terça-feira, 6 de julho de 2021

BIS088.04 Duelo de morte na chegada ao destino

Bob McCoy, descaradamente, piscou um olho ao dono do estabelecimento de bebidas, que sorriu satisfeito. Diante dele, sobre a mesa de pano verde, amontoavam-se agora os dólares de prata e as notas de Banco que ia ganhando naquela partida de «poker».

Jules Perkins tinha tido a gentileza, correspondendo a uma amizade já antiga, de lhe ceder algum dinheiro para jogar. McCoy era um excelente jogador talvez na posse de alguns dos segredos que tornavam temíveis, em todos os caminhos do Oeste, os jogadores dos jogos de azar.

A mesa diante da qual estavam sentados os quatro homens encontrava-se muito próxima de uma extremidade de balcão e em algumas ocasiões a voz de biles, Perkins o tinha animado. Agora possuía mais do que o dinheiro suficiente para comprar um bom equipamento de vaqueiro e para devolver ao altruísta dono da casa de jogo «A Pérola» o empréstimo recebido.

Bob não dava atenção às pessoas que entravam e saíam da taberna. Ouvia o murmúrio das suas vozes, o tom alto das discussões acaloradas. Estava tão concentrado no jogo que, para ele, dir-se-ia que apenas o silêncio e o sossego o rodeavam. As horas passavam. McCoy parecia ter estacionado numa quantia fixa. Baixava às vezes, mas nas mãos seguintes nivelava as perdas ocorridas.

As pessoas começavam a sair, deixando-os quase sós. Cinicamente algumas mesas se mantinham ocupadas por outros jogadores e bebedores. Pediam em gritaria «whisky» quando a garrafa se esgotava e Perkins acudia solícito para as servir.

O pistoleiro recordou-se de que noutra época, Jules Perkins era mais duro com a sua clientela, menos propenso a concessões do que agora. Mas naquela época havia em Dayton algo que faltava agora: a Lei.

Não tardou a inteirar-se da cobarde demissão de Duncan, da deserção dos agentes que sob as suas ordens bamboleavam as armas no quadril e ostentavam no peito uma estrela, distintivo do seu cargo. Então os malfeitores eram poucos e fáceis de dominar. Agora o caso tinha mudado. A chegada de Buck Wells converteu a comarca, do mesmo modo que as de Hawthorne e Rawhide, num inferno. Buck estava acostumado a ser o amo onde o seu cavalo pisasse e a afastar do seu caminho, por qualquer modo, os obstáculos que nele se levantassem. E tinha encontrado naquela parte de Nevada terreno suficiente para mostrar a sua depravada maneira de conduzir-se. Tudo isto e muito mais, tinha-o ele ouvido dos lábios de Jules Perkins, atemorizado, diminuído, como muitos homens, ante a proximidade de um perigo mortal.

Buck costumava frequentar a sua casa e beber, às vezes sem pagar a despesa. E ele, o homem que tinha defendido de capa e espada os seus interesses, ainda tinha de sorrir ao pistoleiro, como que agradecendo-lhe por lhe ter permitido continuar a viver.

No entanto, apesar da conversa mantida com Jules ter sido profunda, McCoy não fez menção, alguma à missão que o havia levado até ali, nem sequer do que e. relacionava com o rancho de seu tio. E, quando ele quis falar-lhe disso, pediu-lhe que guardasse segredo da sua presença.

Um «poker» de ases acabou as aspirações dos outros jogadores. Bob olhou para o taberneiro, mas não pôde trocar com ele aquele olhar de inteligência próprio do jogador com sorte. Estava a falar com um homem já entrado em anos, um típico vaqueiro que, mesmo de costas, despertou a atenção do foragido. Aquele homem era Bradley, o mesmo que, muitas vezes o tinha defendido e lhe dera sábios conselhos que ele não seguia nunca, E prendeu a máxima atenção ao que eles diziam.

