quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

BIS067.12 Um forasteiro em Dodge City

O longo e pesado comboio de mercadorias pôs-se em movimento. A locomotiva apitou e o maquinista, da sua cabina, agitou a mão. 

O seu cumprimento obteve como resposta do chefe da estação um aceno preguiçoso. Depois, lentamente, desfilaram ante este os vagões, até ao último. Cumprida a sua missão no cais, o chefe dispôs-se a entrar na estação. Mas não o fez. Enrugou a testa. 

A meio da gare, imóvel, vagamente desenhada à luz acinzentada do anoitecer, havia uma pessoa. E não devia haver. Era um homem atarracado, forte, de braços compridos e pernas curtas. 

O chefe da estação foi ao seu encontro vagarosamente. Ao chegar perto dele viu que vestia miseravelmente e trazia ao cinto um pesado revólver. Não lhe agradou o seu aspeto. 

— Que procura você aqui? 

Não gostava do seu aspeto porque era o dos vagabundos que costumavam transitar clandestinamente nos comboios e vagueavam pelas estações para roubar dos vagões tudo que lhe viesse à mão. O homem respondeu com voz rouca:

— Não procuro nada. Vou para a cidade. 

O chefe da estação viu confirmadas as suas suspeitas. Estava claro que o intruso chegara escondido no comboio de mercadorias que acabava de partir. 

— Ponha-se a andar e depressa! — exclamou enfurecido. — Vamos! Disse-lhe que se ponha a andar! Depressa! 

O homem retirou-se calmamente, com desdenhosa indiferença. O chefe não o perdeu de vista até que ele abandonou o cais, e desapareceu entre as primeiras casas da cidade. 

Pelas buliçosas ruas de Dodge City, sem rumo fixo, o recém-chegado deambulou cerca de uma hora. Ia olhando em volta e, se porventura sentia curiosidade ou experimentava alguma emoção, dissimulava-o. Em nenhum momento mostrou qualquer interesse pelos teatros, tabernas, «saloons», ou qualquer outro estabelecimento público particularmente. Limitava-se a caminhar ao acaso. 

Por fim, interrompeu o passeio. 

Uma manada de vacas avançava em direção aos caminhos de ferro. Era uma das muitas que em todos os dias ali chegavam, para serem despachadas para os vários mercados. A sua passagem pelas ruas estabelecia quase sempre momentos de pânico, pois os animais, excitados pelo contacto com o povo, tresmalhavam-se, corriam e investiam contra tudo quanto lhes aparecia na frente. A população apressava-se a esconder-se nos portais, havia gritos, alguns incidentes por vezes com graves consequências. E era tudo. 

O forasteiro entrava na rua principal quando a manada, entre mugidos e assobios dos «cowboys», entrava nela. Dum salto, meteu-se no primeiro portal. Toda a gente se metia nas casas fugindo da calçada à onda dos cornúpetos que se aproximava rapidamente. Mas alguém, que naquele momento atravessava a rua, ao tentar. apressar o passo, tropeçou e caiu. Era uma mulher. 

Deu um grito aflitivo como uma petição de socorro. Era tarde, porém, para lhe acudir. As vacas estavam já próximas e esmagá-la-iam em segundos. 

A decidida figura dum homem saiu do portal, saltou para o centro dia rua, quase à frente da manada, e agarrou a mulher nos braços. Ela agarrou-se-lhe ao pescoço quase no momento de ser atingida pelos primeiros animais. O homem, porém, esquivou algumas investidas e deitou a correr adiante da manada, como se a carga lhe não pesasse. 

Quando conseguiu uma ligeira vantagem saltou para um passeio e entrou de roldão por um «saloon» que encontrou à sua esquerda. 

Uma vez no estabelecimento, pôs a mulher no chão. Nem sequer ofegava. Ela, assustada ainda, trémula, hesitou, e o homem susteve-a delicadamente por um braço. 

— Obrigada. Não... posso dizer outra coisa.... 

