sábado, 19 de janeiro de 2019

CLT018.03 Suspeitas

Não pode fazer isso! — exclamou Burton, roxo de cólera. — É um assassino!
—Isso será a lei que o dirá, amigo—disse Rush, com um sorriso. — Ninguém tocará neste jovem enquanto eu aqui estiver.
Jess Milligan era o mais assombrado de todos. Olhou para o homem ferido pelo oportuno disparo do jogador, e murmurou com desprezo.
—Sempre foste um cobarde, Scott. Não sabes dar a cara como um homem.
O chamado Scott continuou a agarrar na mão que sangrava com abundância, e o seu rosto estava lívido pela dor e de ira. Rush aproximou-se do jovem Milligan sem soltar a arma.
— Vamos, rapaz. Parece que este ambiente não é muito saudável para você.
— Pagará cara esta intervenção, forasteiro—disse Big Wilkes irritado. — Os jovens de Riverwood não gostam de ver estranhos misturados nos seus assuntos.
— Sinto-o, Wilkes, mas não gosto de assassinos. E creio que o que iam fazer era muito parecido com um assassinato. Vamos para a rua, Jess. Nenhum sujo cobarde se atreverá a tentar nada contra nós.
Saíram e, com efeito, ninguém tentou nada contra eles. Já na rua, viram vir a bom passo o sheriff Fox. Alguns curiosos juntaram-se em frente do saloon.
—Deixe-me falar, Milligan — pediu Rush guardando a arma.
—Como queira, forasteiro — sorriu o jovem. —E obrigado.


