— Eh! Kirby, olha para ali! Um tipo aproxima-se do local onde Weiss ficou com a mulher! — gritou um dos que acompanhavam o homenzarrão, pouco depois de abandonarem a vala onde tinham lançado fogo ao carro de Knox.
O interpelado puxou, com a mão esquerda, as rédeas da montada, enquanto que, com a direita, sujeitava o cavalo que conduzia sem cavaleiro e que pertencera a Gálvez.
Voltou a cabeça, brilharam-lhe os olhos e exclamou:
— Só pode ser Bryce! Diabo de assunto! Se vamos até lá, o rapaz quererá briga e não teremos outro remédio senão meter-lhe uma onça de chumbo nos miolos; se não intervimos, é muito capaz de dar cabo do Weiss e, então, adeus negócio!
Os outros reuniram-se-lhe e viram, muito ao longe, o rapaz saltar do cavalo, dar uns passos e... Primeiro viram erguer-se uma colunazinha de fumo, e depois ouviram a detonação, abafada pela distância. Seguiu-se novo estampido e Bryce desapareceu-lhes da vista, quando desceu a vala.
Kirby soltou uma praga, apeou-se do cavalo e, furioso, descarregou o mau humor na montada do mexicano, que relinchou e deu uns quantos pinotes no ar.
— Excomungado Bryce! Palavra que é difícil poupar a vida de um tipo quando ele parece empenhado em procurar complicações! Que interesse teria em vir meter-se na boca do lobo?
O mais novo dos três, um rapaz ruivo e sardento, atreveu-se a insinuar:
— A rapariga não é feia e...
— O diabo leve as mulheres... e o Weiss! Se lhe aconteceu alguma coisa foi muito bem feito, pois não tinha necessidade nenhuma de vir buscar a víbora da rapariga!
Sempre a praguejar, Kirby apertou a testa entre as mãos, como se, de tanto pensar para encontrar a melhor solução, tivesse arranjado uma grande dor de cabeça. O ruivo deu um estalo com a língua e meneou a cabeça, murmurando:
— Não me agrada nada isto, Kirby... Em que companhia me meti que não se vinga um companheiro morto nem se corre a defender o que está em apuros?
— Com mil raios, apetecia-me esmagar-te a cabeça por essas palavras! — exclamou o gigante, de punho cerrado, para concluir resignadamente: — Mas não deixas de ter razão... Porém, atrás de nós está o velho, e quem teria coragem de apresentar-se-lhe e dizer que matou Franck Bryce? Era muito capaz de correr connosco a tiro! Não, não serei eu quem lhe dará tal notícia!
Falou então o terceiro, um indivíduo baixo e atarracado, de poucas palavras, a julgar pelo mutismo que até então mantivera:
— E por que há-de Emerson saber que aconteceu alguma coisa a Bryce, e muito mais que fomos nós quem acabou com ele?
— Sim?... — murmurou Kirby, acariciando a barba e olhando de soslaio para um lado e para o outro. — Tens razão; fazer outra coisa é que seria uma deslealdade para os nossos camaradas. Ao diabo o velho Emerson e o seu mau génio! Vamos procurar Bryce!
De novo o cavalo teve de suportar-lhe o peso esmagador. Desta vez até se esqueceu de levar pelas rédeas a montada de Gálvez.
— Não deve ficar ninguém para contar a história —recomendou. — A rapariga e o miúdo terão também de morrer.
E lá foram a galope, a caminho da vala fatídica. A distância reduziu-se rapidamente e não tardaram a ver o vulto amarelado de Bryce aproximar-se do cavalo, que tasquinhava a pouca erva.
Não tiveram dúvidas de que tinham sido descobertos pelo guia, pois este pareceu hesitar um momento, com os olhos fitos neles, e depois desapareceu com a montada no declive. Kirby levantou a mão, a mandar parar os companheiros, os quais o ouviram resmungar:
— Maldito Gálvez! Maldito Weiss! Bryce viu-nos, adivinhou as nossas intenções e espera-nos... Não vai ser nada fácil acabar com ele.
— Ora, três contra um... — começou a dizer o ruivo, o que lhe valeu um olhar fulminante do brutamontes.
