quinta-feira, 29 de junho de 2023

ARZ138.02 Procura-se proscrito para eliminar quadrilha

A bala disparada levantou uma nuvenzinha de pó aos pés do jovem. Paul olhou para Wander.

Este decidira-se, por fim, pela ação. O seu primeiro tiro saíra curto.

«Não lhe conceda a vantagem da curta distância.»

Wander voltou a disparar. Errou novamente. A sua bala cravou-se no solo, dois passos atrás e um à direita do jovem.

O vaqueiro tinha razão. Aqueles pistoleiros eram bons apenas em duelos de taberna, onde a distância era tão curta que não podiam falhar. Em tais casos, a pontaria era quase o menos; a rapidez é que contava.

A mão de Paul moveu-se num gesto cintilante. Os curiosos que assistiram temerosos à cena disseram mais tarde que não o viram tirar a arma. Mas o revólver estava já na mão do jovem como uma coisa viva. Cuspiu uma labareda. Alguém soltou um grito agudíssimo.

Uma carabina caiu da janela à rua. O atirador emboscado ficara fora de combate ao primeiro disparo.

Sossegado a tal respeito, sentindo-se como se se encontrasse num mundo diferente, onde não o podiam alcançar as balas, Paul desinteressou-se do cúmplice de Wander.

Virou-se para o pistoleiro. Este disparara já o seu terceiro cartucho, com o mesmo resultado dos anteriores.

Wander perturbou-se, sentiu medo. Enlouqueceu ao ver que ficara sem ajuda, perdeu o domínio dos nervos ao verificar que já não podia contar com o auxílio de um homem que não sentia escrúpulos em matar.

Ao mesmo tempo era um pistoleiro fiel ao seu código. Desafiara um homem e tinha de o matar ou morrer. Mas para o matar precisava de conservar a serenidade, e ele perdera-a. Deitou a correr loucamente para o jovem, disparando o revólver com cego frenesim.

Paul fincou os pés no solo. Levantou de novo a mão. Quando apertou o gatilho, sabia que a bala chegaria ao seu destino.

Wander parou bruscamente, como se tivesse chocado com um muro invisível. Levou a mão esquerda ao peito, enquanto a direita lhe pendia inerte ao longo do corpo. O revólver caiu ao solo e levantou uma nuvenzinha de poeira.

Wander fitou o seu adversário com os olhos turvos. De repente caiu de costas, sem forças, e não se mexeu mais.

Depois dos estampidos, caíra sobre a cidade um grande silêncio, quebrado por cem vozes a falarem ao mesmo tempo. Uma delas sobressaiu entre as demais:

— Myers!

Paul virou-se. Houligan, o xerife, avançava para ele com uma pistola na mão.

— Myers, está preso. Entregue-se e não oponha resistência.

A assistência afastou-se de novo para os lados. Houligan ganhava terreno. 24

Paul estava certo de que um júri não o condenaria a uma pena irremediável, mas, ao mesmo tempo, sabia que o castigariam duramente. Dez, doze, talvez quinze ou mais anos de cadeia o esperavam. Ainda não fizera trinta. Quando saísse, seria praticamente um velho.

— Largue o revólver, Myers! — intimou-o Houligan.

Paul hesitou um segundo. Depois abriu os dedos e a arma caiu no chão. Enganou o xerife, que era o que pretendia. Houligan descontraiu-se. O jovem era tão hábil com a mão direita como com a esquerda. Moveu esta e tirou o outro revólver, antes que o surpreendido Houligan conseguisse reagir.

Soou um tiro. As pessoas correram freneticamente.

Houligan olhou a mão direita com ar aparvalhado. Entretanto, Paul inclinou-se e recuperou o revólver caído. Mas o xerife não era homem que se amedrontasse com facilidade. Apesar de estar em desvantagem com respeito ao jovem, correu em busca do seu revólver, atirado a vários passos de distância pela força do impacto.

