Todos se fixaram nele quando empurrou o guarda--vento e entrou fazendo tilintar as suas grandes esporas de prata. Por alguma razão a sua aproximação era inquietante, mas ninguém poderia especificar qual era essa razão. Podia ser o revólver que trazia dependurado muito baixo e, todavia, havia muitos homens que o traziam à mesma altura; podia ser o seu aprumo, o seu ar sombrio ou o brilho metálico dos seus olhos, embora muitos homens tivessem idênticas características; podia ser o seu aspeto seco, duro, comi de filho do deserto, mas eram muitos os filhos do deserto que circulavam nas ruas de Paso.
Aquele homem devia ter entre vinte e vinte e cinco anos de idade. Estava queimado como um índio. Vestia um casaco de pele e calças escuras; calçava botas de meio cano, adornadas com as grandes esporas de prata e trazia na cabeça um chapéu preto. Em todo o vestuário, botavam-se vestígios de poeira vermelha e toda a gente sabia no Paso que aquele pó procedia da região de Pecos, no Sudoeste de Estacado em território apache.
O homem entrou no estabelecimento sem olhar para ninguém, aproximou-se do «bar» e pediu cerveja. Eram dez horas da noite, mas havia muito pouca gente; no ar pairava uma espécie de expectativa. Dir-se-ia que os presentes aguardavam algum acontecimento invulgar. O homem notou-o, corno notou a insistência com que todos o olhavam mal entrou o guarda-vento; a curiosidade de que fora objeto e o vago alívio que experimentaram quando o iluminaram em cheio as luzes do «bar».
Ficou indiferente, posto que, se esperavam realmente alguma coisa ou alguém, era impossível que o esperassem a ele. Acabava de chegar ao Paso depois de atravessar o deserto. Nenhuma daquelas pessoas o conhecia, nem sabiam dele uma palavra.
Ao fundo do salão tocava um pianista. A música, talvez por contraste, fazia mais notável o silêncio.
O homem bebera um golo de cerveja, quando alguém o interpelou:
— Forasteiro.
Voltou-se lentamente.
À sua direita estava um indivíduo de tez macilenta e espesso bigode, que vestia uma camisa aos quadrados. Tinha na frente, sobre o balcão, um copo e uma garrafa de «whisky». Parecia muito nervoso, ou afetado por alguma forte emoção. Tinha um cinto com um revólver muito ao meio, quase sobre o estômago.
O forasteiro mirou-o dos pés à cabeça antes de responder:
— Deseja alguma coisa?
— Não leve a mal. Desejo que se afaste de mim.
— Estou aqui muito bem.
O do bigode mordeu os lábios.
— Pode não estar bem dentro de alguns minutos. Colocou-se entre mim e a porta, compreende?
— Sim — disse o forasteiro.
Mas não se moveu. Colocar-se entre a porta e o homem do bigode significava, evidentemente, colocar-se na trajetória das balas. Estava agora explicado o que aguardavam os clientes daquele «bar».
Olhando em volta, o forasteiro viu que a parte central do estabelecimento estava completamente vazia. Deixaram o homem do bigode isolado. Alguém entraria pela porta dum momento para o outro, alguém a quem o homem esperava para se bater a tiro com ele.
— Não quer afastar-se?
— Não.
— Então isso é consigo. Está avisado.
O homem levou o copo de «whisky» aos lábios e a mão tremia-lhe de tal maneira, que entornou metade do líquido. O forasteiro comentou desdenhosamente:
— Você dá todas as vantagens. Com um pulso y como o seu, é impossível acertar num cavalo a três passos.
— Não se meta nisto!
— Quer suicidar-se?
— Repito que não se meta nisto!
No extremo do «bar», havia três homens, dois dos quais fizeram um gesto para avançar quando o do bigode elevou a voz. Mas no mesmo instante bateram as portas do guarda-vento e uma descarga elétrica pareceu atravessar a casa.
Entrara a pessoa por quem se esperava.
Era um sujeito de mediana estatura, atarracado, de braços compridos. Trazia ao pescoço um lenço azul.
— É a ti que procuro, Fly Stanton — disse com voz rouca.