Jonathan Fox parou em frente deles. Os seus agudos olhos cinzentos foram de um para o outro, numa muda interrogação. Quando falou, fê-lo secamente
— Que se passou? Já começaste a meter-te em sarilhos, Rush?
— Oh, não, sheriff! Ele não teve a culpa—começou por dizer Milligan.
— Deixe-me falar, Jess — cortou, bruscamente, o jogador. — Eu lhe explicarei o que se passa.
—Bem, estou à espera das tuas explicações.
— Se entrares agora no bar de Big Wilkes, encontrarás uma pandilha de tipos sedentes de sangue e um tal Scott com a mão furada.
— Obra tua?
—Sim. Não gosto que disparem à traição sobre ninguém, e, se não estou ali, Jess Milligan tinha sido estendido na casa funerária de Homer, ao lado de Matt Howland. Provocaram-no para o matar, Fox. E isso, na minha terra, é um assassinato.
Fox era um homem lento, mas compreendeu muito bem a explicação.
—Aqui também o é, Rush. Mas deves compreender que não se pode pedir serenidade a ninguém quando um dos nossos amigos foi assassinado.
—E julga que eu tive alguma coisa a ver com isso? — exclamou Jess.
—Não julgo nada, rapaz. Um sheriff só pode saber ou ignorar. No dia em que saiba quem matou Matt não farei perguntas inúteis. Ainda há cordas em Riverwood.
— Pois se te descuidas muito... — disse Rush. —Estão dispostos a linchar Jess ou qualquer dos Milligan.
—Tratarei de o evitar, mas não garanto nada. —O gesto do sheriff demonstrava profunda preocupação. —Três comissários e um sheriff possuem uma força muito limitada quando os ânimos se excitam.
— Está bem, Fox. É lá com vocês. — Rush olhou para Jess com simpatia. —E se quer um conselho de amigo, não tenha contemplações. Em Nova Orleãs temos um hábito muito bom. Disparar primeiro e pedir desculpa depois. Não esqueça.
Com estas palavras, ditas em tom grave, mas levemente brincalhão, Marlowe afastou-se dos dois homens a bom passo.
Ao cruzar a rua viu um empregado do barco a fixar na parede um sugestivo cartaz:
HOJE TODOS AO MISSISSIPI LADY
Tentem a sorte e divirtam-se com as raparigas mais bonitas da América. Entrada: 25 cêntimos
Rush sorriu jovialmente e encaminhou os seus passos para o cais, onde o Mississípi Lady brilhava com todas as suas multicolores galas, como uma tentação para os trabalhadores, ansiosos de diversão e carregados de dólares. Avançava já pela ponte de tábuas que davam para bordo, quando ouviu uma voz nas suas costas.
—Eh, oiça!
Deteve-se e voltou a cabeça. Viu vir ao seu encontro um indivíduo alto de impecável indumentária cinzenta, luzindo-lhe na gravata um grande brilhante.
Sorria por baixo do fino bigode loiro e os seus olhos verdes pretendiam ser francos e límpidos sem grande êxito. Rush deixou que se aproximasse.
—É comigo, senhor? — perguntou em seguida cortesmente.
— Sim, senhor Marlowe. Não é este o seu nome? — A voz do indivíduo, pastosa e fria, não agradou ao jogador
—Assim me chamo. Mas não creio conhecê-lo.
— Com efeito, não nos conhecemos. Mas um dos meus homens acaba de sair do bar de Big Wilkes... bem, um pouco ferido.
— Scott? — os olhos infantis de Rush tomaram a sua mais angelical expressão.
— Esse mesmo, senhor Marlowe: Scott — falou o outro, secamente. — É um dos meus capatazes e foi grande amigo de Matt Howland, igualmente como eu. Não sei o que pretende, mas garanto-lhe que todos estamos na disposição de que a morte do nosso vizinho seja vingada. E esses Milligan pagá-lo-ão caro, ainda que se unam a «pistoleiros» ou trapaceiros da sua laia, senhor Marlowe.
Rush sorriu ingenuamente, e qualquer amigo ou inimigo seu teria sentido um calafrio ao vê-lo. Quanto mais benigna era a sua expressão, pior era o que se avizinhava.
— Isso de trapaceiro e «pistoleiro» deve ser um lamentável erro seu—assegurou aproximando-se com toda a naturalidade.
O homem avançou um passo e depois estacou, olhando para Rush com curiosidade. Este continuou:
— Sou um digno forasteiro que vem ganhar a vida... e não desejo complicações com a boa gente desta cidade.
O outro riu, insultante.
— Eu sou um importante cidadão em Riverwood. Chamo-me Lou Lashwell e possuo a maior plantação de algodão da região. Convém-lhe ser meu amigo, Marlowe, ou passarão mal, você e o seu barquinho flutuante.
Rush estendeu a mão aberta.
— Amigos então, senhor Lashwell — sorriu humildemente.
Lou Lashwell teve também um sorriso que lhe morreu nos lábios quando a mão estendida do jogador se fechou bruscamente e voou até aos seus queixos. Atingido com violência no mento, Lou Lashwell cambaleou com um ar estúpido.
Rush completou a sua tarefa com um direto da esquerda que projetou o fazendeiro contra o solo, por onde rolou como um fardo, fazendo com que o seu elegante traje cinzento ficasse numa lástima.
—As minhas saudações de «amigo», senhor Lashwell! — silabou duramente o «Anjo». — Levante-se e devolva-as, se puder!
Lívido de coragem e de ira, Lashwell levantou--se como um felino, investindo contra o tranquilo Rush.
O jogador limitou-se a esquivar-se, com um sorriso, e quando se encontrou a salvo, descarregou--lhe o punho com tal violência na nuca que soou como um golpe num tambor. Como fulminado por um raio, o fazendeiro saltou no ar e o seu corpo chocou surdamente contra o lodo onde ficou imóvel.
Sem incomodar-se absolutamente nada e sem dirigir um olhar sequer para Lou, Rush sorriu para os curiosos que, com olhos atónitos, presenciaram a cena, e subiu para bordo do Mississípi Lady.
Ao cair da noite, as luzes do barco refletiam sobre as águas escuras. Uns músicos detestáveis lançavam para o ar através de todas as janelas e aberturas da embarcação o seu reclame.
Trabalhadores das plantações, agricultores e vaqueiros, entravam no casino flutuante como um enxame de moscas atraídas por um prato de mel.
— Bom negócio vamos fazer, eh, Jeannine? —sorriu o velho Swane, com um brilho jubiloso nos olhos.
Jeannine moveu a cabeça.
— Oxalá tudo acabe bem, Swane —rogou fervorosamente.
— Que podes esperar de mau? Nunca cometemos ilegalidades. E o velho Fox é um bom homem.
— Não é Fox nem a lei o que me assusta. É Rush.
—Rush? Fez alguma asneira?
—Não o sei. Fez duas coisas inconvenientes em meia hora em que saiu do barco: enfrentou-se com os habitantes da cidade no bar de Wilkes, e deu uma tareia em Lou Lashwell, um dos homens mais ricos e influentes de Riverwood.
— Não se preocupe, Jeannine. Ele sabe defender-se.
— Até que um dia não pode, e recebe um golpe em cheio.
—Confie em Rush. Tem sempre uma carta escondida na manga... quando não joga, claro.
— Olhe, Swane! — gemeu Jeannine. — Que me diz a isto?
Swane seguiu com o olhar a direção apontada pela bela proprietária do barco. Viu cruzar a passarela três homens que pareciam vir juntos. Comprovou que assim era ao ver um pagar o bilhete dos três, o mais jovem e loiro de todos. Por ser tão infantil e ingénuo parecia um seminarista. Os outros dois, mais altos e morenos, tinham uma expressão muito distinta. Dura, agressiva quase. Não precisou que lhe dissessem o nome ao ver a hostilidade com que as pessoas os olhavam ao passarem.
— Os três Milligan, eh?
—Sim, Swane. Se algum dos homens de Lou ou algum amigo de Matt Howland anda por aí, esta noite vamos ter barulho. E muito sério.
— Onde está agora Rush?
—Em baixo, na sala de poker. Tem uma boa partida com Big Wilkes e outros dois fazendeiros.
— Bom, talvez não haja novidade — suspirou Swane encaminhando-se, lentamente, atrás dos irmãos Milligan.
—Talvez, mas procure não os perder de vista. Se a coisa se põe feia, avise-me em seguida. Eu sei como devo proceder nestas coisas.
Swane continuou a andar lentamente. Não duvidou nem por um momento que Jeannine Goulart fosse capaz de meter todos na ordem em caso de emergência. Outras vezes resolveu situações mais difíceis que a que podia derivar da visita feita por Slim, Harry e Jess Milligan, supostos assassinos de Matt Howland, segundo as suspeitas de todos em Riverwood.

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