-me, encontrar-me-ão no teu barco ou onde quer que seja.




Rush disse estas palavras em tom seco e com voz bastante alta para ser ouvido por todos. Viu gestos bruscos e olhares hostis nos presentes à medida que voltavam às suas mesas. Jeannine olhou um instante para Lashwell, que continuava como um fardo.
— Ignoro porque esse homem tinha interesse em eliminar-te, Rush, mas vou-te dar uma ideia para que tu e os teus amigos saiam daqui antes que aquele volte a si. Não me dava nenhuma graça vê-los de novo a baterem-se,
— É uma ideia muito prudente, menina —admitiu Jess.
—Vem connosco, Rush? — sorriu Slim. — Ou não deseja ser visto em Riverwood na nossa companhia?
—Não diga disparates, amigo! Julga que me importa as pessoas?
— Somos bastante impopulares na cidade, lembre-se — disse desta vez Harry, começando a andar para a saída.
 Rush Marlowe riu alegremente.
— Eu sou impopular num sem fim de cidades, Harry — expressou com orgulho. — Desde S. Louis a Nova Orleãs, encontrarão o meu nome incluído na lista negra em mais de uma dúzia de sítios.
— Pois já pode acrescentar o nome desta cidade, sem a menor dúvida—sorriu Jess.
Subiam já os degraus que conduziam à coberta da ponte, onde a passarela de tábuas unia o barco ao cais, quando Jeannine se aproximou e colocou a mão no braço de Rush.
— Rush, por favor, não faças nenhuma loucura — pediu com a voz mais suave e humana. — Os ânimos andam excitados na cidade. As pessoas querem vingar Howland e seria perigoso e contraproducente meteres-te no meio.
—Não te preocupes, querida—sorriu o jogador com o ar mais adorável. — Andarei à margem enquanto possa. Mas se alguém me empurrar, nadarei contra a corrente até que me salve ou me afogue.
E sem acrescentar mais nada, afastou-se do barco com os três irmãos Milligan, seguido pelo olhar preocupado de Jeannine.
Os quatro homens atravessaram a ponte de tábuas, naquele momento deserta. Do Mississípi Lady chegavam ao exterior os acordes estrondosos do seu alegre bulício, enquanto nas escuras águas do rio refletiam as luzes da sua brilhante iluminação. Slim falou, colocando-se ao lado de Rush.
—É sua esposa, aquela dama tão arisca?
—Não, concretamente — sorriu Rush. — Mas ela julga que sim e isso é o pior.
— Má coisa são as mulheres, amigo—interveio Harry, olhando de soslaio o meditabundo Jess. — Veja o nosso irmão. Andou sempre em sarilhos com o pobre Howland, por culpa das saias.
— Queres calar-te, idiota? — grunhiu irritado o jovem Milligan. — Agora não vem a propósito mencionar a Doris.
—Vê? —riu Harry. — A sua Doris antes de tudo. Não lhe importa que o enforquem, se com isso satisfizer a sua amada. E às vezes pergunto se não acabarão por o fazer.
— As tuas graças são de mau gosto, Harry—disse secamente Jess.
Rush olhava agora com certo interesse para o Harry.
— Falam da filha de Howland, talvez? — perguntou.
—Sim—disse Slim, com mais gravidade que seu irmão. —Ela e Jess estão loucos um pelo outro. O velho não via isso com bons olhos e andava à procura de um pé.
— E encontrou-o?
A pergunta fê-la o «Anjo», com indiferença. Mas Slim enfiou a carapuça. Os seus olhos negros reluziram com hostilidade.
— Espere, amigo. Suspeita na verdade que nós assassinámos Howland e atirámos depois o cadáver ao rio?
—Todos suspeitam do mesmo, Slim. Não se ofendam se eu pensar da mesma maneira. Parece que ele os acusava de incendiar as suas plantações de algodão. Juntando a isso as vossas hostis relações e o carácter combativo que parecia ser típico em Howland, verão que a suspeita é terrivelmente razoável.
Slim concordou com ar sério.
—Sim. Isso é o mal. O próprio sheriff julga-nos os causadores da sua morte.
— Mas sem dúvida, não atua, até ter provas.
—Por esse lado estão a salvo, então.
— Mas há outro pior, Marlowe — disse Harry. — O povo. Quem defende as nossas vidas frente a um movimento coletivo, tentando linchar-nos?
— Não era eu que dava um cêntimo por elas, Harry — admitiu Marlowe, continuando a andar. — E ainda por cima com esse porco de Lou Lashwell incitando o povo contra vocês.
— Isso é algo que também não compreendo —confessou Jess. — Lashwell nunca foi nosso amigo, mas sim de Howland, mas não encontro razões para esta hostilidade.
— Scott e Burton também andam sempre com ele, e são «pistoleiros» a soldo de Lashwell — observou Slim.
Rush concordou em silêncio. E perguntou interiormente se seriam realmente culpados ou tão inocentes como pareciam, na eliminação de Matt Howland. Sem falar mais, chegaram à cidade, silenciosa e tranquila sobre o manto da noite.
Os passos dos quatro homens suavam surdamente no silêncio da noite, e a débil luz das estrelas apenas iluminava as largas sombras sobre o solo húmido e pedregoso.
A casa de Big Wilkes estava iluminada e era a única claridade visível na larga rua principal. Slim deu um estalo com a língua.
— Tenho sede. E vocês?
— Alguma — disse Harry. — Vamos ali.
— Julgo que é melhor irmos já para casa — interveio Jess. — Não gosto do ambiente que nos rodeia.
— Lérias, Jess —mofou Slim. — Começas já a ver fantasmas?
Encaminharam-se pela rua principal, lenta e cautelosamente.
