Bryce correu, derrubando ao fazê-lo um dos homens que acocorado lhe dificultava o caminho. Um minuto depois chegava junto da jovem, que encontrou abraçada ao corpo inanimado de Alfredo Knox, enquanto o irmãozito, apoiado a uma das rodas do veículo, chorava desesperadamente. À luz fraca da fogueira quase apagada em que a rapariga fizera o jantar, Bryce viu o rosto extremamente pálido do moribundo.
— Vive! — exclamou. — Água, traga água, Graça! — pediu, observando com estranheza a flecha cravada no ombro de Knox.
A rapariga obedeceu imediatamente, mas quando voltou, Bryce não aceitou a água. Limitou-se a fitá-la com extrema gravidade e a dizer:
— Já não faz falta...
Graça deixou cair a vasilha e tapou o rosto com as mãos. Bryce segurou-a pelos ombros, obrigou-a a olhá-lo e disse:
— Tenho a certeza de que vivia ainda, senti-lhe o pulso débil... Parou de repente... Tem de ser corajosa, Graça...
— Que aconteceu aqui?
A voz era do velho Josiah e Bryce fitou-o com repugnância.
— Que fizeram comigo? Uma farsa? Enquanto você me falava, mandaram alguém executar a sentença de antemão ditada, não é verdade?
O chefe da expedição soltou uma exclamação incompreensível e aproximou-se de Knox, sobre o qual se debruçou:
— Ofende-me, jovem, que tenha tal opinião da minha palavra. Garanto-lhe que somos alheios ao acontecimento, se para alguma coisa isso lhe serve... Acaso reparou na flecha que o senhor Knox tem espetada no ombro? Quem usa essas armas nestas paragens?
O rapaz, sem deixar de amparar Graça nos braços, pareceu cheirar o ar.
— índios... — murmurou e, afastando suavemente a rapariga, disse-lhe: — Vamos, pequena, é preciso coragem. Que se passou depois de me ter afastado?
— Meu pai ficou sentado, a fumar... e de repente gemeu e caiu de bruços... Quando me aproximei e lhe levantei a cabeça, fitou-me com expressão agonizante... Meu Deus!
Graça escondeu o rosto no peito de Bryce, o qual disse a Josiah:
— Sim, podem ser selvagens... Será conveniente mandar tomar precauções.
Por indicação do guia, seis carros foram separados dos restantes e postos no centro do círculo, a fim de formarem um abrigo interior que protegesse as mulheres e as crianças enquanto os homens montavam guarda nos do lado de fora.
Bryce, rastejando entre as ervas altas que cobriam o terreno, afastou-se bastante do acampamento. Várias vezes o alertou o piar de uma ou outra ave da pradaria, e nessas ocasiões ele parava e tentava certificar-se, pelo eco quase impercetível, se fora emitido por garganta humana ou, de facto, pelo passaroco. Meia hora depois estava de novo junto de Josiah.
— Posso afirmar que não passam por aqui cavalos há vários dias — informou, a menear a cabeça. — Nem tão-pouco existem vizinhos perigosos num raio de várias milhas.
— Então? -- estranhou o velho. — Como explica você...? Temos a prova irrefutável de que Knox foi morto com uma flecha envenenada, arma utilizada apenas pelos peles-vermelhas...
— Pode tê-la disferido um índio — explicou Bryce. — Nego a presença de um grupo de inimigos, mas um só, é possível que deambule por aí. Amanhã, com dia, fare-mos outra batida, embora quase garanta que nada encontraremos.
Voltou para o carro de Knox. A rapariga continuava ajoelhada, com o irmãozito ao lado, a contemplar o cadáver do pai. Sem se lhe dirigir, Bryce pegou numa pá e numa picareta e saiu de novo para o exterior do círculo da caravana. Pouco depois foi pousar a mão no ombro de Graça.
— Eu... Enfim, é melhor que enterremos seu pai. O chefe perguntou-me se você consentiria que ele presidisse ao enterro.
A rapariga voltou para ele os olhos avermelhados, onde parecia pairar uma expressão de loucura.
— Permitir que eles, os mórmones, rezem as suas orações sobre o corpo de meu pai? E é você que mo pede? Odeio-os! Detesto-os! Não consentirei que nenhum desses assassinos se aproxime e profane a sepultura de meu pai! Levantara-se bruscamente e tremia entre os braços do rapaz, que a amparava.
Alfredo soluçava, assustado com a violência da irmã.
— Ouça! — pediu Bryce, sacudindo-a com força. — Está só com seu irmão e rodeada de inimigos. Julga que conseguirá alguma coisa com esse desespero? Tem que dominar os nervos!