Dirigia-se ao homem do bigode. O forasteiro notou qualquer falta e demorou algumas frações de segundo para compreender que era o piano. Cessara a música. O silêncio tornava-se insuportável.
O homem do bigode, de repente, pareceu atacado por uma convulsão trémula e a sua mão tremente precipitou-se para a coronha do revólver que trazia no cinto.
O outro homem adiantou-se. Um «Colt» 45 apareceu como, por encanto na sua mão.
Mas o que se seguiu foi tão rápido, que nenhum dos presentes conseguiu ver que o recém-chegado puxara por uma arma; soou um tiro e esta voou da sua mão.
Soaram mais dois tiros sucessivamente. Ouviu-se um gemido de dor. Um dos dois homens que estiveram prestes a intervir levou a mão à boca. O outro voltou-se, estupefacto, para ver onde caíra o revólver que uma bala acabava de lhe arrebatar. O forasteiro disse para o do bigode:
— Puxe lá pelo seu calhamaço se se atreve.
O homem soltou a coronha como se queimasse e apoiou as mãos no balcão. Estava pálido como um morto. Ninguém se movia. Ninguém falava.
Decorridos uns segundos, o do lenço azul recobrou a calma e tentou retroceder para a porta; mas bastou que o desconhecido elevasse um centímetro o cano do revólver ainda fumegante que tinha na mão, para que se detivesse novamente.
Então, com toda a calma o forasteiro acrescentou:
— Não me agradam pendências à minha volta. Você venha beber um copo. E vocês — fez um gesto aos dois outros homens também.
Os três obedeceram contra vontade. Um dos dois últimos, disse:
— Você perdeu o juízo, rapaz. Isto vai custar-lhe um desgosto.
O seu companheiro, disfarçadamente, colocou-se atrás do homem do lenço azul, como querendo cortar-lhe a retirada. O resto dos clientes observava a cena com muda atenção. O forasteiro semicerrou os olhos. Vira no colete dum dos homens que estavam no «bar» e na camisa do outro, emblemas de rangers.
— E porquê, um desgosto? — perguntou. — Por malograr a vossa ascorosa emboscada: Por frustrar um assassínio?
O que falara antes, replicou asperamente:
—Quem é você? Chamo-me Johnny Martin.
— Entregue-me o seu revólver e acabemos esta farsa duma vez. Este indivíduo, Boyde Buchanan, é procurado pelas autoridades, acusado de ladrão de gado. Temos contra ele uma ordem de prisão; não íamos matá-lo, mas somente prendê-lo. Servimo-nos da sua rixa com Fly Stanton para lhe armarmos uma ratoeira atraindo-o à cidade. E você, interpondo-se ao cumprimento da Lei, suportará as consequências.
Johnny Martin fitou o ranger nos olhos.
— Não acredito. Era impossível prender este homem antes dele disparar contra Stanton. Vocês matá-lo-iam pelas costas.
— Admito que as coisas não saíssem lá muito bem, mas Joe e eu não atiraríamos a matar. Agora entrega--me o seu revólver?
— Não — disse friamente o forasteiro. Olhou para o homem do bigode. — Você, Stanton, sabia da emboscada?
— Sim — murmurou Stanton.
— Embora não tivesse uma probabilidade entre um milhão de disparar antes de Buchanan?
— Confiava neles — Stanton titubeou. — Não podia fazer outra coisa. Buchanan jurara matar-me e era melhor liquidar o assunto desta maneira.
— Não vejo a coisa muito clara.
Johnny voltou pela primeira vez a sua atenção para o chamado Buchanan, que permanecia impassível, inexpressivo, apoiado rigidamente ao «bar». Perguntou-lhe:
— Você é ladrão de gado, Buchanan?
— De facto — confirmou o interpelado, fitando-o nos. olhos.
— Que tem contra Stanton?
— Matou meu irmão. Deu-lhe um tiro pelas costas, quando ele estava sentado a uma mesa jogando o monte.
O rosto de Johnny Martin enrugou-se.
— Isso é verdade?
— Não! — exclamou Stanton, atrapalhado. — Matei-o, mas juro que não foi pelas costas! Juro!
— Porque o matou?
Foi Buchanan quem respondeu:
— A Associação dos Ganadeiros oferecia cem dólares por ele.
