terça-feira, 22 de maio de 2018

BUF162.5 Doze cabeleiras para os guerreiros índios

«Raposa Astuta» sentou-se junto de seu pai, sobre um montão de peles de bisonte. A ampla tenda encontrava-se vazia, pois o conselho de anciães havia terminado já as suas deliberações.
— Que há de novo? — perguntou «Nariz Achatado».
— O «rosto-pálido» prometeu acabar com Tomahawk — respondeu-lhe o filho.
— Haveis falado dos «facas longas»?
— Sim.
— E então?
— Ainda não chegaram a Pueblo, embora o «rosto-pálido» seja da opinião de que não tardarão muito a aparecer.
O chefe índio encolheu os ombros.
— Pouco importa o que façam! — exclamou, com indisfarçável desprezo na voz. — Os nossos guerreiros estão impacientes e querem assaltar novas caravanas. Os «cheyennes» nunca foram tão felizes como agora!
— Tu deste-lhes o que desejavam, pai.
— Claro. Amanhã sairemos para assaltar mais uma caravana. Costumavam passar pela povoação dos «rostos-pálidos». Viste alguma?
— Havia duas, pai.
— Excelente! Daremos caça extraordinária aos nossos guerreiros. Quanto a Tomahawk...
— Que pensa fazer, pai?
— Esperaremos para ver até que ponto o «rosto-pálido» cumpre a sua promessa; se a não cumprir... nós nos encarregaremos desse miserável renegado.
— Por que não deixas que eu o faça, pai?
«Nariz Achatado», com um certo ar de orgulho, olhou para seu filho.
— Odeia-lo, não é verdade?
— Odiar é pouco, pai. Há demasiadas coisas acumuladas no meu coração, desde que éramos garotos. Sempre me desprezou; e fez que os nossos companheiros de brincadeira soubessem que era o filho do chefe e que ele o seria também algum dia.
— Mas isso acabou.
— Não importa. O meu peito arde em desejos de juntar a sua cabeleira às que já possuo. Deixa-me ser eu a matá-lo, pai!
— Se os brancos o não fizeram já...
— Não o fizeram nem o farão.
— Por que dizes isso?
—Porque conheço Tomahawk melhor do que ninguém. E demasiado esperto para cair em qualquer cilada que os «rostos-pálidos» lhe armem. Apesar de tudo, pai, ele é tão «cheyenne» como nós.
— Um maldito cão! Isso é o que ele é!
— De acordo, mas eu asseguro-te que os brancos não conseguirão caçá-lo, a não ser que a sua permanência no Este o tenha mudado por completo.
— Foi, certamente, o que aconteceu.
— Não o creio. Esqueceste o modo como te falou quando esteve aqui? Não, pai, Tomahawk continua a ser um «cheyenne» até à medula dos ossos. Por isso, tenho a esperança de que combaterá contra os «rostos-pálidos» e os vencerá; só será vencido se for combatido à maneira índia. Queria que me desses a tua autorização para o fazer.
— Tens a minha autorização.
Os olhos de «Raposa Astuta» brilhavam como carvões acesos.
— Obrigado, pai. Eu mesmo te trarei a cabeleira do meu mais mortal inimigo. Quero demonstrar a todos os guerreiros do nosso povo que sou digno de te substituir quando for a minha vez de ser o chefe da tribo.
***

Havia percorrido um longo caminho, descansando pouco, e sentia, com verdadeiro prazer, que a sua natureza despertava a pouco e pouco e que o seu velho instinto, que julgava adormecido, voltava a ser, como outrora, a sua melhor arma. Com que prazer verificava agora que o seu corpo respondia perfeitamente aos estímulos que lhe chegavam do exterior! O seu ouvido era fino, como nos seus melhores tempos, a sua vista respondia a todas as exigências e até o seu olfato voltava a ser potente, permitindo-lhe perceber olores e essências que pareciam haver-se esfumado definitivamente da sua memória. Até se sentia melhor seminu, e havia, inclusivamente, tirado a sela do cavalo, recordando que um verdadeiro índio cavalgava melhor guiando a marcha da sua montada com a simples pressão dos joelhos, sem precisar das esporas, que deixam os flancos do animal cheios de feridas e cicatrizes.