De súbito o rapaz teve a impressão de que se lhe gelava o sangue nas veias, tão incongruente e inesperado foi o que sucedeu. Envolveu-os um coro de risos, de gargalhadas burlescas saídas das bocas desdentadas das velhas que os rodeavam. Pareciam seres fantasmagóricos aquelas cinco mulheres com as suas gargalhadas estúpidas e cruéis. Graça apertou-se, assustada, contra Bryce, o qual amparou também o pequenito, que se lhes juntou, aterrado. Os risos cessaram tão bruscamente como tinham começado e deram lugar à voz de uma das velhas:
— Estamos muito contentes, Graça Knox! Alegramo-nos com o que aconteceu a teu pai! Deus é justo e quis que pagasse assim o crime horrível que cometeu ao assassinar o nosso esposo. Olha para nós, bastarda, vê como rimos!
Quem falava era a que parecia a principal das mulheres de Powell. Adiantara-se às outras e abria as mãos de tal maneira que, graças ao xaile que tinha pelos ombros, se diria terem-lhe nascido de súbito asas de morcego. Com a boca escancarada na cara descarnada, continuava a rir como um demónio.
Bryce nunca imaginara que algum dia se veria na contingência de bater numa mulher. Repugnava-lhe fazê-lo, mas aquelas não eram, não pareciam pelo menos, mulheres, mas monstros de perversidade que gozavam com a dor da rapariga. Por isso largou os dois irmãos e avançou para elas, a gritar:
— Bruxas do inferno!
Deu um empurrão à que capitaneava o grupo e a megera caiu, num rebuliço de saias e de gritos. As outras caíram-lhe em cima, de unhas afiadas, e a primeira não tardou também a levantar-se e a atacá-lo.
— Malditas! Prometo-vos que vos recordareis deste dia!
Nesse momento chegou Josiah, com o cajado erguido acima da cabeça. Não foi preciso mais nada. Como se se tratasse de uma aparição sobrenatural, as cinco bruxas foram tragadas pela sombra.
— íamos enterrar o senhor Knox quando apareceram... — tentou explicar Bryce, mas o ancião interrompeu-o:
— Eu vi. As excomungadas! Em ocasiões destas envergonho-me do meu povo. Gostava de acompanhá-los enquanto enterram o infeliz. Estou certo, menina Graça, de que não merecia este fim; era um bom homem.
Bryce fitou a rapariga com receio, à espera de que ela perdesse de novo o domínio dos nervos e se opusesse à presença do ancião. Mas Graça limitou-se a baixar a cabeça e a acariciar a do irmãozito.
Bryce baixou-se, tomou nos braços o corpo inanimado de Knox e afastou-se à frente dos outros. A dez metros da carruagem abrira a cova na qual depositou o cadáver. A rapariga, com um braço passado sobre os ombros do irmão, ajoelhou-se à beira da sepultura. Bryce esperou, respeitando as orações mudas dos outros. Josiah movia lentamente os lábios exangues...
— Vive! — exclamou. — Água, traga água, Graça! — pediu, observando com estranheza a flecha cravada no ombro de Knox.
A rapariga obedeceu imediatamente, mas quando voltou, Bryce não aceitou a água. Limitou-se a fitá-la com extrema gravidade e a dizer:
— Já não faz falta...
Graça deixou cair a vasilha e tapou o rosto com as mãos. Bryce segurou-a pelos ombros, obrigou-a a olhá-lo e disse:
— Tenho a certeza de que vivia ainda, senti-lhe o pulso débil... Parou de repente... Tem de ser corajosa, Graça...
— Que aconteceu aqui?
A voz era do velho Josiah e Bryce fitou-o com repugnância.
— Que fizeram comigo? Uma farsa? Enquanto você me falava, mandaram alguém executar a sentença de antemão ditada, não é verdade?
O chefe da expedição soltou uma exclamação incompreensível e aproximou-se de Knox, sobre o qual se debruçou:
— Ofende-me, jovem, que tenha tal opinião da minha palavra. Garanto-lhe que somos alheios ao acontecimento, se para alguma coisa isso lhe serve... Acaso reparou na flecha que o senhor Knox tem espetada no ombro? Quem usa essas armas nestas paragens?
O rapaz, sem deixar de amparar Graça nos braços, pareceu cheirar o ar.
— índios... — murmurou e, afastando suavemente a rapariga, disse-lhe: — Vamos, pequena, é preciso coragem. Que se passou depois de me ter afastado?