Era loura, esbelta, possuía um vago encanto. Ainda jovem, o seu rosto, entretanto, refletia uma espécie de melancolia, e os seus olhos serenos, embora um pouco duros, eram duma pessoa a quem a vida maltratara. Vinha delicadamente vestida e perfumada. A seu lado, o homem que a conduzira até ali oferecia um rude contraste. 

— Magoou-se? 

— Não, não, estou muito bem. Apenas... suja de poeira da rua. Mas o senhor é que se arriscou muito. As vacas quase o atingiam. Foi maravilhosa, a sua habilidade. 

O homem sorriu selvaticamente, enquanto ela se baixava para limpar a poeira do vestido. 

— Conheço bem as vacas. E também os seres humanos. Agora o que precisa é de beber qualquer bebida forte. Far-lhe-á bem. 

A mulher entreabriu o guarda-vento do estabelecimento e olhou para a rua. A manada iá acabara de passar, e ela não pôde deixar de estremecer ao pensamento do que seria do seu corpo sem aquele salvador providencial. 

— Sim, beberei — assentiu. 

Pela primeira vez prestou atenção ao local onde se encontrava. Era uma casa pequena e suja, onde uns homens encostados ao «bar» a olhavam insolentemente. Dissimulou a sua repugnância porque, se a exteriorizasse, seria descortês para o seu salvador. 

— Beberei um copo de «whisky», por exemplo. Como se chama o senhor? 

O homem hesitou uma fração de segundo. 

— Boyd Buchanan. 

—Eu sou Alícia Cheyne. Provavelmente conhece-me ou já ouviu falar de mim. 

Buchanan abanou a cabeça. 

—Não. 

— É forasteiro em Dodge City?

— Acabo de chegar. 

A mulher saiu da porta e dirigiu-se para o balcão. Os homens afastaram-se para um lado. O homem que servia o «bar» limpou o balcão com a ponta do avental e forçou um sorriso. Parecia surpreendido.

— Dois copos de «whiskey» — pediu Buchanan — Que seja bom. 

A mulher examinava-o com discrição. Perguntou de repente: 

—Vai ficar muito tempo na cidade? 

— Não sei. — O homem hesitou de novo. Quero... quero voltar para o Texas. Sou dali. 

O empregado serviu os dois copos e Alicia pegou no seu. 

— Bebamos, senhor Buchanan. Pela minha vida, visto que acaba de ma salvar, e por si. 

Buchanan bebeu, e limpou os lábios com as costas da mão. 

— Bom «whisky» — comentou. — Outra rodada? 

— Não, não, desculpe, senhor Buchanan, mas tenho de ir-me embora imediatamente. Já ia com pressa quando caí na rua. Sou desgraçadamente uma mulher muito atarefada. Porque não vai visitar-me mais tarde? Porque não vem jantar a minha casa? 

O homem enrugou a testa e olhou-a fixamente. 

— Não.

— Porque não? 

—É muito amável e demonstra-me o seu agradecimento com muita delicadeza, mas não há nada comum entre nós. Eu sou um miserável piolhoso e a menina é uma senhora. Não julgue que não percebo as coisas. Mais vale despedirmo-nos aqui. 

— Não diga isso! 

— É a verdade.

— Afigura-se-lhe que eu julgo os homens pela pobreza do seu aspeto, da sua elegância, os seus modos, ou pelo dinheiro que trazem no bolso? Num lugar como Dodge City? E precisamente eu? 

—Você é uma senhora. 

—Sou uma mulher de negócios. Bem, dá o mesmo. 

Alicia Cheyne perguntou com energia: 

— Quando pensa voltar ao Texas? 

— O mais depressa possível. 

— Tem experiência de «cowboy»? 

— Claro que sim. 

— Talvez lhe interesse então um lugar numa das equipas que regressam daqui. Isso representa um cavalo, um soldo e companhia alegre. Pode deixar o lugar assim que chegue à sua terra. Ser-me-á fácil conseguir-lho, senhor Buchanan. 

Buchanan baixou os olhos. 

— Eu procuro o meu próprio trabalho, obrigado. Não peço ajudas. 