— Ouve, Pat, estás-me a sair um refilão e um idiota muito grande. És novato nestas andanças e, por isso, ainda não conheces o nome de certos fulanos, mas fica sabendo que este Bryce é homem para meter-nos no papo aos três, se o enfrentarmos em campo aberto e cara a cara. É um demónio com os revólveres! Temos de estudar muito bem o problema, se não queremos deixar a pele na pradaria.
— Kirby tem razão. O Bryce está prevenido e ser-nos-á impossível caçá-lo. Quanto a mim, o melhor será deixá-lo para outra ocasião... e ocasiões não nos faltarão no Lago Salgado — declarou sensatamente o de poucas falas.
Um fulgor de inteligência brilhou nos olhos do gordo, que aplaudiu:
— Muito bem, Brandt! Só se tivéssemos vontade de complicar a vida iríamos agora atrás do rapaz. De mais a mais o negócio está escangalhado. Sem o Weiss na caravana não teremos qualquer probabilidade de êxito se a atacarmos, e... Bem, rapazes, toca para o Lago Salgado, onde contaremos a verdade ao velho e ajustaremos contas com Bryce, se ele por lá aparecer.
Pat, o ruivo, não pareceu muito satisfeito com a decisão de Kirby, e quando os outros já tinham dado meia volta, virando as costas ao local onde calculavam que Franck os esperava, ficou parado, de punho ameaçadoramente estendido, a resmungar:
— Hei-de ensinar-te que Patrick Shelley não costuma deixar morrer os seus amigos como cães!
Depois voltou também costas à vala e seguiu os companheiros, que se distanciavam com velocidade crescente. Assim que os três homens empreenderam o que tinha todas as características de uma retirada, Franck Bryce levantou-se, sacudiu o pó de que o fato se impregnara enquanto estivera deitado no chão, a espreitar os bandoleiros, e fez sinal a Graça e a Alfredo, que se lhe juntaram.
— Devem ter pensado melhor e desistido — informou, apontando os cavaleiros que desapareciam ao longe. —Agora resta-nos utilizar o cavalo de Weiss e reunirmo-nos à caravana.
— O quê; voltarmos para junto dos mórmones? —perguntou a rapariga, assustada.
Bryce sorriu-lhe:
— Nem todos os mórmones são maus, pelo contrário. O verdadeiro mórmon é pacífico e humanitário, não deves, portanto, temer nada. Claro que não pretendo defender as suas crenças religiosas nem a sua maldita poligamia, a qual, por razões que mais tarde saberás, sou o primeiro a condenar... Porém, como em todas as coisas, há bom e mau, e entre eles existe mais gente boa do que má, visto as suas crenças se inspirarem no cristianismo.
— Perdoa, Franck, não queria duvidar do acertado da tua decisão, mas passámos tão maus bocados com eles... Além disso, supões que nos receberiam bem?
Bryce, que apertava as cilhas do cavalo de Weiss, respondeu:
— O mais provável é que nos recebam a tiro; já te contei o que me fizeram há pouco... Por isso aproximar-me-ei primeiro, para apalpar terreno.
Em seguida levantou a cabeça para as montanhas que se erguiam ao longe e declarou:
— Mau será que não os apanhemos esta noite, pois devem ter atravessado a parte mais estreita do desfiladeiro e acampado. Havia várias horas que a noite envolvera no seu manto de escuridão o acampamento dos mórmones. Como de costume, os vinte carros da caravana foram dispostos cm círculo, na zona de South Pass que, pela sua amplitude, melhor o permitia. Do lado de fora do círculo, uma sombra ia e vinha, atenta no reconhecimento das trevas que os envolviam: uma sentinela.
De súbito, o homem estacou, com o olhar fixo numa rocha que, a dez metros de distância, parecia um felino prestes a saltar. Alertara-o um ruído vindo desse lado. Com grandes precauções, o vigilante deu um passo, de carabina aperrada...
Talvez desse outro passo ou talvez, perdida a coragem, procurasse refúgio no interior do círculo... Ao certo nunca se saberá, pois alguém o atacou pelas costas e lhe passou um braço pela garganta, sufocando-o.
