Os troncos arrastados pelos dois cavalos levantavam à sua passagem uma enorme nuvem de pó.
Brod Nolan enxugou o rosto com o lenço. Tinha sido um dia de rude trabalho. Fora várias vezes à cordilheira à procura de cedros, trazendo-os por «Las Riberas», para evitar o terreno acidentado do desfiladeiro.
Vendo o seu gado a pastar pacificamente, Nolan suspirou aliviado. Agora, a única coisa que desejava era dez horas de sono, sem interrupção. Próximo do carro, cavalgando lado a lado com Nolan,
Green disse:— Entre as árvores há um cavalo. É o ruão (i) da Hart.
Brod desmontou, chamando repetidamente:
— Hart.
E, de súbito, viu o corpo estendido. Cambaleou, sentindo o peito estalar de dor. E o mundo inteiro deixou de existir para ele. Tinha nos seus braços o cadáver do irmão. Ao contacto daquele corpo frio, apeteceu-lhe morrer.
Era já noite, quando Sol Green, aquecendo café, murmurou:
— Toma o meu revólver, Brod. A espingarda chega-me bem.
Nolan recusou em silêncio. Havia sentado o corpo do irmão contra a roda do carro e rodava entre os dedos uma pequena haste. Disse:
— Uma flauta. Ele sabia fazer flautas assim. Eu, então, chamava-lhes «assobio». Quando éramos rapazes...
Guardou a haste no bolso. Green teve de tossir para disfarçar a emoção.
— Sim, recorda-te dos bons tempos, Brod. Os maus, não. Hart... Hart era pouco expressivo, mas foi sempre bem-intencionado.
Só quando o corpo de Hart se encontrava amarrado ao ruão, é que Brod começou a sair daquele estado de espírito que até então o dominara. Pelas pegadas, tinham sido três os cavaleiros que se encontraram com o irmão. Mas porque teria Hart voltado? Para lutarem outra vez? Para o avisar de qualquer coisa? E porque teria puxado do revólver e disparado? Não atinava com a resposta. Olhou Sol Green.
—Não vens comigo, Sol. Vai ao «Doble Z» e comunica a Carla o que sucedeu. Encontramo-nos amanhã, Sol.
— Mas... tens a certeza de que voltarás amanhã, bom moço?
«Bom moço», pensou. «Era assim que Sol antigamente me chamava... nos momentos críticos...».
— Voltarei... Não tenhas dúvidas.
A meio do caminho, estalou ao longe a tempestade. Um lobo uivou, carregando ainda mais a atmosfera já densa. Pouco a pouco, uma raiva surda foi invadindo Nolan.
Em Cliff Town, as únicas luzes acesas eram as do «Golden». Brod cavalgou até à rua lateral, apeando-se em frente da casa onde vivia o «sheriff». À sua chamada respondeu uma voz sonolenta. Passaram-se alguns minutos, e Elton Graver apareceu ainda meio vestido.
—Estava a pegar no sono, Brod. O que é?...
Reparou nos dois cavalos e de súbito, despertou de todo
— Quem é?
— Hart. Green e eu encontrámo-lo junto do meu carro.
Graver ergueu a manta que cobria o corpo. Depois, deixando-a cair, perguntou:
— Onde está o seu revólver, Brod?
— Não tenho revólver, Elton.
Entrando em casa, Graver disse:
— Vou avisar o doutor para que tome conta de Hart... para o meu escritório e espere por mim.
— Primeiro quero ver Francis Gorvin.
— Vá pra o meu escritório — e a voz do «sheriff» era áspera e autoritária.
Estendeu a Nolan uma chave e afastou-se imediatamente, conduzindo pela arreata os dois animais. Brod entrou no escritório do «sheriff» e esperou cerca de quinze minutos, ao fim dos quais apareceu Elton Graver seguido de Wax Jones.
O «pistoleiro» olhou com receio o jovem e perguntou:
— Para que me trouxe aqui, «sheriff»?
Fechando a porta, Graver anunciou secamente:
—Jones, não me agradam absolutamente nada os tipos da sua índole. Esta noite esteve no «Golden» falar com grande entusiasmo sobre determinado assunto. Tem agora a oportunidade de repetir as intrigas que tem andado por aí a espalhar.
—Bem... eu estava um pouco bebido e... Compreende, não é verdade? O álcool descontrola as pessoas... — murmurou Jones, olhando o solo. — Refere-se à luta entre os dois irmãos?
— Não Refiro-me àquilo que você diz ter visto ontem à noite.