Ela apoiou ligeiramente a mão no seu musculoso antebraço. 

— Perdoe-me. Não quis ofendê-lo. 

O rumor da passagem da manada já cessara, e na rua voltou a reinar a habitual animação. No local entravam novos clientes.

— Tenho de ir-me embora — disse Alicia. —Prometa-me que me fará uma visita. Qualquer lhe indicará a minha casa. Lá o espero. 

—Não, não prometo — replicou Buchanan obstinadamente. — Não me deve nada. Com um sorriso seu considero-me suficientemente pago. 

Ela insistiu ainda: 

— Não é por que lhe deva alguma coisa. É porque o estimo, senhor Buchanan. É porque o considero um amigo e a sua companhia é para mim muito agradável. 

— Não sabe quem eu sou. 

— Basta-me aquilo que sei. 

— Agradeço-lhe muito as suas palavras, mas repito-lhe que não sabe quem eu sou. Não convém aproximar-se de mim. Não convém a ninguém. Vá-se embora, peço-lhe. 

—Como queira. Mas se alguma vez abandonar esse orgulho e quiser pedir a ajuda de alguém, lembre-se de mim. Não esqueça que me chamo Alicia Cheyne. 

Estendeu a sua mão delicada e Buchanan apertou-a na sua, pesada e calosa. Depois, acompanhou-a até à porta e segurou o guarda-vento para lhe dar passagem. Ela acrescentou intencionalmente: 

— Até à vista. 

Quando Buchanan voltou ao «bar» o homem do avental esperava-o debruçado no balcão. 

— Boas amizades, amigo. 

Buchanan resmungou: 

— Outro copo. 

— Parece uma ninguém, Alícia Cheyne. É a mulher mais rica de Kansas. Esperta, ativa e inflexível corno um homem. Começou com uma pequena manada e hoje é um dos maiores ganadeiros da região. 

Buchanan não respondeu. 

Depois do segundo copo bebeu um terceiro, e a seguir um quarto e um quinto. Parecia não ter mais que fazer do que ficar ali a beber copos de «whisky». A sua cara não se alterou. Só o álcool acendeu uma pequenina chama nos seus olhos.

Estava no sexto papo quando um homem calvo, de rosto vermelho, vestido com presunção, empurrou o guarda-vento e, depois de examinar os clientes, avançou em linha recta para ele. 

— Você chama-se Boyd Buchanan e quer ir para o Texas, não é verdade? 

Buchanan esvaziou o copo e colocou-o sobre o balcão. 

— Foi uma senhora chamada Alicia Cheyne quem o mandou? 

— Chamo-me Carlton — O homem fez-se deliberadamente desentendido da pergunta. — Acabo de comprar um grupo de reprodutores e tenho de o levar até às margens do Braças e preciso de um «cowboy». Ofereço-lhe o lugar. Se lhe interessa e o cumpre bem, pode além disso ficar no meu rancho até depois da ferra. Que responde? 

Buchanan ficou calado. 

— Vem da parte da senhora Alicia Cheyne? — insistiu, por fim. 

— Ela falou-me de si, de facto, e como lhe salvou a vida. Pensei imediatamente que é justamente o homem que procuro. Espero que não me desiluda. 

— Preciso de pensar. Responderei esta noite. 

Carlton encolheu os ombros. 

— De acordo. Pergunte por mim ao Dodge Hotel. Mas vamos beber um copo para o decidir, hem? Dirigindo-Se ao homem do balcão acrescentou: 

— Dois duplos. Depois de esvaziar meio copo, Buchanan perguntou: 

— Se eu aceitasse quando partiríamos? 

— Depois de amanhã, o mais tardar. 

Carlton, pela primeira vez, olhou 'para o seu interlocutor mais atentamente. E continuou: 

— Eu estimo muito Alicia, Buchanan, e creio que o facto de você lhe ter salvo a vida nos converte em. amigos. É uma mulher de carácter, nobre, inteligente, resoluta e honrada. E muito bela, corno terá verificado. 