— O que tu pretendes, Bradley — dizia Perkins — é extraordinário na época em que vivemos. São muitos os criadores de gado que partiram atemorizados, e, antes deles os seus próprios vaqueiros. Não encontrarás um único homem que, mesmo por um salário fabuloso, queira servir sob as tuas ordens, no rancho de McCoy.

— Não obstante — redarguiu o capataz — tenho de encontrar alguns. Deve havê-los nalgum recanto desta comarca. O nosso gado vai-se perdendo aos poucos e é impossível que, com uma mulher a meu lado, possamos ambos cuidar dele. Nancy está desesperada. Pagaria quinhentos dólares ao homem que se atrevesse a iniciar a formação da nossa equipa.

-- Tenho muitos amigos, mas eles não aceitariam nunca. É Buck Wells quem os obriga a manterem-se afastados do seu caminho. E esses homens, embora valorosos, estimam demasiado a sua pele.

— Esses homens, como todos, são uns cobardes.

— São zelosos pela sua vida, Bradley, e em qualquer local deste território encontrarão esse trabalho que tu queres dar-lhes, embora sejam mais mal pagos. De nada lhes servirá terem a promessa de um salário importante, se na primeira encruzilhada são crivados de balas. Tu próprio me disseste que em duas ocasiões fizeram fogo sobre ti. No dia em que menos o penses matar-te-ão, como mataram o velho McCoy.

—Tenho já muitas anos e tenho lutado toda a minha vida, Perkins. Se julgam que podem fazer-me mudar de opinião, estão enganados. Nem uma só vez pensamos, eu e Nancy, em abandonar as terras e a casa. Lutaremos até que nos matem ou até que esse diabo do Buck Wells seja levado à razão.

Jules não respondeu. Tinha olhado para a porta por onde três homens entravam de repente. Depois dirigiu o olhar para McCoy e por último para Bradley, dizendo:

— Temos uma visita pouco agradável, Bradley. Não te mexas de onde estás. É Gregório Croack.

— Onde está?

— Vem para o balcão com dois da sua quadrilha. Conhece-te o lugar-tenente de Buck?

Bradley empalideceu ligeiramente, respondendo afirmativamente com um movimento da cabeça. Bebeu de um só trago o copo de «whisky» e ficou quieto, sem se atrever a voltar a cabeça. Depois, procurou no bolso do colete uma moeda que deixou sobre o balcão, tentando voltar-se para a rua. Mas deteve-se de repente.

Croak estava a poucos passos dele e olhava-o sorridente, pondo a descoberto a dupla fileira de dentes já enegrecidos pelo tabaco. Era um indivíduo musculoso, que não devia ter passada dos trinta anos. Vestia como um vulgar vaqueiro e trazia no cinto dois grandes revólveres de calibre «45». Deu uma cotovelada ao sujeito que estava ao seu lado direito e disse:

— Repara, Jack, quem está aqui.

O pistoleiro voltou-se. Olhou de alto a baixo para Bradley e respondeu com velhacaria:

—É verdade, é o nosso velho amigo Bradley! Que fazes por aqui a estas horas da noite? Ela deu-te licença para passares a noite fora?

O homem não respondeu. Baixou a cabeça e avançou para o corredor pretendendo, desta maneira, dirigir-se para a rua. Jack adiantou-se então e agarrou-o pelo colarinho, empurrando-o contra o balcão.

— Interessa-nos saber — exclamou, desta vez com raiva — o que é que procuras na povoação. Não é natural que abandones aquele rancho onde está essa gatita para vires divertir-te aqui em Dayton. Até agora temos-te respeitado um pouco as cãs, mas essa contemplação acabou-se. Queres dizer-nos aquilo que estás a tramar, velho cachorro?

— Ninguém tem nada que ver com os assuntos particulares.

—Ouviste o velhote, Gregory? — troou Jack com voz sibilante.

—É possível que o Jules saiba. Queres vir até aqui, Perkins?

