domingo, 11 de julho de 2021

BIS088.09 O velho capataz como isco

Os passos de um homem no corredor puseram em guarda o pistoleiro que, instintivamente, levou a mão ao seu «seis tiros».

O quarto estava completamente envolto na escuridão. Notou que os passos se detinham. diante da porta e que a mão da pessoa que ali tinha chegado a empurrava para penetrar no interior do aposenta. Depois acendeu-se um fósforo e o candeeiro de petróleo inundou de luz o aposento.

— Olá, Jules! — exclamou o foragido, saudando-o.

O taberneiro voltou-se surpreendido, mas no mesmo momento as suas feições suavizaram-se e avançou para o cadeirão que era ocupado por Bob McCoy e estendeu--lhe a mão dizendo:

— Estimo muito ver-te, Bob. Por onde entraste?

— Por acaso não tem o teu estabelecimento outra porta nas traseiras?

-- Poucas vezes fica aberta. Devo ter-me descuidado. Que fazes aqui? Procuram-te por toda a parte, sabes?

—A mim?

— A Bob McCoy.

—E quem tem tanto interesse pela minha vida, Perkins?

— Deves conhecê-los de sobra: Jim Wells e alguns outros homens, em quem nunca ouvi falar. Esse Jim Wells é, por acaso, irmão de Buck?

—Sim, mas eu não vim aqui por estar interessado na vida e nos milagres desses criminosos. Há vários dias que Bradley está ausente do rancho de Nancy McCoy. Podes dizer-me algo a seu respeito?

—Bradley esteve aqui, mas partiu há algum tempo. Não regressou ainda?

— Se tivesse voltado para o nosso lado eu não teria vindo esta noite a Dayton nem te teria feito esta visita. Tu conheces toda a gente aqui e, geralmente, as pessoas param muito na tua taberna, talvez porque além de ser bem fornecida é também a mais central da povoação. Não descobriste nada de especial?

— Fora as vezes que têm perguntado por ti, não.

— Não sabes para onde pode ter-se encaminhado Bradley?

— Não, não sei. Nem tão-pouco dei conta de que o tenham seguido. Veio aqui no momento em que ten-cionava dirigir-se para o rancho, depois de ter feito algumas compras. Disse-me que estava hospedado no Hotel Doane, no fim da rua. É possível que lá possam dizer-te algo mais.

Ficou algum tempo silencioso e depois acrescentou:

— Pode ser que Bradley tenha cometido alguma estupidez, Bob. Não deixou de falar mal de Buck Wells e dos seus pistoleiros desde o momento em que ocorreu a morte de Clark McCoy. Isso demonstra que se comprometeu demasiado até ao ponto de que Gregory Croak o teria matado naquela noite se não tivesse sido salvo por ti. O que aqui fizeste causou repercussão. Procuram-te para te liquidarem, compreendes? E se tivesses dois dedos de inteligência, partirias da mesma maneira que chegaste.

—Todos me dizem que fuja, que parta. Também Nancy McCoy me insinuou o mesmo.

— Porque sabemos que é impossível o que Bradley me disse. Tu és rápido com as armas, és valente. Mas Buck tem do seu lado homens que não voltam a cara a nada, homens que te matarão. É uma loucura o que pretendes, rapaz.

— Era essa a opinião do velho capataz?

— Dele não. Ele dizia que tu conseguirias arranjar coisas à tua maneira, mas eficazmente. Discutimos a esse respeito e tentei tirar-lhe da cabeça essas ideias. Ele é cabeçudo como um burro e até proferiu um desafio em voz alta. Tem demasiada fé em ti, talvez porque uma vez conseguiste livrá-lo da morte.

— Não é isso. Bradley lutou na fronteira durante muitos anos. É um homem que não volta atrás quando uma ideia se lhe mete na moleirinha. Tem os seus pontos de vista e sabe apoiar-se na sua própria experiência. Disse que venceremos os bandidos e eu também o creio.

— Muitas pessoas inocentes pagarão com a vida, Bob. Buck Wells é uma fera, um bandido. que não recua diante de nada nem de ninguém.