— Que fizera ele?
— Roubar cavalos.
Johnny Martin olhou para os dois rangers.
— Este homem diz a verdade?
Os dois rangers ficaram calados. Depois de esperar em vão a resposta deles, Martin acrescentou:
— É seguro, pelo que vi, que Stanton não poderia matar nem um maneta, a não ser pelas costas. Apanhe o seu revólver, Buchanan, ponha-se a andar e boa sorte.
Brilharam os duros olhos do homem do lenço azul.
— Não está a brincar?
— Não — Martin apoiou o dedo. no gatilho. — Ficará preso ao chão com um tiro, aquele que tentar impedi-lo. Ponha-se a andar!
Buchanan não pronunciou mais qualquer palavra. Precipitou-se para o seu revólver que caixa junto à porta, agarrou-o e desapareceu. Dos dois rangers, o que falara primeiro tinha o rosto congestionado e tremiam-lhe os lábios de cólera. Começou a mastigar insultos. Depois ameaçou:
— Isto não ficará assim. Você não sabe o que fez, forasteiro. Talvez quando o souber, seja demasiado tarde para o lamentar.
Johnny Martin encolheu desdenhosamente os ombros.
— Podem apanhar os seus revólveres. Há uma rodada paga. Quem quiser aproveitá-la, está à sua disposição.
— Eu não bebo com bandidos! — replicou o ranger violentamente. — Vamos embora, Joe. Este lugar empesta.
Precedeu o companheiro até ao canto onde estavam as armas. Meteram-nas nos coldres. Não tentaram nada. Johnny Martin parecia não lhes prestar atenção, mas conservava o «Colt» 45 na mão e não o guardou senão depois deles saírem. O pianista tocava novamente. A tensão diminuíra.
O murmúrio da assistência quase abafava a música. Começou a entrar gente, dirigindo a Stanton e ao forasteiro olhares curiosos. O «bar» encheu-se. Johnny Martin bebeu a cerveja e dirigiu a Stanton um sorriso gelado.
— Não continua a beber o seu «whisky»?
O homem do bigode estremeceu.
— Receio que me tenha assentado mal. — disse com fraca voz — Oh! Você está louco, rematadamente louco! Não se pode impunemente desafiar os rangers! Dar-lhe-ão caça como a um animal, até ao fim dos seus dias!
— Isso interessa-lhe?
— Eu odeio-os. Até a mim próprio odeio. Quer saber? É verdade que matei Larry Buchanan pelas costas! Pagaram-me cem dólares por essa cobardia! —Stanton esfregou o queixo com a sua mão trémula. — Agora já não há remédio: Boyde Buchanan matar-me-á. A culpa é sua, mas não o censuro. Será bem empregue a morte num tipo como eu. — Tirou do bolso uma nota amachucada e atirou-a sobre o balcão. — Adeus, forasteiro. Lamento deveras tê-lo conhecido.
Caminhou em linha recta para a porta, inclinado para a frente, como se tivesse recebido uma pancada na nuca e saiu para a rua. Johnny Martin fixou os seus olhos cinzentos no criado que se apressou a retirar a garrafa e o copo e a guardar o dinheiro de Stanton.
— Disseram-me que encontraria aqui uma certa pessoa. Tenho a certeza de que você deve conhecer.
— Certa pessoa? — perguntou o criado respeitosamente-. Não ocultava o nervosismo que lhe causava a proximidade daquele homem. — É possível, senhor.
— É um homem chamado Francis Canopus Hedge. Se o vir, diga-lhe que Johnny Martin está em Paso e que o procura.
O criado titubeou.
— Não... não poderá ser, senhor. Lamento-o, mas não poderá ser.
— Porquê?
— Hedge saiu da cidade a semana passada.
O rosto de Johnny ficou impassível.
— E para aonde foi?
— Não o disse a ninguém. E muitos pagariam para o saber, senhor. Muitos. Quase todos os que se deixaram escamotear do dinheiro por ele. Hedge era um jogador extraordinariamente afortunado.
— A sorte acaba-se algum dia — murmurou Johnny. E voltou-se para ver como tocava o pianista ao fundo da sala.
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