De vez em quando, descia do cavalo e colava o ouvido ao solo, para assim perceber com clareza o ruído que produziam os cascos do animal que o seu perseguidor montava. Pensou que podia ser «Raposa Astuta»; mas, por outro lado, não excluía a hipótese de se tratar de algum dos guerreiros que o filho de «Nariz Achatado» havia lançado contra ele quando tentava convencê-los da má ação que estavam a levar a cabo.
Ainda lhe parecia mentira que os guerreiros «cheyennes» tivessem chegado tão baixo. A medida que refletia sobre o ocorrido, o papel funesto que em tudo aquilo desempenhava Archibald Delastone foi surgindo na sua mente com mais clareza.
Já não tinha a menor dúvida de que o astuto «rosto-pálido» havia permitido que os índios atacassem os carromatos dos colonos, pagando assim a «Nariz Achatado» o grande favor que este lhe fizera ao permitir que pudessem extrair prata das montanhas sagradas.
O cavalo que o seu perseguidor montava, corno o demonstrava o som que a terra levava até Tomahawk, estava ferrado, o que significa uma astúcia maior por parte dos dois associados, o índio e o branco. Os «cheyennes» Jamais haviam montado cavalos com ferraduras. Inclusivamente, quando capturavam algumas das montadas dos soldados brancos, costumavam tirar-lhes as ferraduras, já que não podiam conceber que um animal pudesse correr o necessário com aquilo que eles consideravam de inútil adorno.
Afastando-se do amplo vale do Arkansas River, o jovem índio meteu-se por um trilho sinuoso, penetrando na zona das pequenas colinas que precediam as altas montanhas, cujos brancos cumes se viam de muito longe. Queria que o seu perseguidor ignorasse que se havia dado conta de que era seguido.
O plano de Tomahawk ia-se desenvolvendo a passos largos, e a sua ideia era capturar aquele «pele-vermelha» para o utilizar como testemunha num futuro próximo. Preocupava-o mais isso do que a presente situação, apesar de a grave série de perigos que o cercava.
Quando penetrou na zona dos bosques, foi detendo o galope do seu cavalo suavemente até acabar por parar definitivamente; apeando-se, dispôs-se a montar um acampamento que enganasse-por completo aquele que não tardaria a chegar, pois estava seguro de que também ele devia ter desmontado mais de uma vez para escutar no solo e saber assim não só a direção que seguia o seu adversário como se continuava a galopar ou se se havia detido de um modo definitivo.
A zona do bosque em que o «cheyenne» havia penetrado era um verdadeiro labirinto de árvores e arbustos que cresciam em completa liberdade, constituindo uma espessa vegetação que ia permitir a Tomahawk preparar a armadilha para aquele que o perseguia.
Utilizando a manta que lhe servia de sela, cortou grande quantidade de arbustos e formou com eles um molho que, uma vez enrolado na manta, tinha a ligeira aparência do corpo de um homem. Colocou tudo num lugar parcialmente visível, não muito afastado do cavalo. E para que o cenário ficasse mais perfeito, deu-se ao trabalho de acender uma pequena fogueira que protegeu cuidadosamente a fim de evitar que as chamas se propagassem à exuberante vegetação. E oculto por detrás de umas espessas moitas, Tomahawk esperou...
O silêncio à sua volta era completo, e teve de admitir que o seu adversário sabia fazer bem as coisas. Devia ter deixado o seu cavalo bastante longe e, agora, silencioso como uma serpente, devia estar a avançar para o lugar preciso onde o seu desenvolvido instinto lhe indicava que Tomahawk se havia detido.
Era quase possível ao filho do falecido chefe «cheyenne» imaginar o seu perseguidor, com o machado numa mão e a carabina na outra. Havia reparado que todos os índios que assaltaram os infelizes membros da caravana usavam armas de fogo, que, sem dúvida alguma, Archibald Delastone devia ter-lhes proporcionado.
O plano maquiavélico imaginado pelo branco e por «Nariz Achatado» violava por completo o tratado de paz que tanto sangue havia custado. E os «cheyennes», faltando à sua palavra, haviam desenterrado o machado de guerra, tomando as precauções necessárias para que as suas culpas recaíssem sobre um problemático grupo de bandidos brancos, como o podiam testemunhar os cavalos ferrados usados pelos assaltantes das caravanas.
