sábado, 25 de dezembro de 2021

BIS067.07 Uma perseguição que parecia eterna

Johnny Martin deixou o quarto às sete da manhã. Quando desceu ao vestíbulo do hotel, o seu aspeto não era tão selvagem como na véspera. Trazia a barba feita, o fato limpo de poeira e as botas reluzentes. Pagara a hospedagem adiantada; de maneira que se limitou a despedir-se com um gesto ao passar em frente ao porteiro. 

Em seguida, levantou-se um homem duma cadeira colocada a um dos lados da porta. 

— Pode conceder-me um minuto, Martin? 

Johnny parou e examinou-o. Falava pausadamente era magro e com ar de escocês. Pareceria um mestre-escola ao domingo se não fosse o revólver. 

— Não o conheço.

— Chamo-me Hughes. Capitão Hughes, do Texas rangers. 

— O que deseja? 

— Falar-lhe. 

Johnny fez um gesto de indiferença. 

— Venha comigo até às cavalariças. Pode fala enquanto selo o meu cavalo. 

Hughes não protestou. Pôs-se a caminhar a seu lado e declarou: 

— Um sujeito chamado Fly Stanton foi morto esta madrugada. 

— Com um tiro pelas costas? 

— Com uma bala na fronte. 

— A outra coisa seria melhor. Era o que merecia. 

— Hum! — resmungou Hughes. — Concordo que Stanton não possuía as qualidades que eu mais aprecio, mas era o que geralmente se entende por um homem honesto. O tiro deu-lho Boyd Buchanan. E este é o que geralmente se entende por um foragido. 

— E que tenho eu com tudo isso? 

— Você protegeu ontem há noite Buchanan. 

Martin entrou na cavalariça e dirigiu-se ao poste onde estavam dependuradas as selas e tirou a sua. 

— Enganaram-no — replicou. — Ontem à noite impedi que se cometesse uma canalhada. Esse Buchanan saiu indiretamente beneficiado, e é tudo. 

— Mas com isso tornou-se responsável de que Buchanan matasse o Stanton. 

— Ainda bem. 

— Johnny Martin, quem é você? 

— Acaba de pronunciar o meu nome. 

— Não fuja à pergunta. Dois dos meus homens, Joe Boston e o sargento Walter, informaram-me do que aconteceu, reclamando medidas enérgicas contra si. No seu relatório havia uma passagem incrível: as condições em que você disparou contra eles e contra Buchanan. Este, é um excelente atirador. Boston e Walter, figuram entre os melhores que tenho sob as minhas ordens e você sabe como tem de atirar um indivíduo para ser alistado nos rangers. Você desarmou-os aos três sem lhes dar tempo a usar os seus revólveres. Todavia, todos se haviam antecipado a si para puxar por eles. Verifiquei este cúmulo. Há muitas testemunhas da cena, e falou-se nela toda a noite.

 Martin colocou a sela no lombo do cavalo. 

— Continue. 

— Um atirador dotado da sua pontaria e rapidez não é desconhecido nesta terra. Mas você é. Passei a noite em claro com Walter e Boston a revistar os ficheiros e todas as queixas contra delinquentes que operam nesta região, e a sua descrição não coincide com nenhum. 

— Nunca cometi qualquer delito. 

— Então esteve ao serviço da Lei, mas eu nunca ouvi falar de si, o que não percebo. 

— Também nunca estive ao serviço da Lei. 

— É impossível. 

Johnny apertou a cilha. 

— Afinal aonde quer chegar? Acabará por me pedir contas do incidente de ontem à noite? 

— Isso é o que ainda não sei -- disse Hughes solenemente. — Você constitui um enigma para mim e vim para o conhecer pessoalmente e com vontade de o decifrar. Tinha a intenção de proceder conforme o juízo que me merecesse. 

— E depois? 

— O enigma ainda não está resolvido. 