A sentinela debateu-se, perdendo, ao fazê-lo, a carabina, e da sua boca começou a sair um grito em que se misturavam o assombro e o terror, mas que a mão do misterioso atacante abafou.
Em seguida o homem sentiu-se levantado do chão e transportado, como se nada pesasse, nas mãos do outro. Cerca de cinquenta metros adiante, o intruso estacou, atirou a sentinela ao chão, caiu-lhe em cima e apontou-lhe à garganta a ponta afiada de uma faca de mato. Os olhos do desgraçado desorbitaram-se de pavor, ao sentir na pele o frio do aço.
— Sabes quem eu sou, não é verdade? — disse, num sussurro, o atacante. — Podes falar, mas nada de gritar nem de mover-te, pois sou um bocado nervoso... Reconheceste-me?
— Sim... é Bryce, o guia — gaguejou o homem, fazendo esforços vãos para ver a lâmina com que o ameaçava.
— Muito bem. E sabes também o que pretendo? Por que te trouxe para aqui deste modo?
— Não tenho nada contra si! — afirmou o homem, a tremer. — Foi Weiss, o novo chefe, que ordenou que disparássemos assim que aparecesse na caravana...
— Ah, sim? E porquê?
— É que... enfim, afirmou que foi você quem matou Josiah e os outros, disse que encontrou o arco e flechas no carro do Knox, o que demonstrava ser a rapariga sua cúmplice... Por isso a abandonou no caminho.
Bryce pesou cautelosamente as palavras do homem, chegando a desviar, sem se aperceber, a faca do pescoço do mórmon. Este, porém, permaneceu imóvel, a respirar devagar e a esforçar-se por dominar a tremura do corpo.
— Que vai fazer-me? — perguntou, assustado.
O guia fingiu não o ouvir e perguntou por sua vez:
— E onde está agora o Weiss?
— Partiu esta manhã... disse que ia estender-lhe uma armadilha... Claro que eu... eu não acredito que você tenha a ver com as flechas!
Bryce mostrou-lhe os dentes num sorriso:
— Sem dúvida, mas se pudesses, esta manhã, de bom grado me terias furado a tiro! E ainda há bocado, se não tenho atirado uma pedra a uma rocha distante, para enganar-te, ter-me-ias feito o mesmo, hem?
— Não, se soubesse que era o senhor não teria disparado... Estamos de guarda por causa dos selvagens...
— És um embusteiro e merecias que te cortasse o pescoço, sem contemplações, mas... Fica sabendo, miserável, que vim avisá-los e não fazer mal seja a quem for. Ao vosso chefe, esse assassino do Weiss, deixei-o com uma boca artificial no peito, no local em que o encontrei prestes a matar Graça Knox...
— Ma... matou-o? — gaguejou o homem, cada vez mais assustado.
— Justicei-o, diria, eu, mas o resultado é o mesmo. Vou contar-te em poucas palavras os seus planos, nos quais todos vocês colaboraram, sem darem por isso: foi Jeffrey Weiss quem assassinou Knox, Josiah e os outros... A sua ideia era exterminar todos os homens da expedição para, em determinado ponto e ajudado por um bando de malfeitores da sua espécie, saquear comodamente a caravana...
— Isso é... terrível! — exclamou o mórmon, incrédulo.
O rapaz voltou a sorrir:
— Ias a dizer incrível, mas pouco me importa o que penses. Avisei-te e considero-me em paz com a minha consciência. Se seguirem com bom passo, dentro de uma semana poderão estar no Lago Salgado, onde os esperarão grandes surpresas e as provas necessárias da verdade das minhas palavras.
Deixou de ameaçar o outro com a faca e disse-lhe:
— Podes voltar aos carros, mas lembra-te, de que estarei alerta e de que, se suspeitar de alguma cilada da vossa parte, não errarei o alvo. Recomendo-lhes que redobrem de precauções ate à cidade, pois embora não seja fácil que, com Weiss morto, tentem o golpe, nunca é demais prevenir. Vamos, porque não te levantas?
O outro soergueu-se, receoso:
— Deixa-me... deixa-me partir? Não pretenderá...?
— Dar-te um tiro pelas costas? Amigo, se quisesse matar-te ter-te-ia cortado o pescoço. Não achas que seria muito mais fácil? Ver-nos-emos no Lago Salgado.
