A tarde escura anunciava chuva. Corria um ar quente vindo do rio, e grandes nuvens cinzentas enchiam o céu, dando à paisagem um triste e feio tom cinzento. De vez em quando, a brisa era acompanhada de uma humidade indicando a proximidade da tormenta.
Matt Howland, estendido, com indolência, numa cadeira de baloiço na porta da vivenda contemplava, indiferente, as velozes nuvens escuras, com o pensamento posto em coisas muito mais importantes que uma simples borrasca.
Os seus olhos, cinzentos como a tarde, tinham uma expressão fixa e meditativa brilhando, opacamente, por entre as rugas que lhe sulcavam o rosto. Entre os lábios, um grosso charuto já apagado era mordido, nervosamente, pelos seus dentes certos e muito brancos.
Matt Howland ainda não havia completado os cinquenta e cinco anos, mas o seu rosto estava prematuramente envelhecido. Devido ao sol, ao vento e também às preocupações que tão prodigamente tinham enchido a sua vida. Não é fácil a vida quando se começa do nada, e muito menos quando a época em que se vive é como a que lhe correspondeu. Entre violências, ambições desmedidas e o período caótico da guerra civil, Matt Howland soube lutar com tenacidade e dureza, procurando subir mais que os outros.
Talvez um puritano fosse da opinião que Matt Howland não empregou meios demasiado legais, mas então era difícil encontrar puritanos naquele país. Ao fim e ao cabo, Matt cometeu as mesmas ilegalidades que outros cometeram, mas sempre em jogo limpo e frente a frente. Ninguém o podia acusar de que os seus métodos de combate tivessem sido pouco nobres ou de canalha. Não, ele limitou-se somente a não sair da Lei, uma Lei não demasiado concreta nem acatada por todos.
Da sua honradez e nobre dureza, Howland sentia-se orgulhoso. Possuía os melhores terrenos de Arkansas, e a sua fortuna pessoal era bastante elevada. As suas plantações de algodão estendiam--se por um largo troço do Mississípi, não muito longe da fronteira com Louisiana, umas milhas mais abaixo de Arkansas City.
Agora, ali recostado, deixando o olhar vaguear pelo infinito, pensava no muito que lhe custou alcançar tudo, e no fácil que podia ser perdê-lo, num só momento de fraqueza. Aqueles malvados Milligan...
—Ainda estás à porta, papá?
A voz de Doris Howland arrancou o homem dos seus pensamentos. Afastou-os para longe e voltou-se para sua filha.
—Sim, Doris. Não te ouvi regressar.
A jovem com a sua blusa aos quadrados e a sua saia de pele, trazia o seu habitual sorriso. Uma melena de cor castanha caía-lhe para o rosto oval, moreno do forte sol das plantações. Tinha olhos claros e francos, mas travessos. As suas lindas pernas calçavam botas de pele até ao joelho, sem esporas. Doris riu alegremente.
—Isso demonstra a distração em que te encontravas —comentou. — Já há um bocado que eu e Joe voltámos da cidade no carro. Toma, trouxe-te o correio.
Mecanicamente, Matt agarrou nas cartas e colocou-as ao lado da cigarreira. Depois, olhou para sua filha.
— Encontraste alguém conhecido?
— Na cidade? — a voz da jovem soou indiferente. — Os de sempre, para não variar.
— Não me refiro a esses — atalhou ele secamente. — Sabes muito bem a quem me refiro. Não viste nenhum dos Milligan?
—Não.
Agora falou mais insegura. As pupilas cinzentas de seu pai fixaram-se nela.
—Nem sequer o Jess Milligan?
—Claro que não. Continuas a pensar que me interessa?
—Se te interessa, Doris! Não me venhas com dissimulações. E sabes que não quero que fales com nenhum desses filhos de uma cadela.
—Papá!
— Deus quisesse que eu tivesse as provas que necessito para os mandar enforcar. Sei que são culpados e não posso demonstrá-lo perante o sheriff Fox nem perante o juiz Benson.
— São puras suspeitas, papá — replicou Doris.
—Não o são—os olhos de Matt Howland adquiriram um brilho perigoso. — Eles, unicamente eles, tiveram oportunidade e motivos para incendiar por duas vezes consecutivas as minhas plantações de algodão. Foi uma perda enorme, Doris, e tu sabes bem. Havíamos apanhado já a maioria do algodão quando deitaram fogo. Com mais três ou quatro vezes que o facto se repetisse, a nossa ruína seria total. E isso é o que esses malditos Milligan querem!
