Um vermelho resplendor de ocaso banhava Cliff Town.
Nolan entrou na cidade e foi deixar a sua égua no estábulo principal. Tinham decorrido seis dias desde a sua visita a Evelyn Leblanc.
Saiu do estábulo sacudindo o pó que lhe cobria a roupa. O seu rosto magro acusava fadiga e enquanto caminhava fazia tilintar no bolso os dois dólares que lhe restavam.
Quando passou em frente do «Golden», ouviu a pianola e aspirou o odor a tabaco e a «whisky» que vinha do interior do «Saloon». Ao chegar à esquina voltou para a direita, dirigindo-se para o amplo edifício quadrado que, como o Banco, também tinha janelas arejadas.
No umbral da porta do escritório encontrava-se um homem de meia-idade, pançudo, mastigando um palito que cuspiu, para dizer:
—Boas noites, Nolan. Estava já a pensar que não vinha ver-me.
O «sheriff» Elton Graver tinha sido tantas vezes reeleito que parecia uma instituição irrevogável. No entanto, não fazia política nem concedia favores.
—Não sabe de qualquer trabalho que eu possa fazer?
—Não. Mas sempre que queira, tenho um catre à sua disposição. Feijão a todas as refeições e frango aos domingos. Alimento bem os meus clientes.
— Ainda me recordo — respondeu Nolan.
— Como está o Sol Green?
Retirando do bolso do colete outro palito, Grav examinou a ponta, antes de dizer:
— Vai bem, segundo tenho ouvido.
— E que mais ouviu?
— Talvez fosse melhor deitar uma vista de olhos pela Gruta Lazz.
Nolan franziu o cenho. A Gruta Lazz ficava a três quilómetros da cidade, na encosta junto ao rio. Ur série de túneis abertos por um mineiro louco que procurava um tesouro.
— E que faz por lá Sol Green?
— Isso é melhor perguntar-lhe pessoalmente. Mas, se encontrar Sol, ele dir-lhe-á o mesmo que eu, Brod Nolan.
— E o que é?
— Que não apareça à frente de Ron Miller.
— Aceito a sugestão, porque sei que você é sempre imparcial, «sheriff».
— Ninguém gosta de receber conselhos, mas eu vou dar-lhe um. Miller colocou-o na lista negra e quando Miller diz que não há trabalho... não há mesmo.
— Já tive ocasião de verificar a veracidade das suas palavras. Há seis dias que ando de rancho para rancho. Recusas e mais recusas de gente que conhecia há anos.
Gostem ou não, eles vivem do gado e tiveram de associar-se e eleger Ron Miller para seu chefe.
— Quer dizer: se não me for embora, morro de fome.
— Há dois anos que partiu, Brod.
— Mas, então, eu fui porque quis, não porque os outros me mandassem. Bom, passe bem, Elton.
E enquanto caminhava pela rua, Nolan pensou que talvez no hotel precisassem de um lavador de pratos. Mas nem sequer isso conseguiria, pois Ron Miller tinha bloqueado todas as possibilidades.
Montou a égua e, abandonando a rua principal, encaminhou-se para fora da cidade, na direção da encosta escarpada do rio. Quando rapaz, tinha explorado por diversas vezes as cercanias da Gruta Lazz.
Desmontou numa clareira do pequeno bosque, junto ao rio e, colocando as mãos em redor da boca, chamou:
— Sol! Sol Green!
Um ramo seco estalou nas suas costas e Nolan voltou-se bruscamente. Um homem empunhando um revólver surgiu das sombras, inquirindo:
— Aqui estou. Quem chamava Sol Green e para quê?
Brod Nolan riu alegremente.
— Vamos, velho gato! É assim que recebes um companheiro?
Enfundando a arma, o robusto negro avançou, olhando-o cautelosamente. De súbito, estendeu ambas as mãos, rindo como uma criança que encontrasse o seu brinquedo preferido.
— Brod! Brod em pessoa!
Nolan sacudia fortemente as manápulas negras.
— Eu mesmo, sim, eu mesmo! E que fazes tu por estas cavernas?
O riso de Sol Green era profundo, de grave sonoridade.
— Ainda não sabes? Retirei-me e agora sou um homem ocioso.
— Procuras o tesouro de Lazz? — sorriu Nolan, referindo-se ao mineiro louco.
— Quem quer ouro? Caço, durmo até ao meio-dia, enfim, levo uma grande vida. Este velho que aqui vês, nunca mais terá de perseguir vacas.