E, ato contínuo, desatou a correr e desapareceu, veloz e silenciosamente.
O interpelado puxou, com a mão esquerda, as rédeas da montada, enquanto que, com a direita, sujeitava o cavalo que conduzia sem cavaleiro e que pertencera a Gálvez.
Voltou a cabeça, brilharam-lhe os olhos e exclamou:
— Só pode ser Bryce! Diabo de assunto! Se vamos até lá, o rapaz quererá briga e não teremos outro remédio senão meter-lhe uma onça de chumbo nos miolos; se não intervimos, é muito capaz de dar cabo do Weiss e, então, adeus negócio!
Os outros reuniram-se-lhe e viram, muito ao longe, o rapaz saltar do cavalo, dar uns passos e... Primeiro viram erguer-se uma colunazinha de fumo, e depois ouviram a detonação, abafada pela distância. Seguiu-se novo estampido e Bryce desapareceu-lhes da vista, quando desceu a vala.
Kirby soltou uma praga, apeou-se do cavalo e, furioso, descarregou o mau humor na montada do mexicano, que relinchou e deu uns quantos pinotes no ar.
— Excomungado Bryce! Palavra que é difícil poupar a vida de um tipo quando ele parece empenhado em procurar complicações! Que interesse teria em vir meter-se na boca do lobo?
O mais novo dos três, um rapaz ruivo e sardento, atreveu-se a insinuar:
— A rapariga não é feia e...
— O diabo leve as mulheres... e o Weiss! Se lhe aconteceu alguma coisa foi muito bem feito, pois não tinha necessidade nenhuma de vir buscar a víbora da rapariga!
Sempre a praguejar, Kirby apertou a testa entre as mãos, como se, de tanto pensar para encontrar a melhor solução, tivesse arranjado uma grande dor de cabeça. O ruivo deu um estalo com a língua e meneou a cabeça, murmurando:
— Não me agrada nada isto, Kirby... Em que companhia me meti que não se vinga um companheiro morto nem se corre a defender o que está em apuros?
— Com mil raios, apetecia-me esmagar-te a cabeça por essas palavras! — exclamou o gigante, de punho cerrado, para concluir resignadamente: — Mas não deixas de ter razão... Porém, atrás de nós está o velho, e quem teria coragem de apresentar-se-lhe e dizer que matou Franck Bryce? Era muito capaz de correr connosco a tiro! Não, não serei eu quem lhe dará tal notícia!
Falou então o terceiro, um indivíduo baixo e atarracado, de poucas palavras, a julgar pelo mutismo que até então mantivera:
— E por que há-de Emerson saber que aconteceu alguma coisa a Bryce, e muito mais que fomos nós quem acabou com ele?
— Sim?... — murmurou Kirby, acariciando a barba e olhando de soslaio para um lado e para o outro. — Tens razão; fazer outra coisa é que seria uma deslealdade para os nossos camaradas. Ao diabo o velho Emerson e o seu mau génio! Vamos procurar Bryce!
De novo o cavalo teve de suportar-lhe o peso esmagador. Desta vez até se esqueceu de levar pelas rédeas a montada de Gálvez.
— Não deve ficar ninguém para contar a história —recomendou. — A rapariga e o miúdo terão também de morrer.
E lá foram a galope, a caminho da vala fatídica. A distância reduziu-se rapidamente e não tardaram a ver o vulto amarelado de Bryce aproximar-se do cavalo, que tasquinhava a pouca erva.
Não tiveram dúvidas de que tinham sido descobertos pelo guia, pois este pareceu hesitar um momento, com os olhos fitos neles, e depois desapareceu com a montada no declive. Kirby levantou a mão, a mandar parar os companheiros, os quais o ouviram resmungar:
— Maldito Gálvez! Maldito Weiss! Bryce viu-nos, adivinhou as nossas intenções e espera-nos... Não vai ser nada fácil acabar com ele.
— Ora, três contra um... — começou a dizer o ruivo, o que lhe valeu um olhar fulminante do brutamontes.
