quarta-feira, 12 de agosto de 2015

PAS514. Encontro com o anjo da colina

Notou uma sensação de alívio na testa e uma agradável frescura nos seus ardentes lábios. Viu-a muito perto. Era tão bela que mais parecia uma alucinação. Mas era real. Levantou a mão para tocar-lhe e a imagem não se desvaneceu quando as pontas dos seus dedos roçaram levemente aquele rosto de pele acetinada.
— Sente-se melhor?
Era loira, de grandes olhos verdes e boca vermelha, carnuda. Inclinada como estava, o seu busto adquiria um relevo tentador. Vestia trajo de amazona, mas bastante elegante, e se bem que bastante jovem, Pete observou uma expressão resoluta no olhar feminino. Ao trocar a compressa de água fria que tinha posto, a aliança de ouro brilhou. O rapaz cerrou os olhos. Era casada.
— Que lhe aconteceu? — perguntou a desconhecida. — Feriram-me. Estavam entre umas rochas, ao ar livre. O sol declinava e deduziu que tinham passado várias horas depois que fora ferido.
— Quem é você? — perguntou à formosa mulher.
— O meu nome é Marion Dixon, creio que isso nada lho dirá.
— Que faz... aqui?
— Não fale tanto. Acabo de encontrá-lo e tenho que tratar essas feridas.
Um agudo toque de clarim ecoou no tranquilo ar da tarde. Pete retesou-se ao ouvi-lo, e em seus olhos apareceu uma expressão de homem perseguido.
— Que é isto?
— A terceira companhia do Forte Hanckock.
— Como o sabe você? Que estão aqui a fazer esses soldados?
— Pelo que compreendi procuram uns traficantes de armas. Segundo se crê, há um cabecilha mexicano que quer recuperar o Texas e está armando um exército invasor com rifles fabricados na União e que alguém se encarrega de trazer pago por bom ouro.
Um suor frio resvalou pela testa do rapaz. Marion levantou-se.
— Vou pedir ajuda para si. Na companhia há um sargento que tem conhecimentos médicos.
— Não! — Kelly estendeu o braço e agarrou a roupa feminina. — Não o faça. Ninguém deve saber que estou aqui.
- Mas você está bastante ferido. Os olhos verdes da rapariga tinham um brilho extraordinário como se qualquer coisa a tivesse excitado.
-- Não tem importância. Se quer completar a sua obra humanitária, não me denuncie.
A formosa mulher duvidou durante uns instantes, mas acabou por se ajoelhar junto do ferido. Os dedos hábeis abriram a camisa para examinar a ferida do peito. Com o cantil que tinha ao seu lado deitou um pouco de água na ferida, que depois limpou com um lenço que ela levava ao pescoço. Depressa ficou ensopado em sangue e teve que o atirar para um lado pois já não tinha utilidade.
— É uma loucura, mas mesmo assim não o denunciarei — disse por fim.
Pelo caminho que ascendia até àquela elevação devia subir alguém a julgar pelo barulho de passos que se ouvia. Marion prestou atenção, alarmada, e pouco depois ouvia-se uma voz:
— Senhora Dixon! Não me ouve, senhora Dixon?
Marion explicou:
— É o sargento Brenan.
Levantou-se rapidamente e acudiu ao local donde vinha a voz, detendo-se no meio do caminho obstruindo-o assim.
— Que se passa, sargento? — a sua voz tinha deixado de ser doce para ser autoritária. A pessoa que subia parou.
— O capitão deu ordens muito severas para que a senhora não se afastasse do nosso lado, este terreno é muito perigoso.
— Será que me tenho que converter em prisioneira dos soldados do meu marido, sargento?
-- Senhora Dixon... Eu... só cumpro ordens. A minha responsabilidade é muita e...
— Não quero ouvir nem mais uma palavra a esse respeito.
— Mas...
— Essas são as minhas ordens, sargento. A quem vai obedecer?
Breman adoptou um tom suplicante:
— Pense na minha responsabilidade, no que dirá o capitão.
— O capitão só diz o que eu desejo, sargento. É a vantagem de ser a esposa de um capitão, não acha?
— Evidentemente — o sargento tinha esgotado todos os seus argumentos.
-- Vão acampar aqui, não é verdade?