Doris calou-se, convencida de que jamais poderia persuadir o seu pai de que os Milligan não eram culpados daqueles incêndios que devastaram já por duas vezes a sua rica zona algodoeira. Ele sempre opinaria que ela procurava defender Jess, o mais novo dos Milligan.
—Sabes o que disseram no outro dia Slim e Harry no saloon dos Wilkes? — continuou Matt, irritado. — Que se continuasse a acusá-los dos incêndios, viriam pedir-me explicações com as armas nas mãos.
Tão-pouco Doris respondeu desta vez. Slim e Harry, os irmãos de Jess, eram dois fanfarrões que nunca fariam o que apregoavam. Mas também essa argumentação de nada serviria para o belicoso Matt.
Ante o mutismo de sua filha, ainda resmungou algumas palavras entre dentes, e depois recostou-se na cadeira, olhando vagamente o céu, cada vez mais negro e ameaçador.
—Vai chover, Doris—disse por fim. —Todos os cavalos estão já no estábulo?
— Sim, papá — sorriu ela, aceitando de bom agrado aquela alusão a uma próxima tormenta, que dissipava outra mais desagradável. —E Joe já se preocupou em avisar que parassem o trabalho nos algodoeiros. Ele conhece bem estas mudanças de clima.
Doris, de repente, recordou-se de alguma coisa.
— Céus, tenho ainda a roupa estendida no pátio! E correu para o interior da vivenda precipitadamente. Novamente só, Matt começou a abismar-se nas suas eternas preocupações sobre o algodão, os incêndios e os seus odiados Milligan. Cada vez maldizia mais a casualidade de Doris se interessar precisamente por Jess Milligan, aquele loiro sardento, com ares de estudante de seminário, entre todos os jovens de Riverwood.
Ao desviar a vista com um áspero grunhido de contrariedade, os seus olhos pousaram no monte de cartas sem abrir. Isto trouxe certa ideia à sua mente e com um gesto vagaroso estendeu o braço e apanhou toda a correspondência. Passou várias cartas, sem prestar muita atenção, até encontrar um envelope de cor azul-claro, que fez brilhar as suas pupilas com estranho júbilo.
Nervosamente deixou de lado todas as outras, e os seus fortes dedos morenos rasgaram o envelope com brusquidão. Tirou um papel timbrado não muito grande.
Caíam grossas gotas de chuva, cujo barulho aumentava ao tocarem o zinco do alpendre. Mas Matt Howland tinha esquecido a tormenta, a chuva e tudo que o cercava. Concentrou toda a sua atenção nas linhas escritas naquele papel. Lia, com uma mescla de assombro e incredulidade, o último que tivesse pensado ler. Por fim, com uma maldição, levantou-se violentamente quase derrubando a cadeira.
Guardou a carta no bolso, avançou pelo alpendre e correu por um espaço descoberto, onde a chuva caía agora com mais intensidade, alcançando as cavalariças. Viu Joe atando as rédeas de «Lone».
Todos os cavalos relinchavam, 'cheirando a tormenta, mas nenhum como o alazão castanho e branco. «Lone» queria soltar-se das pacientes e benignas mãos de Joe.
—Vamos, «Lone», deixa-te manejar — suplicava Joe, reluzindo de suor a sua pele negra. — É só um momento...
Joe voltou-se ao ouvir os pesados passos de Matt. Sorria para o seu patrão mostrando a sua branca dentadura,
— Mau rapaz este «Lone» — disse risonho. - Assusta-o a tempestade, patrão.
Matt, apesar da sua rudeza característica, era afável e cordial para os seus empregados, especialmente com Joe, o privilegiado da fazenda. Por isso o negro abriu desmesuradamente os olhos quando viu que o patrão, sem dizer uma só palavra, colocava uma sela sobre o animal, apertava as cilhas e saltava para a garupa sem a menor explicação.
— Mas, patrão, se vai chover muito! Não pensará ir agora...
Matt saiu do estábulo em cima de «Lone», que se mostrava mais inquieto ainda, e já debaixo da chuva enfiou as biqueiras das suas pesadas botas no estribo do alazão, que com um agudo relincho lançou-se desenfreadamente por um caminho que atravessava os campos de algodão, em direção desconhecida para o surpreendido Joe.
Doris, assomando ao alpendre, interrogou o negro:
— Porque era todo este barulho, Joe?
—O patrão saiu com «Lone», menina—gritou o empregado, satisfeito por poder comunicar a alguém o seu aborrecimento.