Rush ia com uma sensação parecida com a que Jess acabava de expressar. Não gostava daquela calma, daquele silêncio cheio de paz. Anunciava tempestade. O «Anjo» pressentia algo inexplicável, que podia ser o perigo.
Bang!
Como quatro bonecos em movimento saltaram para os lados, cruzando o espaço em direção às zonas sombrias da rua.
Rush ouviu silvar a bala, ao mesmo tempo que a detonação, seca e vibrante, soou no silêncio da noite. Caiu longe, junto do estrado da rua, erguendo-se na penumbra enquanto os seus dedos se cerravam na coronha do «Colt».
Tinha voltado a fazer-se silêncio nas ruas, e as pupilas de Rush penetraram na sombra à procura dos Milligan. Só conseguiu ver uns reflexos doirados em frente dele, do outro lado da rua. Era a cabeleira loira de Jess. Dos outros, nem o mais leve rasto.
Rush disse para si que os irmãos sabiam atuar rapidamente. O oculto atirador não viu qualquer sinal. Nem nenhuma pessoa assomar o nariz, coisa perfeitamente lógica em tais circunstâncias. Riverwood não era uma exceção nas cidades turbulentas de então, e as pessoas sabiam bem qual era a atitude mais prudente que deviam tomar. Foi um erro. Não se recordou que vestia de branco e que devia ser um alvo muito visível nas sombras. Ao mover-se, denunciou a sua posição ao atirador.
Bang! Bang!
 Por duas vezes ladrou o rifle oculto, despertando ecos estremecedores na adormecida rua. Um projétil enterrou-se na terra junto de Rush. O outro atravessou-lhe o braço junto ao cotovelo, cravando-se num poste de madeira.
O agudo morder da bala fez o «Anjo» morder os lábios para não gritar. Aproveitando a pausa que se seguia aos dois tiros, moveu-se com toda a rapidez, rastejando pelo estrado, onde as suas botas soavam endiabradamente forte.
A nova detonação não tardou a fazer-se ouvir, mas desta vez a bala passou muito longe fazendo em estilhaços os vidros de uma janela, que caíram em cima de Marlowe. Ouviu a voz de Slim do outro lado da rua:
—Cuidado, Marlowe, não seja imprudente!
Mas Rush não pensava sê-lo mais vez nenhuma.
Agora, a coberto do oculto atirador, graças à grossa coluna e a dois barris vazios, tinha uma relativa segurança. Da zona escura onde se ocultavam Slim e Harry, brotaram línguas de fogo dos seus revólveres em direção à esquina próxima do cais de embarque, possível lugar de origem da agressão.
Os estampidos eram agora contínuos. Rush limitou-se a permanecer imóvel, com os olhos cravados na escuridão ameaçadora, enquanto sentia correr o sangue pelo braço e entre os dedos até salpicar o chão.
Doía-lhe atrozmente e quase lançou uma maldição quando sentiu um calafrio. Apertou com raiva o revólver, desejando crivar o cobarde atirador. Mas tinha a impressão de que se não ocorresse algo rapidamente, não conseguiria nada de positivo.
De repente, abriu os olhos com espanto. Viu sair para a luz a figura esguia de Jess Milligan, com a nítida mancha loira dos seus cabelos, esgrimindo os revólveres que ladraram três ou quatro vezes.
A sua ação suicida era uma grande tentação para o assassino. O personagem do rifle não vacilou. A sua arma soou por duas vezes. Rush viu levantar nuvens de pó aos pés de Jess, onde se cravaram as balas. Também viu os fogachos alaranjados na esquina suspeita, mas muito baixo. Compreendeu rapidamente: o atirador atuava estendido no chão, para evitar ser alcançado. Com um alegre sorriso de crueldade, o «Anjo» fez pontaria e apertou o gatilho.
Foi um só tiro, e a sua gargalhada saiu bastante ruidosa ao ouvir um grito de angústia e o baque da espingarda ao cair contra algo sólido. A figura de um homem assomou cambaleante. Jess gritou:
— Bravo, Marlowe, bom tiro!
E dispôs-se a completar a obra. Rush, alarmado, levantou-se murmurando:
— Não, Jess, não atire! Faz-nos falta vivo!
Mas era demasiado tarde. A sua voz soou demasiado débil e o impetuoso Jess não o ouviu. Os seus revólveres estalaram em alegres detonações, e a sua figura apareceu rodeada de uma fumarada infernal. As balas cravaram-se no corpo do oscilante agressor, que rolou, destroçado, sobre o solo. Slim e Harry apareceram a correr.
— Não devias disparar, Jess! — rugiu Harry —Marlowe já o tinha ferido!
—Poderia ter dito alguma coisa no caso de estar vivo ainda — lamentou-se Slim.
Jess olhou para os seus irmãos com pena.
— Lamento-o. Não pude evitá-lo.
 Marlowe apareceu depois, caminhando lentamente. Todos se voltaram para ele.
—Isso é atirar, amigo! —disse Slim. Viu o braço ensanguentado do jogador e alarmou-se. — Eh, que é isso!? Aquele coiote acertou-lhe?
—Apenas de raspão — sorriu forçadamente Rush, encaminhando-se para a esquina da rua. Atrás dele, os três Milligan iam como um trio de sombrios personagens, conscientes da tenebrosa teia-de-aranha tecida à sua volta.
Rush foi o primeiro a chegar ao corpo que jazia de borco sobre um charco de sangue. A quatro ou cinco metros via-se a «Winchester» com que ele os atacara, caída junto de uma pilha de tábuas.
O «Anjo» inclinou-se, voltando o cadáver. A pálida luz das estrelas permitiu reconhecer o seu ensanguentado rosto.
— Burton! — exclamou Slim Milligan, com voz rouca. —O lugar-tenente das plantações de Lou Lashwell.

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