Por outro lado, sentiu-se maravilhado pelo facto de se encontrar de novo nas terras dos seus antepassados. Havia corrido muitas vezes por aqueles lugares, quando, os «rostos-pálidos» ainda estavam muito longe e nem sequer sonhavam, salvo alguns loucos que perdiam a vida e a cabeleira na sua empresa insensata, em penetrar na zona das montanhas sagradas. Os «rostos-pálidos»…
Sorriu e, sem o poder evitar, a imagem de Alisha apareceu ante ele, sorrindo da gare da estação ferroviária de Chicago. «Cuida de ti e escreve-me a miúdo». Cerrou os punhos. Nem sequer havia tido tempo para pensar em escrever. Se não o fizera ao major, para lhe contar o ocorrido, como ia fazê-lo à rapariga? No entanto, a sua imagem continuava ali, a seu lado, iluminando-o todo... tal como se um círculo de luz lhe rodeasse o rosto.
Mas a amargura infiltrou-se-lhe no coração quando o sentido das realidades voltou a apoderar-se do seu espírito. Que estúpido havia sido ao sonhar com algo tão utópico como a possibilidade de se ver unido, no futuro, a Alisha Silk! Como pudera deixar-se arrastar por tão absurda ideia?
Tinha de dar-se conta da impossibilidade de tal projeto, não só pelo que nele havia de improvável como também pelo facto de os «rostos-pálidos» não serem, em geral, como o major Lenver ou alguns mais que havia conhecido. Verificara isso mesmo ao regressar ao Colorado. Não; os brancos eram, geralmente, maus, ambiciosos, como os índios eram guerreiros selvagens.
Ambos, «rostos-pálidos» e «peles-vermelhas», constituíam duas forças demasiado opostas para se sonhar sequer em pó--las a viver lado a lado. A destruição, o aniquilamento de uma delas estava já inexoravelmente escrito no livro do Destino. E, fatalmente, seria a raça índia que perderia naquela luta colossal. Mais mal preparados, com meios limitados e sem a força da ambição que empurrava os brancos, os índios da América do Norte acabariam nas «reservas», convertendo-se em seres indefesos, privados de liberdade, e vendo os seus filhos e os filhos destes a perderem as qualidades que eram apanágio dos homens da sua raça.
— E que faço eu aqui, se tudo há-de acontecer dessa fatal maneira? — perguntou-se em voz alta. — Qual é o meu papel num jogo cujo vencedor conheço de antemão?
Suspirou.
A única coisa que interessava, se lhe restasse tempo suficiente para isso, era convencer os «cheyennes» de que deviam adaptar-se aos tempos modernos, de que era forçoso para eles abandonarem os velhos costumes e converterem-se em homens úteis, capazes de darem de comer à sua prole e de defenderem uma comunidade que era necessário criar antes que fosse demasiado tarde.
Agora, quando via as maravilhosas terras que se estendiam por ambas as margens do Arkansas River, parecia «ver», saindo da neblina daquela clara manhã de Dezembro, as casas dos «cheyennes», os seus campos cultivados e a sua vida pacífica e produtiva, criando um povoado que pudesse competir com os que os «rostos-pá-lidos» levantavam dia a dia a toda a largura e comprimento do país.
Não sonhava com grandes cidades índias, como as que os brancos possuíam no Este; os índios não estavam acostumados a tais coisas e jamais poderiam habituar-se a uma existência como aquela...
Uma nuvem de pó, que acabava de surgir do horizonte, chamou-lhe bruscamente a atenção, fazendo que lhe fugissem da mente os pensamentos que até então a haviam ocupado por completo. Pôs-se de pé. Compreendeu imediatamente que só podia tratar-se de uma caravana de colonos que seguiam o caminho que anos antes «Águia Corredora» havia traçado. Sorriu ao pensar na perspicácia do seu velho pai e na bondade do seu coração ao escolher o caminho mais cómodo e seguro para os colonos brancos. Era pena que tudo aquilo se tivesse estragado! E a culpa era dos homens que, apesar de raças diferentes, se compreendiam perfeitamente no que se referia ao capítulo da maldade: Archibald Delastone e «Nariz Achatado».
Estava ensimesmado, vendo os carromatos que se aproximavam, ao fundo, pelo caminho do vale; mas a sua distração não o impediu de perceber, de uma maneira intuitiva, a presença de outra nuvem de pó que se movia pelas colinas, na outra margem do Arkansas, a qual se converteu, pouco depois, quando os seus olhos de lince se voltaram para aquele lado, numa massa compacta de guerreiros «cheyennes». Que significa aquilo? Nem por um momento lhe passou pela imaginação a ideia de que os seus irmãos de raça estivessem ali para atacar os «rostos-pálidos». Disse-se que devia ser um grupo de vigilância e nada mais; mas, pouco depois, quando chegaram até ele os gritos de guerra, quando viu que os «cheyennes» se lançavam colina abaixo e que os primeiros estampidos dos disparos rasgavam o silêncio e a paz daquela manhã de Inverno, compreendeu que os propósitos dos «peles-vermelhas» não podiam ser mais claros.