— Ouve, Pat, estás-me a sair um refilão e um idiota muito grande. És novato nestas andanças e, por isso, ainda não conheces o nome de certos fulanos, mas fica sabendo que este Bryce é homem para meter-nos no papo aos três, se o enfrentarmos em campo aberto e cara a cara. É um demónio com os revólveres! Temos de estudar muito bem o problema, se não queremos deixar a pele na pradaria.
— Kirby tem razão. O Bryce está prevenido e ser-nos-á impossível caçá-lo. Quanto a mim, o melhor será deixá-lo para outra ocasião... e ocasiões não nos faltarão no Lago Salgado — declarou sensatamente o de poucas falas.
Um fulgor de inteligência brilhou nos olhos do gordo, que aplaudiu:
— Muito bem, Brandt! Só se tivéssemos vontade de complicar a vida iríamos agora atrás do rapaz. De mais a mais o negócio está escangalhado. Sem o Weiss na caravana não teremos qualquer probabilidade de êxito se a atacarmos, e... Bem, rapazes, toca para o Lago Salgado, onde contaremos a verdade ao velho e ajustaremos contas com Bryce, se ele por lá aparecer.
Pat, o ruivo, não pareceu muito satisfeito com a decisão de Kirby, e quando os outros já tinham dado meia volta, virando as costas ao local onde calculavam que Franck os esperava, ficou parado, de punho ameaçadoramente estendido, a resmungar:
— Hei-de ensinar-te que Patrick Shelley não costuma deixar morrer os seus amigos como cães!
Depois voltou também costas à vala e seguiu os companheiros, que se distanciavam com velocidade crescente. Assim que os três homens empreenderam o que tinha todas as características de uma retirada, Franck Bryce levantou-se, sacudiu o pó de que o fato se impregnara enquanto estivera deitado no chão, a espreitar os bandoleiros, e fez sinal a Graça e a Alfredo, que se lhe juntaram.
— Devem ter pensado melhor e desistido — informou, apontando os cavaleiros que desapareciam ao longe. —Agora resta-nos utilizar o cavalo de Weiss e reunirmo-nos à caravana.
— O quê; voltarmos para junto dos mórmones? —perguntou a rapariga, assustada.
Bryce sorriu-lhe:
— Nem todos os mórmones são maus, pelo contrário. O verdadeiro mórmon é pacífico e humanitário, não deves, portanto, temer nada. Claro que não pretendo defender as suas crenças religiosas nem a sua maldita poligamia, a qual, por razões que mais tarde saberás, sou o primeiro a condenar... Porém, como em todas as coisas, há bom e mau, e entre eles existe mais gente boa do que má, visto as suas crenças se inspirarem no cristianismo.
— Perdoa, Franck, não queria duvidar do acertado da tua decisão, mas passámos tão maus bocados com eles... Além disso, supões que nos receberiam bem?
Bryce, que apertava as cilhas do cavalo de Weiss, respondeu:
— O mais provável é que nos recebam a tiro; já te contei o que me fizeram há pouco... Por isso aproximar-me-ei primeiro, para apalpar terreno.
Em seguida levantou a cabeça para as montanhas que se erguiam ao longe e declarou:
— Mau será que não os apanhemos esta noite, pois devem ter atravessado a parte mais estreita do desfiladeiro e acampado. Havia várias horas que a noite envolvera no seu manto de escuridão o acampamento dos mórmones. Como de costume, os vinte carros da caravana foram dispostos cm círculo, na zona de South Pass que, pela sua amplitude, melhor o permitia. Do lado de fora do círculo, uma sombra ia e vinha, atenta no reconhecimento das trevas que os envolviam: uma sentinela.
De súbito, o homem estacou, com o olhar fixo numa rocha que, a dez metros de distância, parecia um felino prestes a saltar. Alertara-o um ruído vindo desse lado. Com grandes precauções, o vigilante deu um passo, de carabina aperrada...
Talvez desse outro passo ou talvez, perdida a coragem, procurasse refúgio no interior do círculo... Ao certo nunca se saberá, pois alguém o atacou pelas costas e lhe passou um braço pela garganta, sufocando-o.
A sentinela debateu-se, perdendo, ao fazê-lo, a carabina, e da sua boca começou a sair um grito em que se misturavam o assombro e o terror, mas que a mão do misterioso atacante abafou.
