segunda-feira, 5 de julho de 2021

BIS088.03 Regeneração anunciada numa carta com letra de mulher

McCoy refletiu sobre a Vida de um pistoleiro, de qualquer um, mesmo que os seus conhecimentos sobre armas não fossem muito completos. Era difícil voltar para trás, viver como um lobo solitário, até que uma bala, de frente ou pelas costas, acabasse com ele. Parecia sentir no coração desejos de regressar, de esquecer tudo o que até ali tinha sido, de empreender uma nova vida, honesta e honrada. Mas isso era tão difícil como querer agarrar a lua com as mãos.

O seu nome era bastante conhecido na fronteira de muitos territórios da União e a sua presença sempre se via perturbada pela chegada de um fanfarrão, conhecedor da sua fama, ansioso por matá-lo para poder engrandecer-se à sombra daquela façanha prodigiosa. E assim se viu forçado a matar para continuar a viver. A prova estava latente atrás de si, naquela povoação de Glendale, onde alguns meses da sua vida se tinham passado. Teve de matar para viver, porque nem sequer a fuga lhe era permitida antes de lutar e vencer.

Parecia caminhar absorto, completamente à margem de tudo quanto o rodeava. No seu espírito apenas vivia a ideia de correr, de fugir daqueles assassinos que o seguiam, mesmo que fosse para poder encontrar um lugar do qual pudesse fazer-lhes frente e matá-los.

New River City aparecia diante dele quando as sombras da noite caíam já sobre toda a rude paisagem. Esticou um pouco as rédeas do cavalo e continuou em frente, em direção à povoação, para se deter a poucos metros da entrada principal, um pouco receoso, como se temesse ser surpreendido.

Ambos, cavalo e cavaleiro, estavam extenuados. Olhou para a esquerda e para a direita. Homens a cavalo, silenciosos, pacíficos, entravam na povoação, cruzavam-se com ele, olhando-o de um modo curioso. Más ninguém se intrometeu no seu caminho quando começou a avançar pela calçada, se deteve à porta da mercearia principal e atou as rédeas do animal a uma barra ide madeira.

Toda a gente lhe era desconhecida. Pelo menos não se recordava de ter visto nunca as pessoas que se haviam cruzado com ele. Nem isso tão-pouco lhe pareceu estranho. Aquelas terras mudavam de população com frequência. Muitos iam-se embora com medo dos índios e dos bandidos; outros, porque aspiravam a encontrar noutra parte a fortuna que ali parecia fugir-lhes.

Empurrou a porta envidraçada da tenda e uma campainha soou na parte superior da mesma. Entrou e viu um homem de corpo atarracada que, olhando-o por cima dos óculos, à luz do enorme candelabro, permaneceu imóvel, observando aquela figura quase vacilante, materialmente coberta de pó.

Bob deteve-se no centro da loja. Sacudiu o chapéu, o que fez levantar uma densa nuvem de pó, e não houve necessidade de nenhuma apresentação. Tinha feito isso muitas vezes, tantas que o velho Muskogee podia conhecê-lo par esse pormenor, sem que tivesse de abrir os lábios. Viu-o adiantar-se uns passos, estender-lhe, a mão e exclamar:

— Só tu eras capaz de fazer isso, meu patife. De onde demónio vens tu?

— De muito longe, amigo, e precisamente para o ver.

— É a melhor visita que recebi de há muitos meses para cá, meu filho. Não tive nem uma única letra tua, embora te tivesse recomendado que me dissesses alguma vez como passavas. Em compensação tu és mais afortunado que eu. Tiveste uma carta.

— Está louco, Muskogee? — inquiriu Bob admirado. — Uma carta, eu?

— E com letra de mulher!

— Pelos chifres de um búfalo, velho comerciante! Quer dizer que há uma mulher que me escreve?

— Não posso adivinhar se é jovem e bela, ou velha como uma passa, mas é letra de mulher, e há mais de um mês que a tenho em meu poder. Mas não ta darei enquanto não tiveres comido alguma coisa e descansado.

— Vai matar-me de curiosidade, Muskogee.

— Talvez seja uma má notícia. Queres entrar?

— Quero, antes de mais fazer-lhe uma pergunta.

O merceeiro olhou-o de alto a baixo, quase sem compreender a sua intenção nem onde ele queria chegar com aquela espécie de desconfiança, e disse com secura:

— Podes fazer as que desejares, Bob. Responder-te-ei a todas.