Johnny Martin riu secamente, sem alegria, e meteu o pé no estribo, para montar. 

— Um momento — atalhou o capitão. — Ainda não acabei. 

— As suas dúvidas não me interessam. 

Johnny montou agilmente na sela. 

— Tenho pressa e aborrece-me a sua conversa. Se quer prender-me por ter facilitado a fuga. a um quadrilheiro, tente e veremos depois o que acontece. Se não quer, afaste-se para um lado. 

Hughes não se afastou. 

— Terei de acreditar que você saiu da terra, ou que a sua façanha de ontem foi um golpe de sorte. De qualquer maneira, vou fazer-lhe uma proposta e previno-o antecipadamente que lhe convém aceitá-la. 

— Então faça-a depressa. 

— Há um lugar para você nos rangers, Johnny Martin. 

O cavaleiro enrugou a testa. Com o polegar empurrou o chapéu para a nuca. 

— Você fala sério, claro. 

— Falo sempre a sério. Se é realmente o homem que parece, se está em branco no livro de contas com a Justiça, preciso de si. Não lhe ofereço uma vida tranquila, nem um bom ordenado, nem glória, nem honras. Ofereço-lhe entrar para os rangers. É outra coisa. 

Johnny abanou a cabeça negativamente. 

— Pense bem — insistiu o capitão. 

— Nem pensar nisso. Embora em represália você lance contra mim todos os seus acólitos, por esse incidente de ontem, a minha resposta é negativa. 

— Eu não aplicarei represálias. Vá em paz. Mas você é bastante jovem e sumamente perigoso; algum dia essa endiabrada habilidade com o revólver o fará dar um passo em falso. Então, não terei clemência. 

— Estamos de acordo. 

O rosto sereno do capitão exprimia um evidente desgosto. 

— Martin, não seja teimoso. Que o impede de aceitar? 

— Isso é assunto meu. Manterei a minha oferta durante um ano a partir de hoje, desde que você se mantenha deste lado da Lei. Não o esqueça. 

Johnny agarrou nas rédeas. O animal escarvou impaciente. 

— Adeus, capitão Hughes. 

Hughes respondeu com intenção. 

— Até à vista. 

O cavalo saiu da cavalariça a trote curto, que se converteu em galope logo que chegou à rua. O capitão, ficou onde estava, ainda alguns minutos, completamente imóvel, com um olhar vago. Depois, com um gesto de ceticismo, cabisbaixo, com os polegares metidos no cinto, abandonou aquele local. 

Johnny Martin atravessou a povoação a galope, mas refreou o cavalo logo que chegou ao campo. Seguiu a trote largo. Não tinha rumo certo a tomar, de maneira que o deixou à sorte, seguindo para o norte o curso do Rio Grande, o mais próximo possível da sua margem. 

Cavalgou assim cinco horas. 

Ao meio-dia parou num bosque de pinheiros. Levou o, cavalo a beber e prendeu-o num local onde havia bom pasto. Depois despiu-se tomou banho no rio e, sem se vestir, à sombra das árvores, preparou o almoço. Em seguida vestiu-se e estendeu-se a dormir até que passassem as primeiras e quentes horas da tarde. Mas despertou bruscamente. Os seus apurados sentidos preveniram-no de que alguém se aproximava. Tirando o revólver deu um salto e correu a ocultar-se por detrás do mato. Esperou. 

Apareceram dois cavaleiros que se aproximaram, sem hesitação, dó seu acampamento. Um deles trazia atravessada na sela uma «Winchester», embora não revelasse a intenção de a utilizar. Nem ele nem o seu, companheiro procuravam ocultar a sua presença. Johnny não se lembrava de os ter visto alguma vez. Todavia o homem da «Winchester» chamou-o pelo seu nome: 

— Eh! Martin, saia sem receio! Somos amigos! 

— Guarde primeiro a espingarda! O cavaleiro apressou-se a meter a espingarda no arção e ele e o seu companheiro puseram as mãos ao alto. 