Meditando tristemente, Tomahawk teve de chegar à fatal conclusão de que os seus irmãos de raça não tinham cura. A tendência atávica que os levava a combater sem descanso era demasiado forte, estava-lhes na massa do sangue. E ia ser extraordinariamente difícil acalmar aquela potente energia destruidora que parecia formar a substância principal da sua existência.
Recordando o que tinha ouvido durante a sua época de estudos no Este, o jovem «cheyenne» teve de compreender o que se recusara sempre a admitir; assim, quando os «rostos-pálidos» falavam da necessária destruição dos povos de raça Ilidia tinham, no fundo, uma certa razão. Para o evitar, seria necessário que todos os índios fossem frequentar as escolas e. universidades do Este, para que se apercebessem que o Governo dos Estados Unidos estava do seu lado e que se mostrava disposto a castigar implacavelmente todos aqueles aventureiros do tipo de Archibald Delastone, os quais, pensando apenas nuns interesses mesquinhos e particulares, criavam um ambiente propicio à continuação da guerra entre as duas raças.
Mas se as próprias autoridades dos Estados Unidos eram incapazes de controlar aqueles bandidos disfarçados de pessoas decentes, que podiam fazer os índios, que desconheciam por completo as verdadeiras ideias, pacificadoras e evolucionistas, dos chefes brancos?
Doía-lhe profundamente ter de aceitar com uma triste necessidade a destruição e o aniquilamento dos povos índios.
Todas as tentativas do Governo dos Estados Unidos haviam fracassado sempre. Até as «reservas», que uma pessoa sensata e inteligente concebera, se haviam convertido em verdadeiros campos de concentração, em prisões horrendas onde os guardas, que chegavam a oferecer-se voluntariamente para o lugar, roubavam na comida para enriquecerem de uma maneira fácil e rápida.
Claro que aquilo não importava. O seu dever era tentar tudo. Talvez pudesse, num processo memorável, demonstrar que era completamente imparcial, exigindo então que a Lei recaísse sobre os culpados, fossem estes «peles-vermelhas» ou «rostos-pálidos. Necessitava, por isso, de capturar o homem que se ia aproximando do seu falso acampamento. Precisava de uma testemunha que declarasse a verdade, ainda que tivesse de a obrigar a isso. E, com um pouco de sorte, conseguiria demonstrar, tanto aos brancos como aos índios, que era necessário respeitar a Lei e estabelecer uma verdadeira convivência entre as duas raças, uns enterrando o seu machado de guerra para sempre, os outros refreando a sua cobiça.
Os seus pensamentos interromperam-se naquele instante, pois acabava de perceber, ligeiro e suave, o rumor que produziam os mocassins do seu perseguidor, que já estava a aproximar-se do lugar onde Tomahawk havia deixado os arbustos envolvidos pela manta.
Com todos os nervos em tensão, empunhou com força a «Winchester» e, observando a zona onde havia estabelecido o falso acampamento, esperou, como só os índios o podem fazer, quase sem respirar e sem se mexer, convertido numa espécie de estátua viva.
A pouco e pouco, apesar de o outro «cheyenne» se mover no meio de um silêncio sepulcral, os sentidos de Tomahawk foram percebendo os ligeiros movimentos do seu inimigo. Pôde, inclusivamente, prever, sem medo de se enganar, o lugar exato por onde surgiria parcialmente o outro, pois calculava que índio que o perseguia se limitaria a arremessar o seu machado de guerra, comprovando depois a morte do seu inimigo para lhe levar a cabeleira e poder mostrá-la ao seu povo.
Mas enganou-se a este respeito. Quando viu, do seu esconderijo, que «Raposa Astuta» saía dos arbustos com o machado de guerra na mão direita e a carabina na esquerda, avançando sobre' as pontas dos pés, compreendeu que aquele homem não desejava matá-lo rapidamente, mas fazê-lo sofrer antes, demonstrando-lhe a sua superioridade e vingando-se assim daquela espécie de complexo de que sempre padecera.
Bastava apenas olhar para o rosto de «Raposa Astuta» para compreender o ódio que se aninhava no seu peito. Os olhos brilhavam-lhe como brasas, e a expressão da sua cara possuía uma dureza indizível.