—O papá vai-se embora? —Doris, sem saber porquê sentiu-se inquieta. — Aonde?
— Não sei. Apanhou o cavalo e saiu a galope. Parecia muito excitado.
Doris saiu para o pátio, açoitado pela chuva, e o seu olhar cravou-se com angústia na figura longínqua de seu pai em cima de «Lone». Não se importou com a chuva que lhe molhava os cabelos e corria, copiosamente, pelo rosto. Pensava em Jess Milligan, para cujas terras parecia que se dirigia seu pai,
Matt Howland deixou para trás as suas plantações de algodão e sem sair da margem do rio continuou a forçar «Lone» a um galope intenso.
Os cascos do cavalo golpeavam agora a terra húmida das margens, até às possessões de Jess, Slim e Harry Milligan, ponto intermédio entre as suas e as de outro fazendeiro, Lou Lashwell, e a povoação de Riverwood.
A chuva empapava a sua camisa, os seus cabelos e corria sobre a sua bronzeada pele, torrencialmente. Mas isso não lhe importava.
De vez em quando, a sua mão dirigia-se de um modo mecânico ao revólver que pendia da sua cintura, como se desejasse descarregá-lo quanto antes sobre um adversário qualquer, mas, não. Agora não seria um qualquer. Agora seria sobre o verdadeiro causador dos incêndios, sobre o homem que queria arruiná-lo custasse o que custasse.
Crispadas as rudes feições, Matt Howland era uma imagem inquietante para quem se cruzasse no seu caminho. Nos frios olhos cinzentos lia-se o implacável desejo de vingança.
«Lone» enterrou os cascos num lamaçal, quando alcançou o cruzamento dos caminhos, próximo da quinta dos Milligan. Já se via, ao longe, os algodoeiros batidos pela chuva. Matt refreou um pouco o galope do seu cavalo ao ver surgir um cavaleiro do maciço de arbustos que limitavam a possessão dos três irmãos.
— Eh, Howland! — gritou o cavaleiro, soltando as rédeas. —Aonde vai?
Matt cravou no outro um olhar frio e decidido.
— Ando à procura de alguém — falou asperamente, destacando-se a sua voz por cima do ruído da chuva.
—A quem procura, Howland? — insistiu o outro, sem se afastar do caminho.
Matt sentiu o sangue ferver de ódio e de indignação.
— Talvez a você — disse cortante.
— A mim? — o cavaleiro soltou uma gargalhada. — Para quê?
O cavalo de Howland avançou uns passos, à medida que o rosto do fazendeiro adquiria um ar duro e violento. As suas mãos crisparam-se nas rédeas, muito próximo dos coldres.
— Pode ser que saiba finalmente quem é o canha-lha que incendeia os algodoeiros. Pode ser que deseje cravar umas onças de chumbo no corpo desse maldito cobarde. E pode ser que este seja o melhor momento!
—Bem. —O outro ergueu a sua figura na sela, endurecendo o seu olhar. — Porque não o tenta?
Matt tentou-o. Mas tinha de enfrentar-se com um homem demasiado rápido. Não é que Matt Howland fosse lento, mas as delgadas mãos do outro alcançaram antes os coldres.
Quando Matt alcançava o seu «45», com toda a rapidez, o revólver do outro «falou» por duas vezes com a mais áspera e mortal das linguagens. Dois fogachos alaranjados brotaram na espessa cortina de chuva e duas balas foram cravar-se no peito de Matt Howland. O seu dedo pôde ainda apertar o gatilho, mas o projétil perdeu-se, inofensivo na lama do caminho. Depois, o seu corpo vigoroso oscilou sobre a montada, cravou um último olhar no seu assassino e rodou pesadamente para o solo.
«Lone» relinchou, aterrorizado, voltou-se veloz sobre si mesmo ao não sentir o peso do cavaleiro e rompeu num louco galope, perdendo-se em seguida entre a chuva e os arbustos.
O assassino de Matt Howland viu fugir o cavalo com um sorriso de indiferença. Depois saltou para o chão aproximando-se, sem largar o revólver, do corpo sem vida de Howland, enterrado na lama. Inclinou-se sobre ele. Mãos hábeis revistaram os bolsos do morto.
Depressa deram com a carta enrugada e húmida que provocou em Howland a sua furiosa reação. Deitou uma olhadela ao texto, riu surdamente e meteu-a num dos seus bolsos.