—Uma bala bem dirigida cura essa doença, mas não houve ainda ninguém capaz de ministrar-lhe o remédio e é isso o que eu pretendo fazer. Matei dois dos irmãos Wells, corno te disse, em Glendale City. Podia ter liquidado também esse Jim, se se tivesse posto em fila com os outros, mas julgou que os seus irmãos, Sandy e Cliff, eram suficientemente rápidos e valentes para ajustarem as contas comigo. Eu não os temo. Tenho um acordo com a minha prima segundo qual cobrarei no fim das contas 25.000 dólares e a metade do gado que restar. Nunca encontrarei uma oportunidade como esta de me estabelecer e este género de vida. Agora não posso retroceder, compreendes, Jules?

— Então irei ao teu enterro, rapaz.

Bob levantou-se. Bateu alegremente no ombro do taberneiro e disse:

— Vou até ao Hotel Doane. Talvez lá possam dizer-me alguma coisa a respeito do paradeiro de Bradley.

—Tem cuidado. Não te fies demasiado nas pessoas.

— Até à vista!

Bob saiu para a rua, utilizando o mesmo caminho que usara para entrar no escritório de Perkins. Caminhou cosido com as casas, pela rua abaixo, para se deter depois uns breves instantes à porta do Hotel Doane e entrar. Doane, o dono do hotel, era um tipo de uns cinquenta anos de idade, baixinho e rechonchudo, de rosto alegre e gestos servis. Recebeu o pistoleiro com a amabilidade que nele era costume e conduziu-o até ao restaurante, solitário naquele momento, onde se sentaram. Às perguntas de Bob, Doane respondeu sem vacilar:

— Bradley é amigo da casa. Veio aqui e pernoitou, como é seu hábito sempre que visita a cidade. Disse-me que partia para o rancho e não voltei a vê-lo de novo. Julga que lhe tenha acontecido alguma desgraça?

— É isso precisamente o que pretendo averiguar.

— Eu não posso dar-lhe mais, notícias dele, embora gostasse de o fazer.

— Vive aqui há muitos anos, não é verdade? -- perguntou Bob de repente.

— Muitos. Quase me não recordo bem de quando me estabeleci.

—Pelo que vejo os bandidos nunca se metem consigo nem com o seu negócio.

— Talvez seja devido ao modo como eu entendo a política. Nunca me inclinei por nenhum partido.

— Compreendo. Nunca se pôs ao lado da Lei nem contra ela, não é verdade?

— Nós, os que temos de viver do povo, temos de fazer este género de vida. Tanto vai à minha loja de alfaias agrícolas um homem honrado, como visita o meu hotel um foragido que vem dormir ou passar alguns dias. A moeda de ambos é a mesma e eu apenas olho para o meu negócio. Mas... a que propósito vêm essas perguntas?

— Desculpe-me por me ter afastado do meu caminho e lamento que não possa dizer-me mais nada a respeito do meu amigo Bradley. Tratarei de o procurar em qualquer outra parte.

Despediu-se de Doane. Intimamente, Bob pensava aquele sujeito era um oportunista, mas um oportunista mal-intencionado. Não sabia por que razão pensava dele do modo que estava fazendo. Talvez por esse fino sentido de pistoleiro nato, acostumado a ver o perigo antes que ele se declarasse. Olhou duas vezes para a porta do hotel antes de desaparecer da sua frente, mas não descobriu nada de anormal. Depois caminhou até ao fim da rua. Já passava da meia-noite e o ar fresco que vinha da montanha fê-lo estremecer. A escuridão era quase completa.

-Chegou junto do cavalo. Aquelas duas horas de permanência em Dayton talvez servissem para que o animal recobrasse em parte as suas energias perdidas. Montou-o e avançou vagarosamente pelo esbranquiçado caminho, no meio de um completo silêncio.

Assim caminhou, sem modificar nem o passo nem a rota, com a espingarda sobre as pernas, pelo espaço de algumas milhas. O terreno era agora liso como a palma da mão, arenoso e deserto. Algumas manchas escuras sobre o branco da areia faziam notar a presença de plantas espinhosas, algumas semelhantes a homens imóveis e inclinadas para um ou outro lado.

Estava tão absorto nos seus pensamentos que não reparou, a uma distância de várias centenas de jardas, num grupo de cavaleiros que, através do branco terreno arenoso, seguiam na direção do caminho que conduzia à vertente montanhosa.

Fervilhava-lhe no cérebro a ideia do que iria dizei a Nancy sobre o seu fracassado intento de encontrar Bradley. Não tinha dúvida alguma de que o velho capataz passava um mau bocado, se é que não o tinham assassinado. Porque por nada deste mundo Bradley teria cometido a estupidez de se ausentar por um tão largo período do rancho e da companhia de Nancy McCoy.