— Bem vi — assentiu Buchanan, sombriamente. 

Carlton deu-lhe uma palmada no ombro. 

— Bem, deixo-o só para que medite na minha proposta. Tenho a pretensão de conhecer os homens, e você agrada-me. Voltaremos a ver-nos... Oh! Vim a Dodge City com o meu capataz. Se o encontrar mando-o vir ter consigo, para que se conheçam. E tem a minha autorização para se embriagar à vontade. É obrigatório em Dodge City. 

Buchanan voltou a ficar só e voltou a beber. Decorreu o tempo. Nada de quanto acontecia à sua volta parecia interessar-lhe. O seu rosto era uma máscara rígida, sob a qual, sem que alguém o notasse, começava a fervilhar a embriaguez. Entretanto, ele continuava apoiado ao balcão do «bar», carrancudo e imóvel. O «cowboy» que num determinado momento se aproximou dele supôs apenas que estivesse triste. Era um rapaz alto e ombros largos. Enrolava um cigarro. Nos seus lábios, desenhava-se um fátuo sorriso. 

— Um bom bocado — disse. 

Buchanan olhou estupidamente para ele sem o compreender. O «cowboy» acendeu o cigarro, pavoneando-se. 


— Alícia Cheyne -- explicou. — Milhares e milhares de dólares em forma de mulher. E de mulher apetitosa, não lhe parece? 

— Não me apetece conversar — resmungou Buchanan. 

Pelo seu modo de falar o «cowboy» percebeu que ele estava borracho, mas não até que ponto: 

— Pois haverá conversa, amigo. Tome cuidado... Se pretende dar-se bem com Joe Carlton, aconselho-o a manter-se afastado da dama. É para si um bom bocado, acredito, mas demasiada bom. Não o poderá digerir. E, embora o tentasse, Carlton não lho consentiria. 

Os olhos de Buchanan adquiriram estranhos reflexos vermelhos. 

— Que está você para aí a dizer? — perguntou, de má catadura. 

— Cuido da sua saúde, imbecil! 

Buchanan começou a resfolegar com força e alguma coisa se produziu no seu rosto que levou o «cowboy» a pôr-se em guarda. 

— Ponha-se a andar! Ponha-se a andar... e depressa... 

O «cowboy» sorriu a apaziguar. 

— Eh, ouça, não tome isto a mal. Era uma brincadeira. Mais vale que sejamos amigos, visto que vamos trabalhar juntos algum tempo. Eu sou o capataz de Carlton... Venham de lá esses ossos, homem! 

Buchanan nem sequer olhou para a mão que o outro lhe estendia. 

—Não trabalharemos juntos — replicou. — Eu não trabalharei com. Carlton. 

—Ah! Não? — exclamou o «cowboy» subitamente irado. — De maneira que recusa a sua oferta? 

— Sou livre, para aceitar ou recusar o que me apeteça. 

—Livre! -- o capataz deu uma gargalhada. -- Tu livre para o recusares! Ouve, imbecil, tu não és mais que um cachorro sarnoso fugido do deserto, um peludo inútil cheio de vaidade. Já sei porque não queres trabalhar com Carlton! É por causa dessa mulher! É por... 

O rosto de Buchanan tomara uma expressão torva. 

— Cale-se! 

— Irritam-te as minhas palavras? Pois ainda não acabei! 

— Cale-se! — repetiu Buchanan. 

Afastou-se do «bar» e deu um passo para o «cowboy». 

— Vamos brincar um pouco? — perguntou este, sem se amedrontar. 

Buchanan tinha os punhos cerrados contra o peito. A sua fronte estava alagada de suor. 

— Não quero matá-lo — murmurou com voz rouca e áspera. — Peço-lhe, por favor, que se cale e se vá embora daqui, porque não quero matá-lo. Pretendo viver em paz! Não me obrigue a fazer outra coisa! 

O seu tom de súplica foi interpretado pelo «cowboy» como uma fanfarronada. Cometeu esse dramático erro. Já vejo que tenho de te domesticar antes de Carlton te aceitar ao serviço — anunciou. — De momento vou ensinar-te uns passos de dança. 