Foi-se movendo, passo a passo, esmagando cuidadosamente as ervas com os delicados mocassins, sem fazer o menor ruído. Foi assim diminuindo a distância que o separava da manta que cobria os arbustos; e, quando se encontrou junto do vulto que ele supunha ser o do adormecido Tomahawk, levantou o machado para desferir um golpe no momento preciso e rompeu o silêncio com voz colérica:
— Levanta-te, renegado! Chegou a tua hora!
Tomahawk pensou que não podia dar mais tempo ao seu adversário. Se o deixasse comprovar o logro em que caíra, «Raposa Astuta» sairia a correr; e seria difícil persegui-lo naquela emaranhada vegetação. Tal fuga poderia equivaler a perdê-lo para sempre. E para que o seu plano se realizasse aquilo não podia acontecer. Por isso, empunhando a «Winchester», saiu dos arbustos e apontou a arma ao peito do seu rival.
— Não tão depressa, «Raposa Astuta»! — exclamou. — A minha hora ainda não chegou!
O outro estremeceu dos pés à cabeça, cravando o seu olhar no negro orifício do cano da carabina que Tomahawk empunhava.
O filho de «Nariz Achatado» sentiu medo, e a cobardia que jamais o havia abandonado fez-se patente na cor cinzenta que lhe cobriu o rosto.
— Deixa cair as armas — ordenou-lhe Tomahawk.
O outro obedeceu. Tremiam-lhe os membros, talvez de nervosismo, e amaldiçoava o momento em que havia deixado cair as armas e não tinha lutado como um guerreiro, embora a morte estivesse a esperá-lo naquele lugar. Mas já era demasiado tarde, e Tomahawk, sem deixar de lhe apontar a arma, aproximou-se dele e olhou-o com dureza.
— Volta-te de costas, «Raposa Astuta» — ordenou.
O «cheyenne» girou lentamente sobre os calcanhares. Aproximou-se com rapidez e calculando bem os seus movimentos, Tomahawk propinou-lhe então uma formidável coronhada na cabeça, tendo, porém, o cuidado de não o magoar demasiado. «Raposa Astuta» caiu a seu pés, como uma massa inerte.
Rapidamente, conhecendo a vitalidade dos seus irmãos de raça, Tomahawk improvisou uma corda entrelaçando várias fibras e amarrou solidamente os pés e os tornozelos de «Raposa Astuta», que, como esperava, recobrou os sentidos em seguida, olhando-o com os olhos injetados de sangue.
— Não escaparás, Tomahawk — disse, com raiva. —Tarde ou cedo, os guerreiros «cheyennes», que são agora comandados por meu pai, o grande chefe «Nariz Achatado», dar-te-ão caça e a tua cabeleira fará parte das que pendem na tenda do novo caudilho.
— Não tenhas demasiadas ilusões, «Raposa Astuta». Temos muitas coisas a fazer; tu e eu.
— Não me importa o que queiras fazer. Podes matar-me, se o desejas.
— Descansa, pois não o farei. Esta noite iremos à povoação dos brancos e arrumaremos umas coisitas pendentes que deixámos ali. Já estou inteirado dos miseráveis projetos daquele «rosto pálido» a quem teu pai serve como um vil escravo. Haveis violado o tratado que o meu pobre pai assinou. E tendes de o pagar, seja como for. O machado de guerra deve ser enterrado para sempre, e os «cheyennes» terão de se converter num povo pacifico, colaborando com os brancos e procurando garantir assim um futuro que vós, com as vossas loucuras e as vossas ambições, estais constantemente a pôr em perigo.
O outro cuspiu para o solo, com desprezo, demonstrando assim o pouco caso que fazia das judiciosas palavras de Tomahawk. Este, calculando a distância que o separava de Pueblo, foi em busca do cavalo de «Raposa Astuta» e, depois, colocou o índio, dobrado, sobre o lombo do animal. Era uma posição incómoda, mas pouco importava a Tomahawk que o outro sofresse durante o trajeto.