— Meu pai ficou sentado, a fumar... e de repente gemeu e caiu de bruços... Quando me aproximei e lhe levantei a cabeça, fitou-me com expressão agonizante... Meu Deus!
Graça escondeu o rosto no peito de Bryce, o qual disse a Josiah:
— Sim, podem ser selvagens... Será conveniente mandar tomar precauções.
Por indicação do guia, seis carros foram separados dos restantes e postos no centro do círculo, a fim de formarem um abrigo interior que protegesse as mulheres e as crianças enquanto os homens montavam guarda nos do lado de fora.
Bryce, rastejando entre as ervas altas que cobriam o terreno, afastou-se bastante do acampamento. Várias vezes o alertou o piar de uma ou outra ave da pradaria, e nessas ocasiões ele parava e tentava certificar-se, pelo eco quase impercetível, se fora emitido por garganta humana ou, de facto, pelo passaroco. Meia hora depois estava de novo junto de Josiah.
— Posso afirmar que não passam por aqui cavalos há vários dias — informou, a menear a cabeça. — Nem tão-pouco existem vizinhos perigosos num raio de várias milhas.
— Então? -- estranhou o velho. — Como explica você...? Temos a prova irrefutável de que Knox foi morto com uma flecha envenenada, arma utilizada apenas pelos peles-vermelhas...
— Pode tê-la disferido um índio — explicou Bryce. — Nego a presença de um grupo de inimigos, mas um só, é possível que deambule por aí. Amanhã, com dia, fare-mos outra batida, embora quase garanta que nada encontraremos.
Voltou para o carro de Knox. A rapariga continuava ajoelhada, com o irmãozito ao lado, a contemplar o cadáver do pai. Sem se lhe dirigir, Bryce pegou numa pá e numa picareta e saiu de novo para o exterior do círculo da caravana. Pouco depois foi pousar a mão no ombro de Graça.
— Eu... Enfim, é melhor que enterremos seu pai. O chefe perguntou-me se você consentiria que ele presidisse ao enterro.
A rapariga voltou para ele os olhos avermelhados, onde parecia pairar uma expressão de loucura.
— Permitir que eles, os mórmones, rezem as suas orações sobre o corpo de meu pai? E é você que mo pede? Odeio-os! Detesto-os! Não consentirei que nenhum desses assassinos se aproxime e profane a sepultura de meu pai! Levantara-se bruscamente e tremia entre os braços do rapaz, que a amparava.
Alfredo soluçava, assustado com a violência da irmã.
— Ouça! — pediu Bryce, sacudindo-a com força. — Está só com seu irmão e rodeada de inimigos. Julga que conseguirá alguma coisa com esse desespero? Tem que dominar os nervos!
De súbito o rapaz teve a impressão de que se lhe gelava o sangue nas veias, tão incongruente e inesperado foi o que sucedeu. Envolveu-os um coro de risos, de gargalhadas burlescas saídas das bocas desdentadas das velhas que os rodeavam. Pareciam seres fantasmagóricos aquelas cinco mulheres com as suas gargalhadas estúpidas e cruéis. Graça apertou-se, assustada, contra Bryce, o qual amparou também o pequenito, que se lhes juntou, aterrado. Os risos cessaram tão bruscamente como tinham começado e deram lugar à voz de uma das velhas:
— Estamos muito contentes, Graça Knox! Alegramo-nos com o que aconteceu a teu pai! Deus é justo e quis que pagasse assim o crime horrível que cometeu ao assassinar o nosso esposo. Olha para nós, bastarda, vê como rimos!
Quem falava era a que parecia a principal das mulheres de Powell. Adiantara-se às outras e abria as mãos de tal maneira que, graças ao xaile que tinha pelos ombros, se diria terem-lhe nascido de súbito asas de morcego. Com a boca escancarada na cara descarnada, continuava a rir como um demónio.
Bryce nunca imaginara que algum dia se veria na contingência de bater numa mulher. Repugnava-lhe fazê-lo, mas aquelas não eram, não pareciam pelo menos, mulheres, mas monstros de perversidade que gozavam com a dor da rapariga. Por isso largou os dois irmãos e avançou para elas, a gritar:
— Bruxas do inferno!
Deu um empurrão à que capitaneava o grupo e a megera caiu, num rebuliço de saias e de gritos. As outras caíram-lhe em cima, de unhas afiadas, e a primeira não tardou também a levantar-se e a atacá-lo.
— Malditas! Prometo-vos que vos recordareis deste dia!
Nesse momento chegou Josiah, com o cajado erguido acima da cabeça. Não foi preciso mais nada. Como se se tratasse de uma aparição sobrenatural, as cinco bruxas foram tragadas pela sombra.