Paul foi mais rápido. Alcançou o revólver e atirou-o para muito longe com um forte pontapé. Houligan resmungou uma interjeição. O jovem levantou um joelho e golpeou o xerife no baixo ventre.

Houligan dobrou-se agonicamente e caiu no chão quando Paul lhe aplicou uma soberba cotovelada num lado da cara. Já tinha o caminho livre. Ninguém se atreveu a impedir-lhe a passagem. Movendo ameaçadoramente os dois revólveres, deitou a correr e chegou à cavalariça em poucos momentos.

Dez minutos mais tarde desaparecera completamente de vista.

 

*

 

Contemplou as chamas pensativo, absorto em tristes ideias.

Linda podia estar satisfeita. Demonstrara que não era um cobarde, mas nunca mais poderia voltar a Big Creek. Ontem era um cidadão honesto e respeitado. Hoje era um proscrito, com duas mortes na consciência, sem contar com o ataque a um agente da autoridade, o que também pesaria na hora do julgamento.

Se o apanhassem.

Conhecia as montanhas tão bem como o melhor, e assim como sabia seguir uma pista, também sabia apagar as suas próprias pegadas. Por este lado, pois, estava tranquilo.

Mas agora vinha a segunda parte. A pior.

Era um proscrito. Sem dúvida nenhuma, Houligan expedira contra ele as inevitáveis ordens de busca e captura. Teria de se esconder dos agentes da lei.

E naquele momento, salvo um pouco de tabaco, fósforos e à volta de uma trintena de cartuchos, não dispunha de mais nada. Nem viveres, nem sequer uma manta para se cobrir durante a noite.

Era verdade que tinha na algibeira uma pequena quantia em dinheiro, talvez cem dólares. Não trouxera mais consigo, porque pensava escrever a Linda mais tarde para que esta, ao dispor da sua conta, lhe facultasse fundos. Mas tê-lo-ia feito no caso de sair da cidade livre, embora considerado um cobarde. Se agora o fizesse, a remessa de fundos descobriria inexoravelmente o seu paradeiro e seria apanhado.

Voltar a Big Creek? Nem por sombras. Houligan devia estar muito irritado e vigiaria atentamente os arredores da cidade. Então?...

Tinha sobre si o problema de todos os proscritos. Quando se lhe acabasse o dinheiro, teria de roubar para viver. Assim aumentaria a lista dos seus crimes. Algum dos roubados possivelmente resistiria e teria de disparar contra ele. Desse modo começaria uma cadeia de violências cujo fim podia prever com toda a facilidade.

A forca. Ou a morte às mãos de um grupo de agentes da lei. Tal era o seu futuro.

Desesperado, escondeu a cabeça nas mãos. Permaneceu muito tempo em semelhante atitude, mergulhado nos seus amargos pensamentos. Tão distraído estava que não reparou que alguém se aproximara do acampamento, até que ouviu uma voz humana.

— Olá!

Paul pôs-se em pé de um salto, ao mesmo tempo que empunhava o revólver com um gesto velocíssimo. Era um homem que matara já e a quem não importava disparar de novo contra um semelhante.

— Não dispare — disse o recém-chegado. Tinha as mãos levantadas para mostrar as suas intenções pacíficas. — Venho como amigo.

E para provar as suas palavras, tirou o cinturão e deixou as suas armas caírem no solo. Paul meteu o revólver no coldre. O outro deu dois passos e entrou no círculo de luz da fogueira.

— Chamo-me Raymond, Mark Raymond — disse. Estendeu a mão e apertou a do jovem. — Como se sente depois de matar dois pistoleiros, Myers?

Paul reconheceu o indivíduo. Era o tipo do sorriso irónico, o homem que vira ao passar em direção a Wander.

— Não muito bem — respondeu, fazendo uma careta. — É difícil habituarmo-nos à ideia de que, de repente, nos convertemos em assassinos.

— Ora! — Raymond fez um gesto negligente. — O mundo não perdeu nada com a morte daqueles dois patifes. Mereciam-na.