O taberneiro avançou com toda a rapidez, detendo-se diante dos três homens do bando e do capataz de Nancy. Apenas ficava entre eles o balcão molhado.

— O que há, Croak? — perguntou, embora soubesse o que iam perguntar-lhe.

— Bradley esteve a falar contigo, não esteve?

—Bradley é meu amigo.

— Que veio ele cá fazer?

— Para ser sincero, não me disse nada acerca do que procura em Dayton. –

-- Mentes, Perkins?

—Ganharia muito pouco mentindo, não te parece?

—No entanto, sabe-lo bem e hás de dizê-lo... já.

Colocou diante do nariz do taberneiro a boca negra do seu revólver e levantou o gatilho, acrescentando:

— Nunca supuseste o formigueiro que uma bala destas causa na cara de um patife como tu e a tão curta distância. Há algum tempo que não me agrada a tua maneira de proceder, Perkins. Já estou a cansar-me de ti. Fala!

Júlio tremeu dos pés à cabeça. Havia muito tempo que esperava por aquele momento e o medo começou a minar a sua coragem. Olhou para a mesa de jogo onde McCoy continuava a partida. Depois para Gregory e os seus homens.

— Bradley — disse por fim — veio procurar vaqueiros.

Croack baixou a arma e voltou-se para o capataz. O seu rosto desfigurou-se por momentos. Depois, com ferocidade incontida, descarregou no rosto de Bradley uma bofetada que o fez rolar no balcão, arrastando consigo na queda uma das mesas próximas.

Um grito de raiva e de dor escapou-se da garganta do velho capataz. Rápida como um raio, a sua mão direita caiu sobre a coronha do revólver, tirando metade da arma fora do coldre. Gregory e os seus sequazes deviam esperar por aquela oportunidade uma vez que, sem detença, puxaram das suas armas.

Um revólver troou. A bala arrancou da mão de Croak o «Colt», depois de ferida entre os dedos. Um segundo tiro desfez o olho direito do rufião que estava ao lado de Jack, o qual deixou cair a arma e rodou como um pesado fardo.

Jack e Gregory olharam na direção de onde as detonações haviam partido. McCoy, de pé, entre os atónitos jogadores e a expectativa de todos os presentes, soprava de um modo trocista o cano do seu «seis tiros», sem perder de vista os dois sujeitos, enquanto avançava no meio de um silêncio, sepulcral.

Bradley permanecia ainda sentado no solo, contemplando com os olhos fora das órbitas o rapaz que caminhava para os seus inimigos. Não podia afastar o olhar daquelas feições que lhe recordavam um rapazinho com o qual havia conversado em muitas ocasiões de uma maneira amistosa e protetora. Mas dos seus lábios não se escapou uma só frase de surpresa ou alegria. Apenas ouviu a sua voz rouca, terrível, que dizia:

— Creio que cometi uma estupidez não os liquidando aos três. Não sois mais que uns cobardes com revólveres e um pouco de fama sangrenta ganha na fronteira. Adivinho que sois do bando desse «assassino de Nevada», desse papão que atemoriza os meninos e os graúdos. Na próxima vez não me limitarei a desarmá-los. Daqui para fora!

Gregory tinha as mãos retesadas, os dedos rígidos, destilando sangue de dois dedos da mão direita. O seu rosto era todo um poema de dor e de raiva mal contida. Daqueles olhos cinzentos brotavam clarões de ira. Mas não falou nem engoliu o nó que parecia ter-se formado na sua garganta. Girou sobre os calcanhares, sem se inclinar para apanhar a arma caída a poucos passos de distância. Tão-pouco olhou para o homem que, de bruços, permanecia sobre um charco de sangue. Tal como um cão com o rabo entre as pernas, avançou para a saída, seguido a poucos passos por Jack. No entanto, pôde nele mais o ódio, o despeito por aquela terrível derrota sofrida, e voltou-se. Olhou de alto a baixo para aquele estranho. Depois os seus lábios moveram-se num trejeito sinistro, e gritou:

— Hás de pagar-me isto um dia! Dou por testemunhas todos os presentes de que me desforrarei!