— íamos enterrar o senhor Knox quando apareceram... — tentou explicar Bryce, mas o ancião interrompeu-o:
— Eu vi. As excomungadas! Em ocasiões destas envergonho-me do meu povo. Gostava de acompanhá-los enquanto enterram o infeliz. Estou certo, menina Graça, de que não merecia este fim; era um bom homem.
Bryce fitou a rapariga com receio, à espera de que ela perdesse de novo o domínio dos nervos e se opusesse à presença do ancião. Mas Graça limitou-se a baixar a cabeça e a acariciar a do irmãozito.
Bryce baixou-se, tomou nos braços o corpo inanimado de Knox e afastou-se à frente dos outros. A dez metros da carruagem abrira a cova na qual depositou o cadáver. A rapariga, com um braço passado sobre os ombros do irmão, ajoelhou-se à beira da sepultura. Bryce esperou, respeitando as orações mudas dos outros. Josiah movia lentamente os lábios exangues...
///
Frank Bryce passou a alterar as suas tarefas de guia da expedição com as de ajudar na condução do carro. A jovem, pelo seu lado, entregava-se com afã ao trabalho, procurando esquecer nele a tragédia que a ferira. Três dias depois, estavam acampados após a lenta marcha pela pradaria agreste e ondulada.
Saboreada a ceia que Graça preparara, Bryce fumava e conversava com Alfredo, que fora quem melhor suportara a perda sofrida, quando se aproximou um dos homens:
— Menina Knox, o venerável Josiah roga-lhe que compareça à reunião a que neste momento preside. Imediatamente, pois é assunto importante.
O homem foi-se embora e os dois jovens entreolharam-se. Bryce tirou o cigarro dos lábios e aconselhou:
— Deve ir, Graça. Não faço ideia do que lhe quererão, mas nada receie, consta-me que o bom velho a estima.
A rapariga pôs um xaile nos ombros e dirigiu-se para o grupo de mórmones reunidos no centro do acampamento, admirada de as mulheres também se encontrarem presentes. Mal a viu, Josiah apontou-lhe com o cajado um lugar perto de si. Não parecia muito satisfeito.
— Graça, minha filha... Talvez tenha perguntado muitas vezes a si própria por que motivo nós, os mórmones, somos polígamos.. Muitas são as razões pelas quais a nossa religião nos permite casar com várias mulheres, e uma delas é a de considerarmos as nossas companheiras seres débeis, incapazes de se governarem sozinhas. Compreende? O estado perfeito da mulher é o de esposa e, não havendo homens suficientes para que cada uma das nossas irmãs tenha um marido só seu...
Graça estava espantada com as explicações que ouvia. Encolheu os ombros e sorriu, dizendo para consigo que, no fim de contas, nada perdia em ficar a conhecer um pouco dos estranhos costumes da seita. Josiah continuou a falar, dizendo-lhe que uma jovem no meio de um grupo de varões só podia trazer complicações, como o provava claramente o que resultara da intrusão do defunto Powell no seu carro....
— Eu, minha filha, resisti à ideia porque sei que não professa a nossa religião, mas não deixo de reconhecer que os meus irmãos têm razão: deve contrair matrimónio com um dos nossos homens... Jeffrey Weiss quere-a para esposa.
O velho apontou com o cajado o homem que se levantou e avançou um passo, sorridente. Weiss não era feio, mas tornava-se repulsivo, talvez devido ao seu sorriso de superioridade e à cadência irritante dos seus movimentos.
O pretendente estacou e olhou em seu redor, como se quisesse contar com os olhares de admiração que estava certo de suscitar. Vestia bem e dos flancos sobressaíam--lhe as coronhas nacaradas dos revólveres, pendentes dos coldres. Acariciando as guias dos pretensiosos bigodes, dignou-se por fim olhar a rapariga.
— Não quero influir na sua decisão, querida — continuou Josiah — mas Jeffrey Weiss é jovem e rico... Tem três mulheres e você poderia ser...
— Uma mais para trabalhar como urna besta para o preguiçoso! — interrompeu Graça, irritada.
As suas palavras provocaram um rumor de desaprovação entre a assistência. Para Weiss, sobretudo, foram como um balde de água fria
— Fica sabendo, mal-agradecida, que me ofereci para teu marido a fim de evitar-te o pior: a maioria dos componentes da expedição tem insistido em que se te abandone com o carroção na pradaria.
Graça levantou-se e declarou, muito séria, embora nas suas palavras se adivinhasse boa dose de ironia:
— Prefiro a pradaria.