Esta lembrança e a pressa de encontrar alguma solução ou de empreender um plano de ação incitou o pistoleiro a esporear o cavalo. A lua cheia, que aparecia por detrás dos cones rochosos das montanhas, iluminou a paisagem.

Bob agradeceu ao astro noturno esta oportunidade que lhe dava para ganhar tampo na sua corrida. Breve deixou para trás o terreno plano começou a adiantar-se pelas primeiras ondulações da montanha. As milhas a percorrer até ao ponto do destino eram muitas, mas contava lá estar antes que o dia despontasse.

Atravessou uma profunda vereda. Ouvia as papeadas secas dos cascos do cavalo e nenhum outro rumor que pudesse denunciar-lhe a presença de um estranho. Subiu por um carreiro e alcançou o desfiladeiro próximo para, no fim deste, caminhar já em pleno coração da cordilheira.

Notou que o caminho fazia uma curva, ficando para a esquerda a profundeza de um barranco e para a direita a formidável parede rochosa. Aquela curva prolongava-se pelo espaço de mais de quinhentas jardas, para atingir a crista da primeira serra, da qual podia observar-se uma parte do vale da «ganadaria» de McCoy.

Aquelas paragens eram tão solitárias e agrestes que chegavam a intimidar. Não obstante, Bob estava acostumado a tudo isto. Tinha vivido na companhia de homens destemidos e sem escrúpulos durante a maior parte da sua vida, desde que teve uso da razão, e conhecia-os como conhecia os sombrios lugares das montanhas do Arizona e de outros territórios americanos.

No entanto, desta vez caminhava alerta. Havia no seu íntimo qualquer coisa que parecia indicar-lhe que tivesse atenção e permanente cuidado. Mas acabou por se rir, admirado da sua própria parvoíce. Os homens dos Wells deviam encontrar-se muito longe daqueles caminhos. Talvez que alguns do bando tivessem feito uma visita ao vale das pastagens e até talvez fosse possível que boa parte do gado da sua prima Nancy caminhasse agora para outros rumos, procurando o caminho de um importante mercado. Se era assim, as suas possibilidades de cobrar uma boa maquia esfumavam-se. Sorriu a esta ideia.

De repente, o cavalo relinchou e caracoleou no caminho. Bob apaziguou-o acariciando-lhe o pescoço e continuou o percurso. Mas ao dobrar a volta do caminho, uma voz que provinha do meio dos rochedos e lhe era dirigida, soou forte:

— Alto!

McCoy puxou bruscamente as rédeas do cavalo.

— Quieto! — gritou outra voz nas suas costas.

Aquela última assegurou-o de que estava cercado. Por isso o primeiro impulso que teve de se atirar ao chão e de disparar contra quem tentava cortar-lhe o passo, extinguiu-se.

Quedou-se imóvel, com o rosto cravado na silhueta de um homem que, com a espingarda em riste, lha apontava ao corpo. A arma brilhava ao ser manejada com destreza pelo indivíduo que o ameaçava. Depois ouviu passos atrás de si e de novo a primeira voz, que ordenava:

— Desarma-o Jack.

Bob voltou a cabeça. Quase não viu as mãos que se estenderam para ele e que o puxaram com força derrubando-o. Outros se aproximaram com presteza e num ai as cordas de um laço lhe impossibilitaram todo qualquer movimento.

— Agora vamos ajustar as nossas contas — exclamou a mesma voz de antes.

McCoy olhou para o homem. À luz da lua as feições rudes de Gregory Croak recortaram-se. Os seus olhos brilhavam com a alegria de quem venceu, mas não com uma vitória sobre uma presa fácil. A sua rapidez em disparar, aquele simulacro maravilhoso que levou a cabo na taberna de Perkins, deviam ter sido um incentivo importante para que Croak tomasse as suas medidas. Mas como era possível que ele tivesse sabido da sua presença em Dayton City? Nesse momento, porém, uma imprecação brotou dos seus lábios e um nome lhe veio à memória: Doane. Aquele velhaco do hoteleiro devia tê-lo denunciado a Croak.

Olhou para todos os que o rodeavam. Apenas conhecia Jack e Gregory. Os restantes deviam fazer parte do bando de Buck Wells, posto que nunca os tivesse visto na sua presença.