O mistério das relações ilógicas entre «Nariz Achatado» e Delastone estava aclarado! Aquela era a moeda com que o «rosto-pálido» pagava aos «cheyennes», que, gozando de uma completa e criminosa impunidade, podiam voltar às suas sangrentas correrias de outrora, violando por completo o tratado de paz que o seu nobre chefe «Águia Corredora» havia assinado.
Sentiu que o sangue lhe corria com força irresistível pelas veias e saltou para o lombo da montada antes de pensar duas vezes. Conduziu-o até à borda da pendente e estimulou-o barbaramente, lançando-se para o lugar onde os «rostos-pálidos» tentavam defender-se da feroz investida dos seus assaltantes.
Embora houvesse lançado fora a sela, ao desprender-se de tudo o que trouxera do Este, Tomahawk conservara uma magnífica carabina «Winchester» que o major Lenver lhe havia oferecido. Com ela na mão, avançou rapidamente, vendo com prazer que a distância diminuía velozmente e que se encontrava cada vez mais perto do lugar do assalto.
Os índios, seguindo a sua tática de sempre, descreviam círculos à volta dos carromatos, que os brancos, por sua vez, haviam disposto numa forma circular. Uma espécie de anel fatal ia-se fechando à volta dos veículos, ao mesmo tempo que as armas deixavam ouvir o estampido dos disparos e as flechas sulcavam o ar com uni prolongado e arrepiante silvo.
Tomahawk aproximou-se dos «cheyennes» e disparou para o ar a fim de chamar a sua atenção. A sua aparição causou o assombro que o jovem esperava e um grupo de guerreiros dirigiu-se para ele.
— Ouvi-me, «cheyennes»! — bradou o jovem. — Estais a espezinhar o tratado que meu pai assinou com os «rostos-pálidos» e a desonrar a sua palavra!
«Raposa Astuta», que acabava de ver o seu odiado inimigo, lançou um grito de raiva, gritando aos seus homens que perseguissem o renegado, já que havia descoberto a carabina que Tomahawk empunhava e tinha medo de o enfrentar sozinho.
— Apanhai-o, meus valentes! Torturá-lo-emos esta noite no poste dos suplícios!
Tomahawk compreendeu imediatamente os propósitos do seu adversário; e, sabendo que não poderia lutar contra tantos guerreiros, fez o seu cavalo dar meia volta, galopando rapidamente para as colinas, com o intuito de ganhar o suficiente avanço para se afastar dali temporariamente. Conseguiu-o.
Mas o filho de «Nariz Achatado» não ia ceder tão simplesmente. E ordenando aos seus homens que voltassem para junto do chefe a fim de o ajudarem a terminar com os colonos, seguiu no encalço de Tomahawk, seguro dessa vez de que poderia surpreendê-lo quando chegasse a noite e o seu adversário não pudesse utilizar a arma que tanto medo lhe havia causado.
***Uma jovem chega do Este e procura um índio
Alisha desceu da diligência, lançando um olhar curioso para a pequena cidade que havia surgido na margem do Arkansas River como um alegre oásis dentro do imenso território índio.
Sorriu.
O longínquo Oeste não lhe parecia tão inóspito e desamparado como Tomahawk lhe havia dito. E quando penetrou na rua principal da povoação, dirigindo-se para o hotel mais próximo, sentiu-se agradavelmente impressionada pelo aspeto atraente da sua rústica arquiteturas. Entrou no vestíbulo do hotel, seguida pelo empregado da diligência que levava a sua bagagem, e dirigiu-se ao rececionistas, que lhe dirigiu um sorriso puramente comercial.
— As suas ordens, menina.
— Desejo um quarto com banheira.
— Perfeitamente. Temos o que a menina precisa. O seu nome, por favor?
—Alisha Silk.
— Vem de?...
— Chicago.
— Muito bem. Dar-lhe-emos o número catorze; é excelente.
— Muito obrigada. Posso fazer-lhe uma pergunta?
— Certamente. Estou aqui para servir os clientes.
— Muito obrigada. Ouviu falar de John Tomahawk?
O empregado franziu o sobrolho.
— Creio que não, menina. Mas farei as averiguações necessárias para a poder informar quanto antes. Pode ir para o seu quarto que dentro de alguns minutos eu comunicar-lhe-ei o que souber.
— O senhor é muito amável.
-- As suas ordens, menina Silk.