Sol Green, alto e musculoso, andava à volta dos quarenta. A pele lisa, de cor negra, e os olhos inteligentes que sobressaiam do rosto juvenil contrastavam com o seu cabelo, prematuramente grisalho. Conservava ainda o acento texano que adquirira durante os anos em que vivera na comarca com Elmer Nolan. Era um capataz inteligente, bom atirador de laço. Tudo o que Brod Nolan conhecia de gado tinha aprendido com Green.
— Vem até lá, dentro para conversarmos, Brod.
Nolan seguiu-o até à boca do túnel, que se encontrava a poucos passos, aberto na vertente rochosa. Havia um colchão, uma mesa e uma cadeira de pinho.
— Não é luxuoso, mas é meu e o aluguer é barato.
—Mas, porque é que recebes os visitantes com um revólver, Sol?
Green pegou na bolsa de tabaco e em papel e fez um cigarro. Depois de acendê-lo na lanterna, disse:
— Primeiro, falemos de ti, Brod.
Ao ver o amplo sorriso de amizade, Nolan sentiu renascer dentro de si o seu grande afeto por Sol. Já em rapaz, sempre que estava em apuros, ia consultar Green e nunca Hart ou o tio Elmer. Green fora sempre o seu refúgio nos momentos difíceis e nele encontrava compreensão e bons conselhos. E agora, ver Sol Green em apuros, fê-lo sentir que sobre a cabeça do gigante negro pairava uma injustiça.
—Temos toda a noite para falar de mim. Porque estás metido neste buraco, como um furão?
— Tive uma pequena questiúncula com Ronald Miller. Sabes desses «intrusos» que se fixaram em «Las Riberas»? Pois passou-se o seguinte: eu precisava de dinheiro e consegui-lhes os documentos de reclamação de terras a dez dólares por cabeça. Miller soube e disse que me fosse embora.
—Porquê? Esses documentos de reclamação de terras não são legais?
— São. Mas ele não quer vizinhos. Eu ri-me e continuei a arranjar os documentos. Mas mudei de domicílio. claro, para não tentar o senhor Miner.
— Já percebi... Ele pôs-te na lista negra?
—Bom. a mim não me faz diferença mais um pouco de negro—riu Green.
A aparente indiferença de Green não enganava Nolan, que sabia o orgulho do negro por ter sido o capataz do «Doble 7" já um homem importante mesmo antes dos irmãos Nolan terem chegado. Um capataz que tinha recusado ofertas mais generosas de outros ranchos. para continuar no rancho dos Nolan. E agora estava a viver como um eremita, um fora da lei, ganhando, de vez em quando, uma nota de dez dólares,
— Conclusão: formamos um belo par de rebeldes — comentou Nolan. — Com uma diferença, eu não me importo, mas tu, sim.
— Cada homem faz a sua própria cama... e nela tem de se deitar, Brod.
— Nada de sermões. Quem te pôs na lista negra?
— Não importa. Estou nela.
— Foi Hart?
Desviando o olhar, Green esfregou a barba. Nolan insistiu:
— Hart disse que te tinhas despedido há dois anos. Mas eu creio que foi ele que te despediu. Porquê?
O negro continuou sem responder. Nolan prosseguiu:
— No inverno em que Hart tornou posse do rancho, se não fosses tu, tinha perdido metade do gado. Quase gelaste o nariz a vigiar as reses. Se não fosses tu, Hart estaria arruinado. No entanto, tudo isso não impediu de te abandonar.
— Não fales mais no assunto. Esquece. Eu não tenho coisa alguma contra o teu irmão.
—Eu sei que quase rebentas de dignidade e que tua lealdade te impede de criticar os patrões para quem serviste, mas... Olha, Sol: queres trabalhar comigo?
— Gostaria imenso, meu velho. Mas, francamente não compreendo.
Nolan explicou-lhe o que se tinha passado desde seu regresso, mas apenas no que dizia respeito à sua entrevista com Miller. Depois, estendeu no solo um tosco mapa desenhado num papel áspero e sujo e expôs o seu plano detalhadamente.
Green, ao ver o mapa, assobiou e, ao fim de alguns segundos, disse:
— Isto é corno chamar um touro, exibindo a combinação vermelha da avozinha.
— Sim, mas primeiro corto os cornos ao touro.
— É preciso dinheiro.
—Eu o arranjarei.