— O capitão ainda não regressou, e não sabemos quais serão as suas ordens, mas pela hora que é, é de supor que mandará levantar o acampamento aqui mesmo.
— Nesse caso quer trazer-me qualquer coisa que comer dentro de uma cesta? Desde esta elevação descortina-se um panorama belíssimo e não quero perder o pôr-do-sol para descer a jantar.
— Mas...
— Não me terei explicado bem, sargento?
— Oh, sim, sim... votarei já.
Ouviram-se os passos do sargento que descia e Marion continuou ainda no mesmo lugar durante um bocado até que não considerou arriscado voltar para junto do ferido. Pete olhou-a com admiração.
— Você... fez isso tudo... por mim? '
— Não mo pediu?
— Mas você é a mulher de um militar...
— E então?
— Certamente que neste momento o seu marido anda à sua procura.
Ela olhou-o. Por qualquer motivo, Kelly pensou que ela não era feliz no seu matrimónio; mais ainda que ela não sentia o menor amor pelo seu marido. Quando a viu inclinar-se para lhe tratar a ferida, pensou que Marion parecia uma mulher insatisfeita, que não tinha encontrado no matrimónio aquilo a que tinha direito. Os dedos trataram habilmente a ferida. A bala estava dentro e Marion não tardou em sabe-lo.
— Não vou poder fazer grande coisa pelo senhor. Não tenho nenhum instrumento... Sabe o que isso significa?
— A gangrena...
— Sim, a menos que um médico o trate.
— E isso não é possível — Pete sorriu, fazendo quase uma careta. — Não importa, porém. Pode-lhe parecer palermice, mas a sua presença compensa-me de certo modo.
Ela olhou-o profundamente nos olhos, com uma interrogação nas pupilas. Pete susteve o olhar. Marion formulava perguntas, muitas perguntas às quais ele poderia responder.
— Não fale — pediu ela.
Novamente os passos do sargento fizeram ranger a areia do caminho, e Marion correu ao encontro dele, tomando a cesta que ela trazia.
— Não havia grande coisa para escolher, senhora Dixon.
— Vejo, não obstante esmerou-se. Até me trouxe um pouco de «whisky».
— Pois... Pensei que poderia querer...
— Sou uma senhora, sargento, e as senhoras não costumam tomar «whisky». Mesmo assim obrigada pela sua atenção.
 -- Deseja mais alguma coisa?
—Não; excepto estar só.
- Compreendi, senhora. Ninguém virá a este lugar.
-- Obrigada.
Mas Breman ainda vacilava.
— Que devo dizer... se o capitão chegar antes de que a senhora tenha regressado?
— Isso não sucederá; do sítio onde me encontro vê-lo-ei vir... e descerei.
— Se necessitar de mais alguma coisa, não tem mais que pedir...
Os pesados passos do militar foram deixando de se ouvir e logo Marion regressou para junto do ferido.
Deixou a cesta no chão depois de ter tirado um alvo guardanapo e uma afiada faca.
— Quer arriscar-se a ser operado por mim?
Parecia brincar, mas via-se que estava firmemente decidida a tentá-lo.
Pete procurou-lhe a mão e apertou-a. Sentiu-a fresca e suavíssima em contraste com a sua que ardia em febre.
— Por que faz isto? Está-se comprometendo demasiado.
— Você não entende.
O rapaz procurou ler naqueles olhos tão expressivos.
— Você merece muito mais do que tem. Ë pena que não esteja em minhas mãos...
Calou-se e ela pediu, suavemente:
— Que ia a dizer?
— Nada; é melhor que se apresse, se realmente quer ir tão longe.
Voltou o rosto para não vê-la. Aquela mulher estava-se metendo no seu sangue sem quase dar por isso, e compreendia que era muito perigoso.
Marion movia-se com rapidez. Destapou a garrafa de «whisky» e com ele desinfetou a lâmina da faca. Deu a beber uma boa porção a Pete, oferecendo-lhe um lenço.
— Morda-o para não gritar.
Pete colocou-o entre os lábios, e um momento antes de começar a rústica operação ela voltou-se de costas, levantou a saia e rasgou a combinação de modo a conseguir uma ligadura. 
Por fim inclinou-se sobre o peito masculino e introduziu a ponta da faca na ferida. Uma dor agudíssima, como um dardo de fogo, percorreu o corpo de Pete Kelly, cegando-o.

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