— O senhor conheceu algum dia Jim Wells e os irmãos, não é verdade?

— Também o Buck.

— Em Glendale tive de me defrontar contra dois desses quatro rufiões. Sandy e Ciiff Wells estão mortos; fui eu quem os matou. Muskogee pareceu não ter compreendido bem. No entanto respondeu:

— Mataste dois dos Wells, rapaz? Frente a frente?

— Frente a frente. Agora Jim e os seus sequazes seguem-me a peugada. E é esta pergunta que queria fazer-lhe: já os viu por aqui?

— Há duas horas ouvi o tropel de cavalos e vim até à porta. Jim Wells e alguns outros cavaleiros seguiam para o Norte, pela calçada, até onde está a loja de bebidas de Taylor. Ali pararam.

— Eles sabiam que éramos amigos, Muskogee. Podem vir procurar-me a sua casa.

— Não sabia que tinhas feito isso, meu filho. Muitas vezes, tanto Isabel como eu te dissemos o que mais convinha que fizesses no futuro. Aqui tiveste muitas questões e estiveste a perto de ser morto. A tua promessa foi a de te emendares, lembras-te?

 — Não me esqueci. Mas quando um homem tropeça, como eu, é difícil depois endireitar-se. Conhecem-me nestas terras e sabem o que eu sou. Pensei detidamente nas suas palavras e senti grandes desejos de ser um homem bom.

—Bom, isso já tu és, Bob, mas não estás livre desse demónio de pistoleiro que trazes contigo metido no corpo. Há que ter muita força de vontade para começar de novo, para esquecer que noutro tempo se foi rápido com as armas, de que há um nome com unia triste fama na região. Agora que vieste, compreendo que isso não é muito, fácil para ti. Jim Wells seguir-te-á onde quer que vás, até conseguir matar-te. E quando Buck souber, lançará todo o seu bando de rufiões contra ti. Mas deves tranquilizar-te; de Buck há muito tempo que não se sabe nada e é provável que não se encontre no Vale do Tonto. Apesar disso, pode ser que esteja noutro lugar e que o tenham matado.

— Essa última ideia seria a mais interessante, não?

- Para ti e para todos, Buck é sem dúvida o pior dos irmãos Wells, o mais indómito e sanguinário. Um diabo com esporas, na posse de mãos tão inquietas que o seu revólver pouco tempo permanece mudo.

Manteve-se silencioso por alguns segundos e acrescentou:

— Tenho bons cavalos de reserva, Bob. Podes escolher um.

— E separar-me do meu? Esperarei até amanhã em qualquer parte.

—Podes ficar aqui se quiseres.

—Não queria comprometê-lo e ser a causa de algum perigo para Isabel.

— Ela não está cá. Há alguns dias que partiu para a capital do Estado e demorará uns meses a regressar. Terá muita pena de não te ver.

— Eu também tenho. Importa-se de me dar essa carta, Muskogee?

— Não ficas?

—Não. O merceeiro ficou indeciso por uns segundos. Depois, girando sobre os calcanhares, dirigiu-se para o interior da casa. Demorou-se alguns minutos a voltar e quando o fez trazia na mão um sobrescrito algo amachucado e fechado, que entregou ao pistoleiro, dizendo:

— Trouxeram-na, como te disse, há mais de um mês. A diligência passa de tarde em tarde por estas redondezas. E como não sabia para onde enviar-ta, pensei que algum dia virias por aqui.

—Foi muito amável da sua parte.

Bob guardou o sobrescrito no bolso superior direito da camisa de flanela e contemplou por um momento o velho.

Os anos tinham deixado os seus traços naquele ancião lutador, um dos tantos colonizadores das terras selvagens do Oeste. A sua pequena estatura recortava-se sobre o fundo da tenda, enquanto no rosto enrugado se desenhava um sorriso de contentamento.

Ele, por sua vez, contemplou o rosto queimado do pistoleiro. Bob McCoy teria agora vinte e dois ou vinte e quatro anos, o máximo e continuava sendo o rapaz arrogante e atraente de sempre; o bravo cavaleiro que ele tinha conhecido havia bastante tempo, e irresistível conquistador.

Também a sua filha Isabel tinha sentido uma atração intensa pelo homem que ele agora contemplava. Mas sempre pensou que ela não seria nunca a esposa de um homem daquela têmpera, de um foragido sem pátria nem outro lar que não fosse o mato das ásperas cordilheiras, tal como os lobos na escuridão dos seus covis.