—Escuta, Brod. Tenho de sabê-lo... A tua intenção... é apenas arreliar Hart e Miller? É realmente só por isso que te lanças nesta arriscada aventura?
—Não. Estou farto de me sentir um farrapo, um pária, perseguido por uma matilha de cães raivosos. Mas não tão farto que me resigne a deitar-me no solo e morrer de fome, só porque eles o ordenam.
— Eles lutarão.
— Talvez não, se eu souber jogar com inteligência.
— Há terras livres noutras comarcas.
—E eu também me considero um homem livre, aqui, nesta comarca. Estás comigo, Sol?
— Não nasci para viver como vivo agora, Brod... Bom... quando começamos?
Nolan deu uma palmada no ombro do negro:
—Esta mesma noite.
Ia a dirigir-se para a saída por onde tinham entrado, mas Green disse:
— É mais seguro utilizares a outra porta do meu palácio, Brod.
Apagou a lanterna e acendeu o coto de uma vela, com a qual guiou o amigo na escuridão da gruta. Caminhando sobre pés e mãos, Nolan seguiu-o através de vários túneis, até que ao fim de uns detestáveis minutos se encontrou ao ar livre, num campo onde tojos e outras ervas daninhas abundavam.
Green escutou atentamente antes de deslizar à procura d cavalos. Tantas precauções pareceram excessivas a Brod até que recordou Wax Jones.
Dois anos antes não havia homens como ele no vale.
Meia hora depois chegavam à cidade. O ambiente era animado. Noite de sábado, pensou Nolan, enquanto por uma rua lateral, se dirigiam ao bairro residencial.
Desmontaram em frente da casa do banqueiro Francis Gorvin. O próprio Gorvin abriu a porta. Calçava uns sapatos leves, de trazer por casa, e ao encarar com Nolan, tirou o cachimbo da boca.
— Olá, Brod. E você, Sol Green, como está? Entrem.
Se estava surpreendido, não o demonstrava. Na sala, Gorvin afugentou o gato, que dormitava sobre uma cadeira.
— Um grande caçador de ratas — comentou. — No entanto, a minha governanta não simpatiza com ele. Mas como não vieram para falar de gatos, digam lá qual o motivo da vossa visita.
— Viemos por dinheiro, Francis. Necessito de um empréstimo de dois mil dólares.
— Correrei o risco — sorriu Gorvin. — Podes esperar até segunda-feira de manhã?
— Pode ser que não queira correr o risco quando souber o destino que quero dar aos dois mil dólares.
— Planeias abrir um banco em frente do meu e fazer-me concorrência?
— Sol e eu vamos reclamar uma parcela de terreno em Buffalo Creek, vedá-la, trazer gado, ferramentas... Eu sei que Miller considera esses terrenos de pasto como seus, mas é uma terra livre, à espera que alguém a reclame. E esse alguém sou eu.
— Escuta, rapaz. Os homens de «La Riberas» estão apenas à espera de que haja alguém tão temerário que ouse instalar-se em Buffalo Creek. Se Miller o permitisse, já eles se teriam espalhado por esses terrenos férteis, Brod. Mas consta que Miller não o permitirá.
— Eu não quero lutar com Miller nem com ninguém, mas não permitirei que me submetam às suas ordens.
— Um pouco mais além das Cordilheiras, há outras terras, há água...
— E também há neve. Um bom par de metros todos os Invernos. Demasiado frio para as vacas. Escolhi Buffalo Creek porque é o único sítio capaz.
O banqueiro contemplou o negro, que se mantivera em silêncio durante todo o tempo.
— A recompensa que lhe deram pelo seu trabalho e lealdade de tantos anos foi má, Sol, e ninguém pode censurá-lo por se sentir amargurado, mas, porque não tenta convencer Brod?
— Eu não estou amargurado, senhor Gorvin. Apenas estou cansado de esconder-me.
— Então... quer dizer que dá razão a Brod?
— Creio que Brod já cresceu. Partiu um rapaz e regressou um homem. Acho que ele merece uma oportunidade.
— Também concordo, Sol. E só Deus sabe como eu gostaria de ajudá-los. Mas não posso aprovar este empréstimo. Como amigo, sim, mas como banqueiro, não. Miller é o diretor do meu Banco, porque é o maior depositário. Tem direito a verificar e dar o seu parecer sobre todos os empréstimos. Não aprovaria este. Escuta, Brod... Sol está ao corrente do assunto de Evelyn Leblanc?
—Está.