Alguém se riu e Weiss voltou a olhar em seu redor, mas desta vez com irritação, desejoso de descobrir quem achara graça às palavras da rapariga.
— Sinto muito, menina Knox — prosseguiu Josiah mas temos de aclarar a sua situação. Agora que seu pai morreu, deve escolher esposo para poder continuar connosco.
Graça quase teve pena do velhote, pois compreendia que só as circunstâncias o obrigavam a tomar tal atitude.
— Rogo-lhe, venerável Josiah, que não insista — pediu. — Preferia morrer a unir-me a um homem como esse.
Falou com enorme desprezo e apontou Weiss, o qual deu duas passadas e a agarrou por um braço de tal maneira que, quando a rapariga quis soltá-lo, ficou com ele dolorosamente dobrado atrás das costas. O homem gritou então:
— Sois mórmones ou um bando de azêmolas? Disse que esta mulher será minha e vós concordastes, não é verdade? Que importa a opinião dela?
Ouviram-se alguns gritos de protesto, não pelo que Weiss dissera, mas porque alguém rompera o círculo no interior do qual se encontrava Graça, agarrada pelo mórmon.
Bryce, pois era ele quem abria caminho à cotovelada, saltou por cima dos que, sentados no chão, formavam a primeira fila, e, sem perder tempo, acercou-se de Weiss, que continuava a torcer o braço da jovem.
Dir-se-ia que ó guia levava calculados com precisão todos os movimentos: ao chegar junto do outro estendeu o braço, de mão fechada, e, embora parecesse mal lhe tocar, Weiss largou Graça, levou as mãos ao ponto atingido, dobrou-se, cambaleou e acabou por cair.
Às primeiras vozes de protesto juntaram-se outras e, a breve trecho, rodos os componentes da assembleia condenavam a intrusão do rapaz. Só a muito custo Josiah, de pé e com as mãos erguidas, conseguiu um mínimo de silêncio.
— Não me agradou o seu procedimento, Bryce — declarou, olhando com enfado o guia. — Pode explicar-nos o que veio cá fazer?
Não houve tempo para explicações, pois Weiss acabava de pôr-se de joelhos, sacudia a cabeça como um cão tirado da água e procurava com o olhar carregado de ódio quem o pusera momentaneamente fora de combate.
Bryce, que amparava agora Graça, desviou-se para o lado. Afastou a rapariga e aguardou a reação do outro. Weiss, depois de sacudir-se, permaneceu um momento de gatas, a olhar aturdido para todos os lados. Localizou o adversário, a dois passos dele, e levantou-se com um salto repentino e ágil.
O defensor da rapariga resolveu agir com rapidez e castigar devidamente o que de modo tão violento pretendera desposar a jovem. Encheu o peito de ar, atirou os braços para trás a fim de tomar balanço... Mas prenderam-lhos com força dois indivíduos que acudiram em socorro do amigo.
Bryce debateu-se, sacudiu os braços para libertar-se e de repente caiu de joelhos, com a intenção de obrigar os agressores a desequilibrarem-se e a lutar com eles no chão.
— Para trás, Tracy! Larguem o homem! Tomás! — a voz do velho que chefiava a caravana operou o milagre e Bryce ficou livre. — É uma ofensa pessoal, que devem resolver entre eles. Weiss, se tens ânimo para isso, entende-te com ele, mas tu só.
Claro que Weiss tinha ânimo — ânimo e uma bota duríssima que acertou em cheio nos rins de Bryce quando este, ainda de joelhos, tentou levantar-se. O guia rolou pelo chão, em consequência da pancada, e bateu com as pernas nos que se encontravam mais perto. O círculo alargou-se, prudentemente.
O rapaz conseguiu levantar-se, antes de ser vítima de novo ataque à traição, e os dois antagonistas fitaram-se, de braços estendidos para a frente, olhos fitos um no outro, tentando adivinhar as mútuas intenções. Giraram lentamente.
De súbito, Bryce deu a impressão de que ia desfechar um soco no outro; Weiss inclinou a cabeça para trás, a fim de esquivar o rosto, e recuou uma perna, para não perder o equilíbrio. Era o que o guia pretendia: levantou uma das suas, rasteirou Weiss e fê-lo cair para trás, de costas. Firmando-se nos braços, como em duas molas de aço, Weiss atirou o corpo para cima, com violento impulso. Não fora o obstáculo que lhe surgiu diante do nariz, sem dúvida que se teria posto rapidamente em pé. Mas o obstáculo era o punho de Bryce, que deteve o seu movimento ascensional ao abater-se-lhe na cara, obrigando-o a cair de novo. Weiss ficou imóvel, por instantes, e Bryce observou-o, sem saber se devia continuar a esmurrá-lo ou abandoná-lo, considerando-o fora de combate.