Montando depois no seu próprio cavalo, apoderou-se das rédeas daquele que o seu adversário havia montado e começou a cavalgar, a passo, descendo as colinas, procurando afastar-se da zona onde os «cheyennes» haviam atacado os colonos e atravessando o terreno aberto que, pela margem esquerda do Arkansas River, o conduziria diretamente à povoação que os «rostos-pálidos» haviam construído.
Ainda lhe parecia mentira que os guerreiros «cheyennes» tivessem chegado tão baixo. A medida que refletia sobre o ocorrido, o papel funesto que em tudo aquilo desempenhava Archibald Delastone foi surgindo na sua mente com mais clareza.
Já não tinha a menor dúvida de que o astuto «rosto-pálido» havia permitido que os índios atacassem os carromatos dos colonos, pagando assim a «Nariz Achatado» o grande favor que este lhe fizera ao permitir que pudessem extrair prata das montanhas sagradas.
O cavalo que o seu perseguidor montava, corno o demonstrava o som que a terra levava até Tomahawk, estava ferrado, o que significa uma astúcia maior por parte dos dois associados, o índio e o branco. Os «cheyennes» Jamais haviam montado cavalos com ferraduras. Inclusivamente, quando capturavam algumas das montadas dos soldados brancos, costumavam tirar-lhes as ferraduras, já que não podiam conceber que um animal pudesse correr o necessário com aquilo que eles consideravam de inútil adorno.
Afastando-se do amplo vale do Arkansas River, o jovem índio meteu-se por um trilho sinuoso, penetrando na zona das pequenas colinas que precediam as altas montanhas, cujos brancos cumes se viam de muito longe. Queria que o seu perseguidor ignorasse que se havia dado conta de que era seguido.
O plano de Tomahawk ia-se desenvolvendo a passos largos, e a sua ideia era capturar aquele «pele-vermelha» para o utilizar como testemunha num futuro próximo. Preocupava-o mais isso do que a presente situação, apesar de a grave série de perigos que o cercava.
Quando penetrou na zona dos bosques, foi detendo o galope do seu cavalo suavemente até acabar por parar definitivamente; apeando-se, dispôs-se a montar um acampamento que enganasse-por completo aquele que não tardaria a chegar, pois estava seguro de que também ele devia ter desmontado mais de uma vez para escutar no solo e saber assim não só a direção que seguia o seu adversário como se continuava a galopar ou se se havia detido de um modo definitivo.
A zona do bosque em que o «cheyenne» havia penetrado era um verdadeiro labirinto de árvores e arbustos que cresciam em completa liberdade, constituindo uma espessa vegetação que ia permitir a Tomahawk preparar a armadilha para aquele que o perseguia.
Utilizando a manta que lhe servia de sela, cortou grande quantidade de arbustos e formou com eles um molho que, uma vez enrolado na manta, tinha a ligeira aparência do corpo de um homem. Colocou tudo num lugar parcialmente visível, não muito afastado do cavalo. E para que o cenário ficasse mais perfeito, deu-se ao trabalho de acender uma pequena fogueira que protegeu cuidadosamente a fim de evitar que as chamas se propagassem à exuberante vegetação. E oculto por detrás de umas espessas moitas, Tomahawk esperou...
O silêncio à sua volta era completo, e teve de admitir que o seu adversário sabia fazer bem as coisas. Devia ter deixado o seu cavalo bastante longe e, agora, silencioso como uma serpente, devia estar a avançar para o lugar preciso onde o seu desenvolvido instinto lhe indicava que Tomahawk se havia detido.
Era quase possível ao filho do falecido chefe «cheyenne» imaginar o seu perseguidor, com o machado numa mão e a carabina na outra. Havia reparado que todos os índios que assaltaram os infelizes membros da caravana usavam armas de fogo, que, sem dúvida alguma, Archibald Delastone devia ter-lhes proporcionado.
O plano maquiavélico imaginado pelo branco e por «Nariz Achatado» violava por completo o tratado de paz que tanto sangue havia custado. E os «cheyennes», faltando à sua palavra, haviam desenterrado o machado de guerra, tomando as precauções necessárias para que as suas culpas recaíssem sobre um problemático grupo de bandidos brancos, como o podiam testemunhar os cavalos ferrados usados pelos assaltantes das caravanas.
