quinta-feira, 22 de julho de 2021

BIS245.03 O ódio dos Quintana

Já não estava longe o anoitecer. Havia pedaço que o Sol escondera o seu rosto de fogo.

Luís Quintana acelerou o passo, em direção ao passeio contrário, onde deixara o cavalo amarrado a um poste. As esporas, de grandes rodas, tilintavam devido às rápidas passadas. Levava os punhos crispados com a raiva. Só os abriu para desatar as rédeas do animal.

Dispunha-se a montar, quando uma voz familiar o deteve. Voltou-se bruscamente e os seus olhos encontraram-se com os de um homem vigoroso, embora cheio de cabelos brancos. Aparentava uns cinquenta anos, mas Luis sabia que tinha mais dez. Era o tio, Matias Quintana. Do coldre que lhe pendia do lado direito, assomava uma bela coronha de marfim, que punha uma discordante nota, com aquela brancura, no negrume do vestuário.

— Não te vejo nada contente, sobrinho. Viste Martin Palácios?

Luís Quintana mastigou uma praga e respondeu, com a cabeça, afirmativamente.

— Já o devia calcular.

— Há de arrepender-se de ter vindo.

— Que fizeste ao teu revólver? — perguntou o tio, com seu quê de troça, apontando para o coldre vazio.

— Foi Larson, tio Matias.

— Larson? O xerife?

— Sim. Mas não ficará a rir-se impunemente.

— Parvo! Cala-te! — replicou Matias Quintana, enfurecido. — Um da nossa família a cair no ridículo em Corrales!

— Eu…

— Vinga o teu pai, idiota! — rugiu o ancião, furibundo. — O assassino, esse Martin Palácios, não pode continuar vivo!

—Pois morrerá, se não sair de Corrales esta noite mesmo.

—E ainda pensas em deixá-lo partir?

Luís Quintana sorriu com astúcia, antes de murmurar entre dentes:

— Martin Palácios não sairá de Corrales.

— Aonde ias agora? — perguntou Matias Quintana, sorrindo já, satisfeito...

— Buscar alguns homens e uma outra arma. Quero liquidar este caso quanto antes... será preferível assim. Quando os Palácios souberem que Martin se encontra em Çorrales, virão até cá. Não nos, convém que ainda o vejam vivo.

— Está bem, vai. Eu fico por aqui, à espera.

Luís Quintana partiu, a galope, rua abaixo. Tinha perdido a sua boa oportunidade perante Martin. Deu-lhe publicamente um prazo para deixar a povoação, sabendo que Palácios não o aceitaria. Mas, de outro modo, desafiar Martin, forçando-o a puxar de uma arma, era praticamente um assassínio.

Luís Quintana sempre se evidenciara velocíssimo a tirar o revólver do coldre. Martin, pelo contrário, nunca fora mestre no manejo de armas e muito menos agora, após dez anos de presídio, com inatividade forçada. O assassino de Rodrigo Quintana não sairia de Cor-rales. Morreria nessa noite.

 

*

 

Elena Marquez de Palácios disse adeus, com a mão, a despedir-se dos filhos, Jorge e Enrique. Ardia em desejos de apertar nos seus braços o mais velho, Martin. Mas Juan Palácios, o marido, estava doente e ela compreendia que era seu dever acompanhá-lo. Se esperara dez anos para tornar a ver o primogénito, podia esperar três ou quatro horas mais para o abraçar e beijar, se bem que esse curto lapso de tempo lhe parecesse quase uma eternidade.

De olhar perdido ao longe, naquela nuvem de pó que deixavam os cavalos galopantes dos dois filhos mais novos, pensou em Martin. Pobre Martin! A vida fora dura de mais para ele. O seu coração de mãe, incapaz de a enganar, dizia-lhe que o filho estava inocente do horrível crime que tinha abalado Corrales dez anos atrás.