— Boa sorte, meu filho! — exclamou com acento sincero.

— Bem a desejo, velho amigo. Agradeço todas as gentilezas que sempre teve comigo e desejo que diga à pequena que a recordo com carinho de irmão. Não sei se alguma, vez nos veremos, Muskogee, mas antes de partir gostaria de saber mais uma coisa.

— Se estiver ao meu alcance, não podes duvidar da sinceridade da minha resposta. Que queres saber?

— Vou para o Norte, para a Grande «Canyon». Tinha pensado penetrar na Califórnia, mas procurarei outras terras mais longínquas. Você conhece essa parte do território? Que caminho devo escolher?

— Atravessa a bacia de Tonto.

— E depois?

— Tudo será fácil. Flagstaff encontra-se ao norte, e dali até aos montes São Francisco não dista muito. Depressa estarás no Grande «Canyon».

— Obrigado!

Apertou a mão do velho merceeiro e dirigiu-se para a rua. As escassas luzes de New River City impediam-no de ver com clareza toda a rua. Bob desatou as rédeas do cavalo e adiantou-se alguns passos.

De repente, os estampidos de algumas detonações obrigaram-no a esconder-se atrás do animal. Viu o fogo daqueles tiros e calculou de que parte procediam. Tratou de retroceder, mas era de todo impossível, tendo de levar o cavalo pelo bridão e ainda mais se tentasse montá-lo em semelhante ocasião.

Olhou então para trás. Muskogee tinha fechado a porta da mercearia. Era compreensível o seu receio e o desejo enorme de se salvar de qualquer espécie de represálias. Talvez noutro tempo tivesse aceitado esta responsabilidade se não se tratasse de inimigos de uma tal ferocidade e ódio como os Wells. Mas Muskogee tinha de viver naquela terra do Arizona, na qual conservava os seus meios de vida e, além disso, tinha mulher e uma filha jovem para criar. Por esta razão o velho merceeiro não atendia qualquer desejo de proteção a que a amizade pudesse conduzi-lo.

Colado ao corpo do cavalo, o pistoleiro retrocedeu para a esquina mais próxima. Os tiros dos revólveres voltaram a soar, e as balas sibilaram junto da sua cabeça. Uma delas roçou no cavalo, que deu um salto para a frente, como que impulsionado por uma poderosa força, ao mesmo tempo que lançava um forte relincho. Outra veio alojar-se-lhe no corpo. O animal espinoteou furiosamente, lançando couces para o ar e acabou por cair um par de metros antes de alcançar o passeio oposto da calçada.

Bob sentiu profundamente aquela terrível desgraça. Cosido com a parede da casa que ficava atrás dele, começou a disparar para o sítio de onde provinham as detonações, sem o êxito, contudo, que desejaria. Começou a correr para a esquina e uma vez ali continuou numa correria desesperada para a saída de New River City. Não obstante ainda se voltou para trás ao contornar a rua. Sem cavalo estava perdido. Aquela povoação não era de grandes dimensões e os bandidos de Jim Wells alcançá-lo-iam mais tarde ou mais cedo. As munições que possuía, eram escassas, pois a cartucheira tinha ficado agarrada à sela do animal morto e era preciso poupar os tiros, fazer fogo apenas quando um indivíduo estivesse nitidamente sob a mira do seu revólver, como uma presa segura.

Olhou para a direita e calculou o local certo em que ficavam as traseiras da casa de Muskogee. Correu de novo para aquele sítio. Alguém, por cima do taipal, chamou-o pelo seu nome. Era o velho merceeiro. A porta das traseiras abriu-se. Bob, ofegante ainda, penetrou naquele improvisado refúgio. Sem dizer uma palavra, o homem levou-o para o lugar onde se encontrava um telheiro de madeira e disse, com voz quase impercetível:

— Aparelha esse branco, Bob. É o mais resistente e veloz de todos os que possuo. Quando eles se afastarem enfia pelo caminho e foge para o Vale do Tonto. Porque esperas?

Não tenho dinheiro suficiente para lhe pagar o valor desse animal.

— Que importância tem isso? Um dia terás ocasião de me pagares. Vamos, apressa-te!

Pegou numa Sela acamada num extremo do casebre o colocou-a sobre o dorso do fogoso animal. Este, ao fim de breves minutos, estava já selado, fora do telheiro e em condições de empreender a caminhada.

