sexta-feira, 30 de julho de 2021

BIS245.11 Os Quintana a caminho de Corrales

Matias Quintana não estava nada satisfeito. Tinha julgado o seu sobrinho Luís com maior coragem que a demonstrada na véspera à noite para vingar definitivamente a morte do pai na pessoa de Martin Palácios.

Por trás da janela do seu aposento em El Robledal, viu chegar Marcos Alcântara com dois homens. Marcos, sim, esse era decidido e forte. Em poucos anos tornara-se praticamente o senhor, o mandante na fazenda dos Quintanas. O seu casamento com Beatriz tinha em grande parte contribuído para satisfazer a sua ambição. Mas naquele momento a sua chegada não parecia de modo nenhum a entrada triunfal de um vencedor. Onde estariam Marklyn e Bolton? E Luís? Onde teriam ficado os outros três homens que os acompanharam quando saíram dali, nesse mesmo dia, umas horas antes?

Levado por funestos presságios, Matias Quintana abandonou o seu posto de observação e desceu ao pórtico. Ao encarar em Marcos e nos dois outros homens, percebeu que as suas máscaras faciais ocultavam qualquer coisa.

E essa qualquer coisa não devia ser agradável.

— Que sucedeu, Marcos? — perguntou, dominado pelo nervosismo.

— Fomos à Charca Grande como estava... — começou a dizer.

— Isso já eu sei — atalhou Matias Quintana. --Adiante!

— Encontrámo-nos, conforme estava planeado, com Enrique Palácios e os vaqueiros que levavam o gado a beber.

— Também já sei disso, com mil demónios! Foi o combinado! Basta de rodeios! Que se passou?

— Marklyn, Bolton e os outros três morreram. Houve uma corrida de gado em debandada e as reses em fuga apanharam-nos, esmagando-os. Não pudemos fazer absolutamente nada por eles. Pouco faltou para que nós também fôssemos vítimas.

—E Luís? — tornou Matias Quintana.

— Luís conseguiu salvar-se. Quando o vi pela última vez tinha junto dele Martin Palácios.

— Martin? Martin também estava lá?

Marcos Alcântara afirmou-o com a cabeça e disse:

— Foi ele quem evitou a morte de Luís.

— Quê? Isso é verdade?

— Sim. Todos o vimos.

O velho Quintana ficou pensativo por longos segundos.

— Pois… não percebo.

— Ainda não regressou, é claro...

— Talvez não tarde. Vamos para dentro. Tu — acrescentou, dirigindo-se a um dos pistoleiros que acompanhavam Marcos Alcântara e que permanecia imóvel e silencioso ao lado do outro — vigia o mais perto que puderes o rancho dos Palácios e vem contar-me o que vires. Quero saber se o meu sobrinho Luís foi para lá e fazer uma ideia concreta das manobras dessa gente. Podem preparar uma ação de represália e convém sabê-lo a tempo. Se vires qualquer coisa que te pareça suspeito, como idas e vindas de pessoas, vem prevenir-me logo, para tornarmos as deliberações que sejam necessárias.

O pistoleiro curvou a cabeça em gesto de assentimento. Montou a cavalo e não tardou a ser um pequenino ponto na distância.

— Onde estiveste depois do almoço, ao princípio da tarde, Beatriz? Procurei-te antes de sair, mas não te encontrei no rancho.

— Fui dar um passeio a cavalo, como faço tantas vezes, Marcos.

— Mas não o fazias há muito.

— Talvez por isso— atalhou a esposa. — Lembrei-me de ir, porque a tarde estava esplêndida.

— Mandei Bolton e Marklyn irem à tua procura —continuou o marido.

— Não os vi.

— Martin Palácios viu-os.

— Não percebo o que queres dizer com isso. Ou tens agora ciúmes?

— Não creio haver motivo. Ou há?

— Não, Marcos, não pode haver. Sabes muito bem que tudo acabou há dez anos, entre mim e Martin, depois de... depois daquilo. Nem de mim se deve lembrar sequer.

