sábado, 24 de julho de 2021

BIS245.05 Os amores de Martin Palácios

O rancho dos Palácios era uma bela construção de estilo californiano, com reminiscências espanholas: paredes branquíssimas, de estuque, enormes terraços, muitos vasos com flores debaixo de alpendres, negros varões de ferro, artisticamente forjado, em janelas, portas e varandas.

No pórtico de lajes marmóreas, brancas e pretas, procurando ver através da escuridão, de olhos fitos na possível distância, encontrava-se Elena Marquez de Palácios, silenciosa, tensa, expectante, como leoa aguardando o regresso dos seus filhos.

Por fim, os seus lábios distenderam-se num sorriso. Aproximavam-se três cavaleiros, galopando. Voltavam à casa dos Palácios os três filhos, o seu orgulho, a sua alegria. Riu nervosamente, uma vez afastado o receio.

Pouco depois desmontavam, já dentro da cavalariça. Mais um segundo e ouvir-lhes-ia o tilintar das esporas no solo do pátio, nos degraus da escada que subia para...

— Martin!

O grito de alegria, misturado com as lágrimas, rasgou a noite. Um abraço, sonhado dez longos anos, juntou mãe e filho.

— Martin!

— Mãe!

Não precisavam de mais palavras. As pronunciadas eram suficientes para exprimir tudo: o amor, a ansiedade, a esperança — dez anos condensados naquelas palavras tão simples. Menos de um minuto depois, já todos se dirigiam para o quarto onde os esperava Juan Palácios, anelante, receoso.

*

Eram cerca de quatro horas da tarde. Martin, no extremo do bosque, admirava todo o vale. Nada tinha mudado, naqueles dez anos. Só ele. O céu continuava a ter ali o mesmo azul, as montanhas do fundo não variavam em pormenor algum, o ar tinha a mesma pureza dos outros tempos.

Fora ali, naquela tarde, para recordar momentos felizes da sua vida, momentos que não mais voltariam. Por que motivo Beatriz não acreditou nele? Porque não o esperara? Sentia a maior das amarguras, ao lembrar-se daquele passado. Quantas vezes tinham passeado por ali, Beatriz e ele, fazendo planos de um futuro que nunca chegaria a realizar-se, que era agora totalmente impossível.

— Martin...

Era a sua cálida voz. Parecia-lhe estar a ouvi-la.

— Martin...

Não era recordação. Nem sonho. Era a voz dela. E, de súbito, viu-a. Aproximava-se. Loura, com olhos pardos, cinzentos de aço, bela, tal como a recordava. Os anos não a tinham causticado. A sua beleza era a mesma.

— Olá, Beatriz... — murmurou, desajeitadamente, descobrindo-se.

— Martin... Calculava encontrar-te aqui... aonde vínhamos tantas vezes...

— Pois eu julguei que não te veria, Beatriz. Tantas coisas sucederam...

— Porque voltaste, Martin? — sussurrou Beatriz.

— É curioso que todos me façam essa pergunta. Tinha de voltar. Não compreendes? A minha vida é aqui.

— Agora ainda será mais difícil.

— Para quem? — perguntou Martin Palácios, em voz baixa, com amargura. — Para quem? — repetiu.

—Para nós...

Martin não pôde reprimir um riso amargo.

— Só para mim, Beatriz. Tu já tens o lar que escolheste. Cheguei a iludir-me, a crer que soubesses esperar. Enganei-me.

— Nunca te julguei culpado.

— E não o fui! — exclamou Martin Palácios, com firmeza.

— Tudo te acusava. Vinte anos... uma vida inteira...

— Que sabes tu do que seja esperar? Eu, sim, eu aprendi-o. E agora estou aqui para lavar o meu sangue. Não matei o teu pai!

— Podemos encontrar-nos aqui... umas vezes por outras. Ninguém nos verá... podemos...

Não pôde concluir. A mão direita de Martin esbofeteou-a duramente. Beatriz retrocedeu, cambaleando. As faces adquiriram vermelhidão intensa.

— Beatriz! — rugiu Martin. — Cala-te! Nem mais uma palavra! Deixa, ao menos, que eu guarde de ti uma bela imagem de pureza, como te via em sonhos, nestes dez anos! Não me obrigues a perder uma das poucas recordações que suavizaram a minha solidão.

— Não compreendes... Amo-te, Martin. Amo-te ainda... amar-te-ei sempre.

— Basta, Beatriz! Não amachuques os meus sentimentos. Posso cometer uma loucura de que depois nos arrependeríamos.

Os olhos de Beatriz pediam, em silêncio, que ele cometesse a loucura. Os seus rubros lábios tremiam, a vibrar de paixão, perto, muito perto. Aproximara-se lentamente de Martin, que, imóvel como estátua, sentia, no entanto, crescer dentro de si uma estranha debilidade.

Principiava a dominá-lo o fogo abrasador dimanante do corpo daquela mulher que tanto amara e que se aproximava dele cada vez mais. A testa encheu-se-lhe de suor. Os braços tremiam-lhe. Todo ele estremeceu. Repentinamente cego, com um ímpeto selvagem, com dez anos de travão, agarrou-a, abraçou-a e beijou-a, quase lhe mordendo os lábios — aqueles lábios que o entonteceram com o seu febril convite. Por momentos, esqueceu tudo.

Depois, o cérebro impôs a sensatez à loucura. Deixou cair os braços, inertes, como sem vida. E talvez incompreensivelmente, mas, sem poder evitá-lo, chorou. Chorou como só o faria um homem que tinha perdido tudo. Chorou com lacerante amargura. E como nos últimos dez anos, tornou a sentir-se absolutamente só.

Beatriz contemplava-o, também com lágrimas nos olhos. Pela primeira vez, teve noção da loucura cujas fronteiras roçaram. E pela primeira vez percebeu que perdera para sempre Martin Palácios.

— Adeus, Martin — sussurrou. — Obrigada...

E em silêncio, no silêncio em que se enroupa o vencido, voltou costas, deu uns passos, montou a cavalo e partiu, galopando, sem olhar mais para trás. Também Martin Palácios não quis levantar os olhos, embaciados de lágrimas, para não tornar a ver partir aquela que tinha sido o único amor da sua vida e que ele acabava de perder pela segunda e última vez.

 

 

 

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