— Buck e Jim ficarão muito contentes — disse Croak, roucamente. — Demonstrei-lhes que não era tão difícil deitar-te a luva.

— Trabalhas por conta de Jim Wells?

— Ofereceu-me mil dólares se te apanhasse. E alegro-me por tê-los ganho.

Bob ficou silencioso. Os bandidos tinham trazido os cavalos para junto dele. Contou-os, concluindo, que eram cerca de meia dúzia e que estavam devidamente armados.

— Jim sempre foi um cobarde — disse como que obedecendo a uma repentina ideia. --Sempre se serviu do manejo dos outros para conseguir os seus fins. Por que razão não veio ele procurar-me, como o fizeram os seus irmãos?

— Segundo nos contou, o assunto não merece ser tratado agora. Ele não deseja matar-te a tiro, compreendes? Pesa sobre ti a morte de Cliff, e Sandy. Sabemos que liquidaste várias dos nossos junto do rancho de McCoy. Como o conseguiste, ignoramo-lo.

— Terei muito gosto. em contá-lo a Jim, visto que espero que me leves até ele.

— Tenho instruções para te enforcar, compreendes

— Então fá-lo já, se te agradar, Gregory.

— Não. É mais interessante que conheças Buck e que Jim te faça o que quiser. Nós trabalhamos para ganhar e não para te liquidar, visto que o combinado foi entregar-te vivo. Morto se resistisses e a captura fosse difícil. Como vês tudo se passou do modo mais fácil do mundo.

— Graças a Doane, não é verdade?

— Recebe a sua parte no trabalho. Como sabes que foi ele?

— Não precisei mais que observar uma vez um canalha para ficar com uma ideia do que ele é capaz, e Doane é um velhaco dos grandes.

Gregory não replicou. Dirigindo-se aos seus homens, ordenou:

—Atem-no ao cavalo e passem-lhe uma corda pelas mãos e pelos pés, por debaixo do ventre do animal. Tu encarrega-te dele de modo que não possa escapulir-se, Jack, e prega-lhe um tiro se te vires comprometido.

— Para onde vamos agora? — perguntou-lhe Bob —Tu, esse e eu, vamos ter com os Wells. Vós outros, rapazes, para Dayton. É possível que tenham de fazer qualquer coisa a asse taberneiro.

—Perkins está completamente inocente -- atreveu Bob a dizer.

— Já sabemos. Um comparsa desse maldito capataz dos McCoy.

— Um comparsa de Bradley?

--Sim. Mas já não será preciso que o ajude nos seus manejos.

Esta resposta deixou em suspenso o pistoleiro. No entanto, embora a sua pergunta corresse o risco de não obter resposta, disse:

— Que é feito de Bradley?

— Até que enfim! — respondeu o foragido falando aos outros. E depois dirigindo-se a Bob. — Doane disse-me que tinhas ido à cidade buscá-lo. Recordam-se de que vos disse que o velho capataz seria o isco, rapazes?

Bob McCoy picou o anzol.

— O que é que fizeram a Bradley — perguntou, com energia.

— Creio que não deves preocupar-te com ele.

— Porque não lhe dizes, Croak? — interveio Jack. — Afinal, talvez tenhas razão. Mais vale que o saiba por nós, antes que Jim o pendure.

Olhou cara a cara para o pistoleiro. Bob dissimulava perfeitamente o seu estado de espírito, não deixando transparecer no rosto a ira que o dominava.

— Bradley pagou aquela ajuda que lhe deste em Dayton City, mais concretamente, na taberna de Perkins. Enforcámo-lo há já algumas horas segundo as ordens de Buck Wells.

McCoy emudeceu. Os dentes rangeram-lhe e as feições contraíram-se-lhe. Mas nenhum destes sintomas de ira foram notados pelos seus inimigos. Respirou profundamente. Depois, dando à voz um tom menos duro, respondeu:

— Mataram o homem mais honrado destas terras e isso paga-se com a forca, Gregory Croak. Liquidaram um verdadeiro vaqueiro. Isto diz-lhes um homem que, como vocês, é um pistoleiro. Bradley nunca lhes fez mal, nunca representaria para vocês um perigo, parque, era bom e porque os seus muitos anos o impediam de enfrentar com as armas os ladrões de gado.

— Quando a Lei voltar aqui, terão de prestar contas do que lhe fizeram.