Levantando-se, olhou em redor. Ninguém parecia ter ouvido os disparos. Não se via rasto de nenhum ser vivo. Olhou para a sua vítima com um ar brincalhão, e decidiu o que iria fazer com aquele corpo sem vida.
Matt Howland, estendido, com indolência, numa cadeira de baloiço na porta da vivenda contemplava, indiferente, as velozes nuvens escuras, com o pensamento posto em coisas muito mais importantes que uma simples borrasca.
Os seus olhos, cinzentos como a tarde, tinham uma expressão fixa e meditativa brilhando, opacamente, por entre as rugas que lhe sulcavam o rosto. Entre os lábios, um grosso charuto já apagado era mordido, nervosamente, pelos seus dentes certos e muito brancos.
Matt Howland ainda não havia completado os cinquenta e cinco anos, mas o seu rosto estava prematuramente envelhecido. Devido ao sol, ao vento e também às preocupações que tão prodigamente tinham enchido a sua vida. Não é fácil a vida quando se começa do nada, e muito menos quando a época em que se vive é como a que lhe correspondeu. Entre violências, ambições desmedidas e o período caótico da guerra civil, Matt Howland soube lutar com tenacidade e dureza, procurando subir mais que os outros.
Talvez um puritano fosse da opinião que Matt Howland não empregou meios demasiado legais, mas então era difícil encontrar puritanos naquele país. Ao fim e ao cabo, Matt cometeu as mesmas ilegalidades que outros cometeram, mas sempre em jogo limpo e frente a frente. Ninguém o podia acusar de que os seus métodos de combate tivessem sido pouco nobres ou de canalha. Não, ele limitou-se somente a não sair da Lei, uma Lei não demasiado concreta nem acatada por todos.
Da sua honradez e nobre dureza, Howland sentia-se orgulhoso. Possuía os melhores terrenos de Arkansas, e a sua fortuna pessoal era bastante elevada. As suas plantações de algodão estendiam--se por um largo troço do Mississípi, não muito longe da fronteira com Louisiana, umas milhas mais abaixo de Arkansas City.
Agora, ali recostado, deixando o olhar vaguear pelo infinito, pensava no muito que lhe custou alcançar tudo, e no fácil que podia ser perdê-lo, num só momento de fraqueza. Aqueles malvados Milligan...
—Ainda estás à porta, papá?
A voz de Doris Howland arrancou o homem dos seus pensamentos. Afastou-os para longe e voltou-se para sua filha.
—Sim, Doris. Não te ouvi regressar.
A jovem com a sua blusa aos quadrados e a sua saia de pele, trazia o seu habitual sorriso. Uma melena de cor castanha caía-lhe para o rosto oval, moreno do forte sol das plantações. Tinha olhos claros e francos, mas travessos. As suas lindas pernas calçavam botas de pele até ao joelho, sem esporas. Doris riu alegremente.
—Isso demonstra a distração em que te encontravas —comentou. — Já há um bocado que eu e Joe voltámos da cidade no carro. Toma, trouxe-te o correio.
Mecanicamente, Matt agarrou nas cartas e colocou-as ao lado da cigarreira. Depois, olhou para sua filha.
— Encontraste alguém conhecido?
— Na cidade? — a voz da jovem soou indiferente. — Os de sempre, para não variar.
— Não me refiro a esses — atalhou ele secamente. — Sabes muito bem a quem me refiro. Não viste nenhum dos Milligan?
—Não.
Agora falou mais insegura. As pupilas cinzentas de seu pai fixaram-se nela.
—Nem sequer o Jess Milligan?
—Claro que não. Continuas a pensar que me interessa?
—Se te interessa, Doris! Não me venhas com dissimulações. E sabes que não quero que fales com nenhum desses filhos de uma cadela.
—Papá!
— Deus quisesse que eu tivesse as provas que necessito para os mandar enforcar. Sei que são culpados e não posso demonstrá-lo perante o sheriff Fox nem perante o juiz Benson.
— São puras suspeitas, papá — replicou Doris.
—Não o são—os olhos de Matt Howland adquiriram um brilho perigoso. — Eles, unicamente eles, tiveram oportunidade e motivos para incendiar por duas vezes consecutivas as minhas plantações de algodão. Foi uma perda enorme, Doris, e tu sabes bem. Havíamos apanhado já a maioria do algodão quando deitaram fogo. Com mais três ou quatro vezes que o facto se repetisse, a nossa ruína seria total. E isso é o que esses malditos Milligan querem!
