domingo, 23 de agosto de 2015

PAS523. Uma mulher no combate decisivo

Puxou o chapéu para os olhos a fim de os proteger. Sentia que o sangue lhe corria pelo corpo até à cintura, mas mal lhe prestou atenção. Enquanto carregava os revólveres, as suas pupilas olhavam tudo em volta, sem que pudesse ver nada. E de repente, a voz de Eula soou em baixo, no saloon, cheia de angústia.
— Deixem-me sair. Sou uma mulher e estou desarmada. Deixem-me sair. Não quero que me matem aqui dentro.
Uma voz disse:
— De acordo, preciosa. Sai com as mãos levantadas e afasta-te o mais possível do comissário. É um tipo que traz azar.
Poucos segundos depois, Rurt viu a frágil figura de Eula correr rua abaixo, ao que parecia, muito assustada. Ao fim e ao cabo, pensou, Eula Jones sempre tinha pensado muito no futuro do seu filho. Podia reprovar-lhe alguma coisa?
Manteve-se imóvel, esperando que algum dos seus inimigos se denunciasse. Decorreram vários minutos de tensa espera. E de repente, um rifle troou em frente de Rurt, um grito de dor encheu a rua enquanto um, homem caía detrás de uma chaminé com as mãos no peito. Durante uns momentos lutou por manter o equilíbrio e acabou por resvalar pelo telhado e cair sobre o pó da calçada. Ao mesmo tempo, a voz inconfundível de Eula, gritou:
— Levantem os braços. Tenho-lhes apontada a arma aos três!
Rurt sentiu que o céu se lhe abria. Compreendeu a magistral jogada da jovem, rogando que a deixassem sair do saloon, foi buscar a sua «Winchester» e ajudá-lo. E qualquer coisa dentro do seu peito começou a bater com força, repercutindo-se na ferida do ombro.
Três homens levantaram-se juntos, no terraço de um edifício que ficava à sua esquerda. Levavam as mãos bem levantadas sobre a cabeça. Sem deixar-se ver, Rurt perguntou:
— Fica mais algum de vocês?
— Não — respondeu um deles.
— Não há mais nenhum — disse Bula. Desça tranquilo, Rurt.
Fazendo um esforço — porque a ferida começava a doer-lhe de verdade —Rurt desceu do telhado e entrou no saloon. Lottie continuava no mesmo canto, mas empunhava um revólver «45». Ao vê-lo, deitou a arma para cima da mesa e correu para ele. –
— Rurt, tens a camisa cheia de sangue.
— Não tem importância.
Eula entrava de rifle em riste, com os três foragidos na sua frente. Acudia gente de todos os lados, ávidos de saberem em primeiro lugar o que se tinha passado. Em escassos minutos o saloon encheu-se de pessoas. Um dos clientes prontificou-se a ir meter nas celas os três ban-didos, e a ajudarem-no. Rurt entregou-lhes as chaves, consciente da honradez daqueles homens. Todos tinham cara de satisfação, e o alcaide Lionel Holman abriu caminho à cotovelada até ficar junto de Rurt.
— Felicito-o, comissário.
Estendia-lhe a mão com o mais hipócrita sorriso, o texano limitou-se a olhá-lo. Depois tirou do bolso a sua credencial de agente dos rurais, e colocou-lha debaixo do nariz.
— Pedi-lhe ajuda como autoridade de Hill City, e você negou-ma, Holman. Darei conta na minha informação da sua atitude, porque você tinha obrigação de fazer o que estivesse à sua mão para ajudar um xerife interino, ainda que o seu passado não fosse muito limpo.
Holman primeiro ficou branco e depois corou, e acabou por ficar verde-garrafa. Com um gesto brusco, deu meia volta e seguiu, dando empurrões a toda a gente.
Rurt viu-o partir e sorriu. Dentro de pouco tempo haveria outro alcaide em Hill City. Sentiu que alguém lhe pegava no braço, e viu muito próximo o rosto de Lottie.
— Vem. Vou tratar-te desse ombro.
Quase como em sonhos deixou-se levar até à alcova, sem mais mobiliário que uma cama, uma mesinha e um pequeno maple forrado de veludo azul. Docilmente estendeu-se sobre a cama e deixou que o tratassem. Depois, Lottie inclinou-se e beijou-o na testa. Aquele beijo teve o carácter de uma despedida.
— Eula quer falar-te. Está esperando no corredor.
—Diz-lhe que entre, por favor.
Eula, mal entrou, correu, e arrojou-se nos braços do jovem, soluçando.
— Perdoa-me. Lottie contou-me que não quiseste receber o dinheiro de Hereford. Julguei-te mal, Rurt !
Com um sorriso, Rurt manteve-a apertada contra si, enquanto olhava por cima do ombro da jovem. No umbral da porta, Lottie sorriu-lhe também, ainda que tivesse os olhos cheios de lágrimas. Depois fechou a porta e deixou-os sós.
— Lottie é uma grande rapariga, apesar de tudo — disse Rurt com suavidade.
Eula levantou o rosto e olhou-o. E não havia no seu olhar outra coisa senão gratidão e amor.
— Sim. Rurt. Eternamente lhe estarei agradecida por ter-me aberto os olhos: Fui uma estúpida.
— Foste só uma mulher que lutava contra todos — disse ele gravemente. — Mas tudo isso já acabou. Levar-te-ei comigo para o Texas e começaremos ali uma nova vida. E senão queres renunciar às tuas terras, serei eu que renunciarei à minha profissão e estabeleço-me aqui.
— Não, não. Quero partir daqui para fora, para longe onde nada me lembre o passado. Mas tão-pouco desejo vender o rancho. Pensei... se não vês inconveniente... pensei que o podíamos oferecer a Lottie por tudo o que fez por ti.
Rurt sentiu-se emocionado.
— Sim, oferecemo-lo a Lottie. Espero cobrar uma boa recompensa pelo assunto de Hereford e com isso compraremos novas terras no Texas. Lottie no fundo é boa rapariga, e ainda pode ser feliz. Poderá deixar este antro e não se rebaixar a nenhuma humilhação para viver — olhou-a nos olhos intensamente. — Eula. Nunca te disse que te amo com toda a minha alma?
— Com palavras, não. Mas os teus olhos disseram-mo muitas vezes; E sabes uma coisa? Também eu te amo com toda a minha alma.
Pela primeira vez os seus lábios uniram-se num beijo. Mas os dois sabiam que não seria o último, porque diante deles abria-se um horizonte ilimitado de felicidade.
É que, como dizia Lottie em certa ocasião os «homens maus» podem não ser tão maus como as pessoas imaginam.
 

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