E voltou as costas sem outra resposta que não fosse um sorriso trocista de McCoy. Bob guardou a arma. As primeiras palavras de felicitação foram do taberneiro que já havia recobrado a cor natural do seu rosto. Depois sentiu que alguém o agarrava por um braço e olhou para esse lado. Bradley tinha o rosto ainda pálido, mas uma enorme satisfação se notava nos seus olhos, brilhantes pela alegria.

— Salvaste-me a vida, rapaz, e eu nunca te poderei pagar isso. Não poderei pagar-te este favor. Mas tu és McCoy, Bob McCoy, não é verdade?

— Exato. Creio que não me reconheceria.

— Venham, esses cinco, Bob! Pelas hastes de Satanás! Julguei que não chegarias a tempo de me dares o prazer de te contemplar!

— Uns segundos mais e não teria tido essa felicidade, Bradley. Como se encontra a minha prima?

— Isso é outro cantar. Falaremos dela pelo caminho, porque me parece que vieste segundo as indicações das suas cartas.

—Encaminhava-me para o oeste, Tinha a intenção de chegar â Califórnia e estabelecer-me nalgum dos seus afastados recantos. Em New River City encontrei uma das suas cartas já que, segundo acabou de dizer, foram várias as que me escreveu. Foi essa carta que me fez mudar o caminho.

— E chegas mesmo na altura. Nancy alegrar-se-á muito de te ver.

—Nunca pensei que Nancy pudesse alegrar-se, Bradley. Pelo menos não se mostrava muita atenciosa nem muito entusiasmada quando noutra ocasião vim para o rancho de seu pai. Agora, segundo essa carta anunciava, precisa de mim. E não lhe importa que eu seja um pistoleiro, um fulminante atirador de revólver...

—Nancy é uma rapariga; boa e bonita. Precisa de que um homem valente a proteja. Eu podia tê-la ajudado mais, se não fossem estes malditos anos que tenho sabre o corpo. Já viste o que se passou. Gregory Croack é um pistoleiro medíocre. Teria podido meter-lhe duas onças de chumbo no corpo, quando eu era jovem, antes que ele tivesse tocado no coldre do seu «seis tiros». E agora, se não fosses tu ter-me-ia crivado de balas. Os anos não passam em vão, filho, e os anos da mocidade devem aproveitar-se sem os deixar perder. Quando uma pessoa se recorda da juventude vê com pena o tempo mal gasto.

— Vejo — respondeu o pistoleiro, sorridente — que continua com os conselhos de outrora.

—É a experiência que faz que nós, os velhos, falemos dessa maneira. Mas isto é um assunto que não é para aqui chamado agora. Tens alguma coisa que fazer na povoação?

— Umas pequenas compras.

— Acompanho-te.

Adiantou-se para o balcão e acrescentou, desta vez dirigindo-se ao taberneiro:

— Diz-me quanto deve este rapaz e paga-te daí, Júlio. E obrigado por quanto resististe para não me denunciares.

— Somos amigos, não é verdade, Bradley? — respondeu, olhando para Bob por momentos. — Os amigos devem ajudar-se nas ocasiões difíceis da vida.

— McCoy é convidado da casa, Bradley! Boa sorte!

O velho capataz e o jovem pistoleiro abandonaram o estabelecimento de bebidas. Um homem, que de repente tinha avançado pelo passeio acima, deteve-se a poucos passos deles. Era provável que tivesse presenciado de algum sítio a luta contra Gregory e os seus pistoleiros, visto que estava sorridente quando disse:

— Foi uma boa resposta, rapaz. Tu és um McCoy, não é verdade?

— Vejo que tem boa memória, Duncan. E o senhor, se não eme engano é o xerife deste posto.