— Vimos da parte de Boyd Buchanan — declarou o primeiro. — Conhece Boyd Buchanan? 

Johnny saiu detrás do mato. 

— Que deseja? — perguntou. 

— Falar-lhe. 

O capitão Hughes respondera o mesmo à sua pergunta: «Falar-lhe». A gente de Paso parecia ser muito loquaz. 

— Não tenho nada com Buchanan. Falar seria perder tempo e gastar saliva em vão. Digam-lhe isto mesmo. 

— Não é preciso — disse uma terceira voz. 

Johnny voltou-se rapidamente. O homem do lenço azul, a pé, com as mãos cruzadas nas costas e ar aborrecido, surgira no meio das árvores. Ao aproximar-se, acrescentou: 

— Ponham-se a andar. 

Parou na frente de Martin, enquanto os dois cavaleiros se afastavam. 

— Sobre perder tempo e gastar saliva há opiniões, sabe você? Dei-me ao trabalho de o seguir desde Paso, para que não suponha que fez um favor a um desagradecido. Tenho para consigo a maior dívida do mundo. Consigo, um desconhecido, um homem a quem via pela primeira vez. Venho agradecer-lhe e dizer-lhe que eu, Boyd Buchanan, não esqueço as coisas. 

— Não me deve nada. O que fiz não foi por si. Tê-lo-ia feito por qualquer outro que se encontrasse naquela situação. 

— Já sei. E isso é justamente o que mais me agrada. 

Johnny examinou o homem com mais atenção. 

— Todavia, não hesitou em pregar um tiro esta madrugada em Fly Stanton, fazendo-me responsável por essa morte, que se teria ev4tado se eu deixo ontem seguir o curso normal dos acontecimentos. Bonito agradecimento! 

Buchanan desatou a rir. 

— E preocupa-o muito essa responsabilidade? 

— Isso é outro caso. Para os rangers o culpado indireto da morte de Stanton sou eu, e eles não largam a presa. 

Buchanan continuava a rir. 

— Os rangers! Um tipo como você tem consideração pelos rangers! Quem raio é você Johnny Martin? O diabo em pessoa? 

— Não diga tolices. 

— Não são tolices. Sei que o próprio capitão foi ao seu hotel esta manhã e não se atreveu a subir ao seu quarto, nem a prendê-lo, nem nada. Como atrever--se depois do que você fez ontem à noite? Que remédio tinha ele senão deixá-lo seguir em paz? Os rangers! Não há um homem no Texas capaz de desarmar esses cachorros do Walter e Boston, e a mim, sacando o revólver depois de nós sem nos dar tempo a disparar, e sem nos causar a menor arranhadura! Somente o diabo o faria! 

— Ou eu. 

— Bom. E quem é você? Onde esteve até agora? 

— Não se meta nos meus assuntos, Buchanan. 

— Eh! Espere. Espere... 

O quadrilheiro ergueu as mãos no ar, e prosseguiu: 

— Não tome isto a mal. Ouça. Eu não sou dos que agradecem as coisas com palavras. Peça-me o que quiser e, desde que esteja ao meu alcance, tenha-o como seu. Conte comigo até à morte. Olhe para mim, Martin! Roubei gado e voltarei a roubá-lo, mas nunca falo em vão, nem sou fanfarrão nem mentiroso. 

— Obrigado. 

Buchanan adotou uma expressão pensativa. 

— Quer vir comigo, Martin? 

— Para onde? 

— Para o Kansas. Liquidei a última conta que tinha no Texas e sou livre. Sei de alguém que em Abilene me receberá de braços abertos. Precisa de homens resolutos e que deem bem ao gatilho para montar um negócio em grande. Você faria connosco uma grande carreira, garanto-lhe. Falar-se-ia mais de você que de Jim-mie Ringo ou de Jesse James. É a sua grande oportunidade. 