—Então vou sugerir uma coisa. Tu pagaste-lhe a hipoteca... Deixa-me que eu lhe exponha o assunto e que...
— Não.
— Não sejas tão orgulhoso, Brod. Necessitas do dinheiro e ela...
— A única coisa decente que fiz em toda a minha vida, foi isso... Portanto quero que não se fale nesse caso, que considero arrumado.
Gorvin suspirou.
— Pois bem, sinto muito, mas tenho as mãos atadas. Não te posso valer. Hart sabe dos teus planos?
— Não. E tenho a certeza de que não irá gostar.
Brod, durante uns breves instantes, arrependeu-se de não ter aceite a sugestão de Gorvin. Mas não era o orgulho que o impedia de recorrer a Evelyn Leblanc.
Na rua principal, as luzes, brotando das janelas e das portas, espargiam o seu resplendor. Vozes, música e, ao longe, alguém disparava para o céu. Noite de sábado, noite de pagamento...
Nolan tateou no bolso os dois dólares que lhe restavam e disse:
— Parece-me que não consigo dinheiro, Sol.
Voltando a esquina, viram aproximar-se uma carruagem. Nolan reconheceu o andamento dos cavalos e a parelha que seguia à frente. Hart Nolan vinha à cidade para visitar o pai de Carla e levar a mulher ao baile. Apertando o braço de Green, disse:
— Tenho de ver Hart. A sós. Irei ter contigo ao «Golden». Não te preocupes, porque esta noite não haverá luta. Prometo-te.
Sol Green afastou-se na direção oposta. Brod esperou que a carruagem parasse e avançou quando Carla se apeava. A rapariga vestia um elegante traje de cor vermelha e o seu cabelo ruivo estava penteado de forma a realçar ainda mais as formas harmoniosas e belas do seu rosto. Ao vê-lo, exclamou:
— Eu tinha a certeza de que não faltarias ao baile, Brod Nolan.
— Como a borboleta em redor da luz. Ouve, Hart, é melhor que avises a brigada de incêndio, pois com uma esposa tão bonita...
Hart grunhiu:
—Vamos, Carla, que já estamos atrasados.
—Ê só um momento para ir cumprimentar o papá.
E correu para casa do banqueiro. Passaram uns segundos e Hart voltou a grunhir:
— Não era Sol Green que se separou de ti há pouco?
—Era.
—E que faz ele por aqui?
— Vou pedir-te um favor, Hart. Não para mim... Porque não voltas a admitir Sol Green?
— Porque não quero.
— Sol era o melhor capataz com que podias sonhar. Porque o deixaste?
— Eu escolho o meu pessoal à minha maneira, Brod, e não necessito da tua opinião.
— Compreendo que não queiras nada comigo, mas com o Sol, é diferente. Ele é um bom homem.
— Não o quero no meu rancho, e pronto.
—Bem, esquece o que te disse.
Permaneceram em silêncio. Hart Nolan, sentado na carruagem, parecia incomodado. Por fim, em tom menos hostil, disse:
—Ouvi o que se passou com Miller. Sinto muito, Brod. Talvez se eu falasse com ele...
— Agora já é tarde, Hart. Ele não virá atrás com a sua palavra. Mas, de qualquer modo, agradeço-te.
Tornou a montar e, antes que Carla saísse de novo, afastou-se. Pensou que talvez algum dia o milagre se consumasse, que ele e o irmão deixassem de ladrar, que fossem amigos. Mas esse dia ainda vinha longe, pois quando Hart soubesse dos seus planos sobre Buffalo Creek, ficaria furioso.
No fim de regatear algum tempo, conseguiu quarenta e cinco dólares pela égua e a sela. No «Golden» havia numerosa frequência e foi preciso abrir caminho por entre aquela multidão agitada para chegar ao balcão, onde se encontrava Sol Green.
Enquanto bebia o primeiro golo de cerveja, contemplou a ampla sala... que não via desde aquela trágica noite em que matara Lloyd Leblanc.
Outros homens se comprimiam em redor das mesas de jogo. O «sheriff» Grover, junto à porta de entrada, contemplava tudo com aspeto sonolento.
Nolan interessou-se por uma mesa ao fundo. O banqueiro era Dean Hume, o proprietário do rancho «Triple», cuja presença significava apostas elevadas.
Entre os cinco jogadores, Nolan identificou Wax Jones e Ring Howard. Nolan murmurou:
— Ali está a nossa isca.