— Era — atalhou Bradley, em tom irónico. — Apresentou o seu pedido de demissão quando a pólvora começou a ser queimada demasiadamente.

— Fi-lo — exclamou Duncan agastado — porque ninguém queria ajudar-me. Os seus ajudantes apressaram-se a fugir tão depressa Buck Wells e os seus pistoleiros pisaram esta terra. Eu estava só contra toda uma quadrilha de assassinos e não podia aspirar a outra coisa que não fosse morrer sem proveito para ninguém.

— Às vezes é preferível morrer honrosamente, Duncan --- respondeu Bradley, que não dava o braço a torcer. — Tinhas-nos a McCoy e a mim. Vínhamos ver-te para que fizesses o possível por ajudar-nos, para que, unidos, tivéssemos uma possibilidade de defesa contra esses malvados. McCoy insultou-te naquele dia em que te negaste e disse-te que não abandonaria o posto. Por isso mesmo teve como prémio a morte. forque não era um cobarde como tu.

— Acalme-se, Bradley! — pediu. o pistoleiro. Que deseja, Duncan?

— Gostaria de poder contar com os seus revólveres.

— Para quê?

— Para manter a ordem na região.

— Deseja voltar a ocupar o seu posto?

— Desejei-o sempre. Bradley, em parte, tem muita razão no que disse. Eu devia ter permanecido no meu posto até morrer. Presenciei tantas desgraças nestes últimos meses, que todas elas me parecem provocadas pela minha absurda atitude. Coloquei a minha vida antes de tudo e afinal fui um egoísta. Tenho uma proposta para si, McCoy. Cedo-lhe o meu cargo, com a condição de me conservar como seu ajudante. Quando as pessoas da terra o virem lutar, quando observarem de que modo defronta os seus inimigos, segui-lo-ão para aonde você quiser levá-las. Creio que poderá fazer muito para libertar esta comarca, para...

— Lamento, Duncan, não aceitar o seu convite. Não vim aqui para me defrontar a tiro com todos os pistoleiros destas montanhas e desta região, pelo único desejo de fazer desporto. Sou um pistoleiro como eles e Bradley sabe-o bem. Trabalho por minha conta e risco e não admito que ninguém se misture nos meus assuntos. Além disso, não me quadraria uma estrela de xerife, para que, depois, quando tudo se concluísse, supondo que sairia com vida desta aventura, a mesma Lei que eu defendia me fizesse sentar no banco dos réus. Tenho um assunto entre mãos que pode durar muito ou pouco tempo. Quando o terminar partirei.

— Lamento-o, sinceramente, McCoy. Tenho estado à espera do homem capaz de me ajudar nesta missão. De qualquer maneira não se esqueça do meu convite. Consigo não me importaria de morrer frente a esses malvados.

Nem Bradley nem Bob McCoy responderam. Os dois homens começaram a andar sem voltar a cabeça, enquanto o velho capataz lançava imprecações contra Duncan.

— Ele foi um cobarde, rapaz — disse num tom rouco. — Gostaria que tu tivesses visto o teu tio falar-lhe. Quase lhe pediu por favor o seu concurso. Naquela manhã julguei que Clark McCoy mataria o Duncan como cobarde, mas conteve-se. E lutou-se, sem ninguém que o ajudasse, até que o mataram à traição. A sua filha é da mesma têmpera, Bob, do mesmo sangue ardente e invencível de seu pai. Terás de compreendê-la, de tomar conta da situação em que se encontra e...

— Não quererá que a trate com mimos, não é verdade?

— Quase te aconselharia.

— Então será melhor que eu não vá vê-la.

— Procuras a desforra, uma vingança mesquinha.

— Nunca lhe fiz mal, não é verdade?

-- Pois é.

— Em compensação ela picou o pai para que o velho McCoy me afastasse do seu lado. Eu era um jogador, um rapaz a quem as armas agradavam demasiado. Continuo a ser o mesmo de sempre: um jogador de batota, e um temível pistoleiro. Sabe o que fiz não há ainda muitas semanas? Vou dizer-lhe, velho Bradley. Matei dois dos quatro irmãos Wells, em Glendale City.