Em seguida o homem sentiu-se levantado do chão e transportado, como se nada pesasse, nas mãos do outro. Cerca de cinquenta metros adiante, o intruso estacou, atirou a sentinela ao chão, caiu-lhe em cima e apontou-lhe à garganta a ponta afiada de uma faca de mato. Os olhos do desgraçado desorbitaram-se de pavor, ao sentir na pele o frio do aço.
— Sabes quem eu sou, não é verdade? — disse, num sussurro, o atacante. — Podes falar, mas nada de gritar nem de mover-te, pois sou um bocado nervoso... Reconheceste-me?
— Sim... é Bryce, o guia — gaguejou o homem, fazendo esforços vãos para ver a lâmina com que o ameaçava.
— Muito bem. E sabes também o que pretendo? Por que te trouxe para aqui deste modo?
— Não tenho nada contra si! — afirmou o homem, a tremer. — Foi Weiss, o novo chefe, que ordenou que disparássemos assim que aparecesse na caravana...
— Ah, sim? E porquê?
— É que... enfim, afirmou que foi você quem matou Josiah e os outros, disse que encontrou o arco e flechas no carro do Knox, o que demonstrava ser a rapariga sua cúmplice... Por isso a abandonou no caminho.
Bryce pesou cautelosamente as palavras do homem, chegando a desviar, sem se aperceber, a faca do pescoço do mórmon. Este, porém, permaneceu imóvel, a respirar devagar e a esforçar-se por dominar a tremura do corpo.
— Que vai fazer-me? — perguntou, assustado.
O guia fingiu não o ouvir e perguntou por sua vez:
— E onde está agora o Weiss?
— Partiu esta manhã... disse que ia estender-lhe uma armadilha... Claro que eu... eu não acredito que você tenha a ver com as flechas!
Bryce mostrou-lhe os dentes num sorriso:
— Sem dúvida, mas se pudesses, esta manhã, de bom grado me terias furado a tiro! E ainda há bocado, se não tenho atirado uma pedra a uma rocha distante, para enganar-te, ter-me-ias feito o mesmo, hem?
— Não, se soubesse que era o senhor não teria disparado... Estamos de guarda por causa dos selvagens...
— És um embusteiro e merecias que te cortasse o pescoço, sem contemplações, mas... Fica sabendo, miserável, que vim avisá-los e não fazer mal seja a quem for. Ao vosso chefe, esse assassino do Weiss, deixei-o com uma boca artificial no peito, no local em que o encontrei prestes a matar Graça Knox...
— Ma... matou-o? — gaguejou o homem, cada vez mais assustado.
— Justicei-o, diria, eu, mas o resultado é o mesmo. Vou contar-te em poucas palavras os seus planos, nos quais todos vocês colaboraram, sem darem por isso: foi Jeffrey Weiss quem assassinou Knox, Josiah e os outros... A sua ideia era exterminar todos os homens da expedição para, em determinado ponto e ajudado por um bando de malfeitores da sua espécie, saquear comodamente a caravana...
— Isso é... terrível! — exclamou o mórmon, incrédulo.
O rapaz voltou a sorrir:
— Ias a dizer incrível, mas pouco me importa o que penses. Avisei-te e considero-me em paz com a minha consciência. Se seguirem com bom passo, dentro de uma semana poderão estar no Lago Salgado, onde os esperarão grandes surpresas e as provas necessárias da verdade das minhas palavras.
Deixou de ameaçar o outro com a faca e disse-lhe:
— Podes voltar aos carros, mas lembra-te, de que estarei alerta e de que, se suspeitar de alguma cilada da vossa parte, não errarei o alvo. Recomendo-lhes que redobrem de precauções ate à cidade, pois embora não seja fácil que, com Weiss morto, tentem o golpe, nunca é demais prevenir. Vamos, porque não te levantas?
O outro soergueu-se, receoso:
— Deixa-me... deixa-me partir? Não pretenderá...?
— Dar-te um tiro pelas costas? Amigo, se quisesse matar-te ter-te-ia cortado o pescoço. Não achas que seria muito mais fácil? Ver-nos-emos no Lago Salgado.
E, ato contínuo, desatou a correr e desapareceu, veloz e silenciosamente.
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