—Isca para quem? — quis saber Green.
— Para Ron Miller. Irá aquela mesa entre duas danças.
— Se vais sentar-te àquela mesa... leva o meu revólver.
— Nada de revólveres. Prefiro uma pata de coelho — riu Nolan, avançando para a mesa do fundo.
Esteve a observar a partida sem que nenhum dos jogadores desse pela sua presença. Jogavam pôquer. Ao fim de meia nora um deles levantou-se e encarou com Brod. Sentando-se na cadeira que o outro acabara de desocupar, inquiriu:
— Posso tomar porte no jogo, Dean?
Dean Hume disse que sim. Wax Jones contemplava o jovem, que trocava o seu dinheiro por fichas, e exclamou:
— Olá, «matador»! Sente-se inspirado esta noite?
—Muito, Wax.
— Encontrou já trabalho?
— Que trabalho? Vá, embaralhe as cartas, Wax.
À meia-noite restavam-lhe apenas dez dólares em fichas. Jogava com prudência, estudando os adversários. Wax Jones fazia alarde das suas vitórias, quase consecutivas. Porém, numa jogada inteligente, Nolan ganhou-lhe noventa dólares.
Ring Howard abandonou a partida. Jones continuou a perder e foi obrigado a pedir emprestado a Howard. As vitórias de Nolan sucediam-se umas atrás das outras. As fichas amontoavam-se à sua frente, quando Ron Miller chegou, vestido de negro, com um colete bordado a branco. Postou-se atrás da cadeira de Jones e viu-o perder duas jogadas consecutivas. Quando Jones ficou sem fichas, Miller tocou-lhe no ombro e, imprecando, disse-lhe:
— Eu tomo o teu lugar, Wax.
Sentou-se na cadeira de Jones e adquiriu quinhentos dólares em fichas. Cada vez que Nolan abria, Miller elevava a sua aposta a cem dólares e Nolan era obrigado a abandonar a partida.
A sua pilha de fichas ia diminuindo aos poucos. O «Saloon» ia ficando vazio. Nolan só prestava atenção às cartas. Tinha a boca ressequida. Levava já sete horas seguidas de jogo. E, então, chegou a grande oportunidade. Quando apanhou as cartas viu dois ases e dois setes. Miller elevou a abertura para cem dólares. Nolan colocou cem dólares ao lado dos de Miller pediu uma carta. Miller subiu a aposta para duzentos. Passando a língua pelos lábios secos, Nolan sacudiu lentamente as cinco cartas que segurava na mão. Um ás, um sete, 'um ás, um sete... e um ás, Sentindo nas veias o sangue a latejar, empurrou para o centro da mesa, depois de as contar, todas as suas fichas.
— Elevo a aposta para trezentos e oitenta.
— Aceito — admitiu Miller. — Tem mais qualquer coisa que uma sequência de rei.
— Tenho.
E Nolan estendeu o seu fullen de ases, dizendo:
— Troque-me as fichas, Dean. Por mim, acabou-se a partida.
Nolan passou a mão pela cara. Tinha acabado de converter quarenta e sete miseráveis dólares em mil e trinta. Por detrás da sua cadeira estavam Jones e Howard.
— A partida ainda não acabou — disse Miller.
— Tenho sono. Voltarei quando tiver descansado umas horas, se é isto que quer.
— Você é uni jogador, Nolan. Aposto o dobro ou nada numa única carta.
— Esta noite, não.
Wax Jones, atrás dele, perguntou:
—Está com medo que lhe falte a sorte, «matador»?
— Ele não tem medo — comentou Miller. — Ou tem?
— Está bem, Miller — sorriu Nolan. — Não jogo a uma carta, mas sim à «Roleta Russa». No Arizona jogam-na com uma pequena variante.
— Bazófia? — riu Miller, um pouco pálido.
— Vejamos se assim é — disse Nolan, enquanto chamava: — Ventura! Ainda tem por aqui aquele velho pistolão?
Ventura Smith, proprietário do «Golden», respondeu:
— Sim, mas...
— Tire-lhe uma bala e deixe a outra — explicou Nolan. — Execute a operação por detrás do balcão, de forma que ninguém veja onde fica a bala.
Ventura Smith seguiu as instruções dadas e, segundos depois, ouviu-se o ruído característico do velho revólver, com dois canos e um duplo gatilho.
— De perto, destroça um búfalo. Só ficou uma bala num dos canos.