Enquanto a rapariga subia as escadas, o empregado abandonou o seu pequeno balcão e atravessou a rua. Segundos depois estava no «saloon», onde não tardou a ver Ed Sommers.
--- Chegou uma rapariga muito linda que pergunta por um tal John Tomahawk -- disse o empregado.
— Não é o tipo que?...
— Sim, vou ver o chefe. Não percas a rapariga de vista.
— Descansa. Ela não dará um passo sem eu saber.
Ed dirigiu-se diretamente para o escritório da Companhia, onde informou Delastone do que acabava de saber.
— Curioso -- disse Archibald. — Esse maldito índio, que tanto mal nos causou, não cessa de
complicações! Quem é essa rapariga e o que veio ela cá fazer?
— Não sei.
— Vamos sabê-lo agora mesmo, Ed. Iremos ao quarto e teremos uma interessante conversa com ela. Vamos!
Poucos minutos depois batiam à porta do quarto de Alisha. Esta abriu, olhando com curiosidade para os dois homens.
— Foi a menina que perguntou ao rececionistas por Tomahawk? -- inquiriu Archibald, com um sorriso hipócrita nos lábios.
— Sim. O senhor conhece-o?
— Ouves isso? — disse Delastone, voltando-se para Ed e piscando-lhe rapidamente um olho.
— Se conhecem ou Tomahawk?! É o nosso melhor amigo, menina!
— Alegro-me de o saber — replicou. — Por que não entram, senhores?
— Com muito gosto.
Sentaram-se à volta da mesa que havia na saleta, defronte da porta que dava para o quarto de dormir. Archibald acendeu um cigarro depois de perguntar à jovem se o fumo do tabaco a incomodava.
— Com que então a menina pretende ver o John, hem? — perguntou depois.
— Sim. Onde se encontra ele?
— Saiu há pouco. Conhece-o há muito tempo, menina?
-- Certamente! Éramos muito bons amigos no Este.
—É um bom rapaz.
— Sim. É um homem extraordinário. Além disso, acreditem ou não, será um maravilhoso advogado. Sei-o porque segui o seu curso. É decidido e fará o que puder para acabar com as diferenças existentes entre nós e os seus irmãos de raça.
— Magnífica ideia! Creio que era o filho de «Águia Corredora».
— Era, com efeito. Ouvi, durante a viagem, que «Nariz Achatado» se havia apoderado indevidamente do posto de chefe da tribo. Mas Tomahawk acabará com essa anomalia e fará que os «cheyennes» respeitem o tratado que seu pai assinou.
— Muito interessante.
Houve uma pausa.
— A menina não traz por acaso nenhuma mensagem para ele? — inquiriu Archibald Delastone.
Ela caiu na armadilha.
— Sim — respondeu. — O major Lenver, o seu melhor amigo, que trabalha agora na Secção India, em Washington, disse-me que falasse com ele, de quem não tem tido noticias, para lhe oferecer em seu nome toda a ajuda de que precisar.
— Esse rapaz merece tudo!
— Demorará muito a regressar?
— Não creio. Marcou-nos um entrevista, para dentro de uma hora, não longe daqui.
Ela olhou-os, cheia de esperança.
— Não poderia acompanhá-los? — perguntou, com ansiedade.
Archibald lançou outro rápido olhar a Ed e disse:
— Decerto que pode!
Puseram-se de pé. Ed havia compreendido os astutos propósitos do seu chefe e sorriu ao comprovar que a rapariga, sem suspeitar absolutamente de nada, se deixava levar mansamente para fora do hotel e penetrava, por uma porta lateral, no «saloon».
— Devemos esperá-lo aqui — disse Delastone, assinalando-lhe uma porta que abriu em seguida.
Ele penetrou no compartimento, seguida pelos dois homens. Não havia ali senão uma mesa, uma cadeira e um leito detestável.
—É o quarto de John? — inquiriu a rapariga.
— Sim — mentiu Delastone. — É o seu quarto. — E, mudando de tom bruscamente, perguntou: — Onde está a carta que o major lhe deu para esse maldito «pele—vermelha»?
Ela sobressaltou-se.
— Não compreendo...
— Vamos, preciosa! Que julgaste tu? Dá-me essa carta!
— Não tenho nenhuma carta.
 — Vou comprová-lo por mim mesmo!
Ela retrocedeu vivamente.
— Não se aproxime! Não me toque! — gritou.
— Nesse caso, dá-me a carta.
— O major não me deu carta nenhuma; disse-me apenas para John lhe escrever se precisar de alguma coisa.
— Assim já está melhor.