Meditando tristemente, Tomahawk teve de chegar à fatal conclusão de que os seus irmãos de raça não tinham cura. A tendência atávica que os levava a combater sem descanso era demasiado forte, estava-lhes na massa do sangue. E ia ser extraordinariamente difícil acalmar aquela potente energia destruidora que parecia formar a substância principal da sua existência.
Recordando o que tinha ouvido durante a sua época de estudos no Este, o jovem «cheyenne» teve de compreender o que se recusara sempre a admitir; assim, quando os «rostos-pálidos» falavam da necessária destruição dos povos de raça Ilidia tinham, no fundo, uma certa razão. Para o evitar, seria necessário que todos os índios fossem frequentar as escolas e. universidades do Este, para que se apercebessem que o Governo dos Estados Unidos estava do seu lado e que se mostrava disposto a castigar implacavelmente todos aqueles aventureiros do tipo de Archibald Delastone, os quais, pensando apenas nuns interesses mesquinhos e particulares, criavam um ambiente propicio à continuação da guerra entre as duas raças.
Mas se as próprias autoridades dos Estados Unidos eram incapazes de controlar aqueles bandidos disfarçados de pessoas decentes, que podiam fazer os índios, que desconheciam por completo as verdadeiras ideias, pacificadoras e evolucionistas, dos chefes brancos?
Doía-lhe profundamente ter de aceitar com uma triste necessidade a destruição e o aniquilamento dos povos índios.
Todas as tentativas do Governo dos Estados Unidos haviam fracassado sempre. Até as «reservas», que uma pessoa sensata e inteligente concebera, se haviam convertido em verdadeiros campos de concentração, em prisões horrendas onde os guardas, que chegavam a oferecer-se voluntariamente para o lugar, roubavam na comida para enriquecerem de uma maneira fácil e rápida.
Claro que aquilo não importava. O seu dever era tentar tudo. Talvez pudesse, num processo memorável, demonstrar que era completamente imparcial, exigindo então que a Lei recaísse sobre os culpados, fossem estes «peles-vermelhas» ou «rostos-pálidos. Necessitava, por isso, de capturar o homem que se ia aproximando do seu falso acampamento. Precisava de uma testemunha que declarasse a verdade, ainda que tivesse de a obrigar a isso. E, com um pouco de sorte, conseguiria demonstrar, tanto aos brancos como aos índios, que era necessário respeitar a Lei e estabelecer uma verdadeira convivência entre as duas raças, uns enterrando o seu machado de guerra para sempre, os outros refreando a sua cobiça.
Os seus pensamentos interromperam-se naquele instante, pois acabava de perceber, ligeiro e suave, o rumor que produziam os mocassins do seu perseguidor, que já estava a aproximar-se do lugar onde Tomahawk havia deixado os arbustos envolvidos pela manta.
Com todos os nervos em tensão, empunhou com força a «Winchester» e, observando a zona onde havia estabelecido o falso acampamento, esperou, como só os índios o podem fazer, quase sem respirar e sem se mexer, convertido numa espécie de estátua viva.
A pouco e pouco, apesar de o outro «cheyenne» se mover no meio de um silêncio sepulcral, os sentidos de Tomahawk foram percebendo os ligeiros movimentos do seu inimigo. Pôde, inclusivamente, prever, sem medo de se enganar, o lugar exato por onde surgiria parcialmente o outro, pois calculava que índio que o perseguia se limitaria a arremessar o seu machado de guerra, comprovando depois a morte do seu inimigo para lhe levar a cabeleira e poder mostrá-la ao seu povo.
Mas enganou-se a este respeito. Quando viu, do seu esconderijo, que «Raposa Astuta» saía dos arbustos com o machado de guerra na mão direita e a carabina na esquerda, avançando sobre' as pontas dos pés, compreendeu que aquele homem não desejava matá-lo rapidamente, mas fazê-lo sofrer antes, demonstrando-lhe a sua superioridade e vingando-se assim daquela espécie de complexo de que sempre padecera.
Bastava apenas olhar para o rosto de «Raposa Astuta» para compreender o ódio que se aninhava no seu peito. Os olhos brilhavam-lhe como brasas, e a expressão da sua cara possuía uma dureza indizível.