Jones tirou o chapéu, alisou o cabelo, e voltou a colocá-lo na cabeça.
—Bem, pois aí vai. Tal como disse, o senhor MilIer deu-me ordem para vigiar Buffalo Creek. O patrão queria saber o que Nolan fazia no terreno que tinha reclamado. Se não acredita em mim, pergunte a Miller.
— Perguntar-lhe-ei. Continue.
— Procurei um sítio onde pudesse vigiar sem ser visto e, ontem à noite... Sabe, «sheriff», não me agrada manchar a reputação duma dama e, se não se importar, prefiro calar-me.
Graver segurou o «pistoleiro» nela camisa, empurrando-o violentamente contra a parede.
— No «Golden» não era tão discreto, Jones. Repita tudo o que tem andado a dizer.
—Bem... Já que me obriga... Era a senhora Nolan, a esposa de Hart. Juro que a vi...
Brod Nolan saltou para a frente, mas Graver já estava prevenido e cortou-lhe o ímpeto, colocando-lhe uma mão aberta no peito.
—É verdade o que ele diz, Brod? Ela esteve ontem à noite no acampamento?
Brod assentiu. Graver continuou:
— Que se passou depois, Jones?
—O negro localizou-me e disparou sobre mim, mas consegui escapar.
—E já não voltou a ver Hart Nolan?
—Não, até ao momento em que me mostrou o seu cadáver.
O «sheriff» exalou um profundo suspiro. Depois abriu a porta.
— Saia, Jones. Desapareça da cidade. Você e Howard, desapareçam da cidade. Se continua a propagar essa história, nem Ron Miller poderá evitar que eu o ponha fora da comarca. Desapareça.
Wax Jones saiu, exibindo uma expressão de desprezo e rancor. Fechando a porta, o «sheriff» disse:
— Oxalá que toda esta história seja mentira, Brod.
— Também eu desejaria que fosse, Elton. Mas não é o que você pensa...
Dirigindo-se para a sua secretária, Graver observou:
— Nunca permito que os meus sentimentos se interponham com o que a minha consciência julga ser justo. Já mais de uma vez o preveni, Brod. O seu génio é demasiado impulsivo e...
—Mas... Quer dizer que eu matei Hart?
— Se não foi você, quem foi então?
— Não sei. Isso diz-lhe respeito, «sheriff». É seu dever encontrar o assassino.
— Logo que o dia nasça irei falar com Green. Ma se Green é a sua única testemunha, Brod, poucas esperanças lhe restarão. Especialmente, depois de Hart ter recusado os seus préstimos.
Brod passou a mão pelo rosto, tentando afastar cansaço, o pesar e a confusão que se instalara no se cérebro. Na sua voz inexpressiva, Graver prosseguiu:
— Um homem matou uma vez. A segunda é muito mais fácil. É trágico, mas é assim. Resumindo: conte-me porque disparou sobre Hart.
—Já lhe disse que não estava ali. Estava nos montes.
— Conheci-os muito jovens. Carla quase que a nascer. E quando uma mulher como ela, caprichosa de génio vivo, se interpõe entre dois homens como Hart e você... sucede o pior. Neste caso, desgraçadamente, o pior já sucedeu.
— Não lutámos por causa de Carla. Hart tinha plena confiança nela.
— Hart era assim. Mas então, porque é que Hart ameaçou matá-lo?
Olhando-o com firmeza, Brod Nolan engoliu em seco. Os pensamentos de Graver tornavam-se visíveis para ele, com uma nitidez que tocava as raias da loucura. Hart havia casado com a sua noiva. E depois... a sua fama de desordeiro.
— Oiça, «sheriff» ... Eu juro que não lutámos por causa de Carla. Juro-lhe que eu não...
— Pessoalmente posso compreender que você e Hart, apesar de teimosos e demasiado impulsivos, não pensaram matar-se. Mas você, Brod, é um homem que se gaba de que a vida é uma partida de póquer onde é preciso saber-se jogar a pele na ponta de uma bala.
Graver foi até ao chaveiro, acrescentando:
— Ë meu dever prendê-lo, Brod Nolan.
Demasiado exausto para discutir, Nolan seguiu-o. Ao fundo do corredor havia três celas. Graver abriu uma das três. Ao entrar nela, Nolan sentiu todos os músculos do corpo endurecerem. Era a mesma cela que havia ocupado durante o processo da morte de Lloyd Leblanc.
(i) N. do T.— Ruão: cavalo de pelo branco e prado, ou de pelo branco com malhas escuras e redondas.
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