— Um dia — disse o pistoleiro — lhe pagarei com juros este cavalo e o favor que me presta. Muskogee. Não esquecerei tão facilmente este gesto.

— Não digas tolices, Bob. Eu abro-te a porta.

O pistoleiro saltou sobre o cavalo, mantendo as rédeas tensas nas mãos. Viu Muskogee abrir a porta das traseiras, olhar para o exterior e voltar-se para ele, dizendo:

— Chegaram ao outro quarteirão e procuram-te como procurariam uma mina de ouro. Larga!

McCoy não respondeu. Avançou sobre o cavalo para o exterior da cavalariça e ali, sem sequer voltar a cabeça, cravou as esporas nos flancos do nobre animal. Este lançou-se para diante, num galope desenfreado, através da poeirenta estrada.

Do lado oposto do quarteirão, algumas armas troaram, mas desta vez as balas não chegaram a ultrapassar o cavaleiro nem o corcel. Muskogee fechou a porta e retirou-se. Os homens de Jim correram em tropel para o lado da povoação, mas quando iniciaram a perseguição do homem que lhes fugia, este havia conseguido já uma considerável vantagem, o que lhe permitiu escolher o caminho que mais lhe convinha.

Horas depois, a claridade do planeta noturno facilitou a fuga de Bob. Continuou a avançar paralelamente, ao curso de New River, atravessando os numerosos vaus deste rio, algumas vezes com água pelos joelhos. Era importante continuar com esta manobra, visto que assim os vestígios da passagem do cavalo permaneceriam invisíveis, impedindo que a perseguição dos bandidos se fizesse com a rapidez precisa para o alcançarem.

Não se deteve até ao amanhecer. Calculou a distância percorrida naquelas horas e sentiu-se satisfeito. Próximo já, começava a nascente do rio e isto fê-lo presumir que estava a muita poucas milhas do importante maciço que compunha a bacia do Tonto, através de cujas gargantas e desfiladeiros procuraria enganar os seus inimigos. No entanto, temia as quadrilhas de foragidos, dispersas pelo grandioso vale. Buck tinha vivido por ali durante muito tempo e era provável que contasse lá com bons amigos entre os homens fora da Lei. Mas um encontro com eles poderia ser-lhe fatal. Por esta razão, quando recomeçou a caminhada, os seus movimentos foram cautelosos.

O terreno acidentado aumentava consideravelmente e os pinhais iam-se sucedendo. Havia lugares onde um homem perseguido pela Justiça poderia viver por muitos anos sem ser molestado pelos esbirros. Às suas características se devia procurarem-no os pistoleiros de todas as regiões para ali permanecerem numa ampla zona daquele território, onde nem sequer os vaqueiros se atreviam a pernoitar.

Havia já um tempo que sentia umas picadas na ferida da perna. Isso obrigou-o a desmontar junto de um regato para examinar a lesão provocada pela bala. As bordas do ferimento estavam avermelhadas e com um aspeto que não lhe agradou nada mesmo, mas concluiu que a ferida não era grave e que uma infeção podia ser atalhada na devida altura, sem necessidade de ter de procurar urgentemente um médico.

Sentado sobre uma pedra e tendo entre as mãos as rédeas do cavalo, permaneceu em atitude meditativa. Um silêncio profundo o rodeava, interrompido apenas pelo murmúrio das águas cristalinas. Enrolou uma cigarra e acendeu-o. Involuntariamente, a mão bateu no sobrescrito que o velho merceeiro lhe tinha entregue antes de partir, e sentiu uma espécie de contração muscular, que avivou o movimento para se apoderar da carta. Não sabia quem poderia ter-lhe escrito, pois mesmo que se esforçasse por avivar a memória, não conseguia acertar com a pessoa que poderia ter tido a brilhante ideia de o localizar numa região tão afastada de Arizona.

Dominado pela ansiedade, rasgou o sobrescrito. A letra era, como Muskogee lhe tinha anunciado, feminina, mas de traços firmes. Leu a assinatura e pronunciou em voz alta o nome:

—Nancy!