Tirou o revólver, um «Colt» 45. Os punhos de Buchanan estremeceram. Naquele momento havia muitos clientes que se afastaram do balcão aos empurrões. Alguém disse: 

— Stone, não cometas uma loucura! 

— Não é loucura ensinar um piolhoso a dançar... Vamos, tu! 

Buchanan continuava com os músculos contraídos e os punhos apertados contra o peito, afastados da coronha do revólver, mas emanava dele uma sinistra ameaça. Todavia, o «cowboy» parecia incapaz de a compreender. 

— Dança! — ordenou este. 

Ia pôr em prática a perigosa e pesada brincadeira, de tanto agrado dos vaqueiros do Texas: disparar para os pés dum homem, obrigando-o aparentemente a dançar para esquivar as balas. 

— Se faz isso, mato-o. 

— Vá, dança! 

— Eu disse que o mato. 

Troou o «Colt».45 e a primeira bala incrustou-se no pavimento. Buchanan não se mexeu. 

— Outro revólver! — pediu o capataz. 

Um colaborador anónimo entregou-lho e, com uma arma em cada mão, começou o tiroteio. Os projéteis iam desenhando o contorno das botas de Buchanan. Mas este não se mexia. Não mexia nem um músculo. Pelo contrário, parecia cada vez mais decidido a não se mexer. O seu rosto era de pedra, embora o inferno se refletisse nos seus olhos ferozes. 

Os estampidos provocaram o pânico na assistência. Mas depois, ao verem que não passava dum passatempo inofensivo, muitos deles puseram-se a rir. Os risos, estrépito, o cheiro a pólvora e a indiferença da sua vítima, exasperaram o «cowboy». De repente perdeu o domínio dos nervos. 

Furioso, desviou a pontaria ao acaso. 

Todos viram como as balas atingiram os pés de Buchanan. Cessaram os risos e os gritos. E, todavia, Buchanan não se mexeu. Nem mesmo assim. A sua cara como o corpo não se alteraram. Resistiu à dor sem um leve pestanejar. 

Stone deixou de disparar. Ofegava. Sentia horror. Os olhos pareciam saltar-lhe das órbitas. Odiava aquele homem que o metera a ridículo. Odiava-o como nunca odiara alguém no mundo. No seu estoicismo havia algo de monstruoso. 

Foi naquele momento que Buchanan se moveu. Abriu as mãos. A direita baixou com calma à altura da anca e extraiu do coldre o velho e pesado revólver. Stone teve ta noção do que aconteceria a seguir e tentou disparar para o impedir, mas premiu o gatilho dum revólver cujo cilindro estava vazio. Quando quis utilizar o outro era tarde. 

Buchanan fez fogo da altura da anca uma só vez, no momento em que o «cowboy» dava um grito. A bala transformou o grito em estertor. 

Ninguém disse nada quando Stone caiu violentamente no chão. Buchanan não guardou o revólver. Olhava à volta, para o círculo de rostos horrorizados, com as bocas abertas em silêncio. Os seus pés manchavam de sangue o solo e parecia impossível que o pudessem suster ainda. 

Dando empurrões em toda a gente para abrir caminho, o homem calvo de rosto vermelho, com quem falara pouco antes, apareceu poucos segundos depois. Rogou urna praga ao distinguir o cadáver de Stone e depois, olhou fixamente para Buchanan. O seu rosto empalideceu, até ficar da cor da manteiga fresca. 

— Maldito animal! -- gritou. — O que fizeste, bandido? Que fizeste? 

O sangue já fazia um charco aos pés de Buchanan. 

— Afaste-se, Carlton. Não quero matar mais ninguém. 

— Tu, víbora ascorosa... tu... — conseguiu articular Carlton. — Vais pagá-lo caro! 

Procurou com a mão a coronha do revólver. Mas não chegou a tirá-lo, porque alguém lhe agarrou o pulso, pelas costas. Foi Alícia Cheyne. Os seus olhos chamejavam, olhando para Buchanan por cima do ombro de Carlton. 