A partir de então, crescera, o ódio entre os Quintana e os Palácios. As duas, famílias rodearam-se de pistoleiros mercenários, que se encarregavam de as proteger e, ao mesmo tempo, manter o fogo da desavença.

Verdade se diga que, se o ódio entre essas famílias irrompera dez anos antes, a rivalidade entre elas era muito mais antiga.

Os Marquez eram pequenos proprietários. Tinham uma só filha, Elena. A beleza da rapariga foi prémio ansiado por Matias Quintana e Juan Palácios, que a cortejavam assiduamente, qual deles o mais desejoso de casar com ela. Triunfou Palácios. Quintana resignou-se — aparentemente. Mas a inveja e o ódio fizeram-no criar dificuldades sem conta ao rival triunfante.

Rodrigo Quintana, irmão de Matias, tentou limar as asperezas que surgiam entre as duas famílias mais poderosas de Corrales. Juntas, o seu poder quase não conheceria limites. Em contínuas lutas, iam-se ambas desgastando. O casamento da sua filha Beatriz com um Palácios —Martin — lograria a máxima aspiração que o norteava: acabar com a perigosa situação reinante.

Os dois jovens amavam-se. A beleza de Beatriz podia conseguir abater as armas e extinguir as chamas do ódio. Mas uma noite, aziaga noite de amarga recordação, arderam uns campos dos Quintanas, perdendo-se as colheitas. As provas condenavam Martin. Rodrigo Quintana chamou-o à sua presença. Segundo sempre declarou no tribunal, Martin, ao entrar no aposento onde o esperava o fazendeiro, ouviu um tiro à sua retaguarda e viu escorregar para junto dos pés o seu próprio revólver, que ele tinha deixado em casa. Ao reconhecê-lo, curvou-se para o apanhar.

Matias Quintana, que apareceu, atraído pelo tiro, surpreendeu-o com a arma na mão. Martin Palácios contemplava a arma, como apatetado, mal podendo acreditar que fosse a sua. Mas era, sem dúvida. E saíra desse revólver a bala fatal.

A casual presença de Craig Larson, o xerife de Cor-rales, ex-caçador de recompensas, evitou que os Quintana e seus vaqueiros acabassem ali mesmo com o jovem Palácios.

Poucos dias depois, um primo de Martin, Lorenzo Palácios Mora, apareceu enforcado misteriosamente. A sua morte foi atribuída aos Quintana, que, exacerbado o seu ódio, não cessavam de se opor aos Palácios. Mas nada se pôde provar.

O processo seguiu o seu curso. Martin foi condenado a vinte anos de presídio. Agora, volvidos dez, regressara. A sua conduta, exemplaríssima, determinara diminuição da pena, até atingir os cinquenta por cento.

Entretanto, Beatriz, sob pressão do ódio que o tio Matias e o irmão Luis votavam aos Palácios, cansou-se de esperar pelo impossível — o seu amor a Martin Palácios, o assassino do pai, era-lhe vedado. Marcos Alcântara tomou o lugar do condenado.

A origem de Alcântara era um mistério. Mas evidenciavam-se nele o afeto pelos Quintana e o ódio aos Palácios. Isto abriu-lhe as portas da fazenda dos que reputava amigos. Passou a ser mais um dos de El Robledal.

Elena Marquez Palácios tentou afastar da sua mente aqueles amargos dias que tão fundamente anularam a sua antiga felicidade. Estava contentíssima com o regresso do filho Martin, mas receava que a sua vinda desencadeasse uma nova onda de violências. E agora... os dois filhos mais novos iam a Corrales para abraçar o irmão recém-chegado.

Em silêncio, os seus lábios moveram-se quase impercetivelmente, a sussurrar uma oração. Que todos voltassem ao lar, sem dano algum, que não encontrassem no seu caminho com o ódio dos Quintana. Para ela e para o marido a vida futura consubstanciava--se nisso. Não poderia sobreviver à perda de nenhum deles. O seu coração já não aguentaria um choque dessa natureza.

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