Quem podia ser? Não tinha tido relações algumas com qualquer mulher que desse por aquele nome. No entanto não lhe era desconhecido e uma vaga ideia brilhava no seu cérebro. E começou a ler com avidez as primeiras linhas. De repente o seu rosto iluminou-se com um sorriso e exclamou:

— Pelos chifres de ume búfalo! Uma prima que se chama Nancy? Creio recordar-me agora. Mas há tantos anos que estive com eles que julguei que já não existiam. Disseram-me uma vez que os índios os tinham matado durante o ataque que lhes fizeram as tropas Federais. O tio Clark sempre teve a ambição de ser criador de gado e sempre teve o desejo de que eu me conservasse a seu lado. E agora acabam de o liquidar com um tiro pelas costas.

Pôs-se sério de repente e continuou a leitura. O último trecho da carta dizia assim:

«… e por esta circunstância é preciso. que venhas. Não sei se alguma das numerosas cartas que te escrevi, para várias povoações importantes do Arizona e outros territórios, chegaram às tuas mãos. Tenho fé em que assim seja, em que, pelo menos, uma delas venha a cair em teu poder. Não percas tempo, Bob. Preciso de ti. Um perigo iminente se levanta contra mim e sobre o rancho que era de meu pai. Lamento sinceramente que, noutros tempos tenham existido mal-entendidos entre nós, talvez pela tua maneira tendenciosa de proceder. Mas, encontrando-me só, não me resta outro recurso senão chamar-te. Bradley pediu-me que o fizesse. Recordas-te de Bradley? Pelo menos era ele quem te defendia...»

Bob fechou a carta sem terminar a leitura. O seu rosto exprimia uma profunda contrariedade. Nem sequer se tinha lembrado daqueles dois membros de uma família quase extinta. Talvez o decorrer dos anos tivesse colocado entre si e eles uma espessa muralha de esquecimento. Agora começava a recordá-los bem... Nancy era aquela rapariga de tranças loiras, séria, pouco amiga de brincadeiras, que criticava sempre todos os seus actos e denunciava ao velho Clark as suas manhas ao jogo e no manejo dos revólveres.

Bradley tinha sido sempre um bom amigo, um homem que quis conduzi-lo ao bom caminho, mas cujos conselhos não conseguiram nunca o que pretendiam. E tudo acabou naquele dia em que ele desatou aos tiros na praça de Dayton, depois de se apoderar do dinheiro da caixa de um estabelecimento de bebidas.

Parecia-lhe ver agora Clark e a sua prima Nancy. Ambos o recriminaram e ambos o puseram fora de casa como uma ratazana ascorosa. Bradley interveio como medianeiro para que o castigo fosse menos duro, sem, contudo, conseguir nenhum resultado positivo.

Levantou-se cansadamente. Aquele chamamento parecia trazer ao seu espírito uma nova fase da sua vida. Devia ir? Devia fazer caso do chamamento da sua prima e lutar para a defender? Tardou algum tempo antes que se decidisse a fazê-lo.

Uma infinidade de pensamentos contraditórios fervilhava no seu espírito, assoberbado por infinitas recordações que nele se sucediam em turbilhão. Por um lado, arrastava-o o desejo de novas aventuras; por outro a oportunidade de poder dizer à rapariga com que prazer a via em dificuldades sem levantar sequer um dedo para a ajudar. Era isto o que merecia quem o tinha desprezado antes, sem compreender que algum dia poderia vir a necessitar dois seus favores. Sorriu-se ao pensar nesta espécie. de vingança. Depois, abanando a cabeça, indolentemente, disse:

— Tenho pensado muitas vezes numa oportunidade de regeneração. Talvez essa oportunidade se me ofereça agora. De qualquer maneira, não perderei nada em lá ir, posto que se encontra no meu caminho.

Guardou cuidadosamente a carta e levantando-se montou a cavalo. Passadas já muitas horas e perdido o contacto com os bandidos, Bob McCoy considerou-se, por agora, a salvo.

A distância que o separava da região de Dayton, em Nevada, era muito grande, mas não impossível de percorrer nalgumas semanas. Tinha um bom cavalo do qual, doseando os esforços, podia tirar um bom rendimento. Mas temeu os desertos da Nevada, tendo às suas costas uma quadrilha de bandidos que ansiavam por exterminá-lo.

A partir daquele momento o cavaleiro, enquanto durou a travessia do Vale do Tonto, caminhou de noite, ocultando-se durante boa parte do dia. Muitas vezes, enquanto percorria aquele terreno acidentado por difíceis obstáculos, esteve a menos de cem jardas das cabanas ocupadas por pistoleiros e salteadores de estrada, sem nunca entrar em contacto com eles. Por fim, a perigosa travessia do Vale do Tonto terminou.