Foi-se movendo, passo a passo, esmagando cuidadosamente as ervas com os delicados mocassins, sem fazer o menor ruído. Foi assim diminuindo a distância que o separava da manta que cobria os arbustos; e, quando se encontrou junto do vulto que ele supunha ser o do adormecido Tomahawk, levantou o machado para desferir um golpe no momento preciso e rompeu o silêncio com voz colérica:
— Levanta-te, renegado! Chegou a tua hora!
Tomahawk pensou que não podia dar mais tempo ao seu adversário. Se o deixasse comprovar o logro em que caíra, «Raposa Astuta» sairia a correr; e seria difícil persegui-lo naquela emaranhada vegetação. Tal fuga poderia equivaler a perdê-lo para sempre. E para que o seu plano se realizasse aquilo não podia acontecer. Por isso, empunhando a «Winchester», saiu dos arbustos e apontou a arma ao peito do seu rival.
— Não tão depressa, «Raposa Astuta»! — exclamou. — A minha hora ainda não chegou!
O outro estremeceu dos pés à cabeça, cravando o seu olhar no negro orifício do cano da carabina que Tomahawk empunhava.
O filho de «Nariz Achatado» sentiu medo, e a cobardia que jamais o havia abandonado fez-se patente na cor cinzenta que lhe cobriu o rosto.
— Deixa cair as armas — ordenou-lhe Tomahawk.
O outro obedeceu. Tremiam-lhe os membros, talvez de nervosismo, e amaldiçoava o momento em que havia deixado cair as armas e não tinha lutado como um guerreiro, embora a morte estivesse a esperá-lo naquele lugar. Mas já era demasiado tarde, e Tomahawk, sem deixar de lhe apontar a arma, aproximou-se dele e olhou-o com dureza.
— Volta-te de costas, «Raposa Astuta» — ordenou.
O «cheyenne» girou lentamente sobre os calcanhares. Aproximou-se com rapidez e calculando bem os seus movimentos, Tomahawk propinou-lhe então uma formidável coronhada na cabeça, tendo, porém, o cuidado de não o magoar demasiado. «Raposa Astuta» caiu a seu pés, como uma massa inerte.
Rapidamente, conhecendo a vitalidade dos seus irmãos de raça, Tomahawk improvisou uma corda entrelaçando várias fibras e amarrou solidamente os pés e os tornozelos de «Raposa Astuta», que, como esperava, recobrou os sentidos em seguida, olhando-o com os olhos injetados de sangue.
— Não escaparás, Tomahawk — disse, com raiva. —Tarde ou cedo, os guerreiros «cheyennes», que são agora comandados por meu pai, o grande chefe «Nariz Achatado», dar-te-ão caça e a tua cabeleira fará parte das que pendem na tenda do novo caudilho.
— Não tenhas demasiadas ilusões, «Raposa Astuta». Temos muitas coisas a fazer; tu e eu.
— Não me importa o que queiras fazer. Podes matar-me, se o desejas.
— Descansa, pois não o farei. Esta noite iremos à povoação dos brancos e arrumaremos umas coisitas pendentes que deixámos ali. Já estou inteirado dos miseráveis projetos daquele «rosto pálido» a quem teu pai serve como um vil escravo. Haveis violado o tratado que o meu pobre pai assinou. E tendes de o pagar, seja como for. O machado de guerra deve ser enterrado para sempre, e os «cheyennes» terão de se converter num povo pacifico, colaborando com os brancos e procurando garantir assim um futuro que vós, com as vossas loucuras e as vossas ambições, estais constantemente a pôr em perigo.
O outro cuspiu para o solo, com desprezo, demonstrando assim o pouco caso que fazia das judiciosas palavras de Tomahawk. Este, calculando a distância que o separava de Pueblo, foi em busca do cavalo de «Raposa Astuta» e, depois, colocou o índio, dobrado, sobre o lombo do animal. Era uma posição incómoda, mas pouco importava a Tomahawk que o outro sofresse durante o trajeto.
Montando depois no seu próprio cavalo, apoderou-se das rédeas daquele que o seu adversário havia montado e começou a cavalgar, a passo, descendo as colinas, procurando afastar-se da zona onde os «cheyennes» haviam atacado os colonos e atravessando o terreno aberto que, pela margem esquerda do Arkansas River, o conduziria diretamente à povoação que os «rostos-pálidos» haviam construído.
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