Passando o dedo indicador pelo bigode, com um sorriso nervoso nos lábios, Miller inquiriu:
— De quanto é a aposta?
— O dobro ou nada. Dois mil dólares. Você tem a preferência.
— Onde está o alvo? — voltou a inquirir Miller.
— Aqui. O alvo sou eu.
Saltando da cadeira, Dean Hume exclamou:
— Não façam essa bestialidade, homens. É uma loucura...
— Cale-se, Dean! — rugiu Miller. — É uma partida entre Nolan e eu. Ou seja, tenho o privilégio de disparar uma bala sobre si, não é isso?
—E se acerta quebra o pote — sorriu nervosamente Nolan.
—E se não acertar, o que sucede?
—É a minha vez. E se também não acertar, você terá nova oportunidade de me estoirar os miolos. Se tivermos sorte, não demorará muito que um de nós esteja estendido no chão empapado em sangue.
— Vou procurar o «sheriff» — disse Ventura.
Levantando-se, Brod Nolan encaminhou-se para a parede ao fundo e, dando meia-volta, encostou-se a ela. De pé, Ronald Miller ergueu o braço, apontando com mão firme ao rosto do homem que se encontrava à sua frente apenas cinco passos. Perguntou:
— Pronto. Nolan?
— Pode disparar. Perante aqueles dois canos negros, enormes, o corpo de Nolan inundou-se de suor frio. O dedo indicador de Miller começou a premir um dos gatilhos e o cão da arma projetou-se para a frente com a velocidade do raio.
Mas repercutiu no vazio. Durante um momento, Nolan julgou que ia desfalecer. Esticou as pernas e procurou manter o equilíbrio. Passou a manga da camisa pelo rosto para enxugar o suor. Quando sentiu as pernas mais firmes, avançou para a mesa, dizendo:
— Agora é a minha vez, Miller.
—Baixando o pistolão, Miller sorriu.
— Julga que vou cair na armadilha? Ventura estava feito consigo. Não há nenhuma bala nesta arma.
Nolan rodou o tambor e uma bala saltou para fora.
— Volta a carregar, Ventura.
— Não, senhor, não, senhor! — protestou Smith, suando. — Aqui, não.
Miller murmurou:
— Sempre tentei averiguar se você era um louco ou um. inconsciente, Brod Nolan. Agora sei que é um louco.
— Pode ser que assim seja. Mas tem de me pagar já, se não quer encostar-se àquela parede para eu tentar a minha sorte — disse Nolan, examinando atentamente a bala que tinha entre os dedos.
— Eu pago — afirmou Miller. — Passe amanhã pelo Banco para levantar o dinheiro... ainda que tenha dúvidas se a sua vida vale tanto.
—E a sua vale?
— Não faço preço às coisas que aprecio — respondeu Miller, abandonando o «Saloon».
Jones, Howard e o resto do seu pessoal, seguiram-no. Cambaleando, Nolan guardou o seu dinheiro e saiu para a rua, abrindo os pulmões ao ar fresco da Madrugada. Encostou-se a um poste e esteve assim alguns segundos.
Depois, enlaçou Sol Green pelos ombros e ambos se dirigiram para o hotel. Já na cama, de ventre para o ar, contemplando o tecto, Nolan ouviu Green dizer:
— Parece que já temos o capital suficiente, Brod.
— Graças à cortesia do proprietário do «Pretty Ranch».
— Ele matar-te-á pelo que acaba de suceder. O seu orgulho de cavalheiro do Sul, sofreu bastante esta noite.
Indicando a bolsa com o pé, Nolan disse:
— Deixa-me cem e leva o resto a Gorvin, para que te assine letras de pagamento. Já sabes como deves gastá-las.
—Demorarei uns quatro ou cinco dias. Entretanto, Brod, tem cuidado. Essa «roleta» nunca deixará Miller esquecer. É verdade que a jogavam no Arizona? Há quanto tempo?
— Desde esta mesma noite. Inventei-a a tempo, não achas?
O negro sacudiu a cabeça, murmurando:
—E se Miller tivesse acertado?
— Ora! Se meu tio não tivesse barba, seria minha tia. Sonhos felizes, Sol.
— Para ti, também, patrão — sorriu o negro. — O dia já está a nascer e quanto mais depressa partir, mais depressa estarei de volta. Não se fie em ninguém, patrão.
Na quietude do quarto, Brod Nolan dormiu com um beatifico sorriso nos lábios. Havia ganho a primeira partida.
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