Bradley lançou uma maldição. Tinha parado de repente e olhava com olhos surpreendidos o rapaz, como se ainda não tivesse podido compreender o sentido daquela notícia. Depois abriu a boca, ainda debaixo do efeito da surpresa, e exclamou com voz entrecortada:

— Sabes o que isso significa, Bob?

— Bem sei. Tive várias semanas à minha frente para pensar.

— Essa carta falava de um dos Wells, do pior de todos, de Buck o assassino de Nevada».

— E que importância tem isso.

— Saberá que tu mataste os outros e então não deixará pedra sobre pedras até que satisfaça a sua vingança.

— Foi por essa razão especial que vim.

Bradley olhou-o fixamente. Tinha-se detido diante da cavalariça de aluguer.

— Não te entendo, meu filho.

—É muito fácil de compreender. Jim Wells ficou com vida. Fazia parte do mesmo bando de criminosos que os seus irmãos e ao qual, por um acaso, eu pertencia também. Tivemos algumas questões. Eram rápidos, duros e temíveis e quiseram impor-me a sua vontade. Lutámos e eu matei-os. Jim vem-me seguindo o rasto à frente de alguns dos seus mais temíveis pistoleiros, entre eles Terry Sharp e Thomas Drele, desde que abandonei Glendale City. Em New River City estiveram a ponto de me caçarem, depois de matarem a tiro o meu cavalo. Dali até esta comarca consegui despistá-los, mais sei que hão de vir até cá.

—Ter-te-ia sido melhor fugires para a Califórnia ou ir para Oregon.

—Pensei melhor, entretanto. Não me agradava nada a ideia de ter de fugir constantemente, de viver sempre em guarda, tanto contra esses homens como contra a Justiça. Por isso a carta de Nancy despertou o meu interesse, ao mesmo tempo que me permitia tirar um bom partido de situação. Foi por estas duas razões importantes que vim. Se não fosse isso…

Deteve-se um momento e sorriu, acrescentando:

— Gosto de ser franco, de falar com clareza, para que as coisas não tenham duplo sentido. Venho aproveitar-me desse rancho, do meu trabalho na sua defesa. Se a prima Nancy aceitar as minhas condições, serei um esforçado pistoleiro. Se as negar, terá de ficar à frente dos seus negócios sozinha e creio que então irá de um modo rápido a caminho da ruína. Não se portaram bem comigo, tenho-o repetido centenas de vezes. Desprezaram-me então e agora procuram-me para que defenda o que lhes pertence, o pouco que ainda lhes resta. E falo no plural, como se o meu tio, da cova onde o meteram, pudesse escutar-me. Aprendi, durante todos estes anos, a não ser um imbecil, a tirar proveito de tudo quanto se ponha ao alcance da minha mão. A prima Nancy terá de capitular ou perecer.

Bradley tinha empalidecido um pouco.

— Então teria sido melhor que me deixasses matar pelo Gregory Croak. Não poderei tolerar que faças uma coisa semelhante com ela. Nancy é para mim algo mais que a filha do meu melhor amigo. É como se fosse a minha própria filha. Defendi-te muitas vezes, muitas vezes. Por isso quero que me proves o teu reconhecimento de algum modo.

— A minha dívida está paga. Salvei-lhe a pele. Bradley. Agora estamos quites.

Entrou na cavalariça e selou o cavalo vagarosamente. Bradley fez o mesmo sem dizer palavra. Tinha a impressão de que não conseguiria mudar a ideia do rapaz. Era verdade que os donos daquela fazenda não se tinham portado com ele de um modo amável e acabaram por pô-lo fora, do mesmo modo que a uma ratazana morta para a estrumeira. E agora estava exaltado e queria desforrar-se.

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