Doris calou-se, convencida de que jamais poderia persuadir o seu pai de que os Milligan não eram culpados daqueles incêndios que devastaram já por duas vezes a sua rica zona algodoeira. Ele sempre opinaria que ela procurava defender Jess, o mais novo dos Milligan.
—Sabes o que disseram no outro dia Slim e Harry no saloon dos Wilkes? — continuou Matt, irritado. — Que se continuasse a acusá-los dos incêndios, viriam pedir-me explicações com as armas nas mãos.
Tão-pouco Doris respondeu desta vez. Slim e Harry, os irmãos de Jess, eram dois fanfarrões que nunca fariam o que apregoavam. Mas também essa argumentação de nada serviria para o belicoso Matt.
Ante o mutismo de sua filha, ainda resmungou algumas palavras entre dentes, e depois recostou-se na cadeira, olhando vagamente o céu, cada vez mais negro e ameaçador.
—Vai chover, Doris—disse por fim. —Todos os cavalos estão já no estábulo?
— Sim, papá — sorriu ela, aceitando de bom agrado aquela alusão a uma próxima tormenta, que dissipava outra mais desagradável. —E Joe já se preocupou em avisar que parassem o trabalho nos algodoeiros. Ele conhece bem estas mudanças de clima.
Doris, de repente, recordou-se de alguma coisa.
— Céus, tenho ainda a roupa estendida no pátio! E correu para o interior da vivenda precipitadamente. Novamente só, Matt começou a abismar-se nas suas eternas preocupações sobre o algodão, os incêndios e os seus odiados Milligan. Cada vez maldizia mais a casualidade de Doris se interessar precisamente por Jess Milligan, aquele loiro sardento, com ares de estudante de seminário, entre todos os jovens de Riverwood.
Ao desviar a vista com um áspero grunhido de contrariedade, os seus olhos pousaram no monte de cartas sem abrir. Isto trouxe certa ideia à sua mente e com um gesto vagaroso estendeu o braço e apanhou toda a correspondência. Passou várias cartas, sem prestar muita atenção, até encontrar um envelope de cor azul-claro, que fez brilhar as suas pupilas com estranho júbilo.
Nervosamente deixou de lado todas as outras, e os seus fortes dedos morenos rasgaram o envelope com brusquidão. Tirou um papel timbrado não muito grande.
Caíam grossas gotas de chuva, cujo barulho aumentava ao tocarem o zinco do alpendre. Mas Matt Howland tinha esquecido a tormenta, a chuva e tudo que o cercava. Concentrou toda a sua atenção nas linhas escritas naquele papel. Lia, com uma mescla de assombro e incredulidade, o último que tivesse pensado ler. Por fim, com uma maldição, levantou-se violentamente quase derrubando a cadeira.
Guardou a carta no bolso, avançou pelo alpendre e correu por um espaço descoberto, onde a chuva caía agora com mais intensidade, alcançando as cavalariças. Viu Joe atando as rédeas de «Lone».
Todos os cavalos relinchavam, 'cheirando a tormenta, mas nenhum como o alazão castanho e branco. «Lone» queria soltar-se das pacientes e benignas mãos de Joe.
—Vamos, «Lone», deixa-te manejar — suplicava Joe, reluzindo de suor a sua pele negra. — É só um momento...
Joe voltou-se ao ouvir os pesados passos de Matt. Sorria para o seu patrão mostrando a sua branca dentadura,
— Mau rapaz este «Lone» — disse risonho. - Assusta-o a tempestade, patrão.
Matt, apesar da sua rudeza característica, era afável e cordial para os seus empregados, especialmente com Joe, o privilegiado da fazenda. Por isso o negro abriu desmesuradamente os olhos quando viu que o patrão, sem dizer uma só palavra, colocava uma sela sobre o animal, apertava as cilhas e saltava para a garupa sem a menor explicação.
— Mas, patrão, se vai chover muito! Não pensará ir agora...
Matt saiu do estábulo em cima de «Lone», que se mostrava mais inquieto ainda, e já debaixo da chuva enfiou as biqueiras das suas pesadas botas no estribo do alazão, que com um agudo relincho lançou-se desenfreadamente por um caminho que atravessava os campos de algodão, em direção desconhecida para o surpreendido Joe.
Doris, assomando ao alpendre, interrogou o negro:
— Porque era todo este barulho, Joe?
—O patrão saiu com «Lone», menina—gritou o empregado, satisfeito por poder comunicar a alguém o seu aborrecimento.
—O papá vai-se embora? —Doris, sem saber porquê sentiu-se inquieta. — Aonde?