— Levem-no para o carro e reanimem-no — ordenou Josiah, crendo, como os demais, que o pretendente à mão de Graça já tinha a sua conta.
Aproximaram-se dois homens, pegaram-lhe sob os braços e começaram a erguê-lo... Mas Weiss soltou-se das suas mãos e sacudiu-se violentamente. Depois, com um salto formidável, enroscou as pernas na cintura de Bryce, enquanto com as mãos lhe apertava o pescoço.
O guia perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos, tentando em seguida, com as mãos, afastar as do outro, que o asfixiavam. Ouviram-se gritos de encorajamento a Jeffrey Weiss. Bryce sufocava. À luz da fogueira quase apagada, os homens viam o seu rosto enlivedecer, ao mesmo tempo que os olhos pareciam prestes a saltar-lhe das órbitas.
— Basta, Weiss! Larga-o, venceste! Não vês que, assim, o matas?
Com o rosto contorcido pelo esforço, o mórmon ainda conseguiu sorrir e responder a Josiah:
— Quem disse que se tratava de um jogo? A_ vida dele ou a minha é essa a regra.
Graça cobriu os olhos com as mãos, para não ver a maneira desesperada como o seu defensor cravava as unhas nas mãos que lhe roubavam o ar. Os outros continham a respiração, à espera de ver Weiss abandonar a garganta e deixar cair o corpo sem vida: de Bryce, ficando assim a caravana sem guia. Mas esse momento demorava a chegar.
Admirados, os assistentes viam o corpo de Weiss tremer, na sua ânsia por quebrar as vértebras do adversário, mas sem consegui-lo com a facilidade que esperara. E
m vez de arranhar as mãos do mórmon, Bryce levantara as suas e apertava os pulsos do estrangulador. Um grito unânime saiu de todas as bocas: as mãos de Weiss afastavam-se da garganta que oprimiam, impelidas pela força com que Bryce lhas empurrava.
O mais assombrado de todos foi o próprio Weiss que, incapaz de anular o esforço do adversário, mordia os lábios e deixava escapar-se-lhe do peito um grunhido de raiva impotente.
De súbito, no limite da resistência, deixou pender os membros e caiu como um fardo sobre aquele que pretendera estrangular. Ao primeiro rumor de surpresa sucedeu-se outro de verdadeiro espanto ao verem Bryce, com o mórmon sobre um ombro, dar algumas voltas, como um pião, e atirar o homem desmaiado para além do círculo de curiosos. A julgar pelo lamento prolongado, Weiss deve ter despertado em consequência do violento embate com o chão.
Frank Bryce passou a alterar as suas tarefas de guia da expedição com as de ajudar na condução do carro. A jovem, pelo seu lado, entregava-se com afã ao trabalho, procurando esquecer nele a tragédia que a ferira. Três dias depois, estavam acampados após a lenta marcha pela pradaria agreste e ondulada.
Saboreada a ceia que Graça preparara, Bryce fumava e conversava com Alfredo, que fora quem melhor suportara a perda sofrida, quando se aproximou um dos homens:
— Menina Knox, o venerável Josiah roga-lhe que compareça à reunião a que neste momento preside. Imediatamente, pois é assunto importante.
O homem foi-se embora e os dois jovens entreolharam-se. Bryce tirou o cigarro dos lábios e aconselhou:
— Deve ir, Graça. Não faço ideia do que lhe quererão, mas nada receie, consta-me que o bom velho a estima.
A rapariga pôs um xaile nos ombros e dirigiu-se para o grupo de mórmones reunidos no centro do acampamento, admirada de as mulheres também se encontrarem presentes. Mal a viu, Josiah apontou-lhe com o cajado um lugar perto de si. Não parecia muito satisfeito.
— Graça, minha filha... Talvez tenha perguntado muitas vezes a si própria por que motivo nós, os mórmones, somos polígamos.. Muitas são as razões pelas quais a nossa religião nos permite casar com várias mulheres, e uma delas é a de considerarmos as nossas companheiras seres débeis, incapazes de se governarem sozinhas. Compreende? O estado perfeito da mulher é o de esposa e, não havendo homens suficientes para que cada uma das nossas irmãs tenha um marido só seu...