Archibald pareceu conformar-se e deteve-se.
— Vocês não são seus amigos! Mentiram-me!
Archibald sorriu.
— Toma-o como queiras, preciosa. Nós, amigos desse miserável renegado? Não sabes que me matou dois homens? Mas não te preocupes; tarde ou cedo, pôr-lhe-emos a mão em cima, e então arrepender-se-á de se haver atravessado no caminho de Archibald Delastone.
— Você não lhe tocará num só cabelo!
— Veremos, pombinha. A jovem olhou-o, desafiante.
— Não poderá com Tomahawk — disse, já serena. — Você não se atreveria a enfrentar-se, cara a cara, com ele. Basta olhar para si para se ter a certeza de que se está na presença de um cobarde.
— Cala-te, estúpida!
— Atrever-se-á com uma mulher como eu, indefesa; mas começaria a tremer se se encontrasse ante um homem como John.
Delastone voltou-se para. Ed.
— Vamos, rapaz. E fecha a porta à chave.
— Não tem o direito de fazer isto! — gritou ela.
— Cala a boca, formosa. E procura passar o tempo o melhor que possas. Viremos buscar-te logo que pudermos. Entendido?
— Você é um miserável!
O homem olhou-a de cima abaixo.
— E muito possível que mudes de parecer um dia destes. Até à vista, encanto!
Fecharam a porta e regressaram ao escritório. Segundos depois, alguém batia à porta do gabinete de Delastone.
— Abre, Ed, mas com cuidado — disse Archibald.
Sommers empunhou o revólver e abriu a porta, saltando rapidamente para um lado. A alta silhueta de um índio desenhou-se no umbral.
— Entra — disse Archibald, reconhecendo «Pena Vermelha», o correio que «Nariz Achatado» lhe costumava enviar. — Que há de novo?
— O grande chefe tem notícias para o amigo «rosto pálido».
— Que noticias?
— Nós atacámos a caravana, como estava combinado, mas Tomahawk apresentou-se de repente no local do assalto.
— Outra vez esse maldito coiote! Quando deixará de nos importunar? E que sucedeu?
— Tomahawk surgiu da montanha no preciso instante em que atacávamos os colonos; e quis impedi-lo.
— Logrou-o?
— Não. Fugiu quando um grupo de guerreiros se lançou sobre ele.
— E não o capturastes?
— Não. Mas já está morto a estas horas.
— O quê? — exclamou Archibald, sem acreditar no que estava a ouvir. — Repete isso!
— Eu disse que Tomahawk, a estas horas, já está morto.
— Viste-o?
— Não.
— Nesse caso?... — inquiriu Delastone, com voz desdenhosa. — Tomahawk foi seguido por um grande guerreiro, que não deixará fugir a presa.
— De quem falas? — perguntou Archibald.
— De «Raposa Astuta», o filho do grande chefe.
— Isso agrada-me mais!
— «Raposa Astuta» é melhor guerreiro que Tomahawk. Este esteve muito tempo com os «rostos-pálidos» nas cidades do Este. Perdeu o costume de combater e converteu-se num cobarde. Agora já está morto. Eu, «Pena Vermelha», tenho a certeza.
— Fantástico! Já era altura de que esse miserável deixasse de nos criar dificuldades. O assalto à caravana rendeu alguma coisa?
— Sim. «Nariz Achatado» ficou muito contente. Encontrou barris de comida e licor que queima na garganta. Além disso, juntámos mais doze cabeleiras às que já tínhamos.
Archibald não pôde conter um involuntário estremecimento.
— Está bem, «Pena Vermelha». Saúda o grande chefe da minha parte e diz-lhe que o avisarei quando nova caravana partir da povoação. De acordo?
— De acordo. Eu direi a «Nariz Achatado» o que o «rosto-pálido» me comunicou.
O índio ergueu a mão direita, num cumprimento mudo, e abandonou o gabinete.
—Ufa! — suspirou Delastone. — Ainda bem que esse Tomahawk do demónio desapareceu. Já começava a aborrecer-me.
— E a rapariga?
— Resolverei depois o que se há-de fazer com ela. Por agora, pretendo apenas evitar que os militares se metam nos meus negócios. Chegou o novo carregamento de prata?
— Não. Os dois advogados encontram-se nas minas e é muito possível que regressem no carromato do minério.
— Perfeito. Vou descansar um pouco. Sabes que essa rapariga é uma verdadeira preciosidade? Creio que terei de me ocupar pessoalmente dela um dia destes.
E lançou uma estridente gargalhada.

Sem comentários:

Enviar um comentário