— Parece que o sentiste muito, McCoy — respondeu o foragido.

— Era meu amigo.

— Então não deves preocupar-te, porque dentro em pouco te reunirás a ele.

Lançou uma gargalhada sarcástica e Bob não replicou. Jack e dois dos seus companheiros ataram-no à sela do cavalo, passando a corda por debaixo do ventre deste.

Muitas vezes, noutros momentos da sua vida, McCoy tinha pensado no que aconteceria se alguém o atasse daquela maneira, e muitas vezes, dominado talvez por esta ideia, tinha idealizado a melhor maneira para que as cordas, ao comprimirem-lhe os pulsos, ficassem algo frouxas. Aprendeu a contrair os pulsos com este objetivo. Era doloroso suportar o roçar do cânhamo sobre a pele, mas aguentou estoicamente o «suplício». Tinha-o visto fazer a um índio, cinco ou seis anos antes, e o resultado disto foi a libertação daquele homem numa altura em que os seus inimigos julgavam tê-lo seguro.

No entanto, Jack tinha apertado demasiado. Ouviu, enquanto estava dominado por estes pensamentos, a voz rouca de Gregory Croak, que ordenava:

— Voltem à povoação e digam a Doane que tudo correu bem. Reunimo-nos convosco amanhã.

Os quatros cavaleiros afastaram-se, sem trocar com o lugar-tenente de Buck Wells uma única palavra.

Gregory e Jack iniciaram a marcha, em silêncio, seguindo pelo estreito caminho, guiando os cavalos com a mão de mestre. O pó que estes levantavam do solo com os cascos asfixiava o pistoleiro prisioneiro. Mas Bob não parecia sentir incómodo.

As suas mãos moviam-se no meio do laço de corda frouxa. Pelo espaço de muito tempo os animais caminharam a passo. McCoy continuava atarefado no seu trabalho do soltar os pulsos. Tinha conseguido tirar quase por completo uma mão e lutava para pôr em liberdade a outra, presa por debaixo do ventre do animal às botas, fortemente atadas, que trazia calçadas.

Fazia-o quase inconscientemente, enquanto os seus pensamentos se concentravam na morte de Bradley. Aquele homem honrado, de grandes sentimentos humanos, tinha caído da maneira mais mísera e cobarde que se pode assassinar um homem. Nancy ia ter um desgosto terrível quando soubesse a verdade. Não apenas pelo que para ela significavam o apoio, o carinho daquele velho vaqueiro, que havia muitos anos pertencia ao rancho dos McCoy, mas ainda porque ele era a sua sombra protetora.

Agora estava só no mundo, em frente dos terríveis perigos que resultavam daquele bando de assassinos disposto a tudo para conseguir os seus fins.

Tinham-no eliminado de uma maneira rápida e parecida àquela com que tinham afastado do meio o único criador de gado que ofereceu resistência a abandonar a região por sua própria vontade. Ao pensar sobre tudo isto, os sentimentos do pistoleiro a respeito da rapariga suavizaram-se bastante.

Esqueceu por momentos que era um homem ultrajado, um homem que, ainda garoto, tinha sido expulso daquele rancho pela sua tendência para o jogo, para a bebida e para o manejo das armas. Eles, os seus parentes, tinham tido muita culpa do que se tinha passado depois.

Ali, como tantas vezes Bradley tinha prognosticado, teria ele sido um vaqueiro honrado e trabalhador. Em troca não tinha no seu ativo senão questões e um conjunto de delitos puníveis pela Lei, terrores dos inimigos criados pelas suas ações de banditismo durante todo aquele tempo.

Nunca como no momento presente desejara tanto o foragido ter um lar próprio, ser um homem livre e contar com uma esposa e filhos que lhe tornassem a vida mais agradável e contente e o levassem! a lutar por um ideal na vida.

Mordeu os lábios com despeito. Nunca, lhe tinha agradado, até mesmo sendo um pistoleiro, o procedimento seguido pelos homens da fronteira para eliminar os seus inimigos; nunca se tinha metido em semelhantes questões, mesmo quando pertencia à quadrilha dos irmãos de Wells. E foi por causa de um desses factos que os enfrentou numa luta de morte.