— Mas eu converti-me num proscrito — lamentou-se Paul.

— Isso é verdade. No entanto, espero que reconsiderem em Big Creek e que lhe devolvam o seu bom nome, Myers. — Raymond olhou à sua volta e disse: — Acho o seu acampamento muito desprovido.

— Não viu a forma como tive de sair da cidade? Não tenho nem um mau púcaro de café que lhe ofereça, Raymond.

— Bom, por isso não se preocupe. Trago na minha bagagem tudo o necessário, Myers. Espere um momento.

Raymond deu meia-volta, mergulhou na escuridão e regressou pouco depois com uns alforges bem repletos. Tirou uma frigideira, toucinho, ovos, carne fria e café, manjares que Paul observou com a água a crescer-lhe na boca. Desde a noite anterior que não comia. Jantou com fome de lobo.

Quando acabou, acendeu um cigarro, recostou-se no chão e observou o seu acidental companheiro.

— Bom — disse satisfeito fisicamente—, isto já é outra coisa.

Raymond pegou num raminho a arder e aproximou o lume da ponta do cigarro. Puxou uma fumaça e disse:

— Que pensa fazer agora, Myers?

O jovem encolheu os ombros.

— Depende.

—De quê?

— Do que durem os cem dólares que tenho na algibeira. Esta é toda a minha fortuna neste momento, Raymond. Claro que possuo um rancho e uma conta corrente no Banco, mas não me servem para nada, porque pretender arranjar dinheiro por essas vias seria o mesmo que denunciar-me a mim próprio... Ouça! Como conseguiu encontrar a minha pista? — perguntou de súbito.

Raymond sorriu levemente.

— Servi dez anos no Exército como explorador contra os índios. Isso dá muita prática, amigo Myers.

Paul meneou a cabeça.

— Sem dúvida. Nem todos seriam capazes de dar com o meu paradeiro. Posso perguntar-lhe — acrescentou —para onde se dirige?

— De momento — respondeu Raymond —, não tenho rumo definido. -- Contemplou pensativo a brasa do seu cigarro. — De todas as formas, posso acrescentar que tenho um objetivo.

— Qual?

— Você, Myers.

Paul sentiu o sangue subir-lhe ao rosto. Tratar-se-ia de algum agente especial lançado à sua procura? Mas não, não podia ser tal coisa; não passara tempo suficiente para se desencadear a perseguição.

— Procura-me a mim? — perguntou, temendo uma resposta afirmativa.

— Digamos que sim. Na realidade, procurava um homem com as suas características. Rápido com os revólveres, hábil, inteligente, astuto e... reclamado pela Justiça.

— Ao que parece, eu reúno todas essas qualidades — declarou o jovem, em tom cheio de amargura.

— Exatamente. Falando com toda a clareza, você é o homem de que necessito. A estas horas estão a imprimir-se os cartazes com o seu nome. Em breve a sua efígie será tão popular como a de Wess Hardin.

Paul fez uma careta.

— Faça o favor de não me comparar com esse bandido — pediu.

— No momento atual, a semelhança é espantosa —comentou Raymond. — Mas deixemos isso. Falemos de si e de mim. Preciso de si, Myers, volto a repetir-lhe.

— Para quê?

—Já ouviu falar da quadrilha de Cochrane?

Paul abanou a cabeça.

— Cochrane — repetiu. — Sim, ouvi qualquer coisa. Creio que é uma quadrilha de homens tão selvagens como «apaches».

— Justamente. Por isso o procurei a si, para que a destrua e prenda ou mate todos os seus membros, Myers.

—Eu?

— Sim. Você é o homem ideal. Um tipo acusado de duas mortes e perseguido pela Justiça, não lhes pode inspirar a menor suspeita. Você infiltrar-se-á na quadrilha e destrui-la-á. Quando acabar com ela, receberá o melhor prémio a que pode aspirar neste momento: a anulação das ordens de busca e captura ditadas contra si.

 

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