Uma semana depois tinha descido ao Havsey Creek, a oeste dos Montes de São Francisco, para penetrar seguindo o Colorado River muito próximo do Grande «Canyon» do Arizona, na Virgin Mountains, já em território de Nevada.

A viagem, feita em rápidas etapas, tinha sido proveitosa em economia de tempo. Não era possível que Jim Wells e os seus homens lhe tivessem tomado a dianteira, nem sequer que se tivessem colocado a uma prudente distância, como se temessem a sua imediata presença.

Havia procurado em todo o tempo que durara a viagem apagar os vestígios ida sua passagem, sempre que a configuração do terreno lho permitia. Passou a vau o Virgin River e atacou as áridas regiões do sul de Nevada. Agora já as suas paragens para descansar eram mais prolongadas.

A ferida da perna, embora nos últimos dias o tivesse molestado bastante, começava o seu ciclo normal de cicatrização e isto alegrou-o sobremaneira. Viveu durante todo este tempo da caça, queimando nisso a maior parte idas suas escassas munições.

Não houve qualquer contratempo durante aquele espaço de dias que a viagem levou. Apenas em algumas ocasiões teve de ocultar-se da presença de índios hostis, de «moapas» no seu trilho de guerra. Más nem eles nem o pistoleiro mudaram de trajeto, continuando ele sempre para norte, com a ânsia de chegar ao seu destino.

Cinquenta milhas antes de alcançar Dayton City, Bob deteve-se na cabana de uns caçadores. Eram quatro homens robustas, de conversação agradável e decididos.

Enquanto comia com eles indicaram-lhe algumas coisas interessantes para a consecução dos seus fins. Bob ficou perplexo, quando o mais velho dos quatro lhe disse: -

-- Tenha cuidado com Buck e os seus bandidos, amigo. Buck Wells, o «assassino de Nevada», como o alcunharam.

— Buck Wells?

-- Isso prova que já ouviu falar nele noutras ocasiões.

— No Arizona. Conheci alguns dos seus irmãos. Que faz Buck na região de Dayton e Hawthorne?

— Já pode imaginar.

— Obrigado pelo aviso. Terei cuidado em não tropeçar com ele no meu caminho.

Aquela notícia influiu poderosamente rio ânimo do pistoleiro. Relacionava Buck Wells e a sua partida com o chamamento angustioso da sua prima Nancy. Ela vivia próximo da comarca de Dayton e Hawthorne, quase no limite de ambas e aquele parecia ser o campo de operações do pistoleiro.

À medida que se afastava da cabana dos caçadores, a sua mente foi atravessada pela ideia de mudar de rota, de fugir para outras regiões onde não ouvisse falar mais daqueles homens. Mas a certeza de que teria sempre a ameaça dos Wells sobre a sua cabeça fê-lo desistir.

Se eslava escrito que teria de enfrentar-se com eles numa luta de morte, suportaria todos, os contratempos que surgissem. Mas mudaria completamente a sua maneira de lutar, a sua maneira de atacar e de defender. Sendo tantos contra ele, qualquer fórmula que o pusesse a salvo desses contratempos seria admissível.

Ao fim e ao cabo, não era mais que um oportunista, um salteador quase do mesmo calibre dos que ia combater.

— De qualquer maneira — murmurou entre dentes — Nancy saberá quem sou, exatamente. Uma vez verberou o meu comportamento, não se detendo, inclusive, a medir as suas palavras insultuosas. Terá a minha ajuda, mas à custa de um alto preço.

Sorriu novamente. Tinha tomado aquela decisão e jamais se afastaria dela.

Dois dias mais tarde, a marchas forçadas, o pistoleiro detinha-se a pouca distância de Dayton City. O local do seu destino achava-se diante dele e não podia calcular sequer as surpresas que essa povoação lhe proporcionaria no futuro. Ia para ali porque tinha necessidade de modificar o seu equipamento. Não levava consigo um único cêntimo nem sabia como conseguir o dinheiro suficiente. Mas era um homem de recursos.

Dayton parecia-lhe muito diferente daquilo que era quando a visitara pela primeira vez. Considerou, no entanto, que estava a seu gosto e não sabia por que pressentimento tinha a intuição de que as coisas lhe haviam de correr à medida dos seus desejos.

Sem comentários:

Enviar um comentário