Voltou a lutar com raiva contra as cordas. Era preciso soltar-se, ter liberdade de movimentos para poder combater tantos inimigos emboscados. Duas razões importantes o impeliam a fazê-lo: impor-se à prima pelas suas qualidades de trabalho e eliminar aqueles que não descansariam nunca até o terem caçado. Conseguiu que a mão esquerda ficasse totalmente livre da corda. A direita também estava livre, mas ainda lhe restavam os pés e a estes não os alcançaria se não se lançasse ao solo de repente. Bob considerou isto tão difícil que nem se mexeu.

Os seus músculos permaneciam imóveis, enquanto o ouvido prestava a máxima atenção. O seu cérebro trabalhava com toda a rapidez procurando a ideia salvadora. Num breve espaço de tempo fez o resumo do que mais lhe convinha. Para vencê-los' a todos era preciso que a rapidez que possuía com as armas de fogo se acentuasse, que todo o escrúpulo desaparecesse de uma vez, dando lugar à ferocidade inata de um homem selvagem da fronteira.

Mentalmente jurou que seria terrível. Daria motivos suficientes para que a sua prima se horrorizasse dele, para que os seus inimigos tremessem só de o mencionar Só assim conseguiria não cair como tinha caído o seu tio, como havia caído o pobre Bradley.

Ouviu a voz dos bandidos, dirigindo-se ao outro. Estavam a falar do caminho que mais lhes interessava seguir, para encurtar a distância que os separava do acampamento da quadrilha.

Bob não se mexeu. Ter-lhe-ia sido fácil lançar-se ao solo, rodar pelo talude do caminho e perder-se entre os matagais, com tempo suficiente para se esconder, antes que uma bala o alcançasse. Mas queria seguir até ao fim. Queria, a todo o custo descobrir de qualquer modo o acampamento dos Wells e poder atacá-los ali, quando se lhe proporcionasse, o ensejo. Até esse momento Jack e Gregory estariam a salvo do seu ataque, se é que não descobrissem a sua manobra.

— Jim ficará satisfeito — tinha dito Gregory Croak. — Foi um trabalho perfeito, Jack. 

— És um materialista. Acaso não te agrada ter vencido o homem que soube liquidar dois dos Wells em luta frente a frente?

— Para ser sincero pouco me imparia disso. Não penso viver à custa da fama que nos dê esse trabalho. Interessa-me mais os dólares, compreendes? Depois veremos o que se há de fazer. Continuas a pensar sair daqui?

— Talvez.

— Eu não. Ao lado de Buck Wells posso tornar-me rico depressa. Só o rancho dos McCoy se opôs sempre ao nosso domínio e esse rancho cedo deixará de existir. Segundo ouvi dizer a Jim, ele pedirá a seu irmão que lhe dê carta branca no assunto. Esse, sim, não se deterá em contemplações.

— Por esta razão agrada-se mais ficar ao lado dos Wells. Há momentos em que até uma bala amiga pode derrubar-nos, mesmo que essa amizade nos pareça a mais sincera. Eu vou-me. Tu podes fazer o que te agradar.

Calaram-se e continuaram a caminhar. A luz pálida da lua iluminava completamente a paisagem, deixando antever os obstáculos a uma distância razoável. Bob, apesar da sua posição incómoda, podia apreciar todos os pormenores do terreno, bastante lisonjeiros para uma possível fuga. Aqueles homens não eram peritos no manejo do revólver. Contava que a noite lhe permitisse enganá-los e mesmo atacá-los quando mais descansados e tranquilos se encontrassem.

Desceram quase toda a vertente montanhosa. Um cheiro penetrante a resina indicou ao pistoleiro que atravessavam um dos grandes bosques da região. Julgava tê-lo bordejado em parte, quando se encaminhava para Dayton City, e pensou na distância que os separava naquele momento do rancho de McCoy. Compreendeu que o amanhecer chegaria antes que tivessem terminado a viagem.

Os cavalos mostravam-se cansados, mas era natural que resistissem, a continuarem naquela marcha lenta, ao resto das milhas que faltavam ainda por percorrer. Só os homens se mostravam mal-humorados pela falta de «whisky» e de comida.

Meia hora mais tarde, fizeram alto para descansar. Os dois bandidos sentados num penhasco, junto às árvores, falavam alegremente, enquanto seguravam com as mãos as rédeas dos cavalos. Jack, de repente, dirigindo-se a Bob, disse:

— Dentro de quatro ou cinca milhas, em linhas recta, teremos chegado ao ponto do destino, McCoy. Não sentes medo?