— Não sei. Apanhou o cavalo e saiu a galope. Parecia muito excitado.
Doris saiu para o pátio, açoitado pela chuva, e o seu olhar cravou-se com angústia na figura longínqua de seu pai em cima de «Lone». Não se importou com a chuva que lhe molhava os cabelos e corria, copiosamente, pelo rosto. Pensava em Jess Milligan, para cujas terras parecia que se dirigia seu pai,
Matt Howland deixou para trás as suas plantações de algodão e sem sair da margem do rio continuou a forçar «Lone» a um galope intenso.
Os cascos do cavalo golpeavam agora a terra húmida das margens, até às possessões de Jess, Slim e Harry Milligan, ponto intermédio entre as suas e as de outro fazendeiro, Lou Lashwell, e a povoação de Riverwood.
A chuva empapava a sua camisa, os seus cabelos e corria sobre a sua bronzeada pele, torrencialmente. Mas isso não lhe importava.
De vez em quando, a sua mão dirigia-se de um modo mecânico ao revólver que pendia da sua cintura, como se desejasse descarregá-lo quanto antes sobre um adversário qualquer, mas, não. Agora não seria um qualquer. Agora seria sobre o verdadeiro causador dos incêndios, sobre o homem que queria arruiná-lo custasse o que custasse.
Crispadas as rudes feições, Matt Howland era uma imagem inquietante para quem se cruzasse no seu caminho. Nos frios olhos cinzentos lia-se o implacável desejo de vingança.
«Lone» enterrou os cascos num lamaçal, quando alcançou o cruzamento dos caminhos, próximo da quinta dos Milligan. Já se via, ao longe, os algodoeiros batidos pela chuva. Matt refreou um pouco o galope do seu cavalo ao ver surgir um cavaleiro do maciço de arbustos que limitavam a possessão dos três irmãos.
— Eh, Howland! — gritou o cavaleiro, soltando as rédeas. —Aonde vai?
Matt cravou no outro um olhar frio e decidido.
— Ando à procura de alguém — falou asperamente, destacando-se a sua voz por cima do ruído da chuva.
—A quem procura, Howland? — insistiu o outro, sem se afastar do caminho.
Matt sentiu o sangue ferver de ódio e de indignação.
— Talvez a você — disse cortante.
— A mim? — o cavaleiro soltou uma gargalhada. — Para quê?
O cavalo de Howland avançou uns passos, à medida que o rosto do fazendeiro adquiria um ar duro e violento. As suas mãos crisparam-se nas rédeas, muito próximo dos coldres.
— Pode ser que saiba finalmente quem é o canha-lha que incendeia os algodoeiros. Pode ser que deseje cravar umas onças de chumbo no corpo desse maldito cobarde. E pode ser que este seja o melhor momento!
—Bem. —O outro ergueu a sua figura na sela, endurecendo o seu olhar. — Porque não o tenta?
Matt tentou-o. Mas tinha de enfrentar-se com um homem demasiado rápido. Não é que Matt Howland fosse lento, mas as delgadas mãos do outro alcançaram antes os coldres.
Quando Matt alcançava o seu «45», com toda a rapidez, o revólver do outro «falou» por duas vezes com a mais áspera e mortal das linguagens. Dois fogachos alaranjados brotaram na espessa cortina de chuva e duas balas foram cravar-se no peito de Matt Howland. O seu dedo pôde ainda apertar o gatilho, mas o projétil perdeu-se, inofensivo na lama do caminho. Depois, o seu corpo vigoroso oscilou sobre a montada, cravou um último olhar no seu assassino e rodou pesadamente para o solo.
«Lone» relinchou, aterrorizado, voltou-se veloz sobre si mesmo ao não sentir o peso do cavaleiro e rompeu num louco galope, perdendo-se em seguida entre a chuva e os arbustos.
O assassino de Matt Howland viu fugir o cavalo com um sorriso de indiferença. Depois saltou para o chão aproximando-se, sem largar o revólver, do corpo sem vida de Howland, enterrado na lama. Inclinou-se sobre ele. Mãos hábeis revistaram os bolsos do morto.
Depressa deram com a carta enrugada e húmida que provocou em Howland a sua furiosa reação. Deitou uma olhadela ao texto, riu surdamente e meteu-a num dos seus bolsos.
Levantando-se, olhou em redor. Ninguém parecia ter ouvido os disparos. Não se via rasto de nenhum ser vivo. Olhou para a sua vítima com um ar brincalhão, e decidiu o que iria fazer com aquele corpo sem vida.
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