— Quieto, Joe. 

Tomado de surpresa, ele não pôde evitar que a mulher lhe arrebatasse a arma. Alicia entrou no espaço livre, em cujo centro se encontravam Buchanan e o cadáver de Stone e foi postar-se junto daquele. 

— Esse... tipo é um assassino — disse o calvo, quase sem alento. — Repara nos que fez com Stone, Alícia. Vê com calma e não te precipites. 

A mulher empunhou o revólver com a desenvoltura de quem está habituada a usá-lo. 

— É meu amigo e devo-lhe a vida — respondeu. —Vou levá-lo daqui. Matarei quem se atrever a impedi-lo, e não falo em vão. Vamos embora, Buchanan. 

Começou a andar em direção à porta. Buchanan fez um esforço desesperado para a seguir. Conseguiu-o por fim, arrastando os pés feridos e desenhando no chão um rasto de sangue.  

Ninguém, nem mesmo Carlton, se opôs à sua marcha. Alicia contava com isso. Sabia como era conhecida ali, ao contrário de Carlton, um texano, um forasteiro, e a morte dum homem interessava muito pouco na realidade. A sua decidida intervenção em defesa de quem lhe salvara a vida naquela tarde devia colocar todas as simpatias a seu favor. Já na rua, Buchanan parou. 

— Não posso andar mais — murmurou, cansado. Obrigado. Vá-se embora. Eu afrontarei com o que me aguarde. 

— Porquê? — exclamou Alicia, surpreendida. 

Ele apontou para os pés, e ela deixou escapar um gemido de horror ao vê-los. 

— Quem lhe fez isso? Foi Stone? 

— Sim. 

Espere aqui. 

Deitou a correr para um carro que estava parado a uns cem metros mais adiante. Desamarrou os cavalos do poste, trepou para a boleia e regressou empunhando as rédeas. 

— Poderá subir? 

Buchanan assentiu, arrastou os pés e subiu para junto dela. Antes que Alicia pusesse o carro em marcha soou um tiro na porta do «saloon» e a bala silvou perigosamente próxima. Ao voltar-se, a jovem viu Carlton, que conseguira outro revólver. Disparava contra Buchanan; mas este, em lugar de responder ao fogo, permanecia hirto como uma estátua na boleia. Ela não titubeou: apertou o gatilho da arma que arrebatara ao próprio Carlton. Este proferiu uma blasfémia e desapareceu no interior do «saloon».

Os cavalos partiram a galope. O carro desceu a toda a velocidade pela rua central, voltou à esquerda, atravessou a cidade e meteu pela estrada. Alicia parou pouco depois ante uma casa de madeira, rodeada de salgueiros, em cuja varanda se via brilhar uma luz. Era uma casa grande e luxuosa, bonita, situada no melhor ponto dos arredores da cidade. 

— Chegámos. 

Buchanan desceu com grande dificuldade da boleia. Apesar do seu grande domínio, não pôde evitar que uma espantosa careta revelasse a dor ao pôr os pés no chão. Alicia correu para ele, a fim de o ajudar. Ele apoiou-se no seu ombro. Suava de angústia, mas nem um lamento se ouviu da sua boca no trajeto até a casa. 

— Que venho eu fazer para aqui? — perguntou, enquanto a jovem abria a porta. 

— Colocar-se nas minhas mãos para que o trate. Eu é que tive a culpa do que aconteceu, Buchanan. Fui eu quem lhe enviou Carlton e o homem que você matou era seu capataz. A sua intenção era boa. Mas veja os resultados — respondeu ela com desgosto. 

Abriu a porta e entraram ambos. A luz da varanda não chegava ao vestíbulo, que estava mergulhado na escuridão. De repente, dessa mesma escuridão, ouviu-se uma voz que perguntava surdamente: 

— Alicia, és tu? 

A jovem estremeceu e agarrou-se com força ao braço de Buchanan. Alguém se ocultava nas trevas. 


Sem comentários:

Enviar um comentário