Graça estava espantada com as explicações que ouvia. Encolheu os ombros e sorriu, dizendo para consigo que, no fim de contas, nada perdia em ficar a conhecer um pouco dos estranhos costumes da seita. Josiah continuou a falar, dizendo-lhe que uma jovem no meio de um grupo de varões só podia trazer complicações, como o provava claramente o que resultara da intrusão do defunto Powell no seu carro....
— Eu, minha filha, resisti à ideia porque sei que não professa a nossa religião, mas não deixo de reconhecer que os meus irmãos têm razão: deve contrair matrimónio com um dos nossos homens... Jeffrey Weiss quere-a para esposa.
O velho apontou com o cajado o homem que se levantou e avançou um passo, sorridente. Weiss não era feio, mas tornava-se repulsivo, talvez devido ao seu sorriso de superioridade e à cadência irritante dos seus movimentos.
O pretendente estacou e olhou em seu redor, como se quisesse contar com os olhares de admiração que estava certo de suscitar. Vestia bem e dos flancos sobressaíam--lhe as coronhas nacaradas dos revólveres, pendentes dos coldres. Acariciando as guias dos pretensiosos bigodes, dignou-se por fim olhar a rapariga.
— Não quero influir na sua decisão, querida — continuou Josiah — mas Jeffrey Weiss é jovem e rico... Tem três mulheres e você poderia ser...
— Uma mais para trabalhar como urna besta para o preguiçoso! — interrompeu Graça, irritada.
As suas palavras provocaram um rumor de desaprovação entre a assistência. Para Weiss, sobretudo, foram como um balde de água fria
— Fica sabendo, mal-agradecida, que me ofereci para teu marido a fim de evitar-te o pior: a maioria dos componentes da expedição tem insistido em que se te abandone com o carroção na pradaria.
Graça levantou-se e declarou, muito séria, embora nas suas palavras se adivinhasse boa dose de ironia:
— Prefiro a pradaria.
Alguém se riu e Weiss voltou a olhar em seu redor, mas desta vez com irritação, desejoso de descobrir quem achara graça às palavras da rapariga.
— Sinto muito, menina Knox — prosseguiu Josiah mas temos de aclarar a sua situação. Agora que seu pai morreu, deve escolher esposo para poder continuar connosco.
Graça quase teve pena do velhote, pois compreendia que só as circunstâncias o obrigavam a tomar tal atitude.
— Rogo-lhe, venerável Josiah, que não insista — pediu. — Preferia morrer a unir-me a um homem como esse.
Falou com enorme desprezo e apontou Weiss, o qual deu duas passadas e a agarrou por um braço de tal maneira que, quando a rapariga quis soltá-lo, ficou com ele dolorosamente dobrado atrás das costas. O homem gritou então:
— Sois mórmones ou um bando de azêmolas? Disse que esta mulher será minha e vós concordastes, não é verdade? Que importa a opinião dela?
Ouviram-se alguns gritos de protesto, não pelo que Weiss dissera, mas porque alguém rompera o círculo no interior do qual se encontrava Graça, agarrada pelo mórmon.
Bryce, pois era ele quem abria caminho à cotovelada, saltou por cima dos que, sentados no chão, formavam a primeira fila, e, sem perder tempo, acercou-se de Weiss, que continuava a torcer o braço da jovem.
Dir-se-ia que ó guia levava calculados com precisão todos os movimentos: ao chegar junto do outro estendeu o braço, de mão fechada, e, embora parecesse mal lhe tocar, Weiss largou Graça, levou as mãos ao ponto atingido, dobrou-se, cambaleou e acabou por cair.
Às primeiras vozes de protesto juntaram-se outras e, a breve trecho, rodos os componentes da assembleia condenavam a intrusão do rapaz. Só a muito custo Josiah, de pé e com as mãos erguidas, conseguiu um mínimo de silêncio.
— Não me agradou o seu procedimento, Bryce — declarou, olhando com enfado o guia. — Pode explicar-nos o que veio cá fazer?
Não houve tempo para explicações, pois Weiss acabava de pôr-se de joelhos, sacudia a cabeça como um cão tirado da água e procurava com o olhar carregado de ódio quem o pusera momentaneamente fora de combate.
Bryce, que amparava agora Graça, desviou-se para o lado. Afastou a rapariga e aguardou a reação do outro. Weiss, depois de sacudir-se, permaneceu um momento de gatas, a olhar aturdido para todos os lados. Localizou o adversário, a dois passos dele, e levantou-se com um salto repentino e ágil.
O defensor da rapariga resolveu agir com rapidez e castigar devidamente o que de modo tão violento pretendera desposar a jovem. Encheu o peito de ar, atirou os braços para trás a fim de tomar balanço... Mas prenderam-lhos com força dois indivíduos que acudiram em socorro do amigo.