— De que lado da Lei está esse negócio? 

— Não brinque. Do lado de fora, suponha. 

Johnny Martin sacudiu lentamente a cabeça. 

— Sinto-o, Buchanan. 

— Escrúpulos? 

— Não. Ouça uma coisa: Hughes não verso ter comigo esta manhã para me prender nem para me censurar o que fiz ontem à noite, mas para me convidar a ingressar nos rangers. Era também a minha grande oportunidade e do lado de dentro da Lei. Mas recusei. Porquê? Porque não liquidei a minha última conta nem sou livre. 

Fez-se um silêncio entre ambos. 

— Posso perguntar-lhe novamente quem é e donde vem? — disse Buchanan. 

— Sou Johnny Martin. Vivi dois anos completamente só nos confins do território índio. Durante estes dois anos gastei dez mil cartuchos de revólver. As balas dos últimos três mil, com exceção de sete, acertaram no alvo. E essas sete faziam parte de quinhentas que disparei de costas. Até conseguir isto, não dei por finda a minha aprendizagem. 

Buchanan ficou por uns momentos de boca aberta. 

— Quer dizer que passou dois anos dedicado unicamente ao manejo do revólver? 

— Sim. 

— Para quê? 

— Para ter a certeza de matar um homem. 

— Nunca ouvi nada parecido. — O quadrilheiro estava realmente assombrado. — Não queria estar nas botas desse homem, por nenhum preço. Creio que antes queria a cadeia que tê-lo a você por inimigo. Que lhe fez ele? 

— A mim pessoalmente, isto. 

Martin puxou o chapéu para trás. e mostrou uma cicatriz que começava na fronte e corria ao longo do parietal. 

— Mais nada? 

— Matou meu irmão e roubou-nos a ambos. 

Buchanan respirou profundamente. 

— Oh! Agora compreendo que ontem à noite tomasse tão grande interesse! Bem, Martin, se não tem inconveniente em apertar a mão a um ladrão de gado, aqui tem a minha. Como se chama o seu homem? 

Johnny apertou-lhe a mão. 

— Francis Canopus Hedge. 

— Favor por favor. Se algum dia se apresentar a ocasião de o ajudar a saldar a sua dívida, quero saber quem a há de pagar. Eu conheci esse Hedge. Aonde? Estava em Passo. Partiu a semana passada para Santo António. 

— Quem lhe disse que ele ia para Santo António?' 

— Ele mesmo. 

— Quando? 

— Viajámos junto alguns quilómetros na mesma diligência. 

Johnny Martin olhou o quadrilheiro no fundo dos olhos. Não mentia. 

— Já me ajudou a liquidar a minha conta, Buchanan. Considere que estamos pagos. 

Buchanan sorriu. 

— Isto é apenas o princípio — replicou. 

Naquela mesma tarde, Johnny Martin retomou a sua marcha. Voltou para trás, seguindo agora o curso do sul do Rio Grande. Evitou atravessar a povoação de Paso e prosseguiu a sua viagem durante os dias seguintes até à Serra Branca. Ali, vendeu o cavalo e esperou a diligência. 

Quando chegou a Santo António, Hedge já tinha partido. Foi atrás dele até Austin, depois Fort Worth, Dallas e Texarkana sem conseguir alcançá-lo, embora estivesse cada vez mais perto dele. 

Em Liitle Rock, Arkansas, perdeu-lhe a pista, e só voltou a encontrá-la três meses depois, em Memphis. Era uma pista já antiga. Seguiu-a subindo o Mississipi até São Luís. Aí, perdeu-a novamente. 

Uma vaga pista conduziu-o de comboio a Topeka e mais tarde, numa série de intermináveis e desesperantes viagens através da planície, cidades mineiras das Rochosas e finalmente a Santa Fé. A perseguição parecia eterna, mas Johnny Martin sabia que acabaria. E também sabia de que maneira. 


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