McCoy não replicou. Permanecia com a cabeça encolhida, o rosto quase apoiado contra o corpo do cavalo, pendente da sela, ao mesmo tempo que com força agarrava a corda solta entre as mãos. Assim, nenhum dos dois rufiões dava conta de que o seu inimigo, aquele mortal adversário que Jim Wells lhes descrevera, podia escapar-se-lhes de um momento para o outro.

— Será um momento emocionante — disse Croak com velhacaria — quando Jim Wells te deite as mãos ao pescoço.

— Ou quando Buck, pela sua própria mão, lhe aperte o baraço — acrescentou Jack, jocosamente. -- Não sabes com quanto afinco te aguardam, Bob McCoy.

Desta vez o prisioneiro fez um esforço e levantou o rosto, contemplando com dureza os dois homens. Teria lançado contra eles uma chuva de insultos, mas absteve-se, receoso de que a qualquer dos dois ocorresse deitar uma vista de olhos pelas cordas, para estarem seguros da sua presa.

—Vimos bailar o Bradley, durante alguns minutos — voltou Croak a dizer. — O velho parecia ter sete vidas, como os gatos. Esperneava como um jovem de vinte anos, resistindo a deixar sair a alma pela boca fora. Gostava que o tivesse vista, McCoy.

— Ele próprio poderá repetir esse momento — sentenciou Jack. — Porque os irmãos Wells não quererão perder o prazer de ver esse canalha pendurado de uma corda, umas polegadas acima do solo. — Será o mais de acordo com os desejos de vingança que os anima. Depois, quando o tivermos atirado a um barranco para que os abutres tenham um festim com os seus pútridos restos, Jim quer fazer uma visita a essa rapariga de quem toda a gente gaba a formosura.

—E que bela que é, Croak. Nunca a viste?

— Uma vez e não de muito perto. Ia então com a coruja do papá, a quem a espingarda do Buck mandou desta para melhor. Mas sei que é muito bonita.

—Encantadora! Não tens pena de a deixares abandonada, Bob? O seu rancho, o seu gado e ela própria serão para os Wells. Nós apenas cobraremos uma boa parte desse negócio. Mas eles...!

Largou uma ruidosa gargalhada.

Bob encolheu a cabeça. O seu espírito trabalhava com a rapidez necessária para poder dar conta do momento importante que estava a ponto de chegar. Não se moveu, não fez nenhum gesto. Ouvia as frases, repletas de despeito, de troça e de escárnio, daqueles dois sabujos do bando e, mentalmente, amaldiçoava-os com todas as forças da sua alma.

Nancy era formosa, bonita como nenhuma outra mulher daquela região do Oeste. Condenada aos braços de Jim, o seu pior inimigo, isso, importava para ela uma morte lenta, uma morte horrível.

Rangeu os dentes. Jack tinha-se levantado e Croak fazia o mesmo, caminhando juntos alguns passos para o cavalo em que se encontrava atado o seu inimigo. A mão direita de Jack agarrou o pistoleiro pelo seu encrespado cabelo e puxou com força, obrigando-o a levantar a rosto.

— Que pena que tenhamos de te entregar, McCoy. Teria sido muito mais interessante deixar-te no caminho, pendurado de um ramo, como a esse maldito velho. Mas as coisas têm de se aceitar como são. És uma boa presa para os Wells! Nunca na minha vida conheci um pistoleiro mais inorente (1) da que tu, não é verdade, Croak?

— Uma damisela (2) a seu lado é um ciclone. No entanto, bem sabes que esteve a ponto de nos liquidar.

— Por isso tenho pena de não ser eu próprio a linchá-lo. E se o fizéssemos? Diríamos depois ao Jim que ele tentou fugir. Nós ganharíamos o mesmo, não achas?

— Jim pagava-nos menos.

— Podem-se perder esses dólares só pelo prazer de o liquidar. Repara corno eu o faria.

Tirou o revólver e apontou para a cabeça de McCoy. Gregory Croak desviou-lhe a arma com uma pancada na mão. E, de repente, Jack viu-se agarrado pelo corpo, atirado ao chão como um espantalho, e despojado do seu «Colt», que tentava esgrimir contra o prisioneiro.

(1)    e (2) – palavras constantes da edição portuguesa sem correspondência ortográfica válida. Preferimos mantê-las tal como estavam.

 

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