Bryce debateu-se, sacudiu os braços para libertar-se e de repente caiu de joelhos, com a intenção de obrigar os agressores a desequilibrarem-se e a lutar com eles no chão.
— Para trás, Tracy! Larguem o homem! Tomás! — a voz do velho que chefiava a caravana operou o milagre e Bryce ficou livre. — É uma ofensa pessoal, que devem resolver entre eles. Weiss, se tens ânimo para isso, entende-te com ele, mas tu só.
Claro que Weiss tinha ânimo — ânimo e uma bota duríssima que acertou em cheio nos rins de Bryce quando este, ainda de joelhos, tentou levantar-se. O guia rolou pelo chão, em consequência da pancada, e bateu com as pernas nos que se encontravam mais perto. O círculo alargou-se, prudentemente.
O rapaz conseguiu levantar-se, antes de ser vítima de novo ataque à traição, e os dois antagonistas fitaram-se, de braços estendidos para a frente, olhos fitos um no outro, tentando adivinhar as mútuas intenções. Giraram lentamente.
De súbito, Bryce deu a impressão de que ia desfechar um soco no outro; Weiss inclinou a cabeça para trás, a fim de esquivar o rosto, e recuou uma perna, para não perder o equilíbrio. Era o que o guia pretendia: levantou uma das suas, rasteirou Weiss e fê-lo cair para trás, de costas. Firmando-se nos braços, como em duas molas de aço, Weiss atirou o corpo para cima, com violento impulso. Não fora o obstáculo que lhe surgiu diante do nariz, sem dúvida que se teria posto rapidamente em pé. Mas o obstáculo era o punho de Bryce, que deteve o seu movimento ascensional ao abater-se-lhe na cara, obrigando-o a cair de novo. Weiss ficou imóvel, por instantes, e Bryce observou-o, sem saber se devia continuar a esmurrá-lo ou abandoná-lo, considerando-o fora de combate.
— Levem-no para o carro e reanimem-no — ordenou Josiah, crendo, como os demais, que o pretendente à mão de Graça já tinha a sua conta.
Aproximaram-se dois homens, pegaram-lhe sob os braços e começaram a erguê-lo... Mas Weiss soltou-se das suas mãos e sacudiu-se violentamente. Depois, com um salto formidável, enroscou as pernas na cintura de Bryce, enquanto com as mãos lhe apertava o pescoço.
O guia perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos, tentando em seguida, com as mãos, afastar as do outro, que o asfixiavam. Ouviram-se gritos de encorajamento a Jeffrey Weiss. Bryce sufocava. À luz da fogueira quase apagada, os homens viam o seu rosto enlivedecer, ao mesmo tempo que os olhos pareciam prestes a saltar-lhe das órbitas.
— Basta, Weiss! Larga-o, venceste! Não vês que, assim, o matas?
Com o rosto contorcido pelo esforço, o mórmon ainda conseguiu sorrir e responder a Josiah:
— Quem disse que se tratava de um jogo? A_ vida dele ou a minha é essa a regra.
Graça cobriu os olhos com as mãos, para não ver a maneira desesperada como o seu defensor cravava as unhas nas mãos que lhe roubavam o ar. Os outros continham a respiração, à espera de ver Weiss abandonar a garganta e deixar cair o corpo sem vida: de Bryce, ficando assim a caravana sem guia. Mas esse momento demorava a chegar.
Admirados, os assistentes viam o corpo de Weiss tremer, na sua ânsia por quebrar as vértebras do adversário, mas sem consegui-lo com a facilidade que esperara. E
m vez de arranhar as mãos do mórmon, Bryce levantara as suas e apertava os pulsos do estrangulador. Um grito unânime saiu de todas as bocas: as mãos de Weiss afastavam-se da garganta que oprimiam, impelidas pela força com que Bryce lhas empurrava.
O mais assombrado de todos foi o próprio Weiss que, incapaz de anular o esforço do adversário, mordia os lábios e deixava escapar-se-lhe do peito um grunhido de raiva impotente.
De súbito, no limite da resistência, deixou pender os membros e caiu como um fardo sobre aquele que pretendera estrangular. Ao primeiro rumor de surpresa sucedeu-se outro de verdadeiro espanto ao verem Bryce, com o mórmon sobre um ombro, dar algumas voltas, como um pião, e atirar o homem desmaiado para além do círculo de curiosos. A julgar pelo lamento prolongado, Weiss deve ter despertado em consequência do violento embate com o chão.
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