— Não me resignaria a perder-te. Sabes como te amo e creio nem ser necessário recordar-te que foi ele quem assassinou o teu pai.

— Não é necessário que mo recordes, Marcos — respondeu Beatriz, um pouco secamente, mais talvez do que teria desejado. — Nestes últimos dez anos, sempre os Quintanas têm esgrimido essa arma contra os Palácios. Ninguém o poderá esquecer em Corrales, suponho eu. Nem os que nada têm com o caso... quanto mais nós.

— Desculpa, Beatriz, estou nervoso. Não sei bem porquê. Talvez porque Luís já devesse cá estar e afinal...

Falavam, acotovelados, na varanda do pórtico de El Robledal. Derramava a lua sobre ambos a sua desmaiada luz. Ambos tinham o pensamento longe dali, cada qual entregue a recordações próprias. Mas convergiam as dos dois no mesmo ponto que se chamava Martin Palácios.

Para Marcos Alcântara, o regresso de Martin Palácios era sombra que obscurecia a sua felicidade e até as suas ambições. Para Beatriz Quintana, era muito mais que uma sombra: era o passado que ameaçava acabar com o presente e estender-se para o futuro.

O momento de fraqueza que ela teve nessa tarde podê-lo-ia ter um dia Martin Palácios, incidentalmente na sua presença, e então...

Os seus lábios franziram-se num sorriso, simultaneamente de prazer e de amargura. Teria realmente perdido Martin para sempre? Talvez não...

Assustou-se ao ter a noção de que o marido podia estar a espiá-la e ler os seus pensamentos. Com efeito, Marcos olhava para ela e comentava:

— Se tivéssemos filhos...

Beatriz estremeceu. Nunca os desejara. Sempre julgou que tê-los seria aumentar a grandeza da barreira entre ela e Martin Palácios. No entanto, e sem que no seu rosto deixasse transparecer as emoções, disse simplesmente, com a naturalidade que pôde imprimir às palavras:

—Pois talvez tenhas razão. Esperemos que Deus no-los conceda.

Marcos não se atreveu a insinuar sequer o que pensava. Era melhor deixar as coisas assim. O silêncio impôs-se de novo entre ambos, mas desta vez só por alguns minutos. O galope de um cavaleiro fez-se ouvir. Pelo caminho proveniente da estrada já se desenhava à luz pálida da lua um vulto, que logo deu sinal de si gritando:

— Dom Matias! Dom Matias!

Deteve-se no pátio, junto das escadas. Matias Quintana apareceu, correndo, por trás dos sobrinhos, e assomou-se à varanda.

— Dom Matias! — repetiu o cavaleiro, ofegando, cansado com a galopada. — Os Palácios... vão todos para Corrales. Até dom Juan! Escondido com uns arbustos, ouvi algumas palavras ao passarem perto de mim. Dom Luís, o seu sobrinho, está preso. Martin Palácios também. Não consegui ouvir mais nada.

— Marcos! — berrou Matias Quintana. — Reúne toda a nossa gente. Vamos também para Corrales! Marcos Alcântara abraçou Beatriz e beijou-a nos lábios.

Talvez fosse impressão sua, mas sentiu-os frios, gelados. Apesar disso, abriram-se para dizer:

— Tem cuidado, Marcos.

— Terei, descansa — respondeu.

Dando meia-volta, retirou-se, correndo.

— Adeus, Beatriz — murmurou Matias. — Não te preocupes. Regressará.

A inflexão de voz do tio alarmou Beatriz, que pressentiu um perigo intangível. Teria ele ouvido parte da conversa entre os dois? Ou toda, até?

— Tenham cuidado, tio... — sussurrou.

Matias Quintana seguiu Marcos. Dez minutos depois, as hostes dos Quintanas, armadas até aos dentes, saiam de El Robledal, a caminho de Corrales. A povoação